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Beberagens Tupinambá e processos educativos no Brasil Colonial

Tupinambá beverages and educational process in Colonial Brasil

Resumos

Este artigo tem como objetivo a descrição das diversas ocasiões sociais em que estava presente o consumo de bebidas fermentadas entre os índios Tupinambá, considerados por cronistas e viajantes como grandes amantes das beberagens. Resultado de uma pesquisa documental e bibliográfica, são priorizadas como fontes crônicas de viagens; cartas e informações de missionários que presenciaram as beberagens, sobretudo, nos séculos XVI e XVII; estudos antropológicos e históricos interessados nas práticas do beber indígenas; além de estudos arqueológicos que registram a cultura material dos Tupinambá. Teoricamente, o trabalho baseiase em pressupostos da História Cultural, em particular da História da Alimentação, na qual se podem inserir os rituais de beberagens. Argumentase que, por meio das práticas de beber, ensinamentos eram transmitidos e apreendidos, configurandoas como situação de comunicação e aprendizagem.

Beberagens Tupinambá; Processos Educativos; Brasil Colônia


This article describes various social gathering where fermented beverages were consumed by Tupinambá Indians, considered by chroniclers and travelers as beverages lovers. A result of document and bibliographic research, it prioritizes sources as travel chronicles; letters and information from missionaries who witnessed beverage feasts, especially during sixteenth and seventeenth centuries; anthropologic and historic studies interested in indigenous practices of drinking as well as archaeologic studies registering Tupinambá's material culture. Its theoretical framework is based on assumptions of Cultural History, particularly on History of Food where beverages rituals can be placed. I argue that the practice of drinking can be configured as communication and learning situation because they were a way to teach and learn.

Tupinambá Beverages; Education Process; Colonial Brazil


ARTIGOS

Beberagens Tupinambá e processos educativos no Brasil Colonial1 1 Pesquisa desenvolvida com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Tupinambá beverages and educational process in Colonial Brasil

Maria Betânia Barbosa Albuquerque

Doutora em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Professora do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Email: mbetaniaalbuquerque@uol.com.br

Contato

RESUMO

Este artigo tem como objetivo a descrição das diversas ocasiões sociais em que estava presente o consumo de bebidas fermentadas entre os índios Tupinambá, considerados por cronistas e viajantes como grandes amantes das beberagens. Resultado de uma pesquisa documental e bibliográfica, são priorizadas como fontes crônicas de viagens; cartas e informações de missionários que presenciaram as beberagens, sobretudo, nos séculos XVI e XVII; estudos antropológicos e históricos interessados nas práticas do beber indígenas; além de estudos arqueológicos que registram a cultura material dos Tupinambá. Teoricamente, o trabalho baseiase em pressupostos da História Cultural, em particular da História da Alimentação, na qual se podem inserir os rituais de beberagens. Argumentase que, por meio das práticas de beber, ensinamentos eram transmitidos e apreendidos, configurandoas como situação de comunicação e aprendizagem.

Palavraschave: Beberagens Tupinambá; Processos Educativos; Brasil Colônia.

ABSTRACT

This article describes various social gathering where fermented beverages were consumed by Tupinambá Indians, considered by chroniclers and travelers as beverages lovers. A result of document and bibliographic research, it prioritizes sources as travel chronicles; letters and information from missionaries who witnessed beverage feasts, especially during sixteenth and seventeenth centuries; anthropologic and historic studies interested in indigenous practices of drinking as well as archaeologic studies registering Tupinambá's material culture. Its theoretical framework is based on assumptions of Cultural History, particularly on History of Food where beverages rituals can be placed. I argue that the practice of drinking can be configured as communication and learning situation because they were a way to teach and learn.

Keywords: Tupinambá Beverages; Education Process; Colonial Brazil.

Introdução

Os alimentos não são apenas bons de comer, são também bons de pensar e de imaginar.

(ROCHE, 1998, p. 250)

Tratase este artigo de uma análise das beberagens dos índios Tupinambá entendidas como acontecimentos socioeducativos2 2 O termo Tupinambá, segundo João Azevedo Fernandes (2003, p. 534), "refere-se a uma etnia específica que povoava a região da Bahia". Contudo, acrescenta o autor, "os povos da língua Tupi da costa brasileira - Tupiniquim, Tamoio, Caeté, e outros, compar tilhavam uma série de traços culturais". Em vista disso, o termo Tupinambá pode "designar os falantes de línguas Tupi que habitavam a costa brasileira e alguns pontos no interior, como o planalto de Piratininga e áreas próximas ao rio São Francisco - de São Paulo em direção ao norte, até o Maranhão" (FERNANDES, 2003, p. 55). . Sob um ângulo epistemológico, as práticas de beber podem ser articuladas ao contexto mais amplo do estudo das práticas alimentares, práticas estas, por sua vez, inseridas nas estruturas do cotidiano dos diferentes grupos humanos. Os gestos de cada dia, afirmam os historiadores da alimentação JeanLouis Flandrin e Mássimo Montanari (2008, p. 8), transformamse e levam consigo tudo aquilo que os envolve. Eis a razão pelo qual concluem que "as estruturas do cotidiano estão na origem da história".

Ao procurar decifrar as pistas da investigação historiográfica sobre a alimentação, esses autores informam que, antes e depois da Segunda Guerra Mundial, os historiadores "dedicaram muita atenção às crises de fome do passado bem como às relações delas com a conjuntura econômica, a oscilação cíclica dos preços, a produção agrícola e a demografia" (FLANDRIN; MONTANARI, 2008, p. 10). Ampliando esse universo, nos anos de 19601970, muitos historiadores dedicaramse a conhecer "as carências e os desequilíbrios alimentares fora dos períodos de crise; [...] os regimes dos diversos grupos sociais, dos diferentes sexos e das diferentes idades; definiram rigorosamente a ração calórica de cada um", entre outros aspectos relacionados, sobretudo, aos países europeus entre os séculos XIV e XVIII (FLANDRIN; MONTANARI, 2008, p. 10). Tais cálculos, contudo, sofreram inúmeras reservas e seus métodos foram criticados por diferentes motivos. Assim,

enquanto os historiadores desenvolviam suas investigações quantitativas sobre a nutrição, etnógrafos e etnólogos pesquisavam as opções alimentares, o significado simbólico dos alimentos, as interdições dietéticas e religiosas, os procedimentos culinários e, de modo geral, as relações que a alimentação mantém, em cada sociedade, com os mitos, a cultura e as estruturas sociais (FLANDRIN; MONTANARI, 2008, p. 12).

Desse modo, foi somente no final dos anos 70 e durante os anos 90 do século XX que especialistas da Idade Média e da época moderna, a partir de uma abordagem culturalista, "estudaram como práticas identificadoras as opções alimentares dos povos ou das diversas classes sociais". Os historiadores da alimentação passaram a afirmar "o caráter fundamental do tema da sua investigação, a sua posição estratégica no sistema de vida e de valores das diversas sociedades" (FLANDRIN; MONTANARI, 2008, p. 1213). Considerado um tema "particularmente aglomerador e integrador", a alimentação abole velhas fronteiras existentes entre "o espírito e o corpo, entre a matéria e o intelecto" em face da "exigência de compreender os comportamentos alimentares do homem, em toda a sua complexidade" (FLANDRIN; MONTANARI, 2008, p. 13). É, portanto, no contexto da complexidade do gesto de se alimentar e, em particular, do gesto de beber, que este artigo flagra um outro aspecto das bebidas fermentadas, pouquíssimo visibilizado pela historiografia da educação, qual seja, a sua capacidade de mediar um saber, fazer circular valores e afirmar identidades.

A bebida predileta dos Tupinambá, o cauim3 3 De acordo com os estudos arqueológicos de Noelly e Brochado (1998, p. 118), "cauim em Tupinambá e caguy em Guarany, definem genericamente qualquer tipo de bebida fer mentada embriagante, não considerando nem os ingredientes nem a forma de produ ção". , podia ser feita a partir de vários produtos, entre os quais vegetais como a mandioca e o milho, ou ainda de diversos frutos, como o ananás e o caju. Todos esses produtos, por sua vez, têm sua própria história, razão pela qual, além de uma história das práticas alimentares e das bebidas, também é possível pensar sobre uma história das plantas e vegetais de que tais bebidas são produzidas. Mas, plantas têm história? Como pensar à luz da história cultural uma história das plantas e bebidas? Ora, um dos grandes desafios da história cultural é, no dizer de Peter Burke (2005, p. 69), "a expansão do domínio da cultura". Estamos a caminho, diz o historiador, "da história cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagens, memória, humor, exames e assim por diante" (BURKE, 2005, p. 46). Pensar culturalmente sobre plantas e bebidas significa pensálas como uma teia complexa na qual se articulam diferentes significados: nutricionais, medicinais, lúdicos, econômicos, políticos, religiosos, simbólicos. Este artigo visa a um alargamento do olhar sobre plantas e bebidas, de modo a permitir, também, um olhar sobre a alimentação como um fato educativo presente em todas as sociedades. No interior das práticas de beber saberes eram postos em circulação, valores eram afirmados e a memória coletiva, ativada, dando a elas um caráter eminentemente educativo.

A educação mediada pelo vinho

Uma forma de verificar se os alimentos são realmente "bons de pensar e de imaginar", conforme afirma o historiador Daniel Roche (1998, p. 250), é possível recorrendo à história do vinho e do petum (tabaco), os quais se prestavam a funções extremamente nobres ligadas ao desenvolvimento do intelecto, da memória, à prática da oratória e a sociabilidades múltiplas.

O consumo do vinho, por exemplo, inscrevese numa tradição bastante antiga e faziase presente em diferentes povos e culturas. De acordo com Antonella Giammellaro (2008, p. 79), a tradição bíblica localiza em Noé a "primeira experiência dos efeitos do vinho". O sentido, contudo, de celebração intelectual da verdade e da memória encontrase com clareza no mundo clássico, em especial na cultura do symposion. Compreendido como o principal meio de agregação social, o symposion grego era uma reunião exclusivamente de homens, que se desenrolava a seguir a uma refeição. Organizado para celebrar determinados acontecimentos, o sympósion não acontecia diariamente. Seus motivos incluíam situações privadas como: casamentos, a presença de visitas, um aniversário familiar ou ainda a celebração de um acontecimento público, como a vitória em uma competição desportiva, a nomeação para um cargo político, solenidades civis, bem como a necessidade de resoluções públicas de caráter urgente (VETTA, 2008).

Entre as características do symposion estão a poesia, a dança e o canto. "O canto coletivo é por vezes seguido por líricas ou pela recitação de curtos fragmentos de hinos dedicados a divindades associadas à reunião" (VETTA, 2008, p. 154). A participação no symposion, afirma o autor, "é, antes de mais, a oportunidade para ouvir cantores profissionais, mas é também a possibilidade [...] de se entregar à poesia, seguindo a inspiração do momento" (VETTA, 2008, p. 158). No coração do symposion, contudo, estava a "cerimônia do vinho". Embora este colocasse o homem em contato direto com Dionísio, o symposion organizavase "sob a invocação de Zeus em que os convivas celebram Apolo e as outras divindades" (VETTA, 2008, p. 149). Conforme o autor, inúmeras pinturas em recipientes que representam o symposion mostram uma "cratera colocada no centro da assistência; é um símbolo de igualdade e de equilíbrio (dike), que estrutura o espaço da sala (andron)". Nessa cratera, encontravamse medidas iguais de vinho e água, pois os gregos bebiam vinho puro apenas em circunstâncias especiais "e essa mistura era para eles uma maneira de se distinguir do mundo bárbaro" (VETTA, 2008, p. 150). Reunidos em torno da cratera de vinho, cada bebedor podia servirse à vontade.

O symposion era o lugar propício ao desenvolvimento da euphrosyne (alegria), que "qualifica o deleite provocado pelo vinho". É a euphrosyne que "provoca o estado emotivo adequado a uma discussão construtiva e à audição da poesia. O efeito progressivo da bebida, que cria um estado de euforia e depois uma lucidez invulgar "(VETTA, 2008, p. 149150). Parte fundamental da reunião, a poesia "relata a cerimônia do vinho no próprio momento em que esta se realiza" e, desse modo, "estabelece uma ponte entre o presente e o passado e renova incessantemente os enunciados tradicionais". Em vista disso, o symposion representava "a sede da memória, do conhecimento e da verdade", uma vez que "cada convidado entrega aos outros o relato da sua própria história, da sua genealogia, com freqüência também da sua poesia" (VETTA, 2008, p. 150).

O symposion congregava sentidos múltiplos. Porém, como sede da memória e do conhecimento, configuravase, por isso mesmo, como espaço educativo em que, regado ao vinho e à fruição estética possibilitada pela música e pela poesia, saberes circulavam e eram apreendidos. Mássimo Vetta (2008, p. 160) afirma que, paralelo ao symposion, havia um gênero de assembleia em que a poesia estava ausente, sendo Platão "o primeiro a conceder os seus pergaminhos a este gênero". Era assim que "nos círculos intelectuais e no cenário filosófico, bebese vinho enquanto se debatem temas elevados e se praticam exercícios de retórica, de história e de sofística" (VETTA, 2008, p. 160). Bebiase e debatiase intelectualmente assuntos diversos. Eis, portanto, uma forma de mediar um ensino e uma aprendizagem ou, ainda, uma prática educativa mediada pelo vinho.

Uma cultura diversa como a dos índios da América guarda, contudo, semelhanças curiosas em relação à cultura do symposion. As cauinagens Tupinambá, embora admitissem a participação das mulheres, também só aconteciam em situações específicas do cotidiano e, tal como o symposion, jamais poderiam acontecer durante as refeições. A similitude maior, entretanto, estava na convicção indígena de que eram as bebidas (e o fumo) que possibilitavam a inteligência nas deliberações políticas, a memória, a comunicação oral e outras virtudes pedagógicas.

Referindose ao papel da embriaguês na cultura Tupinambá, Florestan Fernandes (1989, p. 253) afirma que elas configuravam um "estado de permissão" aos protagonistas, os quais, nesse estado, poderiam cometer delitos como brigas ou ateamentos de fogo na própria maloca. Esse "estado de permissão" facilitava "a livre eclosão de emoções recalcadas, desempenhando importante função na conservação do equilíbrio psíquico dos Tupinambá" (FERNANDES, 1989, p. 254). A permissividade ocasionada pela embriaguês facilitava, ainda, o avivamento da memória, dimensão educativa por excelência, pois era por meio dela que a coletividade revivia seus mitos, valores e ideais. Ao analisar "o temperamento e as qualidades psíquicas dos Tupinambá", Fernandes (1989, p. 246) ressalta a memória como a faculdade que mais impressionou os capuchinhos franceses. Conforme atesta o relato de Yves d' Évreux (2007, p. 68), "eles tem memória muito boa" sendo que "o que mais me admirou foi vêlos narrar tudo quanto vemse passando desde tempos imemoriais, somente por tradição, porque têm por costumes os velhos contarem diante dos moços quem foram seus avós e antepassados, e o que se passou no tempo deles".

As práticas de narrar dos mais velhos constituíam acontecimentos educativos centrais no cotidiano indígena, ocasião em que, reunidos na casa grande e contando com muita gente para ouvilos, "contam um ao outro, palavra por palavra, quem foram seus avós e antepassados, e o que se passou no tempo em que viveram" (ÉVREUX, 2007, p. 68). No mesmo sentido, Claude d' Abbeville (2008, p. 346) ressalta os ensinamentos ou "conselhos" dados pelos mais velhos na "casa grande":

Depois de aceso um grande fogo, utilizado à guisa de candeia e para fumar, armam suas redes de algodão e, deitados, cada qual com seu cachimbo na mão, principiam a discursar, comentando o que se passou durante o dia e lembrando o que lhes cabe fazer no dia seguinte a favor da paz ou da guerra, para receber seus amigos ou ir ao encontro dos inimigos, ou para qualquer outro negócio urgente.

Entretanto, vale destacar que eram o vinho e o fumo que atiçavam a memória indígena, permitindo, assim, a transmissão de suas histórias e a perpetuação da cultura. Em clara alusão ao processo de circularidade cultural mediado pela erva do tabaco, Yves d' Évreux (2007, p. 117) confirma: "eu mesmo a experimentei, e reconheci que a sua fumaça desanuvia o entendimento, dissipando os vapores dos órgãos do cérebro, fortalece a voz secando a umidade e escarros da boca, permitindo suas funções". Eis, portanto, como plantas, transformadas em bebidas ou em fumo, adquirem significados simbólicos que transcendem os aspectos puramente naturais ou alimentares que lhes são peculiares, potencializando um ensino e uma aprendizagem. A alimentação como um discurso sobre o mundo ou prática de comunicação foi assim explicitada por Agnolin (2005, p. 219), estudioso das relações entre história e antropologia:

Alimentação e comunicação encontramse associados, como revela Valeri, por parecerem fenômenos "naturais", isto é, inconscientes, por refletirem determinadas situações sociais, econômicas e religiosas e pelo fato da alimentação representar, além de uma resposta a uma necessidade fisiológica, uma importante forma de comunicação.

Agnolin (2005, p. 214) reconhece que a alimentação representa uma das necessidades primárias da existência humana. Entretanto, reconhece também que ela representa "um sistema simbólico através do qual se exprimem aspectos e situações sociais, culturais". Para além das necessidades exclusivamente nutritivas, a alimentação expressa escolhas culturais, configurandose como elemento essencial da estruturação social dos grupos e de expressão de identidades. Há, nesse sentido, estreita relação entre a sintaxe alimentar e a forma como cada cultura se estrutura e se identifica. Nessa perspectiva, a análise das práticas alimentares dos Tupinambá e, neste caso, das práticas de beber os fermentados alcoólicos, em especial o cauim, pretende evidenciar que, no contexto da alimentação como dado cultural, é possível compreendêlas, também, como um processo educativo no qual determinados saberes são postos em circulação e apropriados.

As beberagens são, portanto, entendidas como acontecimentos socioeducativos que permitiam a construção de identidades e a perpetuação da cultura, sobretudo na sociedade Tupinambá, a qual, conforme afirmou Alfred Métraux (1979), nada de sério ocorria sem que cuias e cuias de cauim fossem ingeridas. O termo beberagem tem como referência tanto as bebidas em si mesmas quanto as práticas do seu consumo, interpretadas como acontecimentos sociais que possibilitavam a criação de vínculos essenciais à reprodução cultural e à harmonia dos grupos, atuando, ainda, como fator significativo na constituição da identidade social e cultural. As ocasiões sociais proporcionadas pelas beberagens assemelhamse à descrição do moinho em que trabalhava Menocchio, personagem central da obra O queijo e os vermes, do historiador italiano Carlo Ginzburg (1998, p. 220), isto é, como "um lugar de encontros, de relações sociais [...]. Um lugar de troca de idéias, como a taverna e a loja".

Como lugares de encontros e relações sociais, esses rituais de consumo funcionavam, ainda, como mediadores culturais (GRUZINSKI, 2003) significativos na transmissão dos saberes da coletividade e, portanto, significativos à própria sobrevivência, posto que constituíam uma situação propícia para transmissão e aprendizagem de tais saberes. Os mediadores culturais, segundo tradução da historiadora Thaís Fonseca (2003, p. 68), referem-se a

pessoas, objetos - que atuam como mediadores entre tempos e espaços diversos, contribuindo na elaboração e na circulação de representações e do imaginário. Por seu forte enraizamento cultural e sua grande mobilidade, esses mediadores atuam como catalisadores de idéias, sendo capazes de organizar sentidos e de criar um sistema de conexões dentro do universo cultural no qual transitam.

O lugar destacado das beberagens na sociedade Tupinambá é perceptível pelas diversas ocasiões em que se reuniam índios e índias para festejarem suas bebidas. Elas estavam presentes nos festejos do nascimento, da primeira menstruação das moças, no ritual de perfuração do lábio inferior dos mancebos, nos momentos anteriores e posteriores à guerra; nas cerimônias canibalescas, no trabalho coletivo da tribo na roça do chefe, nas reuniões políticas, na consulta aos espíritos. Em tais ocasiões, sempre regadas ao vinho, segundo a linguagem dos cronistas e missionários, mobilizavamse discursos acalorados, cantigas eram entoadas acompanhadas de danças, instrumentos musicais, ornamentos plumários, pinturas corporais, os quais, juntos, permitiam a coesão social e a afirmação da cultura e seus valores, como será evidenciado a seguir.

As ocasiões em que se bebia e os valores perpassados

As beberagens e os ciclos de vida

No que se refere ao nascimento, por exemplo, Alfred Métraux (1979, p. 96) afirma que, "quando todas as práticas concernentes ao nascimento tinham sido realizadas, os tupinambás organizavam uma bebedeira, da qual participava a tribo inteira". Um fato digno de registro são os presentes ofertados aos meninos e meninas após o nascimento. De acordo com Fernandes (2003), em sendo menino, ofertavamse flechas, garras de onças ou aves de rapina, pequenos tacapes4 4 Tacape era um instrumento de madeira utilizado ritualmente para executar os prisioneiros sacrificados (PROUS, 2007). cujo objetivo era a afirmação, desde então, de valores como a valentia e o espírito vingativo. Às meninas ofertavamse jarreteirazinhas, cabaças e ainda dentes de capivara, a fim de que tivessem dentes fortes e hábeis à mastigação necessária à fabricação do cauim. Um fato que não passou despercebido dos cronistas foi o conjunto de precauções mágicas e dietéticas que passava o pai da criança que acabava de nascer - as couvade, uma espécie de resguardo paterno. Como bem observou o colono Gabriel Soares de Souza, referindose aos Tupinambá da Bahia, depois que pare a mulher vai ao rio ou fonte, onde se lava e também à criança, e segue para casa, onde

o marido deita logo na rede, onde está muito coberto, até que seca o umbigo da criança; no qual visitam seus parentes e amigos, e lhes trazem presentes de comer e beber, e a mulher lhe faz muitos mimos, enquanto o marido está assim parido (SOUZA, 2000, p. 234).

Ao fim do resguardo do pai, "fazem vinhos com que alegrão todos" (CARDIM, 1978, p. 107) e, logo após, a criança recebe o nome pelo qual seria reconhecida até a idade adulta. Esse nome, segundo Hans Staden (1999, p. 99)5 5 Hans Staden, aventureiro alemão que, dirigindose a Lisboa em 1548 para tentar uma viagem à Índia, terminou participando de uma expedição à Terra de Santa Cruz (Brasil), sendo feito prisioneiro dos Tupinambá por nove meses. , "é dado ao menino que o portará apenas até quando estiver na idade guerreira e matar inimigos. Então receberá tantos nomes quantos inimigos tiver matado".

A afirmação da virilidade, importante valor Tupinambá, constituía outra ocasião em que as beberagens estavam presentes, segundo relatou o capuchinho francês Claude d'Abbeville (2008, p. 289):

Ao atingirem seus filhos a idade de quatro a seis anos, preparam os índios um festim (o cauim), para o qual convidam todos os parentes e amigos do menino, além de todos os habitantes da aldeia e circunvizinhanças. Depois de cauinar bastante e de dançar durante três dias consecutivos, segundo seu costume, mandam vir o menino e dizemlhe que lhe vão furar o lábio para que se torne um guerreiro valente e prestigiado. A criança assim encorajada apresenta espontaneamente o lábio, com satisfação e decisão.

Um marco significativo dessas cerimônias é a perfuração dos lábios dos meninos a fim de introduzirse o tembetá, cujo objetivo era a afirmação da coragem e valentia conforme o mesmo relato:

pega-o então o índio incumbido de furá-lo e e atravessa-o com um osso pontiagudo fazendo um grande buraco. Se o menino grita ou chora - o que raramente acontece -, dizemlhe que não prestará para nada, que será sempre um covarde, um homem sem coragem. Se, ao contrário, como ocorre comumente, se mostra corajoso e forte, tiram da cerimônia bom augúrio e afirmam que será mais tarde grande, bravo e valente guerreiro (ABBEVILLE, 2008, p. 290).

Prous (2007, p. 103), em seus estudos arqueológicos acerca da indústria Tupiguarani, informa que os tembetá eram adornos de alto valor simbólico, "inseridos na boca, atravessando o lábio inferior ou as bochechas". O ritual de perfuração dos lábios constituía ocasião importante em que se faziam prognósticos sobre o comportamento futuro do menino com base na forma como suportava, corajosamente ou não, a dolorosa operação.

Como definidora de vários ciclos da vida, as beberagens também estavam presentes entre as moças, as quais não conheciam homens antes da menarca, ocasião festejada com grande festa e bebidas, rito que as introduzia no mundo adulto. Nessas ocasiões, "a tribo festejava com bebedeiras o primeiro fluxo menstrual de qualquer uma de suas moças" (MÉTRAUX, 1979, p. 101). A menstruação habilitava as jovens para o casamento e a vida sexual, sendo nessa fase que perdiam "por suas loucas fantasias, o que o sexo tem de mais caro, e sem o que não podem ser estimadas nem diante de Deus, nem dos homens" (EVREUX, 2007, p. 81). Isso ocorre, explica Yves d' Evreux6 6 Capuchinho francês que, junto com Claude d'Abbeville, veio para o Brasil com o projeto de fundar uma colônia francesa no Maranhão, permanecendo por essas terras de 1612 a 1614. (2007, p. 81), porque essas raparigas pensam, "aconselhadas pelo autor de todas as desgraças, que não devem ser mais puras quando chega esse tempo". Nessa fase da vida (de 7 a 15 anos), as kugnatin, como eram chamadas, aprendiam alguns valores sociais estabelecidos como importantes pelos Tupinambá, a saber: "guardam completo silêncio quando se acham em reuniões onde há homens, e em geral falam pouco se não estão com outras da mesma idade" (EVREUX, 2007, p. 81). Também nessa fase, assumiam responsabilidades sociais importantes, entre as quais a fabricação das bebidas fermentadas, conforme afirma Staden (1999, p. 98):

São as mulheres que preparam as bebidas. Usam raízes de mandioca e cozemnas em grandes panelas. Quando está cozido, retiram a mandioca das panelas, despejamna em outras panelas ou vasos e deixam que esfrie um pouco. A seguir, meninas sentamse ao redor e a mastigam; colocam o mastigado num vaso especial.

Também as festas de casamento eram comemoradas com grandes beberagens. Somente depois de casados os homens tornavam-se efetivamente adultos, fato marcado por grande bebedeira. Eram, contudo, aconselhados a beber com tento e prudência no falar, evitando falar coisas ruins, conforme advertência dos pais, para evitar que o vinho fizesse mal.

Ao tempo de lhe entregarem a mulher faziam grandes vinhos, e acabada a festa ficava o casamento perfeito, dando-lhe uma rede lavada, e depois de casados começavam a beber, porque até ali não o consentiam seus pais, ensinando-os que bebessem com tento, e fossem considerados e prudentes em seu falar, para que o vinho não lhe fizesse mal, nem falassem coisas ruins (CARDIM, 1978, p. 104).

Durante essas festas, os índios mais velhos assumiam a tarefa de ajudar o noivo a beber sua primeira cuia de cauim, posto que acreditavam que nenhuma gota poderia ser perdida, comprometendo, assim, o maior dos ensinamentos transmitidos nessa ocasião, que era a valentia. A coragem e a valentia eram avaliadas a partir da capacidade de ingestão de uma cuia cheia de cauim: "e então com uma cuia lhe davam os velhos antigos o primeiro vinho, e lhe tinham a mão na cabeça para que não arrevesassem, porque se arrevesava tinham para si que não seria valente, e vice-versa" (CARDIM, 1978, p. 104).

O estudo das práticas de beber pode, portanto, revelar a estrutura dos valores indígenas do passado, entre os quais a força, a coragem e a valentia. A avaliação dessas capacidades era feita pelos próprios índios, que utilizavam como critério tanto a capacidade de ingestão de cauim, sem nada desperdiçar, além da disposição para beberem até esgotar o último pote7 7 Em estudo etnográfico sobre o povo Juruna contemporâneo, também produtores de bebidas fermentadas, Tânia Stolze Lima (2005, p. 219) afirma que a capacidade de beber grandes quantidades de cauim é motivo de orgulho entre os homens, que "entusiasmam se quando seu estômago se torna sensivelmente protuberante". . Desse modo, as práticas alimentares, nas quais se inserem as práticas de beber, para além do componente nutricional que encerram, podem, portanto, indiciar estruturas valorativas. Segundo informa Agnolin (2005, p. 222), a atenção "relativamente nova" dos historiadores para a história da alimentação tem revelado "a importância das práticas alimentares que correspondem a verdadeiras práticas identitárias (de povos ou classes sociais)".

As beberagens e os funerais

Também a morte dos entes queridos constituía ocasião para as beberagens e a transmissão de valores. As bebidas eram servidas pelos parentes do falecido como forma de homenagem a ele. Acontecimentos marcadamente estéticos, os rituais de morte eram cercados de cantorias, danças, adornos, pinturas corporais e acompanhados de vários instrumentos musicais. Nessas ocasiões:

os selvagens reúnem-se, ornados de penas multicoloridas, quando então se entregam a danças, disputas e cantorias, acompanhadas de flautas feitas de ossos dos braços e pernas de seus inimigos, e outros instrumentos típicos. Os mais velhos, enquanto isso, não param de beber durante todo o dia, sem nada comer, servidos pelas esposas e demais parentes do falecido (THEVET, 1978, p. 140).

A morte das mulheres também era comemorada com cantares, bailes, pinturas corporais e muita bebida.

Costumam os índios, quando lhes morrem as mulheres, deixarem crescer o cabelo [...] e tingemse de jenipapo por dó; e quando se querem tosquiar, se tornam a tingir de preto à véspera da festa dos vinhos, que fazem a seu modo, cantando toda a noite, para a qual se ajunta muita gente para estes cantares, e o viúvo tosquia-se à véspera, à tarde, e ao outro dia há grandes revoltas de cantar e bailar, e beber muito; e o que neste dia mais bebeu fez maior valentia, ainda que vomite e perca o juízo (SOUZA, 2000, p. 2523).

Os "festejos mortuários", como se referiu Thevet (1978, p. 140)8 8 André Thevet (1978, p. 140), cronista conhecido pela sua clássica erudição do século XVI, ao descrever tais festejos dos "selvagens", comparaos aos costumes de outros gru pos humanos. Entre os romanos, por exemplo, relata que, após o falecimento de algum cidadão guerreiro, organizavamse "torneios, pompas e cantos fúnebres em seu louvor e honra, servindo tais cerimônias como um bom exemplo aos mais jovens, exortandoos a trabalhar em favor da liberdade e da defesa da pátria". , constituíam uma ocasião propícia para a afirmação e o repasse dos valores do grupo, posto que neles "se cantam as proezas do defunto" (SOUZA, 2000, p. 253). Sua finalidade era, assim, "elevar o espírito dos mais jovens, comover seu coração e incitá-los à guerra, dando-lhes coragem para enfrentar seus inimigos" (THEVET, 1978, p. 140). Em tais festejos, choram e repetem "mais de dez mil vezes" as frases: "Como nosso pai e amigo era bom! Como era valente na guerra! Quantos inimigos ele derrotou e matou! Era um homem muito forte! Trabalhava a roça e sempre trazia muita caça e muito peixe para nos alimentar" (THEVET, 1978, p. 140).

As beberagens e o conselho dos chefes

O ritual de beberagens era imprescindível diante da necessidade de deliberação sobre assuntos considerados importantes para a comunidade, entre os quais as guerras ou os deslocamentos. Nessas assembleias, tais assuntos "jamais seriam levados a bom termo se, precedentemente, não fabricassem os índios o seu cauim para dele beberem até não mais poder" (ABBEVILLE, 2008, p. 301). Assim, reuniase o Conselho dos Chefes e corria farto o consumo tanto de bebidas quanto do fumo. Formados, sobretudo, por velhos que tinham sido outrora guerreiros valentes e vitoriosos, eles "eram especialmente consultados sobre os empreendimentos guerreiros. Em tais cerimônias, cauinavam e fumavam bastante" (FERNANDES, 1989, p. 276). A palavra final, contudo, era dada pelo pajé, uma vez que "a aprovação das resoluções mais sérias, relativas à guerra, dependia do beneplácito das forças sobrenaturais" (FERNANDES, 1989, p. 279).

Conforme o estudo de Florestan Fernandes (1989, p. 267), os Tupinambá conheciam vários meios pelos quais um homem poderia ter seu prestígio ampliado: as aptidões para o trabalho agrícola, a caça e a pesca; o número de mulheres; o incremento de bens pessoais (ornamentos plumários ou de pedras, colares e outros); o domínio de conhecimentos musicais, a capacidade de vingança contra os inimigos, esta, aliás, "a maior fonte de prestígio e de elevação de status"; e a capacidade discursiva ou os "dotes oratórios", os quais, entretanto, "parece ter merecido maior reputação". Para o autor, "a educação tribal e as situações existenciais da vida comunitária apresentavam estímulos constantes ao desenvolvimento da ambição do homem nas direções indicadas" (FERNANDES, 1989, p. 265). Especificamente sobre a oratória, Florestan Fernandes (1989, p. 267) informa que:

Os grandes oradores eram chamados "senhores da fala" e tornavam-se os líderes eventuais das grandes ações coletivas. Ouviamnos com prazer, durante uma noite inteira e adotavam com facilidade os pontos de vista ou as decisões por eles anunciados. A seleção dos oradores se processava com certo rigor, pois formavam grupos de discussão, cujos membros procuravam derrotar os pretendentes.

É preciso, contudo, relembrar que a capacidade discursiva era ativamente induzida pelo consumo do cauim e do petum, conforme certa "idéia supersticiosa que fazem dessa erva e de sua fumaça", pois os índios "crêem que a fumaça os torna sensatos, judiciosos e eloqüentes, de forma que jamais começam algum discurso sem usar dela" (ÉVREUX, 2007, p. 116). André Thevet (1978, p. 110) também presenciou a relação entre o petum e os discursos. Diz o cronista que os Tupinambá "usam-no com freqüência, mormente quando tem algum assunto a discutir. Enquanto um traga a fumaça, o outro fala, e assim vão fazendo sucessivamente enquanto discutem".

Em relação ao cauim, Staden (1999, p. 62) dá uma ideia vívida da relação entre essa bebida e os discursos dos Tupinambá ao narrar o dia em que, capturado, foi levado à aldeia do grande chefe Cunhambebe, que, entretanto, teve que encerrar a conversa, pois "toda a bebida da cabana tinha terminado", ocasião em que "foram para outra cabana para continuarem a beber". Sem bebida, portanto, não havia conversas, tampouco eram tomadas decisões sérias pelo Conselho dos Chefes.

As beberagens e os rituais antropofágicos

De acordo com Métraux (1979, p. 121), os combates Tupinambá objetivavam, sobretudo, a captura de prisioneiros. A comemoração da vitória ocorria regada a uma grande bebedeira que antecedia as cerimônias preliminares à antropofagia. "A festa da bebida, onde o prisioneiro via todas as parcelas do seu corpo distribuídas aos assistentes, era organizada pelo dono, que convidava parentes e amigos". A duração do cativeiro do prisioneiro era bastante variada, podendo durar meses e até anos. Quando, contudo, era fixado o dia da sua execução, mensageiros eram enviados às aldeias exortando todos a tomarem parte do festim canibal. Assim,

no dia prefixado, chegavam as tribos convidadas, inclusive mulheres e crianças, e, bailando, entravam na aldeia, cujo chefe, adiantandose ao seu encontro, dava-lhes as boas-vindas nos seguintes termos: 'Viestes ajudarnos a devorar o inimigo'. Os recém-chegados, nesse momento, tomavam parte em uma bebedeira preliminar e só então se dava início às cerimônias predecessoras do grande repasto antropofágico (MÉTRAUX, 1979, p. 124).

As beberagens acompanhavam todas as cerimônias preliminares à antropofagia, que duravam em torno de um a cinco dias. No quinto dia, escreve Métraux (1979, p. 131), "se já não existia mais cauim, tinha lugar, então, o massacre". Antes, entretanto, dedicavam especial atenção às bebidas. Ao por do sol da noite anterior à execução do prisioneiro, os índios, reunidos na aldeia, "apressavamse a celebrar o acontecimento com um grande cauim. Antes do início da beberagem, traziase o prisioneiro para o meio da assembléia, onde o mesmo dançava ao som do maracá" (MÉTRAUX, 1979, p. 129).

Métraux (1979, p. 136-137) informa que, quando havia abundância de carne humana, "os hóspedes levavam para casa pedaços de carne, e, mal chegavam à aldeia, organizavam nova bebedeira para o fim de concluir o banquete". Importante ressaltar, contudo, que, segundo a etiqueta indígena, a carne só era comida depois de se esgotarem todos os potes de cauim. Se comer a carne humana em praça pública constituía o objetivo final da guerra, esse consumo, contudo, jamais acontecia se não fosse antecedido da prática das beberagens. E, conforme presenciou Staden (1999, p. 80-1), a carne poderia durar dias para ser comida até que as bebidas fossem consumidas.

Todos tomavam parte no repasto canibal, tanto homens quanto mulheres e crianças. Apenas o homem que teria exercido o papel de matador da vítima não poderia comer da carne do inimigo, pois tinha de observar um conjunto de precauções cujo objetivo era "protegê-lo da vingança do espírito do morto" (MÉTRAUX, 1979, p. 141). Entre elas estava a mudança de nome, a qual era considerada "a mais importante das precauções por quem quer que se julgasse exposto à animadversão de um espírito" (MÉTRAUX, 1979, p. 142). O matador deveria observar, rigorosamente, determinadas restrições alimentares: "não podia saborear o cauim do morto, nem alimentarse, durante um mês, de caça ou pesca. Seu único alimento consistia em farinha de mandioca, ou de amendoim e, por bebida, água pura" (MÉTRAUX, 1979, p. 143). Dias depois desse jejum, iniciavamse as cerimônias de renomação, na qual se preparavam "grandes cauinagens", ocasião em que era anunciado o novo nome adquirido (FERNANDES, 1989, p. 234).

Fernandes (2003) observa, referindo-se ao jesuíta Jácome Monteiro, a íntima relação entre as cauinagens e a tomada de nomes dos inimigos mortos que são publicamente relatados:

Tomando novos nomes, conforme aos contrários que matam, dos quais chegam alguns a ter cento e mais apelidos, e em os relatar são mui miudos, porque em todos os vinhos, que é a suma festa deste gentio, assim recontam o modo com que tais nomes alcançaram, como se aquela fosse a primeira vez que a tal façanha acontecera (MONTEIRO apud FERNANDES, 2003, p. 75-76).

A dimensão educativa das beberagens é evidente nas cerimônias de renomação, na medida em que estas funcionavam como indutores da memória dos índios, que se punham a recontar suas façanhas guerreiras (como mataram, como furaram a cerca do inimigo...). Sob o efeito do cauim, a memória era ativada e a tradição, por sua vez, perpetuada.

[...] os cavaleiros nunca fazem menção dos seus nomes, senão quando há festa de vinhos, na qual só se ouve a prática da guerra, como mataram, como entraram na cerca dos inimigos, como lhe quebraram as cabeças. Assim que os vinhos são os memoriais e crônicas de suas façanhas (MONTEIRO apud FERNANDES, 2003, p. 76).

A ligação entre o cauim, a memória, a tradição e a palavra foi também observada pelo jesuíta Antônio Vieira (2003, p. 172), pois, segundo relatou em carta, é o vinho que "faz falar os mudos, e não há história dos passados, nem obrigação ou queixa dos presentes, que então não venha a prática, em que gastam as noites inteiras". Desse modo, as beberagens possibilitavam a circulação de sentidos e de significados de teor pedagógico, situações, segundo Brandão (2002, p. 143), em que, "afinal, de alguma maneira se ensina-e-aprende o que é importante para que indivíduos biológicos se tornem pessoas sociais". Uma tal compreensão dos processos culturais de socialização, para além dos saberes formais e escolares, tem sido, segundo Brandão, em boa parte esquecida e precisa, por conta disso, ser enfrentada.

Thaís Fonseca (2003, p. 67), analisando a presença da história cultural na historiografia da educação brasileira, ressalta a necessidade de "extravasar o mundo da escola para o enfrentamento de outras dimensões dos processos e das práticas educativas". Segundo a historiadora:

É necessário ampliar os horizontes para outras dimensões desse processo que não incluem, necessariamente, a chamada escolarização formal. Tratase de considerar processos educativos mais amplos que, realizados intencionalmente ou não, implicavam no estabelecimento de relações nas quais alguma forma de saber circulava e era apropriada (FONSECA, 2003, p. 69).

Este artigo vai, pois, nessa direção. Procurando extrapolar as análises sobre a educação escolar, tenta evidenciar a existência de processos educativos em diversos espaços, diluídos nas práticas sociais e cotidianas de diversos grupos, como é o caso das práticas culturais de beberagens indígenas, cujas pesquisas no campo da história da educação brasileira têm sido ainda bastante tímidas.

Beberagens e pajelança

As bebidas constituíam importante instrumento nas mãos do pajé porquanto elas o auxiliavam em suas tarefas de consulta aos espíritos acerca das possibilidades favoráveis ou não à guerra, à cura das enfermidades ou outras resoluções cotidianas necessárias. Considerados por Manoel da Nóbrega (2006, p. 37) como os "maiores inimigos que temos aqui", os pajés são particularmente consultados nas enfermidades dos índios, ocasião em que usam "de muitos enganos e feitiçarias".

Os pajés eram, portanto, muito prestigiados. Sua chegada nas aldeias era motivo de grande alvoroço e cerimônias entre os índios: "De certos em certos anos vêm uns feiticeiros de longas terras fingindo santidade, e ao tempo de sua vinda lhes mandam limpar os caminhos, e os vão receber com danças e festas segundo seu costume" (NÓBREGA, 2006,

p. 36). Assim, quando os pajés apareciam, confirma o padre Azpilcueta Navarro (2006, p. 134), os índios faziam "grandes recebimentos" e ainda "grandes festas de comer e beber". Abbeville (2008, p. 343) também informa que, nos cantos dos índios, os pajés "são honrosamente mencionados", além de "bem acolhidos nas danças e cauinagens e em todas as cerimônias".

Os pajés instituíam seus próprios ritos, em que dançavam e cantavam em torno de seus ídolos, os maracás. Em tais ocasiões, uma grande festa era preparada, na qual bebiam e comiam, conforme relata Staden (1999, p. 102):

Há algumas pessoas entre elas a que chamam pajés. Eles são ouvidos como aqui se ouvem os adivinhos. Percorrem o território uma vez ao ano, vão de cabana em cabana e anunciam que um espírito vindo de muito longe esteve com eles e lhes delegou poder, que todos os chocalhos - os maracás - poderiam falar e receber poder; se eles, os pajés, pedirem, essas coisas lhes seriam concedidas. Cada qual então faria o voto de que seu chocalho recebesse poder. Preparam uma grande festa, bebem, cantam e fazem adivinhações, e se entregam a diversos usos estranhos.

O relato de Staden descreve a reunião dos pajés na tribo enquanto aguardava a hora de sua própria morte: "Neste entretempo, os homens se juntaram numa outra cabana. Lá beberam cauim e cantavam em honra dos seus ídolos chamados maracá, que são matracas feitas de cabaça e que tão corretamente lhes anunciaram a minha captura" (STADEN, 1999, p. 57). De acordo com Staden (1999, p. 104), antes da partida para a guerra, os Tupinambá consultavam os pajés para saber se iriam vencer. Estes os aconselhavam a ficar atentos aos seus sonhos com os inimigos. "Se a maior parte sonha que vê a carne de seus inimigos assando, isso significa vitória. Mas se vêem a sua própria carne assando, isso não significa nada de bom, e então devem ficar em casa". Entretanto, se os sonhos são bons, "armam-se, realizam em todas as cabanas grandes festas, bebem e dançam com seus ícones, os maracás" (STADEN, 1999, p. 104). Ao retornarem das expedições guerreiras, os índios também "iniciavam uma bebedeira que poderia durar de três a quatro dias" (MÉTRAUX, 1979, p. 116). Reunindo-se em certa choça, afirma o autor, "eram executados bailes e cantos em honra de seus maracás, aos quais os índios agradeciam à ajuda prestada" (MÉTRAUX, 1979, p. 150).

Os pajés também atuavam em determinadas necessidades cotidianas nas quais o cauim se fazia presente. Esse foi o caso do período de longa seca, presenciado por Yves d'Évreux, em que o pajé realizava rituais de invocação de chuvas. Ao descrever o ritual, Évreux informa que

Ele instituiu uma dança ou procissão geral, fazendo que todos os selvagens levassem na mão um ramo de palmeira espinhosa, chamada tucum, e assim andavam ao redor das casas, cantando e dançando, para animar, dizia ele, o seu espírito a mandar chuvas (então nesse ano mui tardias); depois da procissão cauinavam até cair (ÉVREUX, 2007, p. 141).

Para além da íntima relação entre os pajés e as bebidas, sua centralidade entre os índios dava-lhes status de prática cultural sagrada. A sacralização do vinho foi percebida por Yves d' Évreux (2007, p. 423) ao relatar o quanto se gabam os índios diante dos potes de cauim:

Bebendo cada um quando chega a sua vez, e quando o acham bom, elogiamno com todas as forças, compõem cantigas para a ocasião, que entoam ao redor da casa ao som do maracá, pronunciando estas ou outras semelhantes palavras "Oh! o vinho, o bom vinho, nunca houve igual; oh! o vinho, o bom vinho, nós o beberemos a fartar; oh! o vinho, o bom vinho, nele não acharemos preguiça".

Em outro relato, Évreux (2007, p. 70) confirma a embriaguez indígena como uma questão honrosa. Afirma o cronista que os índios "gostam tanto de vinho, a ponto de a embriaguez ser considerada por eles, e até mesmo pelas mulheres, uma grande honra".

O historiador francês Serge Gruzinski (2003, p. 316), em estudo sobre a colonização espanhola no México colonial, destaca a função social de substâncias alucinógenas como mediadoras da transmissão e perpetuação da tradição, contribuindo para a "interiorização de setores essenciais da cultura autóctone". Segundo o autor, as drogas possibilitavam a comunicação com os deuses, ocasião em que os índios adquiriam "o conhecimento das coisas futuras". Quando os recursos da experiência ordinária haviam se esgotado, era por meio das plantas, esse "interlocutor onisciente", que se buscava a superação das angústias e incertezas da vida. As práticas de consumo dos alucinógenos possibilitavam, assim, a troca das informações obtidas, ocasião em que "o futuro mostrado pelas alucinações individuais deixava de ser uma experiência subjetiva, para tornarse um saber compartilhado" (GRUZINSKI, 2003, p. 316). No caso dos Tupinambá, o cauim (acompanhado do fumo) tinha um significado semelhante nas mãos dos pajés como mediador fundamental na resolução das diversas questões do grupo.

As beberagens e os mutirões

As beberagens também se faziam presentes em situações do cotidiano, como, por exemplo, quando havia necessidade de somar os esforços na realização dos trabalhos na roça dos principais em que eram realizados mutirões. Para Florestan Fernandes (1989), os mutirões poderiam ocorrer também como solução racional aos problemas suscitados pela pesca e pela caça. Conforme relatou Évreux (2007, p. 42):

Os Principais, que ordinariamente têm mesa franca, razão por que necessitam de roças maiores, preparam um cauim geral, e como todos partilham dele, se incumbem de cuidar nas plantações, o que fazem com alegria em uma ou duas manhãs, e depois vão beber na casa daquele para quem trabalharam, bebendo cada um quando chega a sua vez.

Fernandes (2004) ressalta a capacidade atribuída às bebidas de cimentar alianças entre indivíduos não diretamente relacionados por laços de parentesco. Desse modo, observa que os chefes Tupinambá dependiam fortemente das bebidas para cimentar essas relações de reciprocidade e travar contatos, assim como ter acesso à capacidade de trabalho de vários indivíduos. Apoiandose no relato do jesuíta Fernão Cardim, que viveu no Brasil no final do século XVI, Fernandes (2004, p. 115) ressalta a utilização das bebidas como "lubrificantes da sociedade Tupinambá". Em sentido semelhante, Sztutman (2007, p. 49) ressalta que as cauinagens "revelavam-se pela sua dimensão coletiva e pela sua tendência de promover a comunicação entre integrantes de diferentes grupos, ora domésticos, ora locais, ou seja, de romper o fechamento sociológico que marcava o cotidiano".

Assim, as práticas alimentares, nas quais também se pode inserir as beberagens, configuram-se como sistemas simbólicos por meio dos quais se exprimem determinadas situações sociais, como é o caso da coesão que operam entre indivíduos diversos. Essa a razão pela qual elas expressam a estruturação social dos grupos e suas identidades, fato que causou extrema preocupação e incômodo entre os missionários católicos, que foram extremamente hábeis em decifrar o poder que tinham as beberagens no ajuntamento, na coesão social e na circulação de saberes. É que as festas em que se consumiam os fermentados alcoólicos formavam, na realidade, as bases sobre as quais se davam as relações sociais entre os índios, fato considerado como grande obstáculo à obra de catequização de que estavam incumbidos os religiosos.

A consciência do potencial educativo dessas práticas como espaços de circulação de saberes e perpetuação de valores contrários à fé cristã, como a antropofagia ou a guerra, por exemplo, levou à sua hostilização pelos missionários, que viam nelas uma contraposição ao seu próprio projeto pedagógico de catequização e conversão das almas. Conforme análise de Fernandes (2005, p. 57) sobre osTupinambá:

Os jesuítas foram rápidos em perceber que as cauinagens representavam o pontapé inicial para as guerras e para os ritos canibais. Perceberam, também, que as festas formavam o arcabouço sobre o qual se construíam as relações políticas baseadas na hospitalidade entre os grandes chefes.

Assim, conclui o autor:

Mais do que lutar contra "maus hábitos", interessava aos jesuítas, e a outros colonizadores, romper as bases do sistema cultural dos índios, atacando ritos como a antropofagia, proibindo instituições como o casamento poligâmico e combatendo as cauinagens, por serem ocasiões em que toda a cultura indígena se expressava de forma entusiástica e, aos olhos dos colonizadores, incontrolável (FERNANDES, 2005, p. 57).

A documentação analisada evidencia que a prática das beberagens foi fortemente combatida pelos colonizadores católicos, posto que se configuravam como resistência aos ditames da colonização. A ideia corrente entre eles era de que o demônio estava solto nessas terras, induzindo a todo tipo de vício, entre os quais as beberagens tinham destaque. Essa é, por exemplo, a perspectiva do jesuíta João Daniel, que, ao descrever suas memórias sobre a Amazônia, no século XVIII, afirma: "os vícios pois que mais reinam entre eles são, primeiro, o da carne; segundo, o das vinhaças e beberronias; terceiro posto que não tão universal, é o de comerem carne humana" (DANIEL, 1979, p. 18). Desse modo, extinguir as cauinagens era o meio de viabilizar a catequese e a expansão da cristandade.

Considerações finais

Procurei evidenciar neste artigo que as beberagens estavam intimamente ligadas às várias etapas da vida cotidiana dos Tupinambá do Brasil colonial. Tanto nas diferentes ocasiões em que marcavam passagens de um estágio ao outro da vida, quanto nas decisões sobre assuntos importantes, como as guerras, a antropofagia ou os funerais, o cauim não poderia faltar.

A centralidade do consumo de bebidas entre os índios, sempre que estavam em jogo os interesses da coletividade, dava a elas um status de prática cultural sagrada, pois sem elas as bases da sociedade ficariam abaladas. A bebida fermentada tinha, assim, a qualidade de um produto ou artefato divino, portanto superior aos demais alimentos. Um exemplo disso estava em uma das regras da etiqueta Tupinambá de não se misturar a ingestão de comidas com bebidas alcoólicas.

Como acontecimentos que possibilitavam a coesão social indígena, a embriaguez, ocasionada pelas bebidas, induzia à renovação de suas memórias, sobretudo a memória da valentia nos campos de batalha e da vingança aos inimigos, promovendo, com isso, a perpetuação dos seus valores e tradições. Nessa perspectiva, a prática das beberagens funcionava como instância de socialização fundamental ou como mediadora cultural que atuava como catalisadora dos saberes da coletividade, estruturando os principais eventos do cotidiano.

A exortação da força, da coragem e da guerra estava entre os valores que mais sobressaíam nessas práticas. Antes dos rituais antropofágicos e das guerras, os índios bebiam e relembravam os atos de bravura, exaltavam a vingança e a luta contra os inimigos, configurando esses ritos como espaços de circulação de saberes e, portanto, como espaços eminentemente educativos, nos quais as identidades eram forjadas. Desse modo, além dos saberes formais e escolares vigentes na cultura ocidental, existe uma dimensão da educação do cotidiano, ainda bastante esquecida, conforme argumentou Brandão (2002). Neste texto, procurei mostrar como as práticas de beber, para além dos seus significados nutricionais e alimentares, encerram dimensões simbólicas e educativas, configurandose como estratégias de entendimento das formas como homens e mulheres ordenam o mundo e lhe atribuem sentido.

Durante as beberagens, sob o poder de cuias e cuias de cauim, discursos eram proferidos em altos brados, rememorando a força e a valentia dos guerreiros. Nelas, toda a cultura se expressava na forma de discursos, do canto, da dança, da ostentação de instrumentos e ornamentos plumários e corporais. As beberagens revestiam-se, portanto, de um sentido essencialmente estético e pedagógico, posto que transmitiam a memória coletiva, incutiam valores, perpetuavam a tradição, além de promoverem a resistência indígena aos ditames da colonização. Em função disso, toda uma contraestratégia foi mobilizada pela empresa colonizadora, no sentido de desmontar as práticas etílicas dos índios, entendidas como entraves à catequização.

Um dos maiores entraves, podese dizer, era a ativação da memória mobilizada pelo cauim e todo o repertório de saberes e valores que ele mobilizava. Como bem atestou Viveiros de Castro (2002, p. 249-250), "os índios bebiam para não esquecer", nisso residindo seu grande problema, pois que "bêbados, os índios esqueciam a doutrinação cristã e lembravam do que não deviam". Contudo, a despeito dos preconceitos e das perseguições sofridas, tais práticas de consumo de bebidas fermentadas sobreviveram no tempo, estando presentes, ainda hoje, no século XXI, entre inúmeros grupos indígenas brasileiros, entre eles, os falantes das línguas tupiguarani, conforme Sztutman (2007), Lima (2005) e outros.

NOTAS

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Aprovado: 15/09/2010

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  • THEVET, André. As singularidades da França Antártica Trad. Eugęnio Amado. Belo, Horizonte: Itatiaia; Săo Paulo: Editora da USP, 1978.
  • VETTA, Massimo. A cultura do sympósio. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Org.) História da Alimentaçăo: dos primórdios ŕ Idade Média. 2 ed. Trad. Maria da Graça Pinhăo. Lisboa: Editora Terramar, 2008. p. 147-160.
  • VIEIRA, Antônio. Cartas do Brasil (1626-1697): Estado do Brasil e Estado do Maranhăo e GrăoPará. Săo Paulo: Hedra, 2003.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (Org.). A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia Săo Paulo: Cosac & Naify, 2002.
  • 1
    Pesquisa desenvolvida com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
  • 2
    O termo Tupinambá, segundo João Azevedo Fernandes (2003, p. 534), "refere-se a uma etnia específica que povoava a região da Bahia". Contudo, acrescenta o autor, "os povos da língua Tupi da costa brasileira - Tupiniquim, Tamoio, Caeté, e outros, compar tilhavam uma série de traços culturais". Em vista disso, o termo Tupinambá pode "designar os falantes de línguas Tupi que habitavam a costa brasileira e alguns pontos no interior, como o planalto de Piratininga e áreas próximas ao rio São Francisco - de São Paulo em direção ao norte, até o Maranhão" (FERNANDES, 2003, p. 55).
  • 3
    De acordo com os estudos arqueológicos de Noelly e Brochado (1998, p. 118), "cauim em Tupinambá e caguy em Guarany, definem genericamente qualquer tipo de bebida fer mentada embriagante, não considerando nem os ingredientes nem a forma de produ ção".
  • 4
    Tacape era um instrumento de madeira utilizado ritualmente para executar os prisioneiros sacrificados (PROUS, 2007).
  • 5
    Hans Staden, aventureiro alemão que, dirigindose a Lisboa em 1548 para tentar uma viagem à Índia, terminou participando de uma expedição à Terra de Santa Cruz (Brasil), sendo feito prisioneiro dos Tupinambá por nove meses.
  • 6
    Capuchinho francês que, junto com Claude d'Abbeville, veio para o Brasil com o projeto de fundar uma colônia francesa no Maranhão, permanecendo por essas terras de 1612 a 1614.
  • 7
    Em estudo etnográfico sobre o povo Juruna contemporâneo, também produtores de bebidas fermentadas, Tânia Stolze Lima (2005, p. 219) afirma que a capacidade de beber grandes quantidades de
    cauim é motivo de orgulho entre os homens, que "entusiasmam se quando seu estômago se torna sensivelmente protuberante".
  • 8
    André Thevet (1978, p. 140), cronista conhecido pela sua clássica erudição do século XVI, ao descrever tais festejos dos "selvagens", comparaos aos costumes de outros gru pos humanos. Entre os romanos, por exemplo, relata que, após o falecimento de algum cidadão guerreiro, organizavamse "torneios, pompas e cantos fúnebres em seu louvor e honra, servindo tais cerimônias como um bom exemplo aos mais jovens, exortandoos a trabalhar em favor da liberdade e da defesa da pátria".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      29 Set 2009
    • Aceito
      15 Set 2010
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