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Algumas aprendizagens construídas durante a brincadeira de pipa: o que está em jogo

Some learning constructed during kite flying: what is at stake

Resumos

Como recorte de pesquisa assentada em objeto lúdico tradicional, mapeamos algumas atividades eliciadas pela brincadeira de pipa, focalizando as aprendizagens informais e os brinquedos-ponte como forma privilegiada de transmissão cultural. Potentes em sua capacidade de aglutinação, esses brinquedos encontram traduções singulares para cada brincante, com significativo impacto em sua bagagem vivencial, por colocarem em jogo aprendizagens de corpo inteiro, cotidianas e situadas, emergentes da articulação entre pessoas, objetos e outros elementos que se afetam mutuamente na produção de efeitos. Utilizando a Teoria Ator-Rede como suporte teórico-metodológico, seguimos grupos de brincantes durante as temporadas dos anos de 2005 e 2006 e realizamos entrevistas com pessoas que tiveram a pipa como objeto privilegiado de suas infâncias, tomando os fragmentos desse material para operar misturas entre textos acadêmicos e textos não-acadêmicos.

Brincadeira de Pipa; Aprendizagens; Teoria Ator-Rede


As part of the research on about a traditional playful object, we tried to register some kinds of learning produced by kite flying, focusing on informal learning, as well as bridge-toys as a privileged transmission. Powerful in its capacity of joining people of different ages together, these toys can represent singular translations for each player with meaningful impact in their life experience once they place full body quotidian learning at stake, emergent from the articulation between people, objects and other elements that affect one another mutually in the production of effects. Using the ActorNetwork Theory as the theoretical methodological support, we followed some playing groups during the 2005 and 2006 flying kite seasons and interviewed people who had kite as a privileged object in their childhood. This material's fragment was mixed with academic and non academic texts.

Flying Kites; Learning; Actor-Network Theory


ARTIGO

Algumas aprendizagens construídas durante a brincadeira de pipa: o que está em jogo

Some learning constructed during kite flying: what is at stake

Maria de Fátima Aranha Queiroz e Melo

Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ); Coordenadora da Brinquedoteca e Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Email: queirozmaldos@uaivip.com.br

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Luis Carlos do Nascimento, 364 Bairro Residencial São Caetano 36309-118 São João Del Rei – MG

RESUMO

Como recorte de pesquisa assentada em objeto lúdico tradicional, mapeamos algumas atividades eliciadas pela brincadeira de pipa, focalizando as aprendizagens informais e os brinquedos-ponte como forma privilegiada de transmissão cultural. Potentes em sua capacidade de aglutinação, esses brinquedos encontram traduções singulares para cada brincante, com significativo impacto em sua bagagem vivencial, por colocarem em jogo aprendizagens de corpo inteiro, cotidianas e situadas, emergentes da articulação entre pessoas, objetos e outros elementos que se afetam mutuamente na produção de efeitos. Utilizando a Teoria Ator-Rede como suporte teórico-metodológico, seguimos grupos de brincantes durante as temporadas dos anos de 2005 e 2006 e realizamos entrevistas com pessoas que tiveram a pipa como objeto privilegiado de suas infâncias, tomando os fragmentos desse material para operar misturas entre textos acadêmicos e textos não-acadêmicos.

Palavras-chaves: Brincadeira de Pipa; Aprendizagens; Teoria Ator-Rede.

ABSTRACT

As part of the research on about a traditional playful object, we tried to register some kinds of learning produced by kite flying, focusing on informal learning, as well as bridge-toys as a privileged transmission. Powerful in its capacity of joining people of different ages together, these toys can represent singular translations for each player with meaningful impact in their life experience once they place full body quotidian learning at stake, emergent from the articulation between people, objects and other elements that affect one another mutually in the production of effects. Using the ActorNetwork Theory as the theoretical methodological support, we followed some playing groups during the 2005 and 2006 flying kite seasons and interviewed people who had kite as a privileged object in their childhood. This material's fragment was mixed with academic and non academic texts.

Keywords: Flying Kites; Learning; Actor-Network Theory.

A pipa e as aprendizagens informais

Apesar de muito utilizada por professores para motivar a aprendizagem de conceitos da geometria ou de noções que envolvem a física, não podemos dizer que a atividade de construir uma pipa e colocá-la no ar seja algo que se aprende na escola. A brincadeira de pipa ou papagaio está em uma dupla classificação de jogos que se costuma entender como "tradicionais" e "de rua", regidos por uma lógica diferente daquela que inspira a transmissão dos conteúdos escolares, pois acontece de forma espontânea, nem sempre se dá sob a supervisão de um adulto e não carece dos recursos formais da leitura a da escrita. Ainda assim, a brincadeira perdura, a cada ano, mobilizando grande quantidade de pessoas, independentemente da idade e da classe social a que pertencem. Pudemos fazer essa constatação em alguns episódios que nos ligaram à prática desse esporte, fosse nos festivais em torno da cultura1 1 O que estamos aqui chamando de cultura é o resultado provisório de uma rede de interações que ocorrem sistematicamente num determinado tempo e espaço, marcando, pelas suas regularidades, determinada forma de ser e estar no mundo de um grupo. Uma vez que estamos trabalhando com Latour, entendemos que essas redes haverão de incluir associações de humanos e não-humanos. Esses últimos, enquanto recursos materiais disponíveis, são peças-chaves na formação das culturas, uma vez que potencializam determinadas práticas pela sua presença, permitindo traduções outras, específicas e possíveis a partir das condições ambientais de cada lugar. Para Latour (2006), "uma cultura é, ao mesmo tempo, o que faz agir as pessoas, uma abstração completa criada pelo olhar do etnólogo, e o que é gerado ao longo das interações pela inventividade incansável dos participantes" (LATOUR, 2006, p. 245). do papagaio a que comparecemos, fosse no seguimento da brincadeira durante nossa pesquisa de campo.

Segundo Pontes e Magalhães (2002), os jogos tradicionais oferecem regras que são passadas de criança para criança, ao longo de séculos, sem nenhuma referência escrita, deflagrando, ao mesmo tempo, uma série de arranjos e ajustes, em cada lugar e grupo em que se atualizam. Os autores falam de uma "estrutura" da brincadeira, com o cuidado de não entender essa "estrutura" como um elemento rígido e determinante de tudo o que se segue, nem de tomá-la como uma realidade empírica, uma vez que é abstraída após a repetição de muitas experiências de regularidade. As formas de brincar, ao contrário de uma ideia de fixidez, seriam passíveis de modificações no tempo e no espaço, "em função da rede de relações especificadas dentro de um grupo" (PONTES; MAGALHÃES, 2002, p. 214).

Cavalli-Sforza e Feldman (1981, apud Pontes e Magalhães, 2003b) introduzem a expressão transmissão cultural, por analogia ao processo de transmissão biológica, como uma forma que um grupo encontra de perpetuar uma característica, nas gerações que se seguem, por meio de mecanismos de ensino e aprendizagem. No modelo desses autores, essa transmissão cultural pode ser vertical (quando ocorre dos pais para a criança), horizontal (feita entre membros da mesma geração) e oblíqua (entre nãoparentes de gerações diferentes). Considerando as observações que fizemos, as três modalidades de transmissão acontecem na brincadeira de pipas, sendo esta uma das razões pela qual a pipa tem tanto poder de aglutinação, gerando desde efeitos de confraternização até os que mobilizam intensas disputas. De início, os brincantes realizam aprendizagens que podemos entender como sendo imitativas ou instruídas, na companhia de pessoas de uma geração à frente. Mas, logo, os brincantes com quem estivemos enveredam pelas aprendizagens realizadas com companheiros de faixas etárias próximas às suas, no que Tomasello et al. (1993) chamaram de aprendizagem colaborativa. Feita entre pares, ela seria a que enseja as maiores possibilidades para a emergência de novidades no repasse de uma prática cultural devido aos ajustes consensuais que vão se produzindo e se espalhando numa nova e bem-sucedida versão alcançada pela díade/tríade (podendo haver mais pares), numa diferenciação quanto aos estados iniciais da interação. O que merece ser destacado é que a cultura, tal como a natureza e a sociedade, não é algo pronto ou estático, estando sempre em constante fabricação pelos seus membros: ao ser transmitida, ela é modificada, algo de novo se reconstrói e se reinventa. Essas reflexões são igualmente válidas para as formas de construção do brinquedo, para a confecção do cerol ou para o vocabulário utilizado durante a brincadeira, como veremos adiante.

[...] As pipas oferecem aprendizagens calcadas na informalidade dentro de grupos heterogêneos. Os meninos menores gravitam em torno de meninos maiores, que, em alguns casos (preferentemente nos fins de semana), podem ter como ponto de referência um adulto, que, por sua vez, pode estar ali para se divertir junto, para mostrar alguma habilidade com o brinquedo, para olhar e até para garantir alguma segurança, em caso de brigas. O que mais impressiona é que não é uma aprendizagem do tipo "primeiro você faz isso, depois você faz aquilo", algo organizado em passos, numa sequência demonstrativa. A coisa acontece em movimento, em situação. E parece que é eficaz, pois não há sinais da anunciada extinção da brincadeira, desde a década de 1960, como uma consequência da instalação das redes elétricas. A eficácia da aprendizagem parece proporcional à sua informalidade e ao prazer a ela associado. Restanos saber o que mais há além dessa informalidade e do prazer que impera nas disputas ocasionadas pelo jogo2 2 Falo de jogo aqui, pois as regras lhe conferem essa conotação. Ganhar e perder, a todo instante, são contingências da dinâmica de soltar pipas. .O que dizer, por exemplo, das formas de construção de uma pipa, da habilidade de confeccionar o cerol, da agitação de quem vai se lançar num cruzo para ganhar ou perder? Que emoções essas ações mobilizam? Quais destrezas são mobilizadas na lida com os elementos não-humanos: o vento, as nuvens, a chuva, a linha, o papel de seda, o bambu das varetas da armação? (D.C.)3 3 Optamos por dar o mesmo tratamento às citações, aos fragmentos do Diário de Campo (D.C.) e às entrevistas.

Aprender a construir uma pipa pode parecer uma tarefa simples para os leigos, desavisados ou para aqueles com grande experiência. Mas não é tão simples como aparenta ser e implica certa dose de tolerância à frustração para quem deseja se submeter à experiência. Nas situações em que pudemos observar a construção de pipas, os que já sabiam mostravam sua habilidade aos iniciantes, meninos e meninas. Alguns pegavam o jeito mais rapidamente, outros se debatiam por não conseguirem construir seu brinquedo tão prontamente quanto imaginavam. Houve casos de muita irritação diante da constatação da própria inabilidade para a montagem, com a demanda de que os mais experientes suplementassem a atividade de construção.

Os brinquedosponte, a transmissão cultural e a zona de desenvolvimento proximal

Segundo Pontes e Magalhães (2002; 2003a), jalequinhos4 4 Nome dado no Rio de Janeiro a um tipo de pipa feita com folha de papel de jornal ou de caderno, recortada com a mão ou com a tesoura e empinada com poucos metros de linha por crianças pequenas (até 4 anos). , curicas5 5 Nome que recebe o mesmo brinquedo no Pará e no Maranhão. ou capuchetas6 6 É a tradução do jaleco e da curica, em São Paulo. são o que poderíamos chamar de brinquedos-ponte, ou seja, brinquedos que reproduzem, de forma simples e tosca, o brinquedo original, servindo para introduzir as crianças menores na brincadeira. Chamam-no de brinquedo do brinquedo, uma versão simplificada, uma tradução acessível para as crianças que não conseguem dispor de toda a habilidade para lidar com o objeto de referência. Esses objetos substitutos se adaptam às possibilidades dos grupos de poucas habilidades ou posses e cumprem com a função de facilitar a transmissão cultural da brincadeira, permitindo sua manutenção.

O papel dos brincantes mais experientes torna-se bastante relevante nessa introdução à brincadeira e no contato com a feitura do objeto lúdico. Remete-nos ao conceito de zona de desenvolvimento proximal desenvolvido por Vygotsky (1984) e ampliado por seus seguidores, tendo como base uma situação de aprendizagem calcada numa condição de assimetria, ou seja, companheiros mais experientes serviam de alavanca às aprendizagens realizadas por aqueles com menor nível de desenvolvimento, constituindo-se uma zona de transição em que as capacidades dos segundos ficariam potencializadas pela ação dos primeiros. Esse conceito preconiza o desenvolvimento em níveis: real (aquele que permite ao sujeito operar sem ajuda externa, a partir do que já conquistou) e o potencial (em que o sujeito opera com a ajuda de outro mais experiente), sendo o espaço entre esses dois níveis uma zona de construção de aprendizagens. Vygotsky trabalha com a ideia de que o processo de desenvolvimento das aprendizagens tem um percurso que vai de níveis menos complexos até níveis mais complexos e pressupõe a interação entre sujeitos inseridos em contextos sócio-históricos determinados, sendo essas trocas sociais o que impulsiona a conquista dos níveis de aprendizagem mais elaborados. Muito se tem utilizado a noção de zona de desenvolvimento proximal no âmbito das aprendizagens escolares e também na esfera das brincadeiras. Pretendemos avaliar de que forma ela nos poderá ser útil à luz de uma ampliação de seu escopo, já buscada pelos trabalhos dos seguidores da abordagem sóciohistórica. Particularmente, interessa-nos a possibilidade de entender a zona de desenvolvimento proximal numa perspectiva simétrica, fazendo a inclusão das associações com não-humanos7 7 Os nãohumanos compõem os coletivos com os humanos, tendo a potencialidade de se revelarem actantes, ou seja, de exercerem ou sofrerem algum tipo de ação, participando de um processo. É tudo que, não sendo humano, joga a favor da construção da nossa humanidade (LATOUR, 2001). quando nos referimos às mediações8 8 Em Latour (1994b), a ideia de mediação é ampliada: é tudo que interfere, que faz a diferença, tudo que está no meio quando se deseja alcançar determinado objetivo, levando em conta a ação de humanos e não-humanos, assim como seus efeitos. .

Newman, Griffin e Cole (1989) ampliam a perspectiva das interações que se dão quase que exclusivamente de forma assimétrica, pressupondo ganhos apenas para a criança mais nova, para o entendimento da zona de desenvolvimento proximal como um espaço deflagrador de aprendizagens em ambas as pontas, ampliando-a para a noção de zona de construção. Esse conceito pressupõe espaços de troca dos quais podem emergir aprendizagens em qualquer idade, a partir do compartilhamento e da negociação de significados, num movimento de ação recíproca em que ambas as partes se transformam. No jogo ou na ação lúdica, essa ideia tem um sentido essencial pelo fato de que crianças, mais velhas e mais novas, sempre obterão ganhos em seus respectivos papéis, assim como na dinâmica de papéis que se sucedem ao longo da brincadeira. Não estamos defendendo aqui a ideia de que todas as aprendizagens ocorrem em condições de simetria. Ao contrário, reconhecemos que uma relação de ensinoaprendizagem tem sua marca original assentada na assimetria, embora seu objetivo maior seja a conquista de uma situação entre iguais, na qual vigorará a simetria. A proposta é válida para as aprendizagens formais, sendoo mais ainda para as aprendizagens informais, como é o caso da brincadeira de pipas.

Pontes e Magalhães (2003b) chamam a atenção para as relações entre os brincantes9 9 Não só para a relação experiente-aprendiz, mas também para a relação aprendiz-aprendiz e experiente-experiente. como um fator presente na transmissão da cultura. Destacam que essa relação mais-experiente versus aprendiz, na cultura da brincadeira, pode "assemelhar-se, em alguns casos, à aprendizagem dos velhos ofícios, em que a forma de pagar pela oportunidade de aprender é dada por meio do trabalho" (PONTES; MAGALHÃES, 2003b, p. 9). Dão como exemplo, no caso do papagaio, a colaboração que se estabelece entre o aprendiz e o experiente, quando o primeiro leva o papagaio a certa distância para que o segundo possa, puxando a linha, colocar o brinquedo no ar. Em troca da ajuda, o aprendiz pode segurar a linha e fazer algumas manobras.

Os autores acima citados consideram que a brincadeira não se restringe aos que dela participam ativamente, pois todos aqueles que estão ao redor do grupo que brinca também participam do evento10 10 Tratase de um conceito tomado de Whitehead por Latour (2001) para definir uma situação em que humanos e não-humanos se mesclam para produzir determinado efeito. Substitui a noção de descoberta, em que só a ação dos humanos é levada em conta, deixando imóveis e a-históricos os não-humanos. A noção de evento destaca o fato de que todos os actantes produzem efeitos e sofrem modificações deles advindas. , sendo esta uma característica das brincadeiras de rua. Como pólo aglutinador de interações, essas brincadeiras atraem observadores que podem assumir diferentes papéis11 11 Podem prestar pequenos favores, apenas observar, comentar, dar palpites, apanhar as pipas cortadas. no jogo, ao mesmo tempo que dele partilham. Acrescentamos que a noção de entorno da brincadeira nos parece ser fundamental para destacar outros elementos não-humanos (o vento, as mudanças no tempo, a topologia do terreno, o tipo de material usado na fabricação da pipa, a rede elétrica, os carros, as bicicletas, outros elementos da paisagem, como postes, meios-fios, vegetação) que fazem a mediação do que está acontecendo, reforçando o caráter de rede das aprendizagens que tecem e são tecidas como condição de transmissão da cultura.

Na brincadeira de pipas, dentro do que observamos durante as nossas idas a campo, ocorre uma composição de grupos muito heterogêneos quanto às habilidades para lidar com o brinquedo, havendo usufruto de todas as partes, num acordo implícito em que as tarefas se organizam bastante informalmente: os maiores exibem sua performance em troca de pequenos favores dos menores; os menores prestam seus pequenos serviços em troca da observação da "técnica" exibida pelos maiores, assim como de alguma proteção em caso de briga.

A pipa é um brinquedo-brincadeira em que podemos encontrar todas as características apresentadas pela abordagem etológica que Carvalho e Pontes (2003b) recuperam: a necessidade de compartilhamento com outros para desenvolver a brincadeira – pois dificilmente os empinadores de pipas fazem o seu lançamento ao ar sem a cooperação com outros companheiros; o desafio para desenvolver destrezas na superação de um limite – o de projetarse nos ares por meio do objeto e de mantêlo sob controle com as manobras desenvolvidas a distância com a linha; a motivação para o ataque e para a defesa nas disputas ocorridas entre os participantes do jogo – que assume maior ou menor gravidade em função da parcela de agressividade mobilizada pelos grupos envolvidos. A brincadeira de pipas, ousaríamos dizer, oferece a possibilidade de aprendizagem desse sentido de oportunidade que nos afeta de corpo inteiro, algo que nos incita a testar nossos limites no estabelecimento de relações entre os vários actantes que fazem parte de um mundo comum.

Aprender: traduzir e deixarse afetar

Uma vez que estamos falando da transmissão cultural de saberes e práticas, parece-nos impossível não abordar a questão ensino-aprendizagem. A pipa, na perspectiva de nosso estudo, é um objeto que, em sua materialidade, é, ao mesmo tempo, disparador e resultado de inúmeras aprendizagens dentro de um grupo.

Uma análise etimológica das duas palavras – ensinar e aprender – pode nos ajudar a defender o raciocínio que se seguirá.

Ensinar, do latim insignare, quer dizer colocar uma insígnia, um sinal; assinalar, fazer insigne, memorável (CRETELLA JR.; CINTRA, 1953). Acrescentamos aqui tornar diferente, diferenciar. Aprender, do latim apprehendere, quer dizer apreender, pegar, prender, conquistar (CRETELLA JR.; CINTRA, 1953). Acrescentamos aqui guardar, reter, ter como parte de si, incorporar.

A aprendizagem, como uma incorporação de saberes e fazeres, só faz sentido se a pessoa dispõe dela para operar efeitos sobre si e sobre o mundo. Essa possibilidade de lançar mão de determinados conhecimentos torna-se possível uma vez que o aprendido faça sentido e seja digerido/transformado como parte daquele que aprende, ou seja, desde que se opere uma "tradução", desde que se ache um nexo entre o que se pretende ensinar e o que se pode aprender de um assunto em determinado momento. Caso contrário, acreditamos que a aprendizagem de fato não se processa, podendo meramente ocorrer o que Visca (1987) chama de aprendizagem mimética12 12 Aquela que ocorre por uma pressão circunstancial – como na urgência de uma prova –, mas logo se perde porque resta como corpo estranho, sem fazer sentido na vida daquele que supunha ter aprendido. . Se tomamos as aprendizagens como um fenômeno emergente da articulação de elementos díspares e heterogêneos, entendemos que cada sujeito tem suas aprendizagens ligadas a uma rede que lhes dá sustentação. Uma aprendizagem desconectada não se sustenta como bagagem vivencial que possa vir a ser utilizada: aquele que está na posição passiva de apenas receber o conhecimento pronto e "enlatado" fica impedido de realizar sua tradução e de acrescentar sua marca. O conhecimento estará irremediavelmente solto e sem sentido, sendo tão mais perecível quanto menos requerido for. Aí está justamente um dos pontos de relevância no estudo das pipas, pois a aprendizagem de construí-la e lançá-la ao vento nunca careceu de nenhuma sistematização. Há algo que resiste, pela via do lúdico e do informal, que garante sua manutenção, independentemente dos conteúdos programáticos veiculados intencionalmente como bens de transmissão cultural, nas aprendizagens sistemáticas previstas pelas agências educativas.

Se tomarmos a palavra traduzir com o significado de tornar uma linguagem compreensível, transformar um enunciado problemático numa linguagem de outro enunciado particular, poderíamos, então, entender a aprendizagem como uma ação que traduz: na transmissão de um saber ou uma prática, tanto aquele que ensina quanto aquele que aprende precisam encontrar pontos de passagem para tornar a tradução13 13 Em vez da palavra transmissão, que pode pressupor a passagem de informação sem deformação, entendemos que será melhor usar a ideia de tradução adotada em nosso estudo. possível, para tornar o aprendido parte de si, imprimindo nele sua marca. Latour (2001) toma a palavra translation a partir de seu duplo sentido, tanto podendo significar o deslocamento de uma linguagem à outra quanto de um lugar a outro. Em ambos os casos, entendemos que o processo de tradução se aplica às aprendizagens, pois, para aprender, precisamos necessariamente realizar essas passagens linguísticas e geográficas, operando, sobre a cadeia de mediadores, movimentos que, ao mesmo tempo, conservam e deformam os registros em questão. Para aprender, precisamos viver a aventura de abandonar as referências, assim como precisamos nos defrontar com a possibilidade de decifrar códigos desconhecidos, nos efeitos provocados no âmbito dos coletivos14 14 Coletivos aqui entendidos como associações entre humanos e não-humanos. . No caso específico das pipas, a tradução desse conjunto de saberes e práticas que a mantém aparece como um conceito-chave para a análise de como a brincadeira encontra diferentes versões quando olhada sob os diversos ângulos que constituem a rede que lhe dá sustentação.

Além da noção de tradução, interessa-nos utilizar a ideia de que, para aprender, precisamos da materialidade de um corpo que se afeta, que é colocado em ação por outras entidades (humanas e não-humanas), tornando-se sensível ao que está ao seu redor. A pipa é um artefato que mobiliza uma aprendizagem que se opera de corpo inteiro, deixando marcas e produzindo efeitos na história pessoal de cada um que a utiliza. No modelo de aprendizagens com que estamos acostumados a trabalhar, de um lado há o corpo dentro do qual está o sujeito, como uma essência, e lá fora está o mundo povoado de objetos, havendo intermediários – a linguagem – para estabelecer as conexões entre ambos. A aprendizagem cumpriria a função de apurar15 15 No sentido de que há uma essência que precisa ser aprimorada, como num processo alquímico. um sujeito que já está lá, mas não é fundamental para dar-lhe a condição de alguém que possa afetar e ser afetado pelos outros.

Em How to talk about the body (2002c), Latour tenta escapar da definição de corpo tomado como uma substância, "residência provisória de algo superior – uma alma imortal, o universal, ou pensamento – mas o que deixa uma trajetória dinâmica pela qual nós aprendemos a registrar e nos tornar sensíveis àquilo de que é feito o mundo"16 16 A tradução é de nossa responsabilidade. (LATOUR, 2002c,p. 1). Se pretendemos passar ao largo das dicotomias instaladas pelo pensamento moderno17 17 Conforme discutido por Latour (1994a) em Jamais fomos modernos. , entendemos que nem sujeito nem mundo são dados a priori, estando ambos em permanente construção: o sujeito é modificado/afetado quando aprende e o mundo também não será o mesmo depois da aprendizagem, pois terá sofrido uma tradução por aquele que aprendeu. A ideia de ser um entre outros, de afetar e de deixar-se afetar pelo que está ao redor, dá uma conotação política à questão das aprendizagens, implicando um compromisso de articulação do sujeito e seu mundo. A lógica das conexões vale igualmente para os sujeitos e suas fabricações: para produzir efeitos, é preciso estar articulado, afetado por entidades cujas diferenças vão ser incorporadas de maneiras novas e inesperadas. Conforme Latour (2002 c), "um sujeito desarticulado é alguém que, não importa o que os outros digam ou façam, sempre sente, age e fala a mesma coisa. [...] Por oposição, um sujeito articulado é alguém que aprende a ser afetado pelos outros – não por si próprio" (LATOUR, 2002c, p. 3).

As articulações, para o autor, oferecem mais chances de produzir objetos novos do que o modelo de ciência vigente que busca a exatidão da réplica e, portanto, cai na tautologia. As articulações são muito mais férteis na produção de diferenciações e, assim, muito mais ricas. Para Latour (2002c),quando um indivíduo aprende, ele se deixa afetar e se torna cada vez mais diferenciado, porque terá estabelecido mais e mais conexões, tornando-se mais interessante e enriquecido na relação com o entorno (uma rede de elementos variados e heterogêneos da qual ele também é parte). Se o conhecimento é concebido como o resultado de uma articulação e a aprendizagem, como uma forma de se deixar afetar, de se deixar tocar em toda a materialidade do corpo, então poderíamos questionar as bases em que as aprendizagens são propostas, quando assentadas numa visão moderna, ao separar o corpo do mundo e ao trabalhar a transmissão de conhecimento como uma cópia a ser imitada.

Apontando para uma Psicologia Ator-Rede

Latour (2002c) utiliza oito pontos para discutir o significado do que vem a ser científico, numa epistemologia política alternativa, valendo-se das ideias defendidas por Isabelle Stengers e Vinciane Despret18 18 Essas autoras, segundo Latour (2002c), nos deixam uma lição quando oferecem "a pedra de toque para distinguir a boa da má ciência" (p. 11). Tradução nossa. , em seus trabalhos. São esses mesmos pontos que tentaremos aqui tomar como base para pensar a fabricação do conhecimento e sua passagem às novas gerações, já tentando operar nossa tradução no que entendemos que possa ser uma situação de ensino-aprendizagem em bases diferentes daquelas preconizadas pelo pensamento moderno. Esses princípios, se relacionados com nossas observações sobre a pipa, dão-nos a oportunidade de fazer algumas reflexões que podem ser úteis para pensar os fenômenos da realidade como emergente de uma causalidade em redes.

1. Não há uma metodologia única para construir conhecimento, muito menos para ensinar e aprender. Cada pessoa, a partir de sua história e das redes que a compõem, terá um estilo único de realizar essa tarefa, que estará sempre passível de modificações em função das novas conexões que forem ocorrendo, fato que a deixará tão mais diferenciada quanto mais vinculada estiver (ARENDT, 2004).

Pensar numa causalidade em redes nos deixa em melhores condições de entender como determinado ator, na mescla com outras entidades, pode produzir a si e ao mundo de maneira absolutamente singular e, ao mesmo tempo, intensamente vinculada. Ser um sujeito não é algo atribuível a uma suposta e prévia interioridade. Esta, diz Latour (2006), é construída de maneira complicada: para que "um corpo anódino e genérico seja transformado em pessoa [...], um fluxo de entidades lhe permite existir" (LATOUR, 2006, p. 305), pois, como todas as outras coisas, há um trabalho de fabricação de cada sujeito, ideia que o nosso autor toma claramente de empréstimo a Gabriel Tarde.

Existir é diferir, pois a diferença seria o lado verdadeiramente substancial das coisas, o que elas têm, ao mesmo tempo, de mais próprio e mais comum. A identidade é apenas um mínimo, uma espécie infinitamente rara de diferença como o repouso não é mais que um caso do movimento, como o círculo é apenas uma variedade da elipse. (TARDE apud LATOUR, 2006, p. 27)19 19 Tradução nossa.

Equivocadamente, segundo esses autores, costumamos partir da identidade para entender o que as coisas são, mas é o que elas têm de comum que deveria ser nosso ponto de partida. Como atores, podemos verificar o traçado que os vários grupos aos quais pertencemos foram deixando em nós: as marcas para fazer emergir aquilo que somos. Isso, entretanto, não quer dizer que estamos na mão única da determinação e nem tampouco na via da autonomia, pois as entidades que se cruzam para a emergência dos atores funcionam numa causalidade em redes que dispensa a sociedade e a natureza como únicas matrizes produtoras de efeitos naquilo a que chamam de exterioridade. Há outros elementos subjetivadores, personalizadores ou individualizadores que, em fluxo e de forma mais sutil, permitem transformarmo-nos em indivíduos e conquistar uma interioridade. Também chamados de plug-ins20 20 Figura tomada da informática que, na proposta de Latour (2006), significa aquilo que nos deixa acessar, visualizar, fazer conexões com quadros que fazem crescer nossas possibilidades de ação. , esses recursos vão nos dando a chance de acessar cada vez mais conexões que nos subjetivam, ampliando nosso contato com o mundo. Pela multiplicação de nossas conexões com a realidade, recorrendo a um grande número de subjetivadores, constituímos, portanto, nossa interioridade e, assim, quanto mais conectados, mais subjetivados estaremos. Tomando o exemplo tão caro a Latour em vários dos seus textos (2002b, 2006), utilizamos a ligação entre os marionetistas e suas marionetes: na relação entre essas duas pontas, algo se passa ao longo dos fios que permite às marionetes se mexerem. É na passagem, no espaço entre, que as traduções acontecem, numa relação mais sutil do que aquela meramente de causa e efeito. Ao contrário de pensar que, para ser livre, um sujeito deve estar liberado das conexões que o mantêm, a Teoria Ator-Rede postula a ideia de que alguém desvinculado revela uma situação de empobrecimento. Uma marionete sem fios não se move; com poucos fios, tem movimentos limitados; com muitos fios, promove-se uma sofisticação crescente de sua performance. Tudo vai depender da relação que se estabelece entre marionetista e marionete.

Da mesma forma, verificamos ocorrer, na relação da pipa com seu empinador, uma dessas possíveis formas de subjetivação. As formas de lidar com o brinquedo são bem ilustrativas dos estilos pessoais que vão se constituindo na biografia de cada um, permitindo as várias maneiras de ser e fazer em parceria com o objeto. Acreditamos que a pipa pode funcionar como mais um plug-in, um tipo de subjetivador, uma vez que, por meio dessa atividade, abrese um rico campo de experimentações nas interações que os brincantes vão estabelecendo com o mundo: cada pessoa terá sua própria maneira de fazer a pipa e de colocá-la no ar e comporá, a partir das experiências que afetaram seu corpo, sua forma particular de constituir-se como um sujeito. As observações em nosso diário de campo indicam a formação dessas idiossincrasias na lida com esse objeto lúdico.

[...] Nesta tarde, ficou mais ou menos delineado para mim o quanto cada um imprime um estilo próprio na atividade de soltar pipas, que pode ou não ser típico de outras atividades que desempenha. Cada um dos meninos podia ser observado a partir de determinada maneira de se comportar. Brincando de brincar, ensaiando as regras do próprio jogo, eles se revelavam na forma de lidar com os outros e com seus brinquedos. Provavelmente, são "estilos" construídos ao longo de sua história em função das redes que puderam se tecer ao seu redor. Jona, por exemplo, costumava ser muito "esquentado", reclamando muito e brigando com os outros a cada vez que sua pipa se enroscava ou caía. Podemos dizer que era de um estilo "zangado". Sheik, protegendo-se de maiores aventuras, grande parte do tempo numa posição mais recuada, assumia um estilo "cauteloso", soltando sua pipa numa lógica de risco calculado. Samuca fazia o estilo "ermitão", buscando isolamento do contato com o grupo. Para ele, soltar pipas parece ser uma atividade mais solitária, de conquista do objeto, como se este fosse um troféu. A impressão que me dava é que um grupo com o qual brincar não lhe fazia falta. O Angu me parecia ser mais do estilo "esperto", que sabia aproveitar as oportunidades, brigando ou se recolhendo em função das necessidades de sobrevivência em campo. De qualquer forma, falo de estilos não como se fossem moldes estáticos. Pelo contrário, são moldes relacionais que podem se modificar em função da configuração das redes nas quais estão inscritos. Há momentos em que Jona tem que ser mais amistoso, Sheik assume uma atitude mais ousada num cruzo, Samuca se mistura com um grupo e Angu nem sempre consegue se dar bem. (D.C.)

Acrescentaríamos sobre essa oscilação entre a regularidade nos estilos e a necessidade de flexibilizá-los em função das circunstâncias, algo que é corrente como condição de saúde psicológica. As maneiras como cada um usa a pipa para se construir como pipeiro e como pessoa intensamente conectada e afetada com/pelos elementos que fazem parte da brincadeira abrem um enorme espaço de possibilidades para tornarse diferenciado a partir dessa relação com os outros e com as coisas.

[...] Eu, desde criança, desde uns 8 ou 9 anos de idade, vindo de uma família grande com poucos recursos financeiros, tinha poucas diversões disponíveis: eram a bola, o finco, bolinha de gude e a pipa. Eu optei pela pipa. Então eu, desde os 8, 9 anos, sou apaixonado por pipa. [...] Primeira coisa é aprender a regra de sobrevivência: você tem que cortar o outro, senão ele te corta. Quando você encontra uma pessoa acima de você, com força e inteligência, você fica submisso. Quando você está acima de alguém, é essa pessoa que abaixa e que fica submissa. A mesma coisa é na pipa, na bolinha de gude, no futebol. Então tem essa regra, da sobrevivência e do respeito. Tem a persistência: pipa tem que ter persistência: se não tem vento agora, mais tarde tem; se não acertei em fazer essa, se ela não ficou boa, mais tarde eu consigo. Tem a perfeição: quem mexe com pipa é mais perfeccionista. Senão, não adianta. Uma pipa no alto, a uns 300 metros de altura, para você dominar ela, ela tem que estar perfeitinha. Se não 'tiver perfeita, como você vai dominar ela, dar de bico prum lado, dar de bico pro outro? O soltador de pipa é diferente do que joga bola porque tem um estilo, uma exigência de perfeição. (Trecho da entrevista com Mo)

O início desse fragmento da entrevista de Mo faz lembrar do exemplo dado por Despret (2002) em que alguns pássaros garantiam o território e a preferência da fêmea frente aos possíveis adversários, cantando mais alto e melhor. Essa era uma forma de inibir as ações do invasor, que se intimidava com a superioridade do mais hábil e abandonava suas intenções de disputar com o primeiro. A atividade com as pipas, se lavada a sério, é daquelas em que a busca pela perfeição e pela constante superação de limites se impõe como uma das regras principais, embora nem sempre explícitas.

[...] Então, eu era enjoado. Pra pipa, eu era perfeccionista mesmo: a pipa tinha que ser grande, do flamengo, rabiola com 20/30 metros, com cerol, sempre a primeira a ser colocada no alto... E eu não corria, não dava um passo. Se eu tivesse que correr pra colocar a pipa no alto, eu largava a pipa pra lá. Precisa ser perfeccionista, tem que obedecer a um ritual. Isso era eu que fazia... Porque tem muitos que talvez não tenham essa relação. O cara que fala que soltou pipa não pode ter soltado só por um ano. Tem que ter soltado pipa uns 20 anos pra dizer que soltou pipa. Porque aí ele aprendeu de tudo, fez de tudo. Tem que ser persistente, tem que ter muita disciplina. E é uma coisa boba, a pipa. Mas vai estudando o fundo disso aí. É uma relação entre eu e aquele objeto que, para quem gosta... Pra quem não gosta, parece bobagem. Mas quem viveu essa relação durante 20 anos... O que eu lembro da minha vida quando eu era guri? Casa da minha avó: pipa. Casa do meu pai: pipa. Meus amigos: pipa. E passei isso prum filho meu. Os outros não estão nem aí. (Fragmento da entrevista com Mo)

Sobreviver, persistir, respeitar os que eram melhores e buscar a perfeição foram as aprendizagens oferecidas a este sujeito, que teve a pipa como brinquedo de sua escolha, funcionando como um recurso de subjetivação, uma oportunidade de construir e colocar à prova seu estilo pessoal.

2. Para ser ensinado/aprendido, o conhecimento precisa ser interessante; e ser interessante é necessariamente ser articulado, estar sintonizado com o outro, fazer eco nos projetos de vida e nas motivações do outro. Ser simplesmente exato não dá a garantia de um conhecimento interessante. Além de exato, como pretendem ser as verdades científicas, o conhecimento pode ser igualmente enfadonho, redundante e, portanto, estéril, porque mal-articulado.

Verificamos que a brincadeira de pipas se revela mais interessante em função da quantidade de situações da realidade que tem a chance de mobilizar. A pipa é um objeto talhado para induzir à vivência de grandes aventuras, por estabelecer múltiplas relações com tudo e todos ao seu redor. Não se trata só da pipa, pois há muito mais coisas acontecendo: é encontro, é movimento, é troca, é surpresa, é disputa. Sendo uma atividade que ocorre ao ar livre, há muito mais heterogeneidade e quantidade de elementos com os quais trocar. No caso particular da pipa, que é um brinquedo típico de determinadas épocas do ano em que as condições do vento são propícias, teríamos o elemento da sazonalidade21 21 A ideia de sazonalidade do esporte que prevê os meses ventosos e sem chuvas já é hoje questionada, uma vez que há pipas de material plástico à prova d'água. O único elemento climático definidor para soltar pipas continua sendo o vento. No contexto pesquisado, entretanto, há um acordo tácito de soltar pipas apenas nos meses de férias ou naqueles que os antecedem mais imediatamente para evitar a concorrência com as atividades escolares. como forma de despertar e desenvolver a sensibilidade dos brincantes para os ritmos e ciclos da natureza e do ambiente social22 22 Por ambiente social, aqui poderíamos incluir os humanos envolvidos, com suas destrezas, assim como os materiais de que são feitas as pipas, o espaço disponível para a brincar .

As pipas são uma porta aberta para experimentar coisas muito variadas. A relação com pessoas de diferentes idades, a interação com elementos do clima e da paisagem, a relação consigo próprio na testagem de destrezas e limitações fazem da pipa um verdadeiro laboratório, tornando incrivelmente interessantes as aprendizagens construídas em torno do brinquedo, até porque elas não são impostas e vão se processando em situação, ao contrário dos conteúdos propostos pela escola, instituição que tem sido reiteradamente acusada de reproduzir o hiato entre a vida real e a aprendizagem feita entre muros, deixando enfadonha e sem cor a tarefa de aprender e construir conhecimento. As narrativas sobre as aventuras vividas e as histórias que se assemelham àquelas contadas pelos pescadores trazem uma tonalidade diferente à prática do brinquedo, deixando lembranças marcantes naqueles que as viveram.

[...] E eu era uma pipa, de cores bacanas, que não dava de lado, que não prendia no cabresto, que tinha uma linda rabiola, de pano, num dia de bom vento, linha dez nova, sem falha, bem envidrada, gilete no rabo, sem nó, longe de poste, principalmente da Central, bambu, mangueira, paineira, tamarineira, fio de luz, e eu de cima do telhado, sem camisa, no sol, bem seguro, soltava linha, via a outra, dava linha, calculava, tentiava, dava um pouco de lado, dibicava, mergulhava, entrava por baixo, arrastando, levantando, sentindo a outra, puxando, cortando, só no encosta, e depois dando linha ligeirinho, dibicando, dibicando rápido, e trazendo a outra no dipindura, devagarinho, devagarinho. (ARARIPE, 1983, p. 51)

[...] As estratégias, as brigas, os deslocamentos, vão ocorrendo ao sabor das necessidades, nada previamente programado. Aliás, o que não há, nas brincadeiras de pipas, é um plano antecipadamente elaborado. Se compararmos as outras brincadeiras, tudo ou quase tudo na brincadeira de pipas é devir, acontecendo ao sabor do próprio vento, ou por conta da chegada de outras pipas. Mas, nesta falta de um "plano" prévio, os meninos tentam fazer o seu melhor, se superando a cada momento, construindo seu domínio sobre esse objeto impossível. Outra coisa que me chamou atenção é que a pipa não é só a pipa. Junto com ela sempre aparecem outros elementos lúdicos, como a bola, os cachorros, as bicicletas. A aventura é a tônica, a pipa é o pretexto. Nos momentos de calmaria, outras aventuras são trazidas à cena nas trocas entre narradores e ouvintes. (D.C.)

3. Ensinar/aprender/conhecer é uma empreitada de riscos. Posições preestabelecidas na assimetria devem ser colocadas à prova. O risco pode ser o abandono do privilégio de estar no comando (de quem detém a verdade, de quem sabe), como pode ser abdicar das certezas de um conhecimento que já perdeu sua validade, em prol de outro, desconhecido, que, por essa condição, é ameaçador.

O processo de ensinar/aprender como uma empreitada de riscos, e não como uma evitação de erros, passa a fazer toda a diferença nas maneiras como cada sujeito vai se posicionar diante do mundo. Se não nos colocarmos em risco, não tem aprendizagem e também não tem jogo. Também não há vida, se nos poupamos de viver o caos e o risco, que são motivadores de novas oportunidades. Desde muito cedo na infância, a vivência de situações em que podemos experimentar riscos de uma forma mais ou menos protegida enseja aprendizagens pela elaboração daquelas situações que nos provocam grande impressão. Correr riscos não é fácil, assim também como não o é experimentar perdas.

[...] Pepê, de 4 anos, continua com sua pipa. Já fez várias vezes o esforço de mantê-la no ar, mas acaba por ter que baixá-la quando a rabiola se enrosca. É um espetáculo vê-lo, tão pequeno, com tanta habilidade para soltar o brinquedo. É um "pitoquinho", de casaco e touca de lã, fazendo as maiores manobras para manter sua pipa no ar. O movimento do braço que segura a linha é amplo e constante, quando ela está no ar. Luisinho o ajuda a soltar sua pipa mais uma vez. Outra pipa começa a "entrar" na pipa do Pepê. A mãe grita pra ele baixar e avisa o pai: "'tão entrando na pipa do Pepê!". O pai dá carta branca: "Deixa ele! Dá linha, Pepê!" Pakalolo, o irmão, tenta ajudar. É a maior gritaria. Cada um fala uma coisa. "Vai cruzar", grita a mãe. "Deixa ele!", grita o pai. "Sai daí, Pepê!", grita um outro. Afinal, o Pepê consegue o direito de permanecer no ar por sua "conta e risco". "Dá linha, dá linha!", gritam. Mas não adianta. Cortaram a pipa do Pepê, que nem parece se importar. Parece que já estava preparado. Penso que o melhor para ele foi poder assumir a disputa e perder com honra. Parecia orgulhoso de ter cruzado, mesmo perdendo o brinquedo. O Sr. Juca provoca: "Aí, Pepê, seu pai deixa sua pipa voar com um monte de linha!" Leleca rebate: "Ele voa com quanto ele quiser. Tem que aprender!" (D.C.)

4. Olhar para as recalcitrâncias23 23 Recalcitrância é qualidade dos actantes cujas manifestações não são facilmente controladas, resistindo às tentativas de domesticação por parte de outros actantes. Para um estudo sobre a recalcitrância, ver mais em Tsallis (2005). em humanos e não-humanos é uma estratégia de sobrevivência. Aprender/ensinar tem muito a ver com esse olhar porque são essas recalcitrâncias que podem nos propiciar uma reorientação de estratégias na busca por melhores efeitos. As formas de recalcitrar podem variar muito de humano para humano e de não-humano para não-humano, mas sempre poderão ensejar muitas e valiosas aprendizagens para todas as partes envolvidas.

As recalcitrâncias, seja de humanos ou de não-humanos, são poderosos indicadores de uma indisponibilidade para realizar negociações por parte de pelo menos um dos segmentos envolvidos, impedindo que uma possível troca de propriedades configure novas versões sobre o que estava dado a princípio. Por outro lado, podem promover oportunidades para desenvolver novas estratégias de domínio do que antes não conhecíamos muito bem. Na atividade de construir e empinar pipas, por exemplo, enfrentamos variadas formas de recalcitrância provenientes de diversos actantes: da própria pipa e dos materiais que a compõem, do vento, dos outros pipeiros. Abaixo, transcrevemos fragmentos que ilustram boa quantidade de negociações que precisamos fazer com alguns elementos nessa empreitada em que humanos e não-humanos não são meros intermediários, mas ativos mediadores.

[...] Dá linha, Guga! Dá linha que ela sobe!

O vento estava pão-duro, naquela tarde de sábado. Só Guga insistia em colo cara pipa no vento. Os amigos desistiram da tarefa, agora só davam auxílio moral. E palpites bobos.

- O vento está gorando... recolhe que vai cair. (KUPSTAS, 1988, p. 7)

[...] Então ele pelejou para trançar comigo e não conseguiu porque eu não me entregava para ele. O caso dele era me pegar com o dele muito mais longe e eu não me entregava, me desviava o tempo todo, e findamos nos trançando, para ver quem era mesmo mais famão. (MELLO, 1983, p. 83)

5. Oferecer ocasiões de diferir é outro ponto fundamental. Para tanto, torna-se imprescindível deixar falar o que até então estava mudo, permitindo a interferência do interesse, da dúvida ou da discordância. Para que haja aprendizagem, a articulação entre quem ensina, quem aprende e o conteúdo aprendido deve ser interessante, afetando e modificando a todos.

Em que brincar com pipas pode fazer a diferença para quem realiza essa prática? Que ocasiões esse objeto lúdico oferece para que as pessoas se diferenciem e alcancem melhores condições em relação a quem nunca brincou? No fragmento a seguir, dois de nossos narradores resumem o que a pipa lhes acrescentou como bagagem vivencial.

[...] Acho que a pipa faz a gente aprender muitas coisas: 1. Não existe coisa melhor do que fabricar o seu brinquedo. É um aprendizado saber fabricar um brinquedo. 2. Você não fica parado quando solta pipa. Você tem que se movimentar. Você está fazendo uma série de exercícios. 3. A criatividade: se você não tem dinheiro pra comprar papel de seda, você vai usar papel de pão, vai usar carbono, vai usar papel higiênico, vai usar folha escrita, vai colar com angu, vai colar com grude. E não assusta não, porque cola muito bem. Engraçado falar, mas cola muito bem. 4. Esperar a hora certa pra dar o bote. Quando você é criança, você não sabe distinguir esse momento. Então você vai, cruza afoitamente e é por isso que, entre os menores, a tendência é você ser cortado. Eles ainda não aprenderam a esperar pela hora certa. E a experiência dos maiores é saber esperar a hora certa, fazer uma pipa bem-feita, fazer um cerol bemfeito. Tipo eu não vou cortar ele agora não porque a pipa dele está com mais força, ou está muito baixa e, se eu debicar pra pegar a pipa dele, vou agarrar com minha pipa lá naquela árvore. (P.A., entrevistado)

[...] Tudo que aprendi para a pintura aprendi com as pipas. Inclusive o bom combate. Todos os gestos elegantes (exceto os genéticos e os recentemente aprendidos), de apuro e leveza, todas as linhas riscáveis, eu aprendi com as pipas. Inclusive uma sociologia, uma filosofia, uma moral, uma estética eram também aprendidas ali. Não conhecia o menino que soltava a pipa, mas, por ela, eu sabia se ele era bom ou mau, ou ambos, se era artista ou não, se era honesto, astuto ou oportunista, e mesmo se tinha sorte, poder; se era um grande combatente, alguém que valesse combater. Como pela telas, pelas pipas podia-se conhecer o pintor. Eram pipas feitas por ele e, por elas, ele voaria nos céus; tinham que ser bem-feitas, com talento, paixão, apuro técnico. Um brinquedo de valer a pena; pois o que queria aquele menino, aquele pintor senão voar e ser invisível. Invisíveis meninos-homens da Água Santa; meninos prodigiosos, de pipas pequeninas, muito bem-envidradas em linha 24, muito leves, cheias de arte e poder. [...] Arte, vida, cor. Jamais esquecerei a pipa que eu mesmo fiz de papel fino amarelo e roxo. Amarelo, verde e roxo, agora me lembro. Talvez fosse meu primeiro quadro. (ARARIPE, 2006)

6. Nem distância nem empatia definem uma boa aprendizagem/um bom conhecimento/uma ciência bem-articulada. A distância e a empatia, nas aprendizagens não-modernas, parecem ser questão de foco e de ângulo: muito perto e muito longe, muito envolvimento ou indiferença dificultam a abordagem do objeto novo.

Estar muito/pouco envolvido, muito perto ou muito longe é condição que pode fazer falhar aquele que ensina/aprende, aquele que pesquisa ou aquele que faz ciência, porque ele não pode esquecer sua tarefa, nem a chance de se diferenciar junto com aquilo que pesquisa. A empatia refere-se aos possíveis vieses, paixões e preconceitos que interferem nas situações em questão. Eles não só podem aparecer como devem ser colocados à prova.

Quanto à distância, não se trata, segundo Latour (2002c), daquela entre dois pólos contemporâneos (observador/observado; quem ensina/quem aprende...), mas entre os conteúdos do mundo antes e depois do fenômeno. Se há uma distância entre o novo repertório de ações do pesquisador, do cientista, da entidade 24 24 No sentido proposto por Latour (2002a), significa tudo quanto existe ou pode existir. aprendensinante25 25 Termo cunhado por Fernandes (2001). Muito antes, Vygotsky já havia usado o termo russo obuchenie, que teria como tradução algo análogo a "ensinagem", demonstrando a indissociabilidade do ensino/aprendizagem. Ver Oliveira (1993, p. 57). A ideia de "ensinar/aprender" intrinsecamente articuladas também se encontra, por exemplo, na língua francesa: apprendre pode significar ensinar e/ou aprender. e aquele que foi ponto de partida, então nada foi em vão: todas as partes se diferenciaram, tornaram-se mais vinculadas e mais interessantes. A empatia e a distância só serão úteis se ajudarem a maximizar as ocasiões para que o fenômeno investigado ofereça outras questões para além das questões iniciais levantadas pelo investigador.

A questão da distância e da empatia na brincadeira de pipas encontra uma tradução na forma como os brincantes se posicionam frente às dificuldades de modular os espaços de interação com seus brinquedos e pares em momentos decisivos. Estar muito perto implica perder o foco da ação, atrapalha a avaliação das estratégias e manobras em curso.

Estar muito longe não permite uma ação com envolvimento, com a vontade de produzir efeitos. Aprender a hora e a distância adequadas a cada momento dá a chance ao pipeiro de construir aquele sentido de oportunidade do qual falamos.

[...] Tem hora que a gente está buscando um adversário e tem hora que é o adversário que está buscando a gente. Então, depende muito se ele vem buscar a gente, se é ele quem faz a volta. Porque quem faz a volta é quem vem buscar. Agora, eu conheço pessoas que, toda vez que iam soltar pipas, ou a pipa agarrava nos fios ou ele era cortado. Ele nunca conseguiu cortar a pipa de ninguém. Ele ficou tão frustrado que desistiu de soltar pipa. Hoje, o que eu consigo entender é que ele era muito apavorado. Ele não sabia esperar. Tem que saber esperar a hora certa. Vamos supor que minha pipa está com força e a pipa do outro não está com força. A minha linha então vai correr mais depressa em cima da linha dele. Essa é a hora de cruzar. Às vezes a pipa dele está com força, o vento está tocando ela com mais rapidez. Então, aí, não é hora não, pois a vantagem é dele. A linha dele vai correr primeiro que a linha da gente. (Trecho da entrevista de P.A.)

7. Como efeitos da prática científica, da fabricação do conhecimento, de um processo de ensino/aprendizagem, podem surgir generalizações boas e más. Tanto melhores serão as generalizações quanto mais conexões ocorrerem entre variados fenômenos, gerando o reconhecimento da maior quantidade de diferenças, "por engajar o destino de umas poucas entidades na vida e no destino de muitas outras"26 26 Tradução nossa. (LATOUR, 2002b, p. 9). Ao contrário, as generalizações más são aquelas que tiveram a pretensão de ser tomadas como verdadeiras e de se assumirem como universais porque, num determinado tempo e lugar, obtiveram sucesso. As boas generalizações se legitimam pela extensão da rede em que circulam e pelos efeitos que produzem, não pela imposição de alguns poucos quando estes entendem que as diferenças são irrelevantes.

Uma das perguntas possíveis a este estudo é se ele será válido para entender outros contextos em que a pipa apareça. Nossa resposta será negativa se tivermos a pretensão de generalizar as observações feitas neste caso para outras realidades. Seria, então, uma má generalização, pois estaríamos impondo a outros uma forma de funcionar que é válida para este grupo, num tempo e espaço dados. Não temos a intenção de ser uma única e totalizante versão sobre pipas e pipeiros nas interações que estabelecem. Apenas demos conta do que observamos. Mas nossa resposta seria positiva se tomássemos a possibilidade de estas informações se combinarem com outras pesquisas para intercambiar propriedades, verificando semelhanças e diferenças entre elas. É mais ou menos assim que ocorre entre grupos que usam as pipas de maneiras diferentes. Se um grupo quiser impor a outro sua forma de lidar com o brinquedo, deflagrase, provavelmente, um estado de guerra. Mas se as comparações, por semelhanças e diferenças, puderem acrescentar algo ao repertório daqueles que brincam, mesmo sob perspectivas diferentes, informações são trocadas e coisas são aprendidas.

[...] Traduções ocorrem possibilitando o surgimento da novidade. Muitas ações que observo na brincadeira de pipas trazem marcas longínquas das práticas tradicionais, ensinadas de pai para filho numa aprendizagem informal, calcadas na transmissão oral. Outras, entretanto, já apontam para mudanças que vão ocorrendo no próprio fazer da brincadeira, no intercâmbio entre os vários grupos, seja no linguajar, seja nas estratégias. Um exemplo são as expressões que vão aparecendo e se difundindo em cada região. Basta um menino sair de São Paulo para passar as férias em Minas Gerais (ou viceversa) para que a utilização de um novo termo passe de um grupo a outro, de uma região a outra. Note-se que a pipa é um folguedo que ocorre predominantemente nas férias de julho, pois a incidência das chuvas, pelo menos nessa região, é menor, ou seja, é nas férias que mais se exercita a prática com o brinquedo e é nas férias que os brincantes têm mais chance de se deslocar para outros lugares. (D.C.)

8. Permitir um mundo comum deve ser o destino de uma epistemologia política, da fabricação de fatos científicos, de qualquer processo ensino/aprendizagem. Não é possível conquistar um mundo para todos, se o ponto de partida já foi estabelecido previamente, longe dos olhares dos interessados. Articulações poderão ser avaliadas como boas (ou más), na política ou na ciência, quanto mais inclusivas forem, quanto mais diferenciações permitirem, quanto mais falantes deixarem os nós da rede.

Como compor "um mundo plural, mas comum" é o assunto de um dos livros de Bruno Latour (2005) e penso que é a questão em que se localiza todo o esforço de construção da sua Epistemologia Política. Qual será a tradução desse esforço quando fazemos as reflexões concernentes ao nosso objeto de estudo? Como as pipas e todas as ações que elas provocam no seu entorno podem trazer contribuições para pensar esse mundo comum? Se um mundo comum não pode ser dado por antecipação por alguns poucos em detrimento daqueles que chegam a seguir, candidatando-se à sua composição, penso que precisamos passar por questões que implicam aceitar e manter uma atitude de conformidade com as diferenças estabelecidas previamente, ou, ao contrário, em nos posicionarmos na busca por outras soluções. Essa divisão traçada entre os que já se encontram e outros que aparecem posteriormente é praticamente o mote para a maior parte dos conflitos que encontramos no mundo, seja entre ideias no âmbito pessoal ou no âmbito científico, seja entre grupos que disputam por recursos ou poder. Qualquer facção que se declara em guerra em relação a outra reivindica para si o privilégio da verdade ou da primazia sobre algo que funciona como o pivô da contenda. O pensamento moderno estabeleceu divisões que agravam e legitimam essa tendência ao conflito, especialmente no olhar que as ciências lançaram sobre grupos que não fossem os legisladores das próprias causas, em detrimento das causas defendidas por outros: de culturas diferentes, de outras gerações, de outras crenças, de outros valores. Assim, todas as teorias com apelos ao universal encontram-se passíveis de conter em si o germe do enquadramento e da discriminação do diferente, daquilo que não é o seu espelho. Se pensarmos no papel das relações que se estabelecem durante a brincadeira de pipas, muitas dessas discussões podem ser atualizadas: a disputa pelo brinquedo com o advento do cerol, a possibilidade de estabelecer relações mais diplomáticas entre os grupos, a aprendizagem da convivialidade são todas questões em que podemos verificar o exercício dessa composição de mundo, mais do que meramente um ensaio para a vida.

[...] Na volta pra casa, as ideias continuavam a dançar na minha cabeça. "Ensaio da vida?" Por que não a própria vida? Por que o brincar é visto como o ensaio de algo futuro se o aqui e agora é a própria vida se tecendo? Todas as habilidades requeridas na ação de soltar pipas já fazem parte de um repertório de ações em que cada um exerce e exercita, em tempo real, o que se faz necessário na brincadeira. [...] Penso que não podemos olhar a brincadeira só como um ensaio para o futuro. Essa seria uma forma completamente adultocêntrica de pensar (como bem me chamou atenção o Fernando), como se a infância devesse sempre espelhar a vida dos adultos, como se nada pudesse ser recriado. Esse espelhamento até pode acontecer, mas não como uma fatalidade, e sempre como uma possibilidade de reinvenção. (D.C.)

O olhar do adulto, nas sociedades ocidentais, é um dos mais centrados e autorreferenciados que temos a chance de encontrar em tudo aquilo que se postula como regra a ser seguida, colocando as outras idades do ciclo vital numa posição de tutela. No aspecto da brincadeira, não é diferente. O esforço de simetria, que está longe de ser confundido com uma postura de neutralidade, poderia oferecer uma oportunidade para a composição desse mundo comum.

[...] O encontro com o que é diferente não deveria, então, pressupor um jogo de trocas em que, através do conhecimento mútuo, pudéssemos incorporar as características do outro, sem necessariamente copiá-lo numa ação de submetimento? A recíproca não deveria ser também verdadeira? Em todas as ocasiões em que pessoas ou povos de diferentes culturas entram em contato, pacificamente ou beligerantemente, há um saldo de práticas e costumes que se interpenetram e ficam como marcas desse encontro em ambas as partes. [...] Vejo o jogo como um exercício da capacidade (que uns adquiriram e outros, não) de se colocarem no lugar do outro, de estudar suas estratégias, de enriquecer suas próprias, de ensaiar, de errar, de acertar, de aprender. Não será o fio de toda essa discussão a busca, entre duas entidades diferentes que se encontram e testam suas forças, por certo equilíbrio que tem, no jogo, seu melhor cenário de experimentação? (D.C.)

Tornar falantes os nós da rede, deixando aparecer o que estava à margem, permitindo o posicionamento daqueles que não podiam, até então, aparecer, é parte desse exercício de convivência com o diferente. Verificamos que, na brincadeira de pipas, há momentos em que as diferenças podem aparecer e, aí, têm de ser confrontadas e negociadas e, em outros, elas desaparecem completamente.

[...] Algo que me surpreende é o fato de que a pipa nivela as diferenças: mais velhos e mais novos; os que estudam em escolas comuns e aqueles que estudam em escolas especiais; bons alunos e maus alunos; meninos comportados e meninos delinquentes; os mais ricos e os mais pobres. Todos parecem ser iguais com uma pipa no alto. Lá em cima, as diferenças não parecem ser muito importantes. Quando se entra num cruzo, dificilmente sabemos quem está na outra ponta do fio. (D.C.)

Um menino que estudava na APAE, outro que tinha os membros superiores atrofiados pela talidomida, um rapaz que foi assassinado durante o período da pesquisa, já tendo ele próprio passagem pela polícia, gente mais velha e experiente, gente miúda que precisa de cuidados, meninos e meninas, ainda que estas de forma mais escassa, são brincantes que compõem um universo bastante plural na brincadeira de pipas27 27 Sabemos que essa diversidade não é exclusiva das pipas e pode ser encontrada em outras formas de brincar. . Esse obscurecimento das diferenças não significa, entretanto, sua negação. No caso das pipas, ele simplesmente acontece, por acaso, sem o conhecimento das partes, tornando possível a disputa unicamente em termos das destrezas requeridas no esporte.

[...] A gente não tem mesmo ideia. Eu estou aqui soltando pipa. Tem outra ali a 300 metros. Eu não sei quem tá lá: se é homem, se é mulher, qual é a idade. Eu fui lá pra ver o "carioca": "Foi você, pirralho?", ele falou. Me chamou de pirralho e eu tinha 12/13 anos, na época. Quando ele vinha aqui nas férias de julho passar as férias na casa do tio dele, ninguém colocava a pipa no alto, só eu. E era uma disputa danada. Eu cortei ele e ele veio para saber de mim. Era um homem casado de uns trinta e tantos anos. E a diversão dele era cortar a pipa dos outros. Fazia cerol no mesmo estilo meu: era só cola e vidro moído, mais nada. Farinha, areia, pó de ferro, nada disso. Era vidro moído e cola. (Fragmento da entrevista com Mo)

[...] Entre as pipas "aparadas" estava a do Pepê. Falei que conhecia uma daquelas pipas. Contei, para surpresa deles, que ela tinha sido de um menininho de 4 anos. Um misto de pena e admiração pelo menino, mas não cabiam julgamentos, pois as regras eram iguais para todos. Naquelas circunstâncias, ninguém sabe quem está segurando a linha embaixo de cada pipa. E todos sobrevivem sem traumas. (D.C.)

Realçar as diferenças quando a tendência for homogeneizar, torná-las planas quando a tendência for discriminar talvez fosse uma boa estratégia nesse exercício de compor um mundo plural e comum.

Considerações finais

As aprendizagens promovidas durante a brincadeira de pipas não se esgotam aqui. Para além de sua contribuição na forma como as pessoas constroem suas identidades, esse brinquedo-brincadeira também oferece oportunidades para a elaboração das regras de convivialidade e dos papéis sociais, para a incorporação das leis negociadas diplomaticamente (ou não) em relação às conquistas territoriais, assim como pode também propiciar mostras de barbárie quando a sua faceta bélica se torna desproporcional aos objetivos lúdicos dessa atividade. O que podemos aprender com as pipas, com as ações tecidas em torno delas, com os efeitos por elas deflagrados? Que consequências essa posição sobre as aprendizagens, inspirada na Teoria Ator-Rede, poderia nos trazer, como pesquisadores, professores, aprendensinantes, diante de um mundo em constante movimento? Se, para o conhecimento acadêmico tradicional, a aprendizagem se dava por uma replicação dos conteúdos ensinados, na abordagem que estamos propondo, todo o trabalho de verificação de uma ideia se dá pela abertura de um processo que coloca as "verdades" à prova, fazendonos correr os riscos e as incertezas advindos dessa aventura. Nesse movimento, a relação entre ensinantes, aprendentes e a própria experiência de aprendizagem poderia se beneficiar de todas as características que tornam um jogo de pipas interessante: perscrutamos o terreno, a direção dos ventos e a destreza dos adversários; empreendemos estratégias, podendo ganhar ou perder num cruzo; aprendemos a controlar nossas emoções; participamos de corpo inteiro, sensíveis às recalcitrâncias das várias entidades que nos desafiam a construir soluções inéditas. Tornamo-nos, portanto, diferenciados, interessantes e interessados, uma vez que articulados com o mundo, não sendo mais os mesmos depois do "jogo".

Notas

Data de recebimento: 16/06/2008

Data de aprovação: 03/03/2010

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  • ARARIPE, Oscar. Minha vida de pintor Disponível em <www.oscarararipe.com.br/artigos>. Acesso em: 6/5/2006.
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  • VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1984.
  • 1
    O que estamos aqui chamando de cultura é o resultado provisório de uma rede de interações que ocorrem sistematicamente num determinado tempo e espaço, marcando, pelas suas regularidades, determinada forma de ser e estar no mundo de um grupo. Uma vez que estamos trabalhando com Latour, entendemos que essas redes haverão de incluir associações de humanos e não-humanos. Esses últimos, enquanto recursos materiais disponíveis, são peças-chaves na formação das culturas, uma vez que potencializam determinadas práticas pela sua presença, permitindo traduções outras, específicas e possíveis a partir das condições ambientais de cada lugar. Para Latour (2006), "uma cultura é, ao mesmo tempo, o que faz agir as pessoas, uma abstração completa criada pelo olhar do etnólogo, e o que é gerado ao longo das interações pela inventividade incansável dos participantes" (LATOUR, 2006, p. 245).
  • 2
    Falo de jogo aqui, pois as regras lhe conferem essa conotação. Ganhar e perder, a todo instante, são contingências da dinâmica de soltar pipas.
  • 3
    Optamos por dar o mesmo tratamento às citações, aos fragmentos do Diário de Campo (D.C.) e às entrevistas.
  • 4
    Nome dado no Rio de Janeiro a um tipo de pipa feita com folha de papel de jornal ou de caderno, recortada com a mão ou com a tesoura e empinada com poucos metros de linha por crianças pequenas (até 4 anos).
  • 5
    Nome que recebe o mesmo brinquedo no Pará e no Maranhão.
  • 6
    É a tradução do jaleco e da curica, em São Paulo.
  • 7
    Os nãohumanos compõem os coletivos com os humanos, tendo a potencialidade de se revelarem actantes, ou seja, de exercerem ou sofrerem algum tipo de ação, participando de um processo. É tudo que, não sendo humano, joga a favor da construção da nossa humanidade (LATOUR, 2001).
  • 8
    Em Latour (1994b), a ideia de mediação é ampliada: é tudo que interfere, que faz a diferença, tudo que está no meio quando se deseja alcançar determinado objetivo, levando em conta a ação de humanos e não-humanos, assim como seus efeitos.
  • 9
    Não só para a relação
    experiente-aprendiz, mas também para a relação
    aprendiz-aprendiz e
    experiente-experiente.
  • 10
    Tratase de um conceito tomado de Whitehead por Latour (2001) para definir uma situação em que humanos e não-humanos se mesclam para produzir determinado efeito. Substitui a noção de descoberta, em que só a ação dos humanos é levada em conta, deixando imóveis e a-históricos os não-humanos. A noção de evento destaca o fato de que todos os actantes produzem efeitos e sofrem modificações deles advindas.
  • 11
    Podem prestar pequenos favores, apenas observar, comentar, dar palpites, apanhar as pipas cortadas.
  • 12
    Aquela que ocorre por uma pressão circunstancial – como na urgência de uma prova –, mas logo se perde porque resta como corpo estranho, sem fazer sentido na vida daquele que supunha ter aprendido.
  • 13
    Em vez da palavra
    transmissão, que pode pressupor a passagem de informação sem deformação, entendemos que será melhor usar a ideia de
    tradução adotada em nosso estudo.
  • 14
    Coletivos aqui entendidos como associações entre humanos e não-humanos.
  • 15
    No sentido de que há uma essência que precisa ser aprimorada, como num processo alquímico.
  • 16
    A tradução é de nossa responsabilidade.
  • 17
    Conforme discutido por Latour (1994a) em
    Jamais fomos modernos.
  • 18
    Essas autoras, segundo Latour (2002c), nos deixam uma lição quando oferecem "a pedra de toque para distinguir a boa da má ciência" (p. 11). Tradução nossa.
  • 19
    Tradução nossa.
  • 20
    Figura tomada da informática que, na proposta de Latour (2006), significa aquilo que nos deixa acessar, visualizar, fazer conexões com quadros que fazem crescer nossas possibilidades de ação.
  • 21
    A ideia de sazonalidade do esporte que prevê os meses ventosos e sem chuvas já é hoje questionada, uma vez que há pipas de material plástico à prova d'água. O único elemento climático definidor para soltar pipas continua sendo o vento. No contexto pesquisado, entretanto, há um acordo tácito de soltar pipas apenas nos meses de férias ou naqueles que os antecedem mais imediatamente para evitar a concorrência com as atividades escolares.
  • 22
    Por ambiente social, aqui poderíamos incluir os humanos envolvidos, com suas destrezas, assim como os materiais de que são feitas as pipas, o espaço disponível para a brincar
  • 23
    Recalcitrância é qualidade dos actantes cujas manifestações não são facilmente controladas, resistindo às tentativas de domesticação por parte de outros actantes. Para um estudo sobre a recalcitrância, ver mais em Tsallis (2005).
  • 24
    No sentido proposto por Latour (2002a), significa tudo quanto existe ou pode existir.
  • 25
    Termo cunhado por Fernandes (2001). Muito antes, Vygotsky já havia usado o termo russo
    obuchenie, que teria como tradução algo análogo a "ensinagem", demonstrando a indissociabilidade do ensino/aprendizagem. Ver Oliveira (1993, p. 57). A ideia de "ensinar/aprender" intrinsecamente articuladas também se encontra, por exemplo, na língua francesa:
    apprendre pode significar ensinar e/ou aprender.
  • 26
    Tradução nossa.
  • 27
    Sabemos que essa diversidade não é exclusiva das pipas e pode ser encontrada em outras formas de brincar.
  • Endereço para correspondência:
    Rua Luis Carlos do Nascimento, 364
    Bairro Residencial São Caetano
    36309-118
    São João Del Rei – MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Aceito
      03 Mar 2010
    • Recebido
      16 Jun 2008
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