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A sessão de psicanálise como gênero do discurso: enquadre, terapia e encontro de vozes em visada bakhtiniana

Psychoanalysis session as a speech genre: setting, therapy and social voice tensioning through a Bakhtinian perspective

RESUMO

Embora pouco debatido na área dos estudos bakhtinianos, um marco da produção teórica do Círculo de Bakhtin foi a crítica de Volóchinov ao freudismo. Refletindo criticamente sobre o posicionamento do autor acerca da psicanálise, este artigo objetiva investigar o pequeno acontecimento social psicanalítico como um gênero do discurso em sua especificidade terapêutica, considerando o entrecruzamento de vozes constitutivo desse evento. Com uma pesquisa bibliográfica, recuperamos os pressupostos de Bakhtin e o Círculo que embasam o construto de gênero do discurso e investigamos o papel do enquadre na terapia psicanalítica freudiana. Conceitos como o de arquitetônica e de heterodiscurso para o Círculo, assim como o de resistência e de transferência para Freud ajudaram a explorar o lugar do setting na terapia. Defendemos que a relação discursiva psicanalítica especifica-se pela possibilidade de fazer da interação discursiva um espaço-tempo aberto ao diálogo inconclusível próprio do encontro terapêutico e da palavra em elaboração.

Palavras-chave:
interação discursiva; gêneros do discurso; heterodiscurso; sessão de psicanálise

ABSTRACT

Despite being rarely discussed in Bakhtinian Studies, Volóchinov’s critics towards Freudianism is a landmark in the theoretical production of Bakhtin’s Circle. Based on a critical analysis of Volóchinov’s position towards the therapeutic conditions of psychoanalysis, this article aims to investigate the psychoanalytic social event, in its therapeutic specificity, as a speech genre. To that end, we see social voice intertwining as a constitutive phenomenon of such an event. We reviewed the literature on the speech genres assumptions made by Bakhtin and his Circle to investigate the role of the setting in Freudian psychoanalytic therapy. Such role was then outlined through the Bakhtin’s Circle concepts of architectonics and heterodiscourse and Freud’s concepts of resistance and transference. We argue that the psychoanalytic discursive relationship is specific when it comes to the possibility of making the discursive interaction itself a space-time that is receptive to the unfinished dialogue, typical of both therapeutic encounter and elaborative speech.

Keywords:
verbal interaction; speech genres; heterodiscourse; psychoanalytic session

1. Palavras iniciais

Nos escritos de Bakhtin e o Círculo4 4 A expressão Círculo de Bakhtin foi criada pelos pesquisadores da área para designar o grupo de pensadores com formações e interesses distintos que se reuniram em Nével, Vítebsk e Leningrado, na Rússia, entre os anos de 1919 e 1929. Na área dos estudos do discurso, as contribuições de Bakhtin, Volóchinov e Medviédev orientam pesquisas em torno da relação entre sujeito, linguagem, arte e sociedade. Embora os escritos de Bakhtin a partir de 1930 desvinculem-se formalmente das reuniões do Círculo, nestes reconhecemos forte afinidade com as discussões do grupo, o que permite considerá-los também como do pensamento do Círculo (Barbosa & Di Fanti, 2020). , um importante evento marca o percurso de um dos autores: o diálogo com a psicanálise. Em 1925, Volóchinov escreve o artigo Do outro lado do social: sobre o freudismo, expandido em 1927 na obra O freudismo: um esboço crítico. Em ambos os trabalhos, Volóchinov5 5 A dinâmica de trabalho de Volóchinov, que envolvia a publicação de um artigo e sua expansão em obra pouco tempo depois, atestada pela recuperação dos registros acadêmicos do autor no Instituto da História Comparada das Línguas e Literaturas do Ocidente e do Oriente - ILIAZV (Grillo, 2019), orienta-nos a creditar a autoria dos textos do freudismo a Volóchinov. Entretanto, na tradução disponível ao público brasileiro em 2001, a autoria de O freudismo é atribuída a Bakhtin, ainda que no Prefácio se faça menção à assinatura de Volóchinov, revelando a disputa pela autoria da obra. Neste trabalho, creditamos a Volóchinov a autoria dos dois textos sobre o freudismo, de modo a alinhar a autoria do artigo de 1925 à obra expandida de 1927. critica o método e os pressupostos teórico-filosóficos da psicanálise freudiana, entendida por ele como mais uma dentre as correntes teóricas subjetivistas e psicologizantes. Segundo Grillo (2017Grillo, S. V. C. (2017). Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, 12(3), 54-75. https://doi.org/10.1590/2176-457332107.
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, p. 65), Volóchinov propunha “alternativas mais substanciais aos conceitos freudianos, por meio da valorização da palavra ou da linguagem”, apresentando uma interpretação sociológica e discursiva para as relações entre discurso, consciência e atividade humana na sessão de psicanálise. Dado o teor discursivo dessas propostas, Moura-Vieira (2016Moura-Vieira, M. A. (2016). Bakhtin e Freud: uma crítica ao freudismo. Salmoura edições/Create & Space Independent Publishing Platform., p. 58) afirma que os textos dedicados ao freudismo representam “um dos pilares da constituição do pensamento dialógico”, prenunciando o método sociológico de 1929.

Trabalhos na área dos estudos bakhtinianos se dedicaram ao estudo dos escritos de Volóchinov sobre a psicanálise, atestando a incidência do contexto ideológico soviético dos anos 1920 nas críticas registradas pelo autor (Bezerra, 2017Bezerra, P. (2017). Freud à luz de uma filosofia da linguagem. In V. Volóchinov, O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva.; Grillo, 2017Grillo, S. V. C. (2017). Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, 12(3), 54-75. https://doi.org/10.1590/2176-457332107.
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; Lima & Perini, 2009Lima, S. M. M., & Perini, R. (2009). Bakhtin e Freud: aproximações e distâncias. Bakhtiniana, 1(2), 80-99. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3013/0.
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; Moura-Vieira, 2016Moura-Vieira, M. A. (2016). Bakhtin e Freud: uma crítica ao freudismo. Salmoura edições/Create & Space Independent Publishing Platform.). Para Bezerra (2017Bezerra, P. (2017). Freud à luz de uma filosofia da linguagem. In V. Volóchinov, O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva., p. XIII), o contexto acadêmico-institucional em que O freudismo se insere estava fortemente marcado pelo enfoque marxista; por isso, Volóchinov estaria “tentando tensamente firmar posição no debate ideológico da época”. A título de exemplificação da demarcação de posições teórico-políticas na obra citada, ressaltamos o seu último capítulo, em que se avalia a relação entre marxismo e freudismo a partir da resposta a outros autores marxistas, tais como Bikhovski, Luria, Fridman e Zalkind, os quais atestavam a produtividade do encontro de tais perspectivas teóricas. Volóchinov (2017Volóchinov, V. (2017). O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva., p. 109), em seu balanço final, defende que os “apologistas marxistas do freudismo” empreendiam a tarefa de “unir o impossível”, dado que, extraindo ou focalizando aspectos psicanalíticos e não outros, obscureciam aspectos nodais de ambas as perspectivas.

Pela abordagem dialógica da linguagem, todo discurso citante é interessado. Dito diferentemente, ao citarmos o discurso dos outros, dele nos apropriamos responsivamente, demarcando posições autorais. Logo, O freudismo pode ser contemplado como um registro situado de uma apropriação singular, reelaborada e autoral das primeiras formulações de Freud pelo viés marxista, ideológico e discursivo. Como notam Lima e Perini (2009Lima, S. M. M., & Perini, R. (2009). Bakhtin e Freud: aproximações e distâncias. Bakhtiniana, 1(2), 80-99. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3013/0.
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, p. 81), tal apropriação opera com redutivismos relativamente à psicanálise, fazendo despontar, principalmente, uma “identidade teórica” respondente à psicanálise, alocando-a como subjetivista e alijada da história no próprio movimento de resposta. Na visão de Grillo (2017Grillo, S. V. C. (2017). Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, 12(3), 54-75. https://doi.org/10.1590/2176-457332107.
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, p. 62), “Freud não é indiferente à influência das forças culturais e econômicas sobre a constituição da sociedade e do indivíduo”, muito embora o esforço argumentativo de Volóchinov defenda o contrário. Então, os pesquisadores bakhtinianos parecem concordar que O freudismo ganha relevância ao registrar a resposta a Freud - maturando, como defendem Moura-Vieira (2016Moura-Vieira, M. A. (2016). Bakhtin e Freud: uma crítica ao freudismo. Salmoura edições/Create & Space Independent Publishing Platform.) e Grillo (2017Grillo, S. V. C. (2017). Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, 12(3), 54-75. https://doi.org/10.1590/2176-457332107.
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), o método sociológico concretizado em 1929 -, mas não como porta de entrada à teoria, à metodologia e à clínica psicanalíticas.

Notamos que, em nosso campo, as relevantes leituras singulares efetuadas, observáveis nos trabalhos publicados, voltam-se mais à ponderação das críticas registradas na obra do que à compreensão de Volóchinov sobre o cerne da sessão de psicanálise, foco da nossa reflexão neste artigo. Moura-Vieira (2016Moura-Vieira, M. A. (2016). Bakhtin e Freud: uma crítica ao freudismo. Salmoura edições/Create & Space Independent Publishing Platform., p. 66) observa a produtividade do diálogo entre as ideias bakhtinianas e as psicanalíticas, indicando que esse diálogo, para ser fiel às ideias de Bakhtin e o Círculo, deve se inscrever “nos gêneros do discurso e da atividade humana que estão postos e se desenvolvem no horizonte social ampliado, estabilizando modos diversificados de operar a consciência humana na afirmação cotidiana do ato responsável e singular do sujeito dialógico”. Como veremos na sequência, o enfoque para a atividade humana nos gêneros do discurso já estava sendo lançado em O freudismo e será por nós retomado na condução do presente estudo.

No texto de 1925, Volóchinov (2019Volóchinov, V. (2019). Do outro lado do social: sobre o freudismo. In V. Volóchinov, A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34., p. 81) não deixa de constatar que a psicanálise obteve “sucesso prático no campo do tratamento das neuroses”. Na obra de 1927, as condições para tal sucesso prático parecem encontrar respaldo na noção de “pequeno acontecimento social” psicanalítico, desenvolvido com base na dinâmica enunciativa engendrada entre analista e analisando: “Nessas enunciações verbalizadas, reflete-se não a dinâmica da alma individual, mas a dinâmica social das inter-relações do médico com o paciente” (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva., p. 80). Grillo (2017Grillo, S. V. C. (2017). Marxismo, psicanálise e método sociológico: o diálogo de Volóchinov, marxistas soviéticos e europeus com Freud. Bakhtiniana, 12(3), 54-75. https://doi.org/10.1590/2176-457332107.
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, pp. 64 - 65) compreende, a partir dessas anotações, que “a sessão de psicanálise é um pequeno ato social produtor de enunciados e signos ideológicos que só podem ser compreendidos na relação com os participantes sociais mais próximos, a situação social mais próxima e o horizonte social amplo”. Assim, percebemos uma possível relação entre gênero do discurso, enunciado e terapia como elemento norteador do ato social psicanalítico pelas lentes de Volóchinov, dado que o autor enfoca as relações discursivas, responsivas e atitudinais entre o par analítico como cerne dessa prática terapêutica. Esse será o fio condutor da reflexão que aqui se inicia.

Neste artigo, consideramos o atestado “sucesso prático” freudiano como um fenômeno sociológico-discursivo engendrado na sessão de psicanálise e temos como objetivo investigar o pequeno acontecimento social psicanalítico como um gênero do discurso em sua especificidade terapêutica, considerando o entrecruzamento de vozes constitutivo desse evento. Para tanto, empreendemos uma pesquisa de nível teórico, firmada em solo bakhtiniano, que dialoga com a teoria psicanalítica ao prospectar elementos que possivelmente se atualizem no evento real e concreto da atividade psicanalítica, orientando os sujeitos à ressignificação axiológica dos conteúdos vivenciais pouco ou não elaborados na e pela troca enunciativa firmada entre analista e analisando.6 6 Conforme a proposta deste artigo, nossa reflexão opera em nível teórico a partir dos textos do Círculo de Bakhtin e de Freud. Embora tenhamos ciência da importância e da contribuição de áreas que se dedicam à análise de atividades de trabalho, como a clínica da atividade (Clot & Faïta, 2000; Faïta, 2005) e a ergologia (Schwartz, 2016; Schwartz, Di Fanti & Barbosa, 2016), não recorreremos a essas abordagens devido ao fato de extrapolarem o objetivo deste estudo. Entendemos, no entanto, que esta pesquisa apresenta potencial para desenvolver trabalhos futuros que contemplem gravações de sessões de psicanálise na concretude de seu acontecimento e/ou outras metodologias voltadas para o desenvolvimento de espaços de verbalização de experiências pessoais e coletivas (entrevistas, grupo de discussão etc.) em diálogo com áreas que se dedicam à análise da atividade profissional. Nesse sentido, entendemos “terapia” como “transformação” (inter)subjetiva na e pela linguagem, em que o uso de “na/pela” alude a aspectos relativamente estáveis do gênero discursivo em questão, que podem vir a se concretizar entre sujeitos em terapia (Moll, 2022Moll, E. S. (2022). A cura pela palavra: um olhar bakhtiniano para a interação discursiva no tratamento psicanalítico freudiano. [Dissertação de Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/10227.
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).

Segundo Nunes (2018Nunes, G. C. (2018). A clínica do trauma e os estágios regressivos no setting psicanalítico. [Tese de Doutorado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/34242/34242.PDF.
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, p. 88), um dos elementos que caracterizam a interação na “sessão de psicanálise” é o setting, ou enquadre: é aquilo que “[...] dá forma à terapia, o que a situa no tempo e no espaço, através de um conjunto de determinações relativas, por exemplo, ao lugar em que a terapia ocorre, ao horário da sessão, aos objetos que compõem o consultório e até mesmo à postura do analista”. O enquadre indicia uma prática discursiva calcada no papel e na função do dizer e do ouvir alternadamente endereçados entre analista e analisando que, como veremos, conduz à terapia enquanto análise conjunta da psique. Todavia, somente o enquadre não garante o sucesso prático psicanalítico. Em nossa investigação bakhtiniana, devemos nos atentar, por um lado, à vivacidade e singularidade do evento de interação discursiva e, por outro, a seus elementos repetíveis, mais ou menos estáveis tanto do ato, quanto do gênero, como indica Sobral (2019Sobral, A. (2019). A filosofia primeira de Bakhtin: roteiro de leitura comentado. Mercado de Letras.); tal abordagem permite compreender o lugar do setting como condutor, mas não como definidor das práticas discursivas psicanalíticas.

No cumprimento de nosso objetivo, recuperamos os pressupostos de Bakhtin e o Círculo que embasam o construto de gênero do discurso, assim como revisionamos o papel do enquadre na terapia psicanalítica freudiana. Conceitos como o de arquitetônica e de heterodiscurso para o Círculo, e o de resistência e de transferência para Freud respaldam nossa discussão. Seguimos as recomendações metodológicas de Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34., pp. 220-221) de, ao analisarmos um enunciado, nunca abstrairmos sua relação com o gênero discursivo e com a esfera da atividade em que ele se realiza, o que evidencia “a extrema importância do problema das formas do enunciado como uma totalidade”. Também, ancoramos nossa argumentação no mesmo esforço de Volóchinov em O freudismo, oferecendo uma leitura sociológico-discursiva às ideias psicanalíticas, prospectando, de nosso diálogo, caminhos para compreender o fenômeno psicanalítico possivelmente atualizável na vida. Com isso em vista, nosso artigo se organiza da seguinte forma: (i) fazemos uma revisão bibliográfica do conceito de gêneros do discurso e dos demais conceitos a ele associados em Bakhtin, Medviédev e Volóchinov; (ii) apresentamos uma breve incursão no conceito de setting para a prática psicanalítica, assim como nos conceitos de resistência, transferência e elaboração, lidos a partir do olhar bakhtiniano e, por fim, (iii) tecemos considerações acerca do enquadre e da análise como espaço-tempo aberto ao diálogo inconclusível.

2. Gêneros discursivos: o todo e a organicidade de suas partes

Os conceitos de arquitetônica, de heterodiscurso e de enunciado se fazem relevantes no estudo dos gêneros discursivos, visto que respaldam a alteridade, o tensionamento de vozes sociais e a atividade responsiva humana na e pela linguagem. Tendo em vista a complexidade desses conceitos, faremos recortes atinentes a obras específicas de Bakhtin e do Círculo, a partir dos quais empreenderemos nossa discussão.

Em Para uma filosofia do ato responsável (1920-1924), Bakhtin (2017Bakhtin, M. (2017). Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. Pedro & João Editores., p. 142) defende que o agir humano, permeado por valores sempre relacionais, concretiza um “princípio arquitetônico supremo do mundo real do ato”, a saber, “a contraposição concreta, arquitetonicamente válida, entre eu e outro”. De acordo com o autor, o ato é definido pelo contraste entre os polos do eu e do outro, centros de valores próprios da condição alteritária de existência humana, instaurando “caráter biplano da determinação valorativa do mundo” (Bakhtin, 2017Bakhtin, M. (2017). Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. Pedro & João Editores., p. 142). Ainda, no ato, a valoração ou tom emotivo-volitivo é o resultado da participação responsiva e expressiva do sujeito no existir, da “compreensão emotivo-volitiva do existir como evento na sua singularidade concreta, sob a base do não-álibi do existir”, o não-álibi no ser (Bakhtin, 2017Bakhtin, M. (2017). Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. Pedro & João Editores., p. 102). Ou seja, o ato em seu devir preserva a relação eu-outro como condição da resposta expressiva encarnada, valorada em relação ao outro e ao mundo cultural.

Conforme Queiroz (2017Queiroz, I. A. (2017). O conceito de arquitetônica na teoria bakhtiniana: uma abordagem historiográfica, filosófica e dialógica. Estudos Linguísticos, 46(2), 625-640. https://doi.org/10.21165/el.v46i2.1506.
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), a consideração do agir em resposta ao outro e ao mundo social, situado num tempo e num espaço, torna possível “dizer que os gêneros do discurso atuam como formas concretas das diversas possibilidades arquitetônicas” do agir responsivo e responsável (pp. 637-638). Também segundo a autora, o princípio arquitetônico do ato acena à “tensão dialógica” própria das relações entre sujeitos, as quais “refletem e refratam discursos e tomam forma nas esferas da atividade humana” (Queiroz, 2017Queiroz, I. A. (2017). O conceito de arquitetônica na teoria bakhtiniana: uma abordagem historiográfica, filosófica e dialógica. Estudos Linguísticos, 46(2), 625-640. https://doi.org/10.21165/el.v46i2.1506.
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, p. 636). Logo, gênero, enunciado e esfera se interpenetram conceitualmente no ensejo de conceber o agir alteritário humano: “para os princípios da abordagem dialógica, o encontro entre sujeitos e a consequente produção de gêneros discursivos só ocorre(rá) em dada esfera da comunicação social” (Barbosa & Di Fanti, 2020Barbosa, V. F., & Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In D. Rocha, B. Deusdará, P. Arantes, & M. Pessôa (Eds.), Em discurso 4 - Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Cartolina. https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04
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, p. 193).

A resposta não-indiferente ao outro, própria da arquitetônica do ato, mobiliza o conceito de voz alheia e de múltiplas vozes - heterodiscurso -, acenando à natureza alteritária do sujeito e do enunciado. Para Queiroz (2017Queiroz, I. A. (2017). O conceito de arquitetônica na teoria bakhtiniana: uma abordagem historiográfica, filosófica e dialógica. Estudos Linguísticos, 46(2), 625-640. https://doi.org/10.21165/el.v46i2.1506.
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, p. 636), nos momentos arquitetônicos eu-para-mim (como me vejo), eu-para-o-outro (como o outro me vê) e outro-para-mim (como vejo o outro), ocorrem interações discursivas que “fazem ecoar vozes temporais e atemporais, no pequeno e no grande tempo, e são personificadas em um dado enunciado concreto, que tem função específica no mundo social, e são corporificadas num domínio cultural”. Essa multiplicidade de vozes remete à própria natureza da linguagem como heterodiscurso, conforme Bakhtin (2015Bakhtin, M. (2015). Teoria do Romance I: A estilística. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 67) postula em O discurso no romance (1934-1936): as línguas do heterodiscurso são “pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua compreensão verbalizada, horizontes concreto-semânticos e axiológicos específicos”, fazendo reverberar apreciações, valorações e contestações diversas. A confluência de múltiplas vozes é, pois, a realidade discursiva concreta na e pela qual o sujeito age e se constitui; “o processo de formação ideológica do [sujeito] é um processo de assimilação seletiva das palavras dos outros” (Bakhtin, 2015Bakhtin, M. (2015). Teoria do Romance I: A estilística. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 135). Ou seja, na arquitetônica do ato concreto, as valorações do eu em resposta ao outro presentificam e pessoalizam as variadas vozes constitutivas dos sujeitos e do contexto discursivo em que vivem.

A concepção de enunciado relaciona-se à noção de arquitetônica, de heterodiscurso e de atividade humana quando enfocamos as esferas ou os campos da criação ideológica. Em Marxismo e filosofia da linguagem (1929),Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34., p. 205, grifos do autor) defende que a palavra enunciada objetiva em seu interior o auditório social e situacional que a permeia - contexto plurivocal e pluriacentual heterodiscursivo mais ou menos imediato - sendo um “ato bilateral”, determinado “tanto por aquele de quem ela procede, quanto por aquele para quem se dirige”, constituindo-se como “uma ponte que liga o eu ao outro”. A ponte entre os sujeitos é a palavra-ato que instaura, em sua arquitetônica alteritária, as recorrências e as singularidades do agir coletivo humano.

Medviédev (2012Medviédev, P. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Contexto., p. 190), em O método formal nos estudos literários (1928), sustenta a ubiquidade da avaliação social - os sentidos opinativos compartilhados num meio ideológico - em qualquer ato enunciativo, indicando que “A presença da palavra é apenas um apêndice de outra presença”, da presença do outro, dos valores comuns ao meio ideológico e à ação humana. Em Os gêneros do discurso (1952-1953), Bakhtin (2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 57) afirma que todo enunciado “é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva”. Compreendemos que o horizonte plurivocal e pluriacentual mais amplo permeia os sentidos mais imediatos da arquitetônica do ato concreto e se inscreve nos enunciados, como notam Barbosa & Di Fanti (2020Barbosa, V. F., & Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In D. Rocha, B. Deusdará, P. Arantes, & M. Pessôa (Eds.), Em discurso 4 - Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Cartolina. https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04
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):

É no enunciado, entendido por Bakhtin (2016Bakhtin, M. (2016b). O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34. e Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.)7 7 As obras citadas pelas autoras são as mesmas utilizadas por nós e encontram-se nas referências deste artigo. , como elo na cadeia da comunicação discursiva em sua relação indissociável com as esferas da atividade, que ecoam as ressonâncias de outros enunciados, tanto passados (via respostas) quanto futuros (via antecipações), o que configura distintas atitudes responsivas do locutor, não só em relação ao objeto do dizer, mas também acerca dos discursos outros sobre ele. (p. 189)

Logo, o ato concreto, compreendido como enunciado, congrega em si as marcas valorativas da arquitetônica alteritária, reinstaurando o heterodiscurso constitutivo do agir responsável e, com isso, os elementos repetíveis e irrepetíveis próprios das recorrências interativas que se ligam às esferas da atividade humana. A relação constitutiva entre esfera da atividade e inter-ação coletiva é o cerne do conceito de gênero para Medviédev (2012Medviédev, P. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Contexto., p. 200): “o gênero é um conjunto de meios de orientação coletiva na realidade, dirigido para seu acabamento”. Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34., p. 94), por sua vez, entende que “Cada campo da criação ideológica possui seu próprio modo de se orientar na realidade, e a refrata a seu modo”. Ou seja, o construto de gênero do discurso põe em cena o ato responsivo dos sujeitos que, em relação, atualizam e reiteram sentidos mais e menos imediatos necessários à apreensão e à modificação da realidade.

O princípio da responsividade do sujeito, o seu caráter singular e ativo em face ao outro e ao heterodiscurso, engendra o enunciado enquanto resposta a outros enunciados. Por isso, Bakhtin (2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 57) indica que “todo enunciado é repleto de variadas atitudes responsivas a outros enunciados de um dado campo da comunicação discursiva”. A alternância entre os sujeitos do discurso, em diálogo com o objeto já contestado pelas vozes alheias, gera o que Machado (2020Machado, I. (2020). Gêneros discursivos. In B. Brait (Ed.), Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto., p. 157) chama de “circuito de respondibilidade”, em que “falante e ouvinte não são papéis fixados a priori, mas ações resultantes da própria mobilização discursiva no processo geral da enunciação”. Ou seja, dependendo da inter-ação, ligada a esferas distintas, os papéis assumidos pelos sujeitos se modificam e interferem na constituição dos enunciados e dos gêneros. Por isso, cada esfera discursiva “traduz uma atmosfera social de atividade, podendo se engendrar em diferentes contextos de interação verbal” (Ribeiro, 2017Ribeiro, K. R. (2017). A complexidade do encontro de esferas discursivas: o caso da mídia e da religião na contemporaneidade. Desenredo, 13(1), 187-211. http://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/6779.
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8 8 À época, a professora-pesquisadora Kelli Machado da Rosa assinava seus escritos como Kelli da Rosa Ribeiro. , pp. 193-194): traduz modos típicos de direcionar-se ao outro e ao objeto ao agirmos no mundo.

O lugar ocupado pelos sujeitos no circuito de respondibilidade influencia a constituição concreta do enunciado. Para Bakhtin (2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34.), o todo temático, estilístico e composicional dos enunciados satisfaz tanto a individualidade dos falantes, que possuem projetos enunciativos singulares, quanto as recorrências do gênero, que apreendem a realidade à sua maneira. Como indicam Barbosa & Di Fanti (2020Barbosa, V. F., & Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In D. Rocha, B. Deusdará, P. Arantes, & M. Pessôa (Eds.), Em discurso 4 - Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Cartolina. https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04
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), a responsividade dos sujeitos engendra a totalidade do processo de formação dos enunciados a partir do projeto enunciativo, descrito por Bakhtin (2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 36) como “vontade de discurso do falante”. Assim, “podemos entender que, a partir de um projeto enunciativo, o locutor, na relação expressiva com o objeto do discurso e com o interlocutor, materializa o seu dizer em um gênero, o qual organiza o discurso via estilo, tema e construção composicional para a interação social” (Barbosa & Di Fanti, 2020Barbosa, V. F., & Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In D. Rocha, B. Deusdará, P. Arantes, & M. Pessôa (Eds.), Em discurso 4 - Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Cartolina. https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04
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, p. 190). O projeto de responder expressivamente ao outro faz do enunciado um ponto de encontro indissolúvel entre estilo, estrutura composicional e tema do(s) falante(s) e do gênero, na totalidade semântica de sua realização.

Vale notar que a concepção de enunciado como resposta dá-nos um norte metodológico ao estudo dos gêneros do discurso. Como notam Barbosa & Di Fanti (2020Barbosa, V. F., & Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In D. Rocha, B. Deusdará, P. Arantes, & M. Pessôa (Eds.), Em discurso 4 - Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Cartolina. https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04
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), a vontade de responder ao outro qualifica o enunciado como ato expressivo, vivo e alteritário; logo, a interação responsiva atualiza elementos repetíveis e irrepetíveis dos gêneros. Estes, por sua vez, concretizam os discursos, os valores e as práticas nutridos pelas esferas de atividade, assim como nelas atuam, em relação de retroalimentação. Assim, seguindo a ordem metodológica de Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.), podemos pensar que o próprio enunciado traz as marcas orgânicas da complexa relação entre esfera e gênero, atualizando e pessoalizando em estilo, tema e estrutura composicional os projetos enunciativos dos sujeitos situados em interação. Sigamos, então, à caracterização desses constituintes orgânicos do enunciado, os quais refletem e refratam a interação responsiva mais e menos imediata.

De acordo com Grillo (2020Grillo, S. V. C. (2020). Esfera e Campo. In B. Brait (Ed.), Bakhtin: outros conceitos-chave. Contexto., p. 146), o tema “caracteriza-se por atribuir uma apreensão delimitadora do objeto do sentido e por compor-se de uma expressão valorativa”. Ou seja, a depender das posições que os sujeitos ocupam em sua relação de alteridade, os valores e o grau de apreensão do objeto e da realidade irão compor diferentemente o tema da enunciação. O estilo é entendido como “uma atitude substancial e criadora do discurso com seu objeto, com o próprio falante e com a palavra do outro; ele procura fazer o material comungar organicamente com a linguagem e a linguagem com o material” (Bakhtin, 2015Bakhtin, M. (2015). Teoria do Romance I: A estilística. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 182). Em outros termos, são as escolhas linguístico-discursivas que enformam o enunciado ao outro. A forma composicional corresponde a “formas relativamente estáveis e típicas de construção do conjunto” (Bakhtin, 2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 38, grifos do autor); esse conjunto é uma totalidade que instaura “vínculos composicionais” entre o projeto enunciativo e o enformamento do enunciado, que integram nossa “imaginação discursiva” (Bakhtin, 2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 43). Todos esses três elementos, tema, estilo e forma composicional, constroem a totalidade do enunciado, do ato e do gênero: “é o eco da totalidade do gênero que ecoa na palavra” (Bakhtin, 2016aBakhtin, M. (2016a). Os gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 53).

Para Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34., p. 222), o conceito de gênero refere-se à ocorrência de “formas de comunicação cotidiana que sejam ao menos um pouco mais estáveis, fixadas pelo cotidiano e pelas circunstâncias”. Essas formas ganham um “acabamento” de gênero, aquilo que corresponde “às particularidades ocasionais e singulares das situações cotidianas”, que dão forma relativamente estável à interação discursiva. Medviédev (2012Medviédev, P. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Contexto., p. 198), em consonância com Volóchinov, argumenta que cada gênero “é um complexo sistema de meios e métodos de domínio consciente e de acabamento da realidade”. É válido destacar que, como nota Ribeiro (2017Ribeiro, K. R. (2017). A complexidade do encontro de esferas discursivas: o caso da mídia e da religião na contemporaneidade. Desenredo, 13(1), 187-211. http://seer.upf.br/index.php/rd/article/view/6779.
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, p. 192), o acabamento relativo e a forma composicional do gênero estão ligados “a uma forma arquitetônica que dá contornos específicos aos enunciados”. Não se trata, portanto, de um encaixotamento da realidade no e pelo gênero, mas da ação discursiva de enformar, de dar contorno discursivo, de criar sentidos na e pela linguagem a partir da disposição do eu e do outro numa dada esfera da atividade humana.

Por fim, vale notar que os gêneros discursivos, uma vez experienciados, passam a compor a experiência cognoscente humana. Segundo Medviédev (2012Medviédev, P. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Contexto., p. 196), cada gênero “é capaz de dominar somente determinados aspectos da realidade, ele possui certos princípios de seleção, determinadas formas de visão e de compreensão dessa realidade, certos graus na extensão de sua apreensão e na profundidade de penetração nela”. Pela ação ativa e responsiva do sujeito em seu meio ideológico, os gêneros passam a ser interiorizados, compondo a esfera interior de ativismo do sujeito: “a consciência humana possui uma série de gêneros interiores que servem para ver e compreender a realidade. Dependendo do meio ideológico, uma consciência é mais rica em gêneros, enquanto a outra é mais pobre” (Medviédev, 2012Medviédev, P. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Contexto., p. 198). Por isso, devemos também perceber a via de mão dupla entre gênero e consciência: os gêneros que experienciamos socialmente estruturam, de fora para dentro, a consciência responsiva dos sujeitos, assim como podem ser vividos ativamente na transformação da realidade objetiva.

Em suma, compreendemos tema, estilo e forma composicional em ligação orgânica com as valorações, com a situação extraverbal, com a responsividade do sujeito e, principalmente, com a totalidade do ato enunciativo. Por isso, os gêneros, ao comporem nossa experiência cognoscente, orientam maneiras específicas de direcionamento do dito a um todo enunciativo, o qual é forjado no heterodiscurso em resposta a já ditos e na urgência a respostas vindouras. Esse todo forma-se a partir de projetos enunciativos dos sujeitos, os quais fazem reverberar em seus atos o trajeto formativo de sua consciência dialógica como apreensão seletiva das palavras alheias. Assim, uma postura de pesquisa atenta à totalidade do enunciado faz repercutir em cada uma de suas partes a arquitetônica, os centros de valores alteritários engendradores do ato, “a organização do sentido no todo englobante de um enunciado concreto que é realizado num ato responsável, enquanto potência no ser único e sempre em relação de interação com o outro, com a esfera ideológica, num determinado tempo-espaço” (Queiroz, 2017Queiroz, I. A. (2017). O conceito de arquitetônica na teoria bakhtiniana: uma abordagem historiográfica, filosófica e dialógica. Estudos Linguísticos, 46(2), 625-640. https://doi.org/10.21165/el.v46i2.1506.
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, p. 639). A partir dessas ponderações, passemos a refletir sobre o enquadre no gênero sessão de psicanálise.

3. O setting no gênero sessão de psicanálise: experiência de encontro de vozes

Em comunicações à sociedade leiga, Freud comumente relatava a especificidade da psicanálise em contraste com a psiquiatria e com as formas de tratamento mental da época. Em Compêndio de Psicanálise (1940), Freud (2018Freud, S. (2018). Compêndio de Psicanálise. In S. Freud, Obras completas, volume 19: Moisés e o monoteísmo, Compêndio de Psicanálise e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.) avalia que “dentro e fora da ciência, basta supor que o psíquico é apenas a consciência” (p. 206). Sua novidade é o manejo clínico das “lacunas no psíquico, completando o que falta por meio de inferências plausíveis e traduzindo-o em material consciente”, produzindo “como que uma série complementar consciente para o psíquico inconsciente”, causador dessas lacunas (p. 208). Para tanto, tal contexto clínico precisaria de um elemento definidor: um discurso consciente que trouxesse à tona o inconsciente. A especificidade desse discurso é livre-associação. Haveria um pacto prévio entre analista e analisando, nomeado como “regra de ouro”, passo inicial e designativo da situação de análise, como lemos a seguir:

Selamos um pacto. O Eu doente nos promete franqueza total, ou seja, que disporemos de todo o material que sua autopercepção lhe fornece; nós lhe garantimos rigorosa discrição e colocamos a seu serviço nossa experiência na interpretação do material influenciado pelo inconsciente. Nosso saber deve compensar sua insciência, deve restituir ao Eu o domínio sobre regiões perdidas da psique. Nesse pacto consiste a situação analítica. (Freud, 2018Freud, S. (2018). Compêndio de Psicanálise. In S. Freud, Obras completas, volume 19: Moisés e o monoteísmo, Compêndio de Psicanálise e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras., p. 226)

A livre-associação implica o analisando comunicar ao analista não apenas “o que diz intencionalmente e de bom grado, o que, como numa confissão, lhe traz alívio, mas também tudo o mais que sua auto-observação lhe propicia, tudo o que lhe vem à mente, ainda quando lhe seja desagradável dizer, ainda quando lhe pareça irrelevante ou até mesmo absurdo” (Freud, 2018Freud, S. (2018). Compêndio de Psicanálise. In S. Freud, Obras completas, volume 19: Moisés e o monoteísmo, Compêndio de Psicanálise e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras., p. 228, grifos do autor). A fala livre-associada nutre as possibilidades interpretativas e interventivas do analista, que deve se colocar em estado de atenção flutuante ao discurso do analisando. A atenção flutuante é, segundo Souza (2018Souza, L. A. F. (2018). A associação livre em Freud: fundamento do tratamento psicanalítico. [Dissertação de mestrado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32177.
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, p. 74), a postura do analista que observa, interpreta e “recolhe o que existe de associativo na fala do sujeito no tratamento psicanalítico”. Ou seja, trata-se de um olhar global, não fixado em fragmentos discursivos específicos, capaz de conceber, no todo da fala e do agir do analisando, os traços associativos reveladores do abscôndito sintoma.

Souza (2018Souza, L. A. F. (2018). A associação livre em Freud: fundamento do tratamento psicanalítico. [Dissertação de mestrado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32177.
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, p. 92) indica que na associação livre “o método psicanalítico encontra não apenas o seu enquadre definidor, mas é através dela que institui sua dimensão ética, que a singulariza diante das outras formas de tratamento”. Para Celes (2005aCeles, L. A. (2005a). Psicanálise é trabalho de fazer falar, e fazer ouvir. Psychê, 9(16), 25-48. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382005000200003
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, p. 29), tanto o princípio da livre-associação quanto a atenção flutuante do analista constituem os pilares da psicanálise como tratamento ao propiciar um trabalho conjunto de psico-análise (análise da psique): “no trabalho psicanálise trata-se de o analisando ‘falar’ o que foi esquecido, sob a condição do ‘ouvir’ específico do analista para que o analisando também ‘ouça’ o que fala”. Logo, o foco da prática psicanalítica “reside sempre no discurso do sujeito, ou melhor, nas potencialidades de sua associatividade fundamental” (Souza, 2018Souza, L. A. F. (2018). A associação livre em Freud: fundamento do tratamento psicanalítico. [Dissertação de mestrado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32177.
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, p. 92). A fala livre associada, recebida em atenção flutuante, monta o cenário mais imediato dos pontos de vista em embate, das vozes em diálogo e tensão na sessão.

Em um viés bakhtiniano, poderíamos dizer que a fala livre associada, conforme pensada por Freud, indicia uma atividade humana que, na resposta ao analista, faz emergir no discurso temas e motivos que dificilmente seriam verbalizados em outras atividades. Haveria uma dificuldade social de verbalização de temas e motivos ideológicos específicos em outras esferas da comunicação discursiva que não aquela propiciada pelo contexto extraverbal psicanalítico. A sessão de psicanálise torna-se, então, um convite a falar o inaudito, com seus temas e conteúdos, organizando-os ideológica e enunciativamente para si e para o outro no e pelo engajamento discursivo do par analítico.

A “livre associação”, nesse sentido, não pode ser pensada em termos bakhtinianos como o “dizer livre”, ou o “dizer sem consequências”, dado que o enunciado sempre é objetivado por um sujeito responsável, constituído pelas relações alteritárias, sociais e ideológicas, sejam elas mais amplas ou mais imediatas. A “liberdade” do dizer pode ser pensada, dialogicamente, como o acolhimento responsivo que o psicanalista destina à fala do analisando, para que este, ao endereçar seu dizer ao outro, também se escute. “Para a palavra (e consequentemente para o [ser]) não existe nada mais terrível do que a irresponsividade” (Bakhtin, 2016bBakhtin, M. (2016b). O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In M. Bakhtin, Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34., p. 105, grifos do autor); a presença responsiva do analista presta uma contrapalavra acolhedora àquilo que o sujeito não falaria em outras condições interacionais. Daí a liberdade: a psicanálise, enquanto atividade, licencia projetos discursivos outros, para os quais estar falando corresponde estar sendo acolhido e, portanto, respondido pela presença ativa do analista.

Seguindo a orientação metodológica de Volóchinov (2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.), entendemos que a relação orgânica entre esfera discursiva, gênero discursivo e enunciado engendra-se na atividade de dizer-se ao outro. Em outras palavras, na relação de alteridade entre analista e analisando, aquilo que em outras esferas discursivas poderia ser valorado pelo sujeito como execrável, insignificante ou disparatado, é acolhido como material da atividade psicanalítica. Assim, a troca enunciativa psicanalítica é um microcosmo da complexa interação entre valores, esferas discursivas e enunciados próprios da constituição dos sujeitos em diálogo, emergindo e dialogizando-se no enunciado livre-associado que se endereça ao analista. Portanto, o próprio gênero discursivo sessão de psicanálise comporta e anima projetos enunciativos que, em outros gêneros, permaneceriam “censurados”, “não-oficiais”, inadequados, promovendo movimentos alteritários de fala e de escuta que socializam o conteúdo do psiquismo na pequena atmosfera social engendrada na atividade de análise.

Como nota Peron (2004Peron, P. R. (2004). Da sugestão à análise da transferência: a noção de cura psicanalítica no início da obra freudiana. Mental, 2(2), 35-53. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272004000100004&lng=pt&nrm=iso.
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), a experiência de análise reflete a noção de cura não só como a possibilidade de “pensar aquilo que não pôde ser pensado” (p. 42), mas também como “um trabalho psíquico do paciente que o leve à aceitação de novos conteúdos: a elaboração” (p. 47)9 9 O funcionamento da elaboração no trabalho psicanalítico, atinente ao tempo destinado ao analisando “para que ele se enfronhe na resistência agora conhecida, para que a elabore, para que a supere, prosseguindo o trabalho apesar dela, conforme a regra fundamental da análise”, encontra-se mais bem desenvolvido no texto Recordar, repetir e elaborar, de 1914 (Freud, 2010, p. 207-209). No entendimento de Jorge (2005, p. 60), a elaboração implica também a verbalização de tal processo: “a elaboração (Verarbeitung) confunde-se com o próprio trabalho analítico, na medida em que este visa essencialmente [à] simbolização”. . O conteúdo novo é tanto aquilo que se descobre no e pelo falar que se dirige ao analista, assim como é a resistência a essa descoberta: resiste-se ao que é encontrado quando se fala o “absurdo”, o “irrelevante” ou o “desagradável”; entretanto, nas condições que permeiam a atividade de falar ao analista, reside a possibilidade de se envolver com a resistência e ressignificá-la ao direcioná-la a alguém. Em termos bakhtinianos, diríamos que a elaboração é o trabalho conjunto de falar e ouvir, que vai dando corpo discursivo às resistências do lembrar e do dizer, expandindo as possibilidades de dar contorno verbal àquilo que, fora da análise, permaneceria silenciado ou viria à tona com grandes percalços.

Numa leitura teórica e sociológico-discursiva, poderíamos dizer que o pacto livre-associativo freudiano orienta o par analítico a ocupar posições arquitetônicas próprias da sessão de psicanálise. O enunciado concretiza a relação entre o eu e outro, trazendo em si as marcas da troca responsiva, as quais advêm dos novos polos axiológicos vivenciados na atividade psicanalítica. Nesses polos, não deveria haver julgamentos morais prévios e silenciadores entre o eu e o outro, mas sim um convite a elaborar, no discurso, as resistências e os silêncios. Nesse processo, inclusive os julgamentos do analisando-para-si poderiam vir a ser expressos, verbalizados ao outro, contribuindo para a socialização dos tons emotivo-volitivos que compõem a lembrança de sua história - a qual, por sua vez, é prenhe de palavras alheias e de vozes heterodiscursivas. Entendemos que o acolhimento promovido pela atividade analítica não seja neutro ou isento das visões de mundo do par analítico, mas tais visões de mundo, uma vez amparadas na técnica analítica, orientam-se à atividade de análise e forjam um ambiente enunciativo no qual inclusive os julgamentos ao dizer de si podem ser dialogizados no enfrentamento às resistências implicadas nesse processo.

Como observa Volóchinov (2017Volóchinov, V. (2017). O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva., p. 80), a resistência de que trata Freud “é, acima de tudo, uma resistência ao médico, ao ouvinte, em geral, à outra pessoa”: trata-se de uma postura responsiva ao novo - muitas vezes amedrontador e inusitado - da relação de análise. Poder enformar o dizer antes silenciado traz em si a descoberta e a resistência ao novo espaço elaborativo, sendo grande parte do trabalho analítico freudiano a exploração dessa resistência, dando-lhe novos sentidos e destinos verbalizados, gestualizados, entonados em algum material semiótico objetivado entre o par analítico.

Pondo Bakhtin e Freud em diálogo na criação de inteligibilidade sobre a atividade psicanalítica, entendemos que dizer o sintoma, vivenciá-lo com o analista, especifica a atividade psicanalítica como espaço-tempo de elaboração de um conteúdo temático que não encontra o mesmo espaço de verbalização nas demais esferas e gêneros. Então, o dizer do analisando faz ressoar tanto as vozes não enformadas do heterodiscurso, as “não-oficiais”, quanto as vozes mais estabilizadas, mais “oficiais”, provenientes dos inúmeros eventos de inter-ação nos quais o dizer é coletivizado sem maiores problemas. O par analítico coletiviza entre si aquilo que precisaria ser silenciado, ou que fora silenciado em outras atividades, dialogizando tais vozes a partir de um novo auditório social e de um novo contexto situacional - a sessão de psicanálise. Por isso, podemos entender o conteúdo novo forjado na interação entre analista e analisando como “coenunciação dialogizada criativa” (Moll, 2022Moll, E. S. (2022). A cura pela palavra: um olhar bakhtiniano para a interação discursiva no tratamento psicanalítico freudiano. [Dissertação de Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/10227.
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, p. 114).

Tendo em vista a atividade-trabalho de psicanálise (Celes, 2005bCeles, L. A. (2005b). Psicanálise é o nome de um trabalho. Psicologia Clínica, 17(2), 157-171. https://doi.org/10.1590/S0103-56652005000200012.
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), entendemos que o projeto enunciativo do sujeito que busca auxílio a questões de saúde mental encontra na sessão psicanalítica uma orientação a papéis interacionais de fala e de escuta que, em sua especificidade, promovem encaminhamento terapêutico pela socialização dialogada, amparada pela técnica psicanalítica, dos conteúdos do psiquismo do analisando. O circuito de respondibilidade engendrado permite que os enunciados do dizer de si sejam escutados, acolhidos e respondidos pelo analista, assim como escutados pelo próprio analisando, encorpando o enunciado com os valores desse novo contexto interacional. Percebemos, em consonância com Volóchinov (2017Volóchinov, V. (2017). O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva.), que nesse circuito essencialmente dialógico abre-se um espaço e um tempo novos, propícios a que o analisando dê “uma resposta verbalizada e um desfecho verbalizado àquilo que fora reprimido e isolado no seu psiquismo, agravando-o” (p. 31). Esse desfecho - enformamento, acabamento - é permeado pelas posições axiológicas renovadas na atividade de psico-análise conjunta, quando as múltiplas vozes constitutivas dos sujeitos se dialogizam na interação responsiva do par analítico em terapia.

Dito isso, não podemos esquecer as conceituações mais amplas de setting, as quais se referem às características procedimentais, normativas e atitudinais dos encontros analíticos. Para Zimerman (1999Zimerman, D. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica - uma abordagem didática. Artmed.), é relevante destacar as propriedades globais concernentes à logística prévia das sessões:

O setting, comumente traduzido em nosso idioma como enquadre, pode ser conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalítico. Assim, ele resulta de uma conjunção de regras, atitudes e combinações, tanto as contidas no ‘contrato analítico’ como também aquelas que vão se definindo durante a evolução da análise, como os dias e horários das sessões, os honorários com a respectiva modalidade de pagamento, o plano de férias... (Zimerman, 1999Zimerman, D. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica - uma abordagem didática. Artmed., p. 301)

Numa leitura discursiva, depreendemos que o enquadre tem também a funcionalidade de assegurar a uma sessão de psicanálise o cumprimento de sua funcionalidade terapêutica. Logo, o enquadre traz em si os elementos repetíveis, pré-evento de trabalho analítico conjunto, os quais incidem nos temas esperados a uma sessão de psicanálise, nos limites e nas possibilidades de apreensão valorativa da realidade. Igualmente, orienta o estilo discursivo, ao indicar o regime enunciativo de livre associação, no qual palavras possíveis de serem ditas pelo analisando comungarão com a previsão de acolhimento e interpretação do material livre-associado pelo analista. Esses aspectos são perpassados pelas formas típicas de construção de conjunto do enunciado, as quais atualizam as possibilidades arquitetônicas terapêuticas previstas pelo gênero, traduzindo a atmosfera da atividade psicanalítica.

Também, devemos pensar o enquadre a partir da perspectiva formativa do sujeito que se propõe analista. Franco & Kupperman (2020Franco, W. A. C., & Kupperman, D. (2020). Um lugar para pensar: uma hipótese sobre o enquadre interno do psicanalista. Jornal de Psicanálise, 53(99), 59-74. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352020000200005&lng=pt&nrm=iso.
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) defendem que a apropriação e a (re)criação de um enquadre interno sejam constitutivos do processo formativo do sujeito que pratica a psicanálise. Para os autores, a apropriação garante a consolidação de olhar teórico e clínico-metodológico pessoalizado, embora sempre amparado na técnica. Isso sustentaria a possibilidade de exercer psicanálise em menor dependência com as contingências do enquadre externo, como as exigências concretas do espaço clínico: “o analista porta consigo o enquadre, encarna o enquadre, e sustenta o processo psicanalítico ainda que este não esteja inscrito nos parâmetros formais de um tratamento psicanalítico clássico” (Franco & Kupermann, 2020Franco, W. A. C., & Kupperman, D. (2020). Um lugar para pensar: uma hipótese sobre o enquadre interno do psicanalista. Jornal de Psicanálise, 53(99), 59-74. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352020000200005&lng=pt&nrm=iso.
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, p. 64). Além disso, os autores indicam que a aprendizagem da psicanálise traz consigo a apropriação da totalidade dessa prática pelo analista:

o sujeito interioriza não só a teoria [...] mas todo um enquadre, composto a partir de elementos imaginários e afetivos que ele recolhe em suas experiências de análise, de supervisão, de leitura, de circulação institucional e de atendimento clínico supervisionado; é essa interiorização, compondo todas essas experiências em um único complexo (um nó), que oferece ao clínico as condições de trabalho psicanalítico”. (Franco & Kupermann, 2020Franco, W. A. C., & Kupperman, D. (2020). Um lugar para pensar: uma hipótese sobre o enquadre interno do psicanalista. Jornal de Psicanálise, 53(99), 59-74. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352020000200005&lng=pt&nrm=iso.
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, p. 65)

Um semelhante processo de interiorização do enquadre é ressaltado por Moreira & Esteves (2012Moreira, L. M., & Esteves, C. S. (2012). Revisitando a teoria do setting terapêutico. Psicologia.pt. https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0628.pdf.
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) pela perspectiva da estabilidade relacional do tratamento tanto para o analista, quanto para o analisando. Em consonância com Franco & Kuppermann (2020Franco, W. A. C., & Kupperman, D. (2020). Um lugar para pensar: uma hipótese sobre o enquadre interno do psicanalista. Jornal de Psicanálise, 53(99), 59-74. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352020000200005&lng=pt&nrm=iso.
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), as autoras citadas indicam que o setting representa para o analista “um lugar para onde voltar”: nesse lugar estão as crenças, o aparato teórico-metodológico e a ética da prática. Para o analisando, o “espaço mental do setting” prolonga a “aliança terapêutica” para além do tempo e do espaço (Moreira & Esteves, 2012Moreira, L. M., & Esteves, C. S. (2012). Revisitando a teoria do setting terapêutico. Psicologia.pt. https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0628.pdf.
https://www.psicologia.pt/artigos/textos...
, p. 6). Em sintonia teórica, Migliavacca (2008Migliavacca, E. M. (2008). Breve reflexão sobre o setting. Boletim de Psicologia, 58(129), 219-226.) concebe a apropriação do setting em estreita relação com a finalidade terapêutica da análise:

O setting contempla arranjos práticos para a realização do trabalho, mas é também um conceito psicológico que inclui uma visão do que acontece dentro dele - da moldura - de modo diferente do que acontece fora. A par disso, mas não de menor importância, o setting se constitui como um objeto internalizado, estreitamente ligado ao vértice e à função analítica. O esclarecimento necessário dos arranjos práticos é um dos pilares da moldura dentro da qual se desenhará em infinitas direções, o encontro de duas mentes, a do profissional e a de seu paciente, em busca de realização. (Migliavacca, 2008Migliavacca, E. M. (2008). Breve reflexão sobre o setting. Boletim de Psicologia, 58(129), 219-226., p. 222)

Em nossa leitura, a expansibilidade espaço-temporal do setting tornado signo interiorizado remete às experiências de análise prévias e acena aos gêneros interiores de que falava Medviédev (2012Medviédev, P. (2012). O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Contexto.). Tornados parte da experiência cognoscente, esses gêneros trazem em si uma espaço-temporalidade arquitetônica engendrada pelos movimentos alteritários do evento analítico situado e pelas múltiplas vozes sociais que ressoam na resposta expressiva do sujeito a seu(s) outro(s). Ao se interiorizar no analista, o setting possibilita que arranjos arquitetônicos psicanalíticos se manifestem em suas mais distintas contingências nas ocasiões vindouras, em resposta a vozes outras. Ao ser interiorizado pelo analisando, o setting dá-lhe autonomia na vida ao findarem as sessões de análise, visto que traz em si a memória experiencial de um espaço-tempo analítico convidativo à dialogização de vozes sociais. A voz analítica ecoante, assim, constitui o analisando, dando-lhe uma referência enunciativa e axiológica para a possibilidade de elaboração infinda dos temas e motivos que o perpassam.

Por fim, cabe-nos investigar a relação entre o setting e outro ponto nodal da metapsicologia freudiana: a transferência, conceito que especifica o vínculo entre analista e analisando. Esse conceito complexo pode ser explicado, de forma geral, como a condição relacional que se dá quando analista e analisando entram em situação de análise: o primeiro passará a atuar e vivenciar, nas projeções inconscientes à figura do analista, seu passado psíquico (Zimerman, 1999Zimerman, D. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica - uma abordagem didática. Artmed.). No didático texto Cinco lições da Psicanálise, de 1910, Freud explica: “A transferência ocorre espontaneamente em todas as relações humanas, assim como entre o paciente e o médico; é sempre veículo da influência terapêutica, e seu efeito é maior quanto menos se suspeita de sua existência” (Freud, 2013Freud, S. (2013). Cinco lições de Psicanálise. In S. Freud, Obras completas, volume 9: observações sobre um caso de neurose obsessiva [“O homem dos Ratos”], uma recordação de infância de Leonardo da Vinci e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. Companhia das Letras., p. 281). No trecho que segue, menciona-se o caso da transferência na psiconeurose, mas iremos discutir a relação entre a metáfora química apresentada e a transferência:

[...] aquela parte da vida emocional do paciente que ele não pode mais evocar na lembrança é vivenciada novamente na sua relação com o médico, e apenas com esse reviver na ‘transferência’ ele é persuadido da existência e do poder de tais impulsos sexuais inconscientes. Os sintomas, que, para recorrer a uma imagem da química, são precipitados de anteriores vivências amorosas (no mais amplo sentido), podem ser dissolvidos e transformados em outros produtos psíquicos apenas na elevação da temperatura da transferência. (Freud, 2013Freud, S. (2013). Cinco lições de Psicanálise. In S. Freud, Obras completas, volume 9: observações sobre um caso de neurose obsessiva [“O homem dos Ratos”], uma recordação de infância de Leonardo da Vinci e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. Companhia das Letras., p. 280)

Numa leitura sociológico-discursiva, diríamos que a transferência remete à vivificação responsiva dos temas, dos já ditos e dos não ditos que fazem parte da história do analisando ante a possibilidade de (re)endereçamento da palavra ao analista na relação de análise. Podemos compreender a transferência como uma relação de/em análise que tem, ela mesma, um potencial terapêutico no processo vivencial analítico, na posição responsiva ativa frente ao circuito de respondibilidade convidativo à fala em livre associação. Seguindo a metáfora catalítica freudiana, podemos dizer que a valoração receptiva e acolhedora ao discurso livre-associado do analisando “eleva a temperatura” da relação e dissolve, pelo calor da escuta e da fala que se fez ouvida, a pedra sólida das vozes ansiosas em serem verbalizadas e endereçadas, portanto, conflitivas, porque ainda não elaboradas. A transferência, como indica Peron (2004Peron, P. R. (2004). Da sugestão à análise da transferência: a noção de cura psicanalítica no início da obra freudiana. Mental, 2(2), 35-53. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272004000100004&lng=pt&nrm=iso.
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), enfoca o peso clínico da própria vivência relacional de análise; isso vai ao encontro de nossa discussão de enquadre como experiência e também como memória de uma vivência interiorizada que vivificou o projeto enunciativo de ouvir e de ser ouvido para transformar-se.

Ademais, vemos aqui uma relação discursiva entre o papel do enquadre, da resistência, da transferência e da elaboração nesse gênero em face às demais esferas da atividade humana. Na esfera da saúde mental, esses processos do gênero relacionam a sessão de psicanálise com demais esferas em função das vozes sociais que, no meio heterodiscursivo dialogizado, perpassam o analisando ao serem postas no jogo elaborativo. As vozes já enformadas dialogizam-se com as vozes em processo de dizerem-se e nisso se manifesta a resistência a dizer o abscôndito do sintoma, a qual só se dissolve na profundidade vincular entre o par analítico e no cronotopo (tempo-espaço) de análise. Pensando na relação orgânica entre enunciado, gênero e esfera (Volóchinov, 2018Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.), a verbalização traz em si as marcas semântico-axiológicas da experiência de análise, fazendo a ampla esfera da saúde mental, na qual a atividade psicanalítica opera, altamente receptiva às demais vozes heterodiscursivas que constituem o sujeito, permeável às esferas outras, próprias do contexto discursivo globalizante dos analisandos. Portanto, acreditamos que a permeabilidade da esfera da saúde mental às demais esferas também especifica a atividade de elaboração terapêutica. Elaboração e análise somente podem ser pensadas na e pela relação do par analítico, a qual concretiza nos enunciados verbalizados uma resposta outra ao inaudito, seja ele reflexo da resistência do analisando ao analista ou refração das experiências silenciadas nos demais gêneros e esferas.

4. Considerações finais

No começo deste artigo, fizemos do interesse de Volóchinov pela psicanálise o nosso foco investigativo. Observamos as críticas que o integrante do Círculo de Bakhtin faz a aspectos teóricos, metodológicos e filosóficos da psicanálise, mas não deixamos de notar as brechas para o desenvolvimento de uma pesquisa inspirada no êxito terapêutico desse pequeno acontecimento social. Assim, elencamos como objetivo investigar teoricamente o pequeno acontecimento social psicanalítico como um gênero do discurso em sua especificidade terapêutica, considerando o entrecruzamento de vozes constitutivo desse evento. Em sua leitura, Volóchinov (2017Volóchinov, V. (2017). O freudismo: um esboço crítico. Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva.) destaca o peso da prática vivencial entre analista e analisando, a troca verbalizada, como vetor terapêutico. Neste artigo, não observamos uma prática concreta, mas observamos caminhos teóricos para pensar a dinâmica terapêutica em termos bakhtinianos. Então, perguntamo-nos sobre os aspectos que especificariam a orientação terapêutica dessa atividade e encontramos no enquadre um elemento que organizaria a arquitetônica do gênero, comporia a história formativa do psicanalista e engendraria um circuito de respondibilidade em que resistências, transferências e elaborações se tornariam possíveis. Assim, a consciência povoada por vozes sociais daria ao projeto enunciativo de curar-se contornos discursivos ao sintoma quando engajada na resposta ao psicanalista, em análise.

Acreditamos ter encontrado na atividade do sujeito e no circuito de respondibilidade uma leitura possível para a especificação terapêutica desse gênero. Defendemos que a relação entre analista e analisando é específica no que tange à possibilidade de fazer da interação discursiva um espaço-tempo de encontro mais receptivo à palavra do outro. Tal ponderação remete à questão da alteridade, conforme reflete Di Fanti (2020Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre a alteridade em Bakhtin. In C. Paschoal et al. (Eds.), Círculo de Bakhtin: alteridade, diálogo e dialética. Polifonia. https://issuu.com/editorapolifonia/docs/circulo_de_bakhtin-_alteridade__dialogo_e_dialetic.
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), que implica a necessidade imperativa do outro - do seu olhar exotópico e do seu tom emotivo-volitivo - para a percepção de si próprio. É, nessa perspectiva, na arquitetônica valorativa concreta da sessão de psicanálise, que, seguindo Bakhtin (2003Bakhtin, M. (2003). Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In M. Bakhtin, Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. 4. ed. Martins Fontes., p. 341), podemos entender a importância da verbalização para o processo de cura: “eu tomo consciência de mim e me torno eu mesmo unicamente me revelando para o outro, através do outro e com o auxílio do outro”.

Nesse encontro com o outro, a palavra em elaboração apresenta-se em caráter de coenunciação não-premeditada no espaço-tempo analítico. Em relação ao espaço-tempo de encontro, referimo-nos tanto ao enquadre interno formativo do analista (Franco & Kuppermann, 2020Franco, W. A. C., & Kupperman, D. (2020). Um lugar para pensar: uma hipótese sobre o enquadre interno do psicanalista. Jornal de Psicanálise, 53(99), 59-74. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352020000200005&lng=pt&nrm=iso.
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), fruto de encontros teóricos e clínicos passados, quanto à interiorização do enquadre (Moreira & Esteves, 2012Moreira, L. M., & Esteves, C. S. (2012). Revisitando a teoria do setting terapêutico. Psicologia.pt. https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0628.pdf.
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; Migliavacca, 2008Migliavacca, E. M. (2008). Breve reflexão sobre o setting. Boletim de Psicologia, 58(129), 219-226.) pelo analisando, que dialogiza as múltiplas vozes constitutivas de si e experimenta, na relação com o outro, novos valores ao enformar sua história. O caráter da palavra não-premeditada acena à elasticidade analítica do enquadre em relação às demandas contingentes e singulares dos participantes, ao regime estilístico livre-associativo, assim como ao “diálogo inconclusível” de que trata Bakhtin (2003Bakhtin, M. (2003). Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In M. Bakhtin, Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. 4. ed. Martins Fontes., p. 348), que não permite o fechamento do pensamento e da vida na relação com o outro. Com isso, entendemos que o enformamento enunciativo terapêutico não esgota o sintoma, mas faz emergir o ainda não dito, pensado ou experienciado a respeito da vida do analisando. Por fim, nossa visão de terapia como coenunciação é remetida às noções de elaboração e de transferência. Na coenunciação, vivências podem vir a ser (re)construídas nas condições alteritárias especificadas no gênero, que se vivificam na troca enunciativa. Igualmente, a potência criativa do diálogo inconclusível instaura um espaço tenso de construção infinda do sujeito que se coloca ao olhar do outro para transformar-se em terapia.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil (CNPq) - Processos 130711/2020-9 e 311462/2020-0.

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  • Schwartz, Y., Di Fanti, M. G. C., & Barbosa, V. F. (2016). Uma entrevista com Yves Schwartz. Letrônica, 9 (supl.), 222-233.
  • Sobral, A. (2019). A filosofia primeira de Bakhtin: roteiro de leitura comentado. Mercado de Letras.
  • Souza, L. A. F. (2018). A associação livre em Freud: fundamento do tratamento psicanalítico [Dissertação de mestrado]. Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32177
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  • Volóchinov, V. (2017). O freudismo: um esboço crítico Trad. Paulo Bezerra. Perspectiva.
  • Volóchinov, V. (2018). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.
  • Volóchinov, V. (2019). Do outro lado do social: sobre o freudismo. In V. Volóchinov, A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas Trad. Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.
  • Zimerman, D. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica - uma abordagem didática. Artmed.
  • 4
    A expressão Círculo de Bakhtin foi criada pelos pesquisadores da área para designar o grupo de pensadores com formações e interesses distintos que se reuniram em Nével, Vítebsk e Leningrado, na Rússia, entre os anos de 1919 e 1929. Na área dos estudos do discurso, as contribuições de Bakhtin, Volóchinov e Medviédev orientam pesquisas em torno da relação entre sujeito, linguagem, arte e sociedade. Embora os escritos de Bakhtin a partir de 1930 desvinculem-se formalmente das reuniões do Círculo, nestes reconhecemos forte afinidade com as discussões do grupo, o que permite considerá-los também como do pensamento do Círculo (Barbosa & Di Fanti, 2020Barbosa, V. F., & Di Fanti, M. G. C. (2020). Notas sobre gêneros do discurso em Bakhtin, Volóchinov e Medviédev. In D. Rocha, B. Deusdará, P. Arantes, & M. Pessôa (Eds.), Em discurso 4 - Pesquisar com gêneros discursivos: interpelando mídia e política. Cartolina. https://www.editoracartolina.com.br/em-discurso-04
    https://www.editoracartolina.com.br/em-d...
    ).
  • 5
    A dinâmica de trabalho de Volóchinov, que envolvia a publicação de um artigo e sua expansão em obra pouco tempo depois, atestada pela recuperação dos registros acadêmicos do autor no Instituto da História Comparada das Línguas e Literaturas do Ocidente e do Oriente - ILIAZV (Grillo, 2019Grillo, S. V. C. (2019). Registros de Valentin Volóchinov nos arquivos do ILIAZV. In V. Volóchinov, A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.), orienta-nos a creditar a autoria dos textos do freudismo a Volóchinov. Entretanto, na tradução disponível ao público brasileiro em 2001, a autoria de O freudismo é atribuída a Bakhtin, ainda que no Prefácio se faça menção à assinatura de Volóchinov, revelando a disputa pela autoria da obra. Neste trabalho, creditamos a Volóchinov a autoria dos dois textos sobre o freudismo, de modo a alinhar a autoria do artigo de 1925 à obra expandida de 1927.
  • 6
    Conforme a proposta deste artigo, nossa reflexão opera em nível teórico a partir dos textos do Círculo de Bakhtin e de Freud. Embora tenhamos ciência da importância e da contribuição de áreas que se dedicam à análise de atividades de trabalho, como a clínica da atividade (Clot & Faïta, 2000Clot, Y., & Faïta, D. (2000). Genres et styles en analyse du travail: concepts et méthodes. Travailler, Revigny-sur-Ormain, 4, 7-42.; Faïta, 2005Faïta, D. (2005). Análise dialógica da atividade profissional. Tradução e organização de Maria da Glória Corrêa di Fanti, Maristela Botelho França e Marcos Antonio Moura Vieira. Express.) e a ergologia (Schwartz, 2016Schwartz, Y. (2016). Abordagem ergológica e necessidade de interfaces pluridisciplinares. Tradução de Maria da Glória Corrêa di Fanti. Revista Virtual de Estudos da Linguagem, 14, 93-104. http://www.revel.inf.br/files/2e5e27e69e52df1113fd2b52d2d99f39.pdf
    http://www.revel.inf.br/files/2e5e27e69e...
    ; Schwartz, Di Fanti & Barbosa, 2016Schwartz, Y., Di Fanti, M. G. C., & Barbosa, V. F. (2016). Uma entrevista com Yves Schwartz. Letrônica, 9 (supl.), 222-233.), não recorreremos a essas abordagens devido ao fato de extrapolarem o objetivo deste estudo. Entendemos, no entanto, que esta pesquisa apresenta potencial para desenvolver trabalhos futuros que contemplem gravações de sessões de psicanálise na concretude de seu acontecimento e/ou outras metodologias voltadas para o desenvolvimento de espaços de verbalização de experiências pessoais e coletivas (entrevistas, grupo de discussão etc.) em diálogo com áreas que se dedicam à análise da atividade profissional.
  • 7
    As obras citadas pelas autoras são as mesmas utilizadas por nós e encontram-se nas referências deste artigo.
  • 8
    À época, a professora-pesquisadora Kelli Machado da Rosa assinava seus escritos como Kelli da Rosa Ribeiro.
  • 9
    O funcionamento da elaboração no trabalho psicanalítico, atinente ao tempo destinado ao analisando “para que ele se enfronhe na resistência agora conhecida, para que a elabore, para que a supere, prosseguindo o trabalho apesar dela, conforme a regra fundamental da análise”, encontra-se mais bem desenvolvido no texto Recordar, repetir e elaborar, de 1914 (Freud, 2010Freud, S. (2010). Recordar, repetir e elaborar. In S. Freud, Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (‘O caso Shreber’): artigos sobre técnica e outros textos. Trad. Paulo César de Souza. Companhia das Letras., p. 207-209). No entendimento de Jorge (2005Jorge, M. A. C. (2005). Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan, vol. 1: as bases conceituais. 2 ed. Zahar., p. 60), a elaboração implica também a verbalização de tal processo: “a elaboração (Verarbeitung) confunde-se com o próprio trabalho analítico, na medida em que este visa essencialmente [à] simbolização”.
  • 10
    Como explicamos na nota n.2, compreendemos que a obra citada é de autoria de Volóchinov com base na recuperação dos arquivos do autor no ILIAZV.
  • Contribuição dos autores

    Nós, Eduardo da Silva Moll, Maria da Glória Corrêa di Fanti e Kelli Machado da Rosa, declaramos, para os devidos fins, que não temos qualquer conflito de interesse, em potencial, neste estudo. Todos os autores são responsáveis por todos os aspectos, incluindo a garantia de sua veracidade e integridade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2021
  • Aceito
    04 Dez 2021
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