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Apresentação

DOSSIÊ FILE

O CAMPO DO CURRÍCULO HOJE: DEBATES EM CENA THE CURRICULUM'S FIELD NOWADAYS: DEBATES IN SCENE

Apresentação

Antonio Flavio Barbosa Moreira

A preocupação com o currículo faz-se notar, com constância, nas políticas, nas práticas e nas pesquisas da área da educação. No setor das políticas, muitas propostas oficiais insistem, ainda, em assegurar eficácia, eficiência e produtividade aos resultados das ações pedagógicas que se desenvolvem nos sistemas educacionais. É bem verdade que, ao mesmo tempo, algumas propostas municipais caminham na contramão do modelo hegemônico, constituindo-se em alternativas às que prosseguem fiéis aos princípios neoliberais (até o presente, inegavelmente ativos no mundo).

Em todos os casos, verificam-se sensíveis diferenças entre os textos das propostas e as interpretações que deles se fazem nas escolas e salas de aula efetuam-se verdadeiras leituras negociadas, por vezes criativas e inovadoras, por vezes confusas e contraditórias. As práticas curriculares, portanto, continuam a representar estimulantes objetos para estudos e investigações que procurem compreender cada vez mais o que se passa no dia-a-dia dos docentes e das instituições escolares.

No que se refere às teorias de currículo, novos temas, novos problemas e novas teorizações têm tentado, há mais de dez anos, responder aos persistentes e aos novos desafios enfrentados por todos os que participam das decisões e práticas curriculares e se esforçam por melhor compreendê-las e por melhor atuar. Observe-se que a compreensão tornou-se a palavra-chave no campo do currículo, desde os anos 1970, quando os teóricos envolvidos no processo de sua reconceptualização rejeitaram o caráter técnico até então dominante e fizeram da compreensão do currículo seu propósito central. Nesse momento emergiu, de forma marcante, a teorização crítica.

Desestabilizando a hegemonia da teoria crítica nos estudos de currículo (observável nos anos 1980 e na primeira metade dos anos 1990), são hoje evidentes as influências de teorizações mais recentes, tais como o pós-modernismo, o pós-estruturalismo, os estudos culturais, os estudos de gênero, os estudos de raça, o pós-colonialismo, a chamada teoria queer, os estudos ambientais etc. Nesse complexo (e por vezes confuso) panorama, são significativos, ainda, os efeitos das teorias da complexidade e das filosofias da diferença.

Assim, novos temas, novos problemas, novas questões e novas fontes teóricas configuram um novo campo, multifacetado, dinâmico e sensível às teorizações de outros campos. As inúmeras influências que nele se observam respondem, muitas vezes, por processos de hibridização originais e instigantes; outras vezes, por processos em que predominam reações e resistências a alguma(s) da(s) perspectiva(s) em cena. Nesse sentido, discordâncias e disputas, por vezes ferozes, confirmam que nenhum campo do conhecimento pode ser visto como monolítico: conflitos, negociações e alianças instáveis constituem, de fato, sua marca. No caso específico do Brasil, as divergências se aguçam em função do desempenho tido como fraco de nossos sistemas escolares em avaliações a que são submetidos, contrastante com o avanço teórico dos estudos sobre escola e sobre currículo.

Segundo William Pinar, um dos mais renomados pesquisadores do campo, iniciou-se, a partir de 2000, um novo momento histórico o da internacionalização da teoria de currículo. Nessa etapa, recentemente inaugurada, têm-se criado espaços transnacionais nos quais acadêmicos de diferentes nações esforçam-se por reestruturar e descentrar suas tradições intelectuais, bem como por negociar a participação de todos em um trabalho coletivo de construção do campo. Ainda segundo Pinar, espera-se que a internacionalização intensifique a sofisticação intelectual do discurso sobre currículo, particularmente do discurso comprometido com o multiculturalismo, com as especificidades de raça, gênero e sexualidade e, evidentemente, com justiça social.

Pode-se dizer que o campo do currículo, hoje, revela-se dinâmico, cambiante e atento aos desenvolvimentos de outros campos. Este dossiê procura apresentar uma parcela desse movimento, congregando textos em que se insiste na atualidade da teoria crítica, em que se criticam supostos excessos da adesão às novas teorizações, em que se reforça a necessidade de estudos históricos das disciplinas e do currículo, em que se prega o foco na prática pedagógica, em que se reitera a importância de novas fontes para problemas até hoje não resolvidos, em que se reivindica mesmo uma nova escrita educacional.

O artigo de Rita Amélia Teixeira Vilela insere-se no conjunto de textos, aqui reunidos, que defende o potencial analítico das teorias críticas. A autora argumenta a favor das contribuições que essa teorização ainda pode oferecer, destacando especialmente os textos de Adorno, para o desenvolvimento do campo do currículo.

Considerando que para a teoria crítica é indispensável desvendar os elementos de dominação presentes no processo educativo, o estudo acentua os subsídios da epistemologia de Adorno para o debate sobre as relações entre a escola e a sociedade de hoje e sobre o enfrentamento dos desafios e impasses que se fazem presentes nos esforços para promover a emancipação do homem. Na educação, trata-se de garantir o domínio do conhecimento acumulado, patrimônio da humanidade, assim como a construção de identidades sociais comprometidas com justiça social e convivência solidária.

Vilela enfatiza o valor das idéias de Adorno para a elaboração de currículos que visem desenvolver a autonomia do homem, o reconhecimento das diferenças e uma atitude política pautada em uma avaliação ética e moral da sociedade contemporânea. Nesse sentido, ressalta a importância de ações curriculares inseridas em amplas perspectivas de formação humana e cultural.

José Augusto Pacheco e Nancy Pereira também se posicionam em prol da relevância da teorização crítica para o campo do currículo. Marcado, na década de 1990, por uma complexidade teórica que provocou, entre outros efeitos, certa desordem conceptual, o campo ainda se divide entre o que os autores denominam de teoria da instrução (e que outros intitulam teoria tradicional de currículo) e de teoria crítica.

Pacheco e Pereira indagam se as duas teorizações devem ser vistas como antagônicas ou complementares. Sustentam que a coexistência da teoria da instrução e da teoria crítica pode ocorrer tanto no terreno da reflexão quanto no da prática curricular. Analisam os projetos educativos, difundidos em Portugal, realçando as ambigüidades que envolvem a formulação dos mesmos, que tanto podem ser associadas às temáticas da autonomia e da participação, quanto aos esforços de planificação, produtividade e eficiência das práticas pedagógicas. (É essa segunda perspectiva, lamentam os autores, que se tem tornado mais comum em Portugal).

Os pesquisadores portugueses advogam, então, a centralidade da teoria crítica no campo dos estudos curriculares, vendo-a como capaz de ajudar o professor a compreender o currículo como algo que lhe pertence, social e culturalmente, bem como a se comprometer com a melhoria dos processos de aprendizagem e de formação dos estudantes. Trata-se, acrescentam, de questionar e de situar o currículo na história, na política e em nossas histórias de vida.

Lucíola Licinio Santos procura mostrar como os estudos de currículo têm gradativamente perdido a capacidade de influenciar propostas de mudança na educação brasileira, como ocorreu na década de 1990. A seu ver, hoje, a parcela da produção do campo que se ampara em determinadas vertentes dos estudos culturais não mais oferece contribuições efetivas para a prática pedagógica nas escolas.

Apoiando-se em Terry Eagleton, a autora salienta significativas contribuições dos estudos culturais para o campo do currículo, rejeitando, porém, as vertentes dessa área do conhecimento que se associam a um relativismo extremo. Realça, ainda, o risco envolvido na redução de toda a realidade à cultura, com a secundarização de questões econômicas e políticas. Para Santos, os pontos de vista de Eagleton trazem à tona velhas questões no campo do currículo, tais como: a seleção de temáticas que possibilitem maior consciência sobre as injustiças sociais; a organização de conteúdos que ajudem o estudante a compreender a complexidade do mundo em que vivemos; a valorização da cultura do aluno conjugada à preocupação em introduzir produções culturais dos campos científico e artístico, que dilatem a maneira de ver e estar no mundo.

Segundo a pesquisadora, a originalidade, na produção acadêmica curricular derivaria, primordialmente, do tratamento de "velhos" problemas práticos da educação em uma abordagem que permitisse examiná-los sob novos ângulos, para que se abrissem caminhos para novas formas de pensamento e de ação.

Os sociólogos Michael Young e Johan Muller partem do ponto de vista de Williams, para quem a aceitação da noção de verdade é condição para um compromisso sério com a veracidade. Propõem-se, então, a um re-exame do tipo de atividades em que a sociologia do conhecimento (nos estudos educacionais e de modo mais amplo) está engajada, tendo em mente que, na maioria das vezes, tem sido um caso quase paradigmático de endossar o ceticismo em relação à verdade.

O objetivo do artigo que apresentam é refletir sobre as questões levantadas por Bernard Williams e explorá-las, particularmente no caso da sociologia da educação e do currículo. Duas questões são abordadas: que falhou na sociologia do conhecimento, particularmente na abordagem socioconstrucionista que tanto a marcou? Qual seria o fundamento de uma alternativa ao socioconstrucionismo que evidenciasse um compromisso com a veracidade e com a idéia de verdade? Os autores discutem as falhas do socioconstrucionismo e procuram, em obras de autores famosos, possíveis alternativas. Recorrem, assim, a Durkheim, Bernstein e Cassirer.

Procuram demonstrar que, apesar dos extraordinários insights de Durkheim e dos avanços conceituais extremamente originais de Bernstein, ambos permaneceram presos à crença de que as ciências naturais continuam sendo o único modelo para o conhecimento objetivo. Finalmente, baseados na obra de Ernest Cassirer e inspirados em sua idéia de formas simbólicas, propõem uma abordagem sociológica ao conhecimento. Interrogam-se então: até que ponto uma abordagem social e realista do conhecimento, nos estudos sobre educação e sobre currículo, que se centre na idéia de "objetividade simbólica" de Cassirer, pode solucionar (ao menos em parte) a tensão entre verdade e veracidade, ignorada mesmo na sociologia do currículo dos anos 1970 e ainda sem solução? Acreditam que essa caminhada pode levar-nos muito além das ingenuidades bem intencionadas do socioconstrucionismo.

O artigo de Antonio Flavio Barbosa Moreira analisa o tratamento dado ao conhecimento escolar em propostas curriculares alternativas, particularmente na proposta do município de Belo Horizonte – Escola Plural – e no modo como suas recomendações foram interpretadas e vividas em uma escola da rede, ficticiamente denominada de Escola Vila Rica.

Adotando a concepção de política de Stephen Ball, que a concebe como texto e discurso, além de apoiar-se na visão de texto político formulada por Jenny Ozga, o autor focaliza o período em que acompanhou o processo de construção do currículo na escola. Discute os interesses implicados, as questões abordadas e as relações e mudanças evidenciadas em textos (escritos e orais) produzidos na instituição escolar. Procura apresentar as dificuldades, as contradições e as conquistas envolvidas no tratamento do conhecimento escolar.

Moreira analisa o denso processo de significação e ressignificação de textos que se desenvolveu na escola, chamando a atenção para a complexa relação entre documentos oficiais e experiências locais. Com o apoio de Johan Muller, argumenta que, no processo de construção curricular, os focos na criança e na cultura, ainda que indispensáveis, são insuficientes. Há que se associar aos mesmos uma forte preocupação com o conhecimento, com seu ensino e sua aprendizagem. Sugere, ainda, amparando-se em Zygmunt Bauman, que a tarefa de "desencaixe" do indivíduo de sua identidade herdada, iniciada e não completada na modernidade, pode melhor se efetivar quando a escola proporciona ao estudante o acesso a diferentes conhecimentos, saberes, linguagens e lógicas. Por fim, lançando mão dos pontos de vista de Thomas Popkewitz, alerta para o fato de que propostas curriculares alternativas (voltadas para os interesses das crianças de grupos socialmente desfavorecidos) podem criar um espaço de confinamento, com efeitos contrários aos desejados, nos quais essas crianças tenham reduzidas suas oportunidades de autonomia e de sucesso na sociedade.

A entrevista realizada com o pesquisador inglês Ivor Goodson, cujos estudos no campo da história das disciplinas são mundialmente valorizados e difundidos, norteando inúmeras investigações que procuram entender em que grau, em outras sociedades e instituições escolares que não as abordadas por Goodson, suas hipóteses de trabalho continuam válidas. Pela importância da obra do autor no campo do currículo, a entrevista foi incluída no dossiê.

Respondendo às perguntas feitas, o pesquisador discorre um pouco sobre seu trabalho e os principais resultados obtidos. Enfatiza sua preocupação com a escola e com o professor e afirma sua intenção em iluminar os aspectos políticos e sociais envolvidos tanto no processo de inserção e eliminação de disciplinas dos currículos, quanto no de seleção dos conhecimentos que nelas são incluídos. Considera que, em termos teóricos e metodológicos, suas análises têm influenciado debates e pesquisas em inúmeros países.

Ao relacionar os estudos de história do currículo e das disciplinas com os de história da educação, ressalta o quanto os primeiros se voltam mais para o mundo do professor que os segundos. No que diz respeito à metodologia, valoriza as histórias de vida como importante fonte nas interpretações que elabora. Ainda que se afastando mais recentemente da história das disciplinas, continua a estudar a escola e o professor, relacionando-os sempre com o contexto social em que se situam.

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que os estudos de Goodson têm iluminado os esforços de inúmeros pesquisadores brasileiros que procuram compreender o desenvolvimento das disciplinas nos currículos e perceber os fatores que afetam seus rumos. O texto que se segue é um significativo exemplo dessa influência.

O trabalho de Marcia Serra Ferreira insere-se no campo de estudos da história do currículo e das disciplinas escolares, cujo desenvolvimento foi sugerido pela Nova Sociologia da Educação. A autora procura compreender os mecanismos de estabilidade e mudança curriculares ocorridos no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, na disciplina Ciências, no segundo segmento do ensino fundamental, durante as décadas de 1960 e 1970.

Os efeitos do movimento de renovação do ensino de Ciências, que se propagou no país, no período em pauta, sob forte influência americana, se fizeram sentir na instituição escolar, cujas especificidades contribuíram para que o movimento de renovação afetasse a seleção e a organização dos conteúdos curriculares, assim como a difusão de procedimentos de caráter experimental. Favoreceram as transformações alguns aspectos próprios da instituição, tais como o baixo status da disciplina, que apresentava um caráter generalista e era, em certo grau, preterida pelo catedrático, não possuindo o mesmo espaço físico que as demais disciplinas da área para seu ensino. A renovação se facilitou também pela presença de novos docentes e pela adoção de novos livros didáticos.

Para a autora, estabilidade e mudança não se revelaram fenômenos isolados. Transformações, conflitos e concessões contribuíram para que os novos materiais didáticos e as alterações nos conteúdos e nos métodos se processassem dentro de determinados limites, articulando-se, no processo, elementos do passado. Ou seja, tradição e renovação interagiram, de forma a que o prestígio da disciplina se preservasse.

Maria do Carmo Martins aborda, em seu texto, as relações entre história e currículo, com base no que denomina de alegoria curricular, procurando entender a contribuição do campo curricular para as pesquisas em ensino de história. O artigo elabora-se tendo como fonte inspiradora o quadro O Arquiduque Leopoldo Guillerme em sua galeria de pinturas de Bruxelas, do pintor Terniers, o moço, destacado pintor da arte flamenga do século XVII. As reflexões da autora, apresentadas como pequenos quadros, procuram construir uma imagem do que considera, hoje, como questões necessárias ao aprofundamento das relações entre os pesquisadores de currículo e de ensino de história. Associa a valorização que faz dos estudos sobre currículo à que observa no quadro de Terniers: a afirmação da pintura como um bem cultural, central nas atividades do arquiduque, em sua galeria luxuosa e grandiosa.

Assim como é preciso compreender a arrumação, aparentemente desordenada, dos quadros na tela em pauta, para que se possa melhor apreciá-la, é necessário analisar as distintas abordagens e temas do campo do currículo. Martins argumenta que a maior contribuição que os estudos sobre currículo trazem para o ensino de história se encontra nos debates que o campo trava sobre o que é o conhecimento escolar e como o poder nele se expressa.

As divergências teóricas que se processam no campo do currículo, sobre realidade, conhecimento, identidade, sujeito, consciência histórica, podem ser úteis para a maior compreensão do conhecimento histórico que se ensina. Para isso, contudo, há que se aprender a linguagem desse campo, examinando-se sua produção nos contextos históricos em que se desenvolve, em meio às suas lógicas de poder e suas narrativas.

Alfredo Veiga-Neto focaliza sua atenção nas relações entre a educação escolarizada – e, em especial, o currículo , o espaço e o tempo. No texto em pauta, prioriza o elemento espaço com base nos conceitos foucaultianos de episteme – e, principalmente, de heterotopia. Recorre, também, ao conceito de emplazamiento, desenvolvido por Jorge Larrosa.

Heterotopia designa todo e qualquer lugar cuja existência, em contraposição à de utopia, é real e que, embora localizável, parece se encontrar por fora de todos os lugares comuns em que vivemos. As heterotopias são lugares que parecem manter uma relação de neutralização, suspensão ou inversão com os demais lugares de nossos cotidianos. Emplazamiento, no sentido pedagógico, implica a combinação entre a necessidade de existir um texto – entendido como qualquer coisa a ser ensinada e aprendida – e a contingência do acontecimento que põe o texto a funcionar. Em uma pedagogia assim profana(da), o indispensável controle do professor sobre a ação do ensinar concentra-se na seleção do texto, no convite-convocação que faz aos alunos e nos cuidados para que o emplazamiento aconteça.

Criar novas heterotopias e promover novos emplazamientos são desafios que todos os interessados em não se deixar levar pelos controles do pós-moderno precisam enfrentar. Para os que demandam novas e urgentes alternativas práticas no campo dos estudos de currículo, podemos afirmar que são recentes os passos nessas propostas pedagógicas profanas. Lembremo-nos de que foi preciso muito tempo para que a Pedagogia Moderna desse os frutos importantes que conseguiu dar.

Tomaz Tadeu da Silva é um dos nomes mais conhecidos e respeitados no campo do currículo no Brasil. Sua intensa, significativa e inovadora produção, por si só, justifica a inclusão de seu nome em um dossiê sobre currículo. Tomaz Tadeu associou-se, inicialmente, à teoria crítica, aderindo posteriormente ao movimento que renovou o campo com as contribuições do pós-modernismo e do pós-estruturalismo.

Divulgou e produziu textos sobre currículo inspirados no pensamento de Foucault e nos subsídios dos Estudos Culturais. Mais recentemente, tem incorporado, em seus estudos, os insights das filosofias da diferença. Amparando-se em Guattari e Deleuze, tem defendido um novo estilo na escrita educacional. Em suas palavras:

A noção de estilo [...] afasta-se totalmente de qualquer associação com a noção tradicional de estética, relacionada à obtenção do belo para efeitos de contemplação e fruição pessoal. O estilo não tem nada a ver, aqui, com beletrismo. Escrever com estilo não é a mesma coisa que escrever "bonitinho". O estilo, na concepção deleuziana, está mais para desagradar que para agradar. Escreve-se, e escreve-se com estilo, para devir.1 1 SILVA, Tomaz Tadeu. A golpes de estilo. In: MOREIRA, Antonio Flavio B.; PACHECO, José Augusto; GARCIA, Regina L. (Org.). Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 216.

O autor parte, então, para uma nova estilística para a escrita educacional, que supere o estilo "neutro" e "científico" herdado das chamadas ciências humanas. Insiste em que se comece a pensar o estilo como um problema na escrita educacional. Acrescenta: "ouço dizer aí que, então, a escrita educacional viraria literatura? Tanto melhor".2 2 Ibidem, p. 222.

Em "Políptico", Tomaz Tadeu desvia-se do tradicional estilo da escrita acadêmica e segue o pensamento da multiplicidade, apresentando-nos um estilo que simplesmente tenta seguir "a senda, o sulco, da multiplicidade". Evidenciando uma radical ruptura com os demais textos que compõem este dossiê, o de Tomaz Tadeu (que talvez correspondesse a uma Palavra Aberta) nele se inclui para denunciar, para submeter a língua a uma tensão tal que permita acompanhar o movimento das multiplicidades, fluindo mais em ressonância com o fluxo da vida. Esperamos que a experimentação de Tomaz Tadeu venha a estimular, a sacudir, a provocar novos experimentos na escrita sobre currículo. Degustem-na.

Espera-se que os artigos que compõem o dossiê revigorem a esperança em rumos originais, criativos e democráticos para o trabalho com currículo, inspirando novas reflexões e novos sentidos na pesquisa, nas políticas e nas práticas.

  • 1
    SILVA, Tomaz Tadeu. A golpes de estilo. In: MOREIRA, Antonio Flavio B.; PACHECO, José Augusto; GARCIA, Regina L. (Org.).
    Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 216.
  • 2
    Ibidem, p. 222.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2007
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