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“É para escrever o português ou a libras?”: nuances da translinguagem na educação linguística de surdos

“Is it to write Portuguese or Libras?”: nuances of translanguaging in deaf language education

RESUMO

Neste artigo, analiso dois momentos de interação translíngue entre estudantes surdos e professoras para a realização de atividades de produção escrita coletiva em um curso de ensino de português como segunda língua para jovens e adultos surdos. Essa análise teve em vista colaborar com uma compreensão multifacetada das complexas realidades cotidianas da translinguagem (J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
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) na educação linguística de surdos, uma vez que o conceito vem ganhando espaço nesse campo, junto a outras tradições de pesquisa fundamentadas em concepções estruturalistas da língua(gem). As práticas e estratégias translíngues analisadas e discutidas, alicerçadas por uma atividade investigativa teórico-metodológica e descritivamente translíngue, visibilizaram nuances da translinguagem - espacial, tensional/ideológica e momentânea - dos estudantes surdos como recursos-chave produtivos para realização da atividade de escrita e para o aprendizado de língua(gem). Nesse processo, possibilitaram pensar em alternativas para concepções já estabelecidas como a de competência linguística, como alternativa para as concepções provenientes dos conceitos de interferência e interlíngua tradicionalmente acionados na pesquisa (e na prática) em educação linguística de surdos.

Palavras-chave:
translinguagem; educação linguística; competência; ideologias da linguagem; educação de surdos

ABSTRACT

In this article, I analyze two moments of translanguaging interaction among deaf students and teachers performing collective productions of written texts in a Portuguese as a second language teaching program for both young and deaf adults. This analysis aimed to collaborate with a multifaceted understanding of the complex everyday realities of translanguaging (J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
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) in deaf language education, since the concept has been gaining prominence in this field, along with other research traditions based on structuralist understandings of language. The translanguaging practices and strategies analyzed and discussed, supported by a theoretical-methodological and descriptively translanguaged research work, made visible the nuances of the deaf students’ - spatial, tensional/ideological and momentary - translanguaging as productive key resources for conducting the writing activity and for language learning. In this process, the analysis enabled to consider alternatives to conceptions already established such as linguistic competence, as an alternative to the notions arising from the concepts of interference and interlanguage traditionally employed in research (and practice) in deaf language education.

Keywords:
translanguaging; language education; competence; language ideologies; deaf education

1. Introdução

Para colaborar com uma compreensão multifacetada sobre a translinguagem na educação linguística de estudantes surdos, analiso, neste artigo, dois momentos de interação ocorridos durante atividades de produção escrita em um curso de ensino de português como segunda língua para jovens e adultos surdos. Mais especificamente, busco, no aspecto momentâneo da translinguagem (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
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), evidenciar como línguas(gens) são flexivelmente interligadas e enredadas e/ou são pressionadas para a normatividade e uniformidade, de modo a visibilizar a competência translíngue dos envolvidos em transitar por entre essas forças opostas (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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) e lançar mão desse recurso na realização das atividades de produção escrita e no aprendizado de língua(gem).

Essa é uma análise informada teórico-metodologicamente pela translinguagem - nas perspectivas espacial (Canagarajah, 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041
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; Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809
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), ideológica/tensional (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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) e momentânea (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
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) - e por uma abordagem etnográfica translíngue para a pesquisa e compreensão da linguagem (Blommaert & Jie, 2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
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). Juntas, elas reforçam a potência da investigação, que tem como foco o processo e não somente o produto linguístico, assim como a potência da translinguagem como orientação para reconhecer o que foi e/ou continua a ser negligenciado ou descartado por paradigmas dominantes (Kusters, 2022Kusters, A. (2022). Revealing and revaluing auto-ethnography as a catalyst in translanguaging research. Research Methods in Applied Linguistics, 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100017
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; J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
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) na pesquisa e na prática em educação linguística.

Justifico, desse modo, a empreitada, pois em alinhamento a J. Lee, (2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
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, p. 1) considero importante sermos mais receptivos às práticas de linguagem que podem, à primeira vista, passar a impressão de um uso “incomum” e “bagunçado” da língua(gem). Para as pessoas surdas e suas diversas práticas de linguagem, este deslocamento pode significar distanciar-se da ideia de uma “incompletude [linguística] perpétua” (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 801; Cowley, 2017Cowley, S. J. (2017). Changing the idea of language: Nigel Love’s perspective. Language Sciences, 61, 43-55. https://doi.org/10.1016/j.langsci.2016.09.008
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), tal qual fomentam os conceitos de interferência linguística e de interlíngua tradicionalmente empregados no campo da pesquisa (e da prática) em educação linguística de surdos no contexto brasileiro e uma concepção de (in)competência linguística que pode proceder desses conceitos.

Por seu turno, tomar uma postura translíngue, de disposição favorável para a diferença na pesquisa e na sala de aula de ensino de língua, significa respeitar e valorizar as práticas linguísticas diversas e dinâmicas como “recursos-chave na construção de conhecimentos” (Wei, 2022Wei, L. (2022). Translanguaging as a political stance: implications for English language education. ELT Journal, 76(2), 172-182. https://doi.org/10.1093/elt/ccab083
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, p. 180) por parte dos estudantes. A contribuição da análise empreendida neste artigo, portanto, está em mostrar as nuances da translinguagem de estudantes surdos como recursos-chave na construção de conhecimentos em situação de ensino-aprendizagem de língua. E, assim, abrir alternativas para o respeito e valorização das competências translíngues (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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) desses estudantes como processos diversificados, situados e produtivos na resolução dos “problemas” (Blommaert, Collins & Slembrouck, 2005Blommaert, J., Collins, J., & Slembrouck, S. (2005). Spaces of multilingualism. Language & Communication, 25(3), 197-216. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.05.002
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) que lhes são colocados nas salas de aula de ensino de língua.

O texto do artigo está organizado em quatro seções. Na primeira, situo teoricamente e, na segunda, metodologicamente, a perspectiva translíngue assumida, base para a análise dos dois momentos descritos e discutidos na terceira seção e nas considerações que encerram o artigo.

2. Uma perspectiva translíngue para a educação linguística de surdos

O debate sobre a translinguagem na pesquisa em educação linguística de surdos vem ganhando algum espaço no cenário brasileiro mais recentemente (por exemplo, em Nogueira, 2015Nogueira, A. S. (2015). “O surdo não ouve, mas tem olho vivo.” - A leitura de imagens por alunos surdos em tempos de práticas multimodais. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.957926
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, 2018Nogueira, A. S. (2018). Interface do português com a língua de sinais em publicações de um professor surdo em rede social. Linguagem em (Dis)curso, 18(3), 673-694. https://doi.org/10.1590/1982-4017-180301-DO0118
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, 2020Nogueira, A. S. (2020). Práticas translíngues na educação linguística de surdos mediada por tecnologias digitais. Diacrítica, 34(1), 291-310. https://doi.org/10.21814/diacritica.337
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; Cavalcanti & Silva, 2016Cavalcanti, M. C., & Silva, I. R. (2016). Transidiomatic practices in a deaf-hearing scenario and language ideologies. Revista da Anpoll, 1(40), 33-45. https://doi.org/10.18309/anp.v1i40.1013
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; Oliveira-Silva & Chaveiro, 2017Oliveira-Silva, C. M., & Chaveiro, N. (2017). A influência da língua portuguesa na produção da Libras na perspectiva da translinguagem. Revista Sinalizar, 2(2), 120-138. https://doi.org/10.5216/rs.v2i2.36080
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; Lima & Rezende, 2019Lima, H. J., & Rezende, T. F. (2019). Escritas em português por surdos(as) como práticas de translinguajamentos em contextos de transmodalidades. Revista Educação Especial, 32, 1-19. https://doi.org/10.5902/1984686X38270
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; Dias, Anache & Maciel, 2020Dias, N., Anache, A. A., & Maciel, R. F. (2020). Os limites e contradições da educação bilíngue para estudantes surdos. Rev. Ens. Educ. Cienc. Human., 21(1), 47-54. https://doi.org/10.17921/2447-8733.2020v21n1p47-54
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; Rocha & Ribeiro, 2021Rocha, D. S., & Ribeiro, G. R. (2021). Letramentos e(m) translinguagem na educação de surdos: uma proposta de verbete multimodal sobre resenha acadêmica. Cadernos de Estudos Linguísticos, 63, 1-16. https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8663930
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; Gomes & Costa, 2021Gomes, B. S., & Costa, G. J. (2021). Uma perspectiva translíngue e transmodal no ensino remoto emergencial em época de pandemia para crianças de distintos perfis: codas, surdas e ouvintes. Fórum Linguístico, 18(4), 7044-7058. https://doi.org/10.5007/1984-8412.2021.e79681
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; Muniz & Ramos, 2021Muniz, V. C., & Ramos, D. C. M. P. (2021). Educação linguística no contexto de graduandos surdos: contribuições dos estudos decoloniais e de translinguagem. Pensares em Revista, 22, 181-201. https://doi.org/10.12957/pr.2021.60549
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). Essa é uma perspectiva alternativa para tradições que prevalecem nesse campo há pelo menos duas décadas. É o caso das investigações que se apropriam, sobretudo, dos conceitos de interlíngua e interferência linguística para estudar os textos de alunos e traçar de que modo e em que quantidade a língua brasileira de sinais interfere na escrita em português, de modo a colaborar com proposições para melhoria das condições e dos resultados alcançados no ensino de português como segunda língua para alunos surdos (são exemplos os trabalhos de Góes, 1999Góes, M. C. R. (1999). Linguagem, surdez e educação. Autores Associados.; Brochado, 2003Brochado, S. M. D. (2003). A apropriação da escrita por crianças surdas usuárias da língua de sinais brasileira. [Tese de Doutorado em Letras]. Universidade Estadual Paulista.; Peixoto, 2006Peixoto, R. C. (2006). Algumas considerações sobre a interface entre a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa na construção inicial da escrita pela criança surda. Cad. CEDES, 26(69), 205-229. https://doi.org/10.1590/S0101-32622006000200006
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; Quadros & Schmiedt, 2006Quadros, R. M., & Schmiedt, M. L. P. (2006). Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP.; Peixoto, 2006Peixoto, R. C. (2006). Algumas considerações sobre a interface entre a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa na construção inicial da escrita pela criança surda. Cad. CEDES, 26(69), 205-229. https://doi.org/10.1590/S0101-32622006000200006
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; Fernandes, 2007Fernandes, S. (2007). Avaliação em língua portuguesa para alunos surdos: algumas considerações. Secretaria de Estado da Educação. Grupos de estudos por área. http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/janeiro2013/otp_artigos/sueli_fernandes.pdf
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/...
; Guarinello et al., 2007Guarinello, A. C., Massi, G., & Berberian, A. P. (2007). Surdez e linguagem escrita: um estudo de caso. Rev. Bras. Ed. Esp., 13(2), 205-218. https://doi.org/10.1590/S1413-65382007000200005
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; Jacinto et al., 2019Jacinto, C. A., Valadão, M. N., & Silva, A. (2019). Língua portuguesa como L2 para surdos: análise dos elementos linguísticos e textuais empregados por um estudante surdo bilíngue. Muiraquitã, 7(2), 90-107. https://doi.org/10.29327/212070.7.2-8
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; Calixto et al., 2020Calixto, H. R. S., Lobato, H.K.G., & Bentes, J.A.O. (2020). Mediação digital na aquisição da leitura e escrita de surdos: análise linguístico-discursiva da produção textual a partir do gênero mensagem instantânea. Revista Teias, 21(60), 109-120. https://doi.org/10.12957/teias.2020.48629
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; Salles & Naves, 2021Salles, H. M. M. L., & Naves, R. R. (2021). Bilinguismo de surdos: libras e o português L2 (escrito) no contexto educacional. Cadernos de Sociedade e Linguagem, 22(2), 393-412. https://orcid.org/0000-0001-7517-0010
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).

O conceito de interlíngua foi definido por Selinker (1972Selinker, L. (1972). Interlanguage. International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, 10(3), 209-231.) a partir de uma perspectiva psicolinguística - sob grande influência do trabalho de Corder (1967) - “The significance of learner’s errors’” (O significado dos erros do aprendiz) - e passou a ser utilizado em uma série de estudos sobre aquisição de segunda língua a partir da década de 1970. Para Selinker (1972Selinker, L. (1972). Interlanguage. International Review of Applied Linguistics in Language Teaching, 10(3), 209-231.), a interlíngua seria como um sistema linguístico alternativo, desenvolvido pelo aprendiz em seu processo de aquisição de uma segunda língua. Um sistema que não seria, portanto, nem a primeira língua, a base que o aprendiz traria consigo para o ambiente de ensino, e nem a segunda língua, o alvo do aprendiz. A interlíngua é o estágio transitório constituído por elementos da primeira língua transferidos para ou interferindo no alvo da aprendizagem. Interferência, nesse caso, remetendo ao sentido negativo da transferência de elementos de uma língua para a outra, que incorre no erro por parte do aprendiz. Em alinhamento a essa perspectiva, alguns trabalhos brasileiros que analisam textos de alunos surdos preocupam-se que o padrão de escrita observado, isto é, com interferência da língua de sinais, se fossilize (Quadros & Schmiedt, 2006Quadros, R. M., & Schmiedt, M. L. P. (2006). Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP., p. 33) ou se cristalize na interlíngua (Finau, 2014Finau, R. (2014). Aquisição de escrita por alunos surdos: a categoria aspectual com um exemplo do processo. RBLA, 14(4), 935-956. https://doi.org/10.1590/S1984-63982014005000023
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, p. 938), enquanto outros estudos argumentam que a língua de sinais funciona como ponte ou degrau (Peixoto, 2006Peixoto, R. C. (2006). Algumas considerações sobre a interface entre a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa na construção inicial da escrita pela criança surda. Cad. CEDES, 26(69), 205-229. https://doi.org/10.1590/S0101-32622006000200006
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, p. 219), andaime (Silva, 2019) ou ferramenta de apoio até a estabilização da segunda língua (Finau, 2014Finau, R. (2014). Aquisição de escrita por alunos surdos: a categoria aspectual com um exemplo do processo. RBLA, 14(4), 935-956. https://doi.org/10.1590/S1984-63982014005000023
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, p .949) por parte dos aprendizes surdos.

Embora seja legítimo o propósito primeiro desses estudos, isto é, o de buscar por formas de aprimorar o ensino de língua para surdos, a iniciativa perde em contribuição quando o foco no produto linguístico e na interlíngua acabam por localizar os aprendizes surdos e suas práticas de linguagem em um ponto transitório, de passagem, cujo objetivo último é o de fazer chegar até a língua-alvo padrão. Quando isso é feito a partir de referências monoglóssicas e estruturalistas de língua, a competência linguística dos aprendizes surdos, auferida pelo grau de aproximação ou não com esse objetivo, acaba sendo avaliada de forma pouco realista, justamente porque parte de (e reforça) uma ideia de “uma uniformidade irrealista” sobre o que significa conhecer uma língua (Blommaert, Collins & Slembrouck, 2005Blommaert, J., Collins, J., & Slembrouck, S. (2005). Spaces of multilingualism. Language & Communication, 25(3), 197-216. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.05.002
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, p. 198).

Essa é uma compreensão da competência de alunos surdos que não condiz com a perspectiva teórico-metodológica assumida neste artigo e com seus propósitos analíticos, porque, a partir dela, a falta de competência “é vista como um problema do indivíduo, apresentado na forma individualizada de um déficit ou incapacidade do indivíduo em particular”, ao invés de ser pensada como um problema para o indivíduo. Isto é, um desafio que lhe é colocado na relação que se estabelece entre as exigências linguísticas e semióticas produzidas no/pelo ambiente e pelas interações que nele se desenvolvem e o seu potencial comunicativo individual, conforme defendem Blommaert, Collins e Slembrouck (2005Blommaert, J., Collins, J., & Slembrouck, S. (2005). Spaces of multilingualism. Language & Communication, 25(3), 197-216. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.05.002
https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.0...
, p. 198).

Uma perspectiva da translinguagem na educação linguística de surdos pode fazer deslocar o foco do produto linguístico para o processo, isto é, para as práticas de linguagem complexas e diversificadas que constituem o cotidiano de sujeitos surdos bi/multilíngues que encaram diversos desafios comunicativos. Este deslocamento acontece no caso de estudantes surdos (Nogueira, 2015Nogueira, A. S. (2015). “O surdo não ouve, mas tem olho vivo.” - A leitura de imagens por alunos surdos em tempos de práticas multimodais. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.957926
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, 2020Nogueira, A. S. (2020). Práticas translíngues na educação linguística de surdos mediada por tecnologias digitais. Diacrítica, 34(1), 291-310. https://doi.org/10.21814/diacritica.337
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), a exemplo dos jovens e adultos mencionados neste artigo -, sem negar, apagar, desconsiderar ou ser pouco sensíveis à diferença linguística e às diversas competências que emergem situadamente. Com isso em vista, a translinguagem se refere a uma perspectiva heteroglóssica para compreender a linguagem como ação corporificada em que os indivíduos bi/multilíngues desconsideram os limites das línguas sóciohistórico e politicamente nomeadas em suas práticas translíngues flexíveis (Canagarajah, 2012Canagarajah, S. (2012). Translingual practice: global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge., 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041
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; García & Lin, 2017García, O., & Lin, A. M. Y. (2017). Translanguaging in bilingual education. In O. García, A. Lin & S. May (Eds.), Bilingual and Multilingual Education. Encyclopedia of Language and Education. Springer, Cham.). Ao salientar práticas flexíveis e criativas nas quais os indivíduos se envolvem ao “entrarem em contato com diferentes biografias, histórias e bagagens [socio]linguísticas”, visibilizam-se as diferentes formas como pessoas e língua(gens) são estimuladas, dinamizadas e vivificadas em interação umas com as outras e “são indissociavelmente umas das outras e, juntas, formam um processo perpetuamente indeterminado e incompleto” (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 801).

Considerando as possibilidades/potencialidades da translinguagem acima mencionadas, assumo neste artigo uma noção de translinguagem na educação linguística de surdos que se constrói na interface entre uma perspectiva espacial, ideológico/tensional e momentânea da translinguagem. Espacial (conforme Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809
https://doi.org/10.1080/14790718.2017.13...
; Canagarajah, 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
), em sentido semelhante ao anteriormente apresentado, de uma translinguagem que inclui aspectos da comunicação nem sempre considerados como linguagem, que transcendem o linguístico para englobar, por exemplo, elementos materiais e recursos semióticos disponíveis e/ou possibilitados pelo ambiente. Ideológico e tensional, porque de acordo com Creese & Blackledge (2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
, p. 802), assim como Rymes (2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-...
) e Blommaert, Collins e Slembrouck (2005Blommaert, J., Collins, J., & Slembrouck, S. (2005). Spaces of multilingualism. Language & Communication, 25(3), 197-216. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.05.002
https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.0...
) também haviam sinalizado, a translinguagem, ao apontar explicitamente para práticas linguísticas em ambientes sociolinguisticamente diversos, permite examinar a interação ideológica e tensional entre línguas como produtos e as práticas de linguagem como processo, se concentrando na experiência das pessoas em manobrar tensões ideológicas em relação às língua(gens) e à ação linguística em contexto” (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
, p. 801).

Por fim, a partir das anteriores, uma perspectiva da momentaneidade (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
) para compreender a translinguagem passa a fazer sentido porque, a partir dela, a translinguagem pode ser concebida como:

um campo de energia criativa movendo-se ao longo [desse] contínuo de polos mais ou menos marcados. Ela se instala quando diferentes elementos de um repertório são ativados espontaneamente e convergem para criar formas temporárias; se sustenta através do período de percepção da criatividade de tais formas [...] e termina quando essas formas estão totalmente inseridas na linguagem cotidiana. Há, portanto, uma momentaneidade para a translinguagem: como todas as práticas linguísticas criativas e dinâmicas que eventualmente entram em um estado menos ativo e tornam-se estáticas e mundanas (para serem sucedidas por outras práticas criativas e dinâmicas), qualquer instância particular de translinguagem é temporalmente finita. A translinguagem acontece no aqui e no agora. (Lee & Wei, 2020Lee, T. K., & Wei, L. (2020). Translanguaging and momentarity in social interaction. In A. de Fina & A. Georgakopoulou (Eds.) The Cambridge Handbook of Discourse Studies (pp. 394-416). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781108348195.019
https://doi.org/10.1017/9781108348195.01...
, p. 413)

Essa concepção teórica da translinguagem, construída a partir do enredamento dessas três perspectivas, também se reflete na metodologia que ampara a empreitada analítica neste artigo. Nesse sentido, apresento esses aspectos metodológicos em seguida, antes de passar para a análise dos momentos translíngues (Lee & Wei, 2020Lee, T. K., & Wei, L. (2020). Translanguaging and momentarity in social interaction. In A. de Fina & A. Georgakopoulou (Eds.) The Cambridge Handbook of Discourse Studies (pp. 394-416). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781108348195.019
https://doi.org/10.1017/9781108348195.01...
; T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
; J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
) entre os jovens e adultos surdos.

3. Uma metodologia translíngue

Os dois momentos (Lee & Wei, 2020Lee, T. K., & Wei, L. (2020). Translanguaging and momentarity in social interaction. In A. de Fina & A. Georgakopoulou (Eds.) The Cambridge Handbook of Discourse Studies (pp. 394-416). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781108348195.019
https://doi.org/10.1017/9781108348195.01...
; T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
; J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
) que transcrevo2 2 As convenções de transcrição podem ser consultadas no quadro disponibilizado na seção Anexo. e analiso neste artigo são parte de um conjunto de registros gerados durante o desenvolvimento de uma pesquisa de cunho etnográfico (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L.P. Moita Lopes (Org.) Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 233-252). Parábola Editorial.) realizada no referido curso de português como segunda língua para jovens e adultos surdos. Os métodos de coleta de registros utilizados foram a observação participante, a videogravação das aulas, a recolha de materiais produzidos pelos estudantes e professoras, notas e diários de campo.

O curso de português foi uma ação extensionista promovida entre os anos de 2016 e 2019 em uma universidade pública situada no interior do estado de São Paulo. Os participantes do curso eram jovens e adultos surdos com idades entre 16 e 35 anos3 3 Alguns interessados em terminar o ensino médio e inserir-se no ensino superior e/ou no mercado e outros já inseridos nesse mercado, todos com o desejo de aprimorar suas habilidades na escrita do português. e uma equipe de quatro professoras bilíngues ouvintes e uma professora surda, eventualmente acompanhadas por monitores de graduação e pós-graduação. Dentre os pressupostos para a proposta de ensino de português estavam o reconhecimento da diferença linguística dos surdos (Skliar, 1997, 1998) e o alinhamento social e político com a demanda das comunidades surdas pelo ensino bilíngue, amparado pela legislação federal que suporta os direitos linguísticos dos surdos - a exemplo, a Lei de Libras 10.436/02, o Decreto 5.626/05 e, mais recentemente, a Lei 14.191/21 que altera a LDB/1996 para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos.

A escolha metodológica de pinçar e analisar dois momentos dos quais participaram os estudantes surdos e duas professoras ouvintes bilíngues (sendo esta autora uma delas), se deu em função do importante significado que esses períodos específicos revelaram (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
, p. 2), contribuindo para “uma compreensão mais multifacetada das complexas realidades cotidianas da translinguagem” (J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
, p. 1). A partir disso, foi possibilitada, também, contribuição na tentativa de expansão dos limites da produção de conhecimento sobre a língua(gem) em cenário de educação linguística de surdos. Sendo assim, trata-se de uma escolha metodológica que se orienta para a mesma direção do que vem argumentando J. Lee (2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
), T. Lee (2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
) e Kusters (2022Kusters, A. (2022). Revealing and revaluing auto-ethnography as a catalyst in translanguaging research. Research Methods in Applied Linguistics, 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100017
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
) sobre metodologias para dar sentido à translinguagem, ou melhor, como explica J. Lee (2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
, p. 1), para translinguar a pesquisa. Isso significa compreender que a potencialidade primeira da translinguagem “[...] não está em reconhecê-la como fenômeno linguístico (uma mera forma de comunicação), mas como uma orientação para a prática linguística que se baseia em uma disposição favorável à ‘diferença’”. Nesse sentido, tem potencial para reconhecer o que foi e/ou continua a ser negligenciado ou descartado pelos paradigmas dominantes de pesquisa, pela educação e pela sociedade (J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
, p. 1-2).

Cabe enfatizar que, em alinhamento a Blommaert & Jie (2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
), compreendo que as pesquisas etnográficas são investigações científicas que, por terem raízes antropológicas, envolvem “uma perspectiva sobre linguagem e comunicação, incluindo uma ontologia e uma epistemologia, ambas importantes para o estudo da linguagem na sociedade, ou melhor, da linguagem, bem como da sociedade” (Blommaert & Jie, 2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
, p.5). Isso significa, para esses autores, que as pesquisas de perspectiva etnográfica se referem a uma abordagem e não apenas a um agrupamento de técnicas de trabalho de campo. Sendo assim, carregam uma compreensão sobre a linguagem que a situa na vida social e não separam “[...] o conhecimento da linguagem da situacionalidade do objeto em diferentes níveis, desde níveis microscópicos até macroscópicos de ‘contexto’” (Blommaert & Jie, 2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
, p. 10).

Como, para Blommaert & Jie (2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
, p. 8), nas pesquisas de perspectiva etnográfica as ações de linguagem, performadas por pessoas em um ambiente social específico, são capturadas como processos envolvendo recursos sociossemióticos (para além dos linguísticos), o foco da pesquisa se volta naturalmente para os processos e não somente para o produto linguístico, como é comum acontecer em muitas pesquisas no campo da linguagem. À vista disso, o potencial sociossemiótico e translíngue desse tipo de investigação é revelado e, ao assumi-lo neste artigo, o faço para reiterar a importância em focalizar, na sensibilização para diferença linguística (J. Lee, 2022Lee, J. W. (2022). Translanguaging research methodologies. Research Methods in Applied Linguistics , 1(1), 1-6. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100004
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), o processo, que “em si é o contexto, é a própria arquitetura do comportamento social e, portanto, parte da estrutura social e das relações sociais” (Blommaert & Jie, 2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
, p. 7).

Mas, para além desse aspecto, em alinhamento a Blommaert & Jie (2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
), chamo a atenção para a potência crítica da pesquisa de perspectiva etnográfica que aqui é assumida (Blommaert & Jie, 2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
; Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press.) e que vejo como importante para o translinguar da pesquisa na educação linguística de surdos. Esse potencial é facilmente percebido quando apreendemos que o constante respaldo entre ações de linguagem e relações sociais sempre envolve reflexões sobre o valor dessas ações. Assim, a pesquisa de perspectiva etnográfica assinala, nos espaços translíngues, as desigualdades e as ideologias de linguagem, as hierarquias linguísticas e as relações entre língua(gem) e poder (Blommaert & Jie, 2010Blommaert, J., & Jie, D. (2010). Ethnographic fieldwork: a beginner’s guide. Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781847692962
https://doi.org/10.21832/9781847692962...
, p. 9), visibilizando forças opostas (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
, p. 800) que podem fazer parte da momentaneidade translíngue (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
, p. 3).

Ancorando-me nas potencialidades de um olhar etnográfico momentâneo e translíngue, passo a analisar e discutir os dois momentos de interação transcorridos durante atividades de produção escrita coletiva. Performados pelos envolvidos por meio de repertórios espaciais e materiais, como também por meio de uma disposição e competência translíngues, estes momentos se revelam enredados por forças, por vezes a um só tempo, para normatividade e uniformidade e para flexibilidade e mistura (com base em Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
, p. 800).

4. Análise de dois momentos translíngues

4.1. Momento 1: “No português, não seria assim que se escreve?”

O primeiro momento que analiso, refere-se ao registro da interação (Figura 1, à esquerda) entre duas estudantes do curso, Lia e Ana, escrevendo conjuntamente um resumo em português a partir de um vídeo em libras previamente escolhido e assistido por elas (vídeo intitulado “Louie Ponto falando sobre LGBT (Libras/Português)” - Figura 1, à direita). Esse momento mostra que as duas estudantes translinguam enquanto engajadas com a realização da atividade, compondo enunciados e construindo sentidos compartilhados que ajudam a responder à tarefa de produção escrita. Translinguar, nesse caso, conforme Canagarajah (2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
), Creese e Blackledge (2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
) e T. Lee (2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.1000...
), significa que as estudantes: a) borram as fronteiras entre línguas(gens), lançando mão da interação de diferentes elementos linguísticos e semióticos (incluindo objetos do ambiente, como a tela do computador ou uma simples borracha) para comunicar e realizar a atividade coletivamente; enquanto, ao mesmo tempo, b) acionam fronteiras mais definidas entre libras e português, isto é, limiares que funcionam também como um recurso (Blackledge & Creese, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
) na construção da produção escrita e no aprendizado da língua(gem).

Figura 1
À esquerda, registro videogravado da interação entre Lia e Ana durante produção textual e, à direita, do vídeo4 4 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0mB2ATlGll4>. Último acesso em: 14 jul. 2022. do YouTube assistido pelas estudantes

A translinguagem se estabeleceu logo que Ana e Lia terminam de assistir ao vídeo e pretenderam iniciar a produção do resumo. Lia chama a professora para confirmar as características da tarefa a ser realizada e faz uma exposição sobre o vídeo assistido, transcrita no Quadro 1 a seguir:

Quadro 1
Transcrição da exposição inicial da aluna Lia a respeito do vídeo assistido

A exposição de Lia é importante, uma vez que sua ação (Quadro 1 - linhas 2-15), logo de início, funciona como uma produção sinalizada (García & Cole, 2014García, O., & Cole, D. (2014). Deaf gains in the study of bilingualism and bilingual education. In L.H.D. Bauman & J.J Murray (Eds.), Deaf gain: raising the stakes for human diversity (pp. 95-111). University of Minnesota Press., p. 103) que sumariza o conteúdo assistido: uma prática translíngue em que Lia faz a seleção, reorganização e reapresentação dos conteúdos e conhecimentos depreendidos do texto (vídeo em libras) e performa, em língua de sinais, as habilidades de sumarização que viria a empregar, em seguida, na construção do resumo em português. Ainda que os recursos linguísticos do português não estivessem evidentes na superfície de seu enunciado (Canagarajah, 2012Canagarajah, S. (2012). Translingual practice: global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge., 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
), as habilidades do resumo em português foram alçadas e performadas em libras.

Lia também ancora apontamentos na tela do computador, na qual se encontra aberto o vídeo assistido (Quadro 1 - linhas 2, 4, 12, 14, 19), de modo que a libras também assume um caráter translíngue e transmodal, isto é, constituída por camadas e sobreposições de elementos linguísticos e recursos semióticos, incluindo espaços e materiais imediatos incorporados (Safar, 2019Safar, J. (2019). Translanguaging in Yucatec Maya signing communities. Applied Linguistics Review , 10(1), 31-53. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0082
https://doi.org/10.1515/applirev-2017-00...
). A tela do computador, com o vídeo aberto e pausado, indica que os recursos para produção de sentidos durante a execução da atividade envolveram outras modalidades (imagem do vídeo, informações escritas sobre o vídeo) como possibilidade para que apontamentos fossem direcionados e olhares se movessem, entre a tela e as estudantes, de forma coordenada (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
https://doi.org/10.1111/modl.12601...
, p. 806; Blackledge & Creese, 2018Blackledge, A., & Creese, A. (2018). Interaction ritual and the body in a city meat market. Social Semiotics, 30(1), 1-24. https://doi.org/10.1080/10350330.2018.1521355
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).

Ao final da exposição, a professora aprova a sumarização de Lia e aproveita para explicar que o mesmo que havia sido feito em libras deveria ser realizado em um texto de um parágrafo em português (Quadro 1 - linhas 16-18). Com essa atitude, a professora a um só tempo reforça a ação translíngue de Lia e delimita a atividade, que deveria ser realizada em português. Lia e Ana seguem com a elaboração do resumo conforme a transcrição no Quadro 2 em seguida.

Motivada pela validação da professora, Lia começa rapidamente a escrever, enquanto Ana não parece muito satisfeita. De forma polida, a indicação de que o resumo poderia ser construído de uma outra maneira é comunicada, inicialmente, por meio do toque no braço da colega Lia (Quadro 2 - linhas 30-34), depois pela borracha que Ana lhe entrega (Quadro 2 - linhas 37-40), dos apontamentos que Ana realiza (Quadro 2 - linhas 34-35, 41-42) e do seu direcionamento do olhar (Quadro 2 - linhas 30-32, 36, 42-44, 49-51), que vai da tela do computador para a folha de papel que Lia segura. Com isso, o processo de escrita subsequente se desenvolve com Lia anotando em português o que Ana sugeria.

Quadro 2
Transcrição de parte da interação de Lia e Ana no processo de escrita do resumo

As indicações sobre o que e como escrever o texto são dadas por Ana por meio dos sinais que ela produzia sobrepostos aos olhares, aos apontamentos e ao mouthing (Holmström & Schönström, 2018Holmström, I., & Schönström, K. (2018). Deaf lectures’ translanguaging in a higher education setting. A multimodal multilingual perspective. Applied Linguistics Review, 9(1), 89-11. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0078
https://doi.org/10.1515/applirev-2017-00...
) - movimentos de boca que se assemelham visualmente a sílabas ou partes de palavras correspondentes aos sinais enunciados:

  1. concomitante a alguns apontamentos para a tela do computador, Ana se adianta em pronunciar oralmente a palavra ela (linhas 41, 47, 55). Sem a associação do apontamento a esse recurso de movimento dos lábios, as possibilidades de produção de sentidos por Lia ficariam mais abertas e, no lugar de traduzir o apontamento como a realização de um pronome pessoal ancorado ao material do ambiente - EL@ em língua de sinais a ser anotado como a palavra ela no resumo -, Lia poderia entender que Ana se referia, por exemplo, de modo mais genérico ao vídeo exibido na tela;

  2. ao sinalizar o que seria a primeira frase do resumo, Ana utiliza o verbo FALAR em língua de sinais e move sua boca de modo semelhante à pronúncia da palavra falou (linha 57). Indicando consciência de que a flexão verbal na língua de sinais não acontece da mesma forma que no português5 5 Na língua brasileira de sinais muitos verbos não têm suas formas alteradas, mas são acrescidos outros elementos aos enunciados que indicam pessoa ou tempo verbal, por exemplo. , Ana delimita para Lia que a forma verbal utilizada deveria ser anotada, em português, na terceira pessoa do singular e no tempo verbal passado;

  3. quando sinaliza DICA e TEMA (linhas 63-64), Ana também pronuncia, respectivamente, as palavras dica e sobre. O uso da sinalização junto ao movimento de boca, nesse último caso, diferencia um sinal homônimo na língua de sinais. TEMA poderia ser traduzido como tema, assunto, sobre ou ainda a respeito e, ao movimentar sua boca, Ana indica para Lia a opção desejada. Lia, inclusive, confirma a palavra a ser grafada, utilizando-se da soletração manual de S-O-B-R-E e da repetição do sinal utilizado por Ana (linhas 65-66).

A fluidez translíngue presente no que Ana enuncia corresponde, conforme apresentado nos estudos de Swanwick (2017Swanwick, R. (2017). Languages and languaging in deaf education: a framework for pedagogy. Oxford University Press.) e Holmström e Schönström (2018Holmström, I., & Schönström, K. (2018). Deaf lectures’ translanguaging in a higher education setting. A multimodal multilingual perspective. Applied Linguistics Review, 9(1), 89-11. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0078
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) em contextos de educação envolvendo surdos, a práticas translíngues de visualização de uma língua na modalidade da outra. Mais especificamente, no momento analisado, na materialização do resumo em português via sinalização em libras e apontamentos sobrepostos ao mouthing, que demandaram de Ana manobrar criativamente esses diferentes recursos. Nessa prática, Ana demonstra consciência metalinguística e, implicitamente, alinhando-se a uma ideologia de padronização da língua, também sugere determinados limites da língua portuguesa, mais especificamente no que se refere ao funcionamento de pronomes, verbos e de aspectos semânticos. Enquanto Ana empregava o mouthing, por exemplo, de modo subjacente era como se ela comentasse para Lia: “em português, a escrita desse sinal deve ser assim”.

Movimento semelhante acontece quando Lia, reconhecendo a competência translíngue de Ana, interrompe a colega e coloca em foco outro aspecto do português - o uso de artigos -, não considerado por Ana até aquele instante. Para questionar se o artigo a deveria ser empregado na escrita de uma frase do resumo, Lia apresenta o sinal da letra A acompanhado de uma expressão facial interrogativa (linha 73), visibilizando na modalidade viso-gestual da língua de sinais (Swanwick, 2017Swanwick, R. (2017). Languages and languaging in deaf education: a framework for pedagogy. Oxford University Press.; Holmström & Schönström, 2018Holmström, I., & Schönström, K. (2018). Deaf lectures’ translanguaging in a higher education setting. A multimodal multilingual perspective. Applied Linguistics Review, 9(1), 89-11. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0078
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) um termo característico da gramática do português. Como Ana se equivoca ao responder com a soletração manual do sinal SOCIEDADE (correspondente ao último sinal que ela havia produzido quando foi interrompida), Lia repara o mal-entendido reformulando seu enunciado: “Não! Não tem o “a”, em ‘a sociedade’?” (linhas 76-78). Lia, assim, deixa mais evidente a baliza que marca, para ela, a fronteira do português, como se fosse Lia quem estivesse comentando para Ana: “No português, não seria assim [a sociedade] que se escreve?”.

Para Rymes (2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
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, p. 303), um dos mecanismos que as pessoas têm para demonstrar o que avaliam como relevante ou eficaz em termos comunicativos se dá por meio dos metacomentários, isto é, comentários sobre a língua(gem) ou seu funcionamento, que podem ser completamente explícitos ou tomar uma forma mais implícita, como nos casos dos comentários de Ana e Lia. As práticas translíngues das duas estudantes abrigam esses processos sutis de funcionamento metapragmático implícito (Silverstein, 1993Silverstein, M. (1993). Metapragmatic discourse and metapragmatic function. In J. Lucy (Ed). Reflexive language: Reported speech and metapragmatics (pp. 33-58). Cambridge University Press.; Rymes, 2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
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, p. 316), marcando a percepção que a língua utilizada para a escrita do resumo, o português, seria “outra” língua, chamando a atenção para determinados aspectos normativos dessa língua, ao mesmo tempo em que estão em funcionamento processos bastante criativos e flexíveis de mobilização de diferentes elementos linguísticos e semióticos para a produção conjunta do resumo. Os metacomentários visibilizam um translinguajar multifacetado, as múltiplas camadas potencialmente ilimitadas (Rymes, 2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
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) da comunicação translíngue.

A interação entre Ana e Lia, portanto, ilustra a disposição cooperativa e a competência translíngue (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 810) das estudantes e constitui-se desses instantes que sincronizam forças opostas (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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). Mostra “a vontade e a capacidade [das estudantes] se valerem de vários elementos linguísticos e semióticos para estabelecer com criatividade um ambiente multilíngue”, o que favorece a realização da atividade de produção escrita e o aprendizado da língua portuguesa. Ao mesmo tempo, há tensões entre ideologias de linguagem, pois, na marcação de determinados aspectos de seus repertórios comunicativos por meio de metacomentários (Rymes, 2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
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, p. 303), as estudantes chamam a atenção e delimitam aqueles elementos comunicativos que lhes parecem fazer sentido naquele espaço-tempo específico. Apontam, assim, para o valor situado desses elementos, porque estão orientadas para um objetivo semelhante: a escrita em português do resumo. Com isso, os comentários sobre as línguas, que são comuns quando estão em diálogo pessoas com diferentes níveis de competência, conforme Creese e Blackledge (2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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) afirmam, funcionam como recursos para o aprendizado de Ana e Lia sobre a língua(gem), levando a prática da translinguagem a “oportunidades de desenvolvimento linguístico para ambas as partes na interação” (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 810).

4.2. Momento 2: “É para escrever o português ou a libras?”

O segundo momento que trago para análise ocorreu durante uma atividade em que a turma de estudantes surdos produziu, em grupos, legendas em português para vídeos em libras que eles próprios haviam gravado previamente. O relato sobre o início da atividade foi registrado em meu diário a partir de notas tomadas em campo. Conforme relato, as perguntas realizadas por duas jovens surdas chamam a minha atenção:

Quadro 3
Trecho de diário da pesquisadora, 20 de outubro de 2018

No trecho relatado em diário de campo, conforme apresentado no Quadro 3, as perguntas de Lenita e Nara (transcrita no Quadro 4) despertam meu interesse. A pergunta de Lenita, porque, já no instante inicial da atividade, marca a existência de uma diferença de funcionamento entre libras e português, a despeito da translinguagem de seus colegas que turvavam essas fronteiras. Olhando mais detidamente para o que diz Lenita, o fato de a estudante utilizar o pronome “deles” indica que, para além de uma diferença de funcionamento entre línguas, Lenita marca, naquele instante, uma diferença linguística entre ela (que deveria escrever) e seus colegas (que estavam apresentando em sinais o que ela deveria escrever). De sua parte, essa diferença se referia à consciência de que artigos são empregados na escrita em português, por isso me pergunta se deveria grafar o sinal de CULTURA apresentado pelos colegas como “a cultura” ou “do jeito deles”, sem o uso dessa classe gramatical. O metacomentário de Lenita - assim como os de Ana e Lia do Momento 1 analisado anteriormente - não menciona explicitamente uma língua nomeada, mas refere-se a ela indiretamente quando chama a atenção para um elemento linguístico que lhe fazia sentido. Lenita estava correta em sua percepção, mas eu considerava que outros estudantes poderiam ter insights semelhantes e, por isso, respondo para ela continuar “anotando na lousa as palavras da maneira como seus colegas estavam sugerindo” (Quadro 3).

Quando parte da legenda já havia sido escrita, a segunda pergunta mencionada no diário (Quadro 3) é feita por Nara. De fato, a ideia de que outros estudantes poderiam ter percepções semelhantes à de Lenita se confirma. A interação que tenho com a estudante Nara, logo que ela faz sua pergunta, aparece transcrita no Quadro 4 seguinte.

No Quadro 4, vê-se que Nara indaga se era para, na legenda, “escrever o português ou a libras” (linha 79) e, à semelhança de sua colega, sua pergunta também aponta para diferenciações no funcionamento linguístico das línguas. A metaquestão de Nara clarifica o que havia sido colocado nas entrelinhas por Lenita: Nara explicitamente nomeia as línguas - “o português ou a libras ” -, diferenciando-as e normatizando-as quando sugere que seria necessário “arrumar” (linha 81) o texto da legenda, depois que eu lhe respondo que era para ser escrito em português (linha 80). No entanto, ainda que marcando tal diferença, em lugar de distanciar-se do que faziam os colegas, diferentemente de Lenita, Nara se acerca da translinguagem que visibiliza uma língua na modalidade da outra (Swanwick, 2017Swanwick, R. (2017). Languages and languaging in deaf education: a framework for pedagogy. Oxford University Press.; Holmström & Schönström, 2018Holmström, I., & Schönström, K. (2018). Deaf lectures’ translanguaging in a higher education setting. A multimodal multilingual perspective. Applied Linguistics Review, 9(1), 89-11. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0078
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) e considera a possibilidade de “escrever [...] a libras”. Desta feita, num átimo, Nara sincroniza a contradição de alinhar-se, por um lado, a uma pressão para a uniformização da escrita em português e, de outro, à capacidade inventiva translíngue de grafar a libras na legendagem dos vídeos.

Quadro 4
Transcrição da pergunta realizada por Nara durante atividade de legendagem6 6 .Nara não aparece no foco da filmagem, portanto não é possível saber se ela sinaliza junto da oralidade. É provável que ela o faça, uma vez que se trata de uma prática comunicativa utilizada com frequência por essa estudante.

Na verdade, Nara emprega essa estratégia translíngue no decorrer da atividade. Quando realiza a legendagem de um dos vídeos junto de seu grupo, encontro o registro desse processo de escrita na folha que a estudante utiliza. Na Figura 2, a “libras escrita” se refere ao primeiro trecho grafado a lápis. Logo abaixo, com caneta azul, Nara apresenta a “tradução para o português”, como ela mesma nomeia e destaca com caneta cor rosa:

Figura 2
Imagem da folha de atividade de Nara

Esse momento translíngue, registrado na atividade de Nara, atua no seu aprendizado da língua(gem). Este registro, no qual “se abre uma lacuna fugaz” (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
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, p. 3) para a libras e o português escrito se interligarem e se enredarem, é seguido de um retorno à normatividade linguística, no qual o português se torna uma língua distinta. Na tensão ideológica entre registar “libras escrita” e traduzir para o português escrito (padrão), Nara alinha-se a ambas. Assim, cabe destacar que a “libras escrita” não se trata de um intermédio que Nara pretendia utilizar e superar - no sentido de “uma interlíngua” -, após chegar à escrita do português. Pelo contrário, como afirmo anteriormente, Nara se acerca dessa estratégia translíngue e se satisfaz com todo o processo de escrita da legenda, tanto que resolve mantê-lo registrado em sua folha de atividade e, quando vou recolhê-la, ela pede para fotografar a folha com o seu celular para que levasse consigo o registro do processo - o registro de sua competência translíngue (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 810) em funcionamento.

5. Considerações sobre o translinguar a educação linguística de surdos na pesquisa e na prática

A descrição e análise dos momentos de interação entre Lia, Ana e a professora (Momento 1) e entre Lenita, Nara e esta pesquisadora (Momento 2) evidenciam dois momentos de importante significado no que diz respeito ao que revelaram sobre as nuances da translinguagem captadas nas duas situações. Em ambos os casos, mas de modos distintos, os instantes translíngues se constituíram pela a) sincronização de forças opostas, isto é, forças para a flexibilidade e criatividade da linguagem, bem como forças para uniformidade e padronização, e b) pelos diferentes trânsitos que as estudantes surdas estabeleceram “movendo-se ao longo de um contínuo de polos mais ou menos marcados” (T. Lee, 2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
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). Na translinguagem que acontece “no aqui e no agora”, como bem afirma T. Lee (2022Lee, T. K. (2022). Commentary: moment as method. Research Methods in Applied Linguistics , 1(3), 1-4. https://doi.org/10.1016/j.rmal.2022.100015
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, p. 3), e nos trânsitos produtivos e situados em tempos-espaços específicos, a análise das práticas de linguagem ocorridas, constituintes desses dois momentos, trouxe à superfície as competências translíngues das quatro estudantes envolvidas.

Pelos “problemas” (Blommaert, Collins & Slembrouck, 2005Blommaert, J., Collins, J., & Slembrouck, S. (2005). Spaces of multilingualism. Language & Communication, 25(3), 197-216. https://doi.org/10.1016/j.langcom.2005.05.002
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) colocados para as estudantes nas atividades de produção de um resumo e de legendas no curso de ensino de português, suas competências translíngues foram demonstradas nos movimentos por entre essas forças/polos para a estabilidade e para a flexibilidade como recursos-chave (Wei, 2022Wei, L. (2022). Translanguaging as a political stance: implications for English language education. ELT Journal, 76(2), 172-182. https://doi.org/10.1093/elt/ccab083
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) que possibilitaram o aprendizado do português. Abriram caminhos alternativos em termos de respeitar e valorizar as competências linguísticas translíngues de estudantes surdos como processos diversificados, situados e produtivos de resolução dos “desafios” que lhes são colocados nas salas de aula de ensino de língua. Ao mesmo tempo, as competências translíngues das estudantes tiveram espaço também para reafirmar limites entre línguas e negociar escritas em português.

Em termos conceituais, os resultados da análise dos dois momentos apontam para a translinguagem como orientação favorável às diferenças, o que significou, em específico, não apenas visibilizar a diversidade e criatividade translíngue das práticas linguísticas envolvendo as estudantes surdas, mas a estabilidade que também foi acionada. Cabe frisar, nesse sentido, o argumento de Creese e Blackledge (2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 801) de que, em espaços de ensino de língua, examinar a “interação ideológica e tensional entre as línguas como produto e a linguagem como processo” (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 801) é um aspecto de relevância para a pesquisa etnográfica sobre a translinguagem em espaços de ensino-aprendizado de línguas, porque permite identificar que “as tensões ideológicas [também] propiciam a criatividade e a criticidade, de modo que as diferenças sociais e linguísticas se desenvolvem, na maior parte das vezes, de forma convivial” (Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 802).

Em termos metodológicos, o processo de reconstrução detalhada desses momentos mostrou-se crucial para mobilizar uma prática de pesquisa translíngue, de aproximação com os processos linguísticos que ocorreram no ambiente de ensino de língua, isto é, de uma aproximação com a diferença linguística de forma mais ética7 7 Que não simplesmente observa que o estudante emprega várias línguas(gens), mas que explica as possibilidades (ou não) e múltiplas funções que as línguas(gens) assumem no contexto (Rymes, 2014, p. 304), de modo “a olhar o que repertórios comunicativos situados significam em ação e para saborear suas robustas possibilidades expressivas” (Rymes, 2014, p. 316). (Rymes, 2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
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) e sensível8 8 Examinando o potencial da translinguagem junto às “restrições discursivas, históricas, ideológicas e culturais que enquadram as interações em sala de aula”, de modo que a competência não seja avaliada como deficiência linguística individual, “mas vinculada a situações sociais, papéis e estruturas sociais que condicionam o que se pode dizer” (Charalambous et al., 2020, p. 119). (Charalambous et al., 2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen, & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging. Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7
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). Tanto o caráter produtivo das práticas translíngues, quanto da disposição (Lee & Jenks, 2016Lee, J., & Jenks, C. (2016). Doing translingual dispositions. College Composition and Communication, 68(2), 317-344. https://www.jstor.org/stable/44783564
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; Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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) para tais práticas, são aspectos de uma mesma realidade sociolinguística complexa que demandam a conscientização sobre as lentes teórico-metodológico-descritivas assumidas para construirmos entendimentos e projetarmos pedagogias sensíveis a essas realidades.

Os momentos que analiso neste artigo, por fim, fornecem evidências para uma abordagem translíngue da pesquisa e da prática em educação linguística de surdos que vê a diversidade linguística dos surdos como corriqueira (nos termos de Creese & Blackledge, 2019Creese, A., & Blackledge, A. (2019). Translanguaging and public service encounters: language learning in the library. The Modern Language Journal, 103(4), 800-814. https://doi.org/10.1111/modl.12601
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, p. 812), mas, ao mesmo tempo (ou por isso mesmo), com múltiplos recursos que merecem ser explorados em ainda mais detalhes em outras investigações, criando possibilidades para informar a prática e a formação de professores para a educação linguística de surdos.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) - Processo 17-20256-0.

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    » https://doi.org/10.1093/elt/ccab083
  • 2
    As convenções de transcrição podem ser consultadas no quadro disponibilizado na seção Anexo Anexo Quadro Convenções de transcrição Símbolos Especificações PALAVRA Fala em libras (sinais) P-A-L-A-V-R-A Fala em libras (soletração manual) palavra Fala e/ou movimento de boca em português (oral) palavra Tradução de enunciados para o português escrito (( )) Comentários do transcritor (movimentos, olhares, sorrisos, ênfases, repetições) Fonte: Informações organizadas pela autora. .
  • 3
    Alguns interessados em terminar o ensino médio e inserir-se no ensino superior e/ou no mercado e outros já inseridos nesse mercado, todos com o desejo de aprimorar suas habilidades na escrita do português.
  • 4
    Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0mB2ATlGll4>. Último acesso em: 14 jul. 2022.
  • 5
    Na língua brasileira de sinais muitos verbos não têm suas formas alteradas, mas são acrescidos outros elementos aos enunciados que indicam pessoa ou tempo verbal, por exemplo.
  • 6
    .Nara não aparece no foco da filmagem, portanto não é possível saber se ela sinaliza junto da oralidade. É provável que ela o faça, uma vez que se trata de uma prática comunicativa utilizada com frequência por essa estudante.
  • 7
    Que não simplesmente observa que o estudante emprega várias línguas(gens), mas que explica as possibilidades (ou não) e múltiplas funções que as línguas(gens) assumem no contexto (Rymes, 2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
    https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-...
    , p. 304), de modo “a olhar o que repertórios comunicativos situados significam em ação e para saborear suas robustas possibilidades expressivas” (Rymes, 2014Rymes, B. (2014). Marking Communicative Repertoire Through Metacommentary. In A. Blackledge & A. Creese (Eds), Heteroglossia as Practice and Pedagogy. Educational Linguistics. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6_16
    https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-...
    , p. 316).
  • 8
    Examinando o potencial da translinguagem junto às “restrições discursivas, históricas, ideológicas e culturais que enquadram as interações em sala de aula”, de modo que a competência não seja avaliada como deficiência linguística individual, “mas vinculada a situações sociais, papéis e estruturas sociais que condicionam o que se pode dizer” (Charalambous et al., 2020, p. 119).

Anexo

Quadro
Convenções de transcrição

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2022
  • Aceito
    18 Ago 2022
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