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Educação hoje: "novas" tecnologias, pressões e oportunidades

RESENHA REVIEW

Acir Mário KarwoskiI; Julio Cesar Oliveira BernardoII

IDoutor em Letras (Estudos Linguísticos) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Professor adjunto no curso de Letras da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Uberaba - MG. E-mail: acirmario@letras.uftm.edu.br

IILicenciado em Letras. Professor da Educação Básica. Especialista em Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa. Técnico em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Uberaba - MG. E-mail: juliobernar78@hotmail.com

Contato

DEMO, Pedro. Educação hoje: "novas" tecnologias, pressões e oportunidades. São Paulo: Atlas, 2009.

Pedro Demo, autor da obra resenhada, é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia e Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Sociologia pela Universidade de Saarbrücke, na Alemanha (1971). Pós-doutor pela University of Califórnia at Los Angeles (UCLA). Autor de mais de 80 livros em menos de quatro décadas de intensa produção intelectual acadêmica. As principais áreas do conhecimento são Sociologia, Metodologia Científica e Educação.

Intitulado Educação hoje:"novas" tecnologias, pressões e oportunidades, o livro contém 137 páginas, divididas entre seis capítulos, conclusão e uma extensa bibliografia. Demo, logo na introdução, já se propõe, inserindo-se no cenário educacional atual, discorrer sobre os novos desafios do "aprender bem", dimensionando as transformações por que todos passam nos ambientes tecnológico-educacionais e seus respectivos atores.

No primeiro capítulo, "Expectativas: euforias e vazios", o autor inicia sua reflexão a partir de uma menção ao Gênesis, fazendo uma analogia com a busca do conhecimento, situando a relação Criador x autocriação no contexto das transformações ocorridas na humanidade, sobretudo quanto ao desenvolvimento e à criação das novas tecnologias. O autor menciona a relação sui generis que temos com a tecnologia, que considera fator decisivo de mudança por ser simultaneamente resultado e promotora de transformação. Destaca, nessa questão, a habilidade humana de adquirir autonomia e de se autocriar. Diante desse processo de evolução, conclama as instituições educacionais e a pedagogia para se reverem e se reencontrarem no universo de inovações tecnológicas trazidas pelas novas eras. Sobre o contexto da aprendizagem na era digital, Demo faz um paralelo entre a euforia e os vazios, apontando exageros, ingenuidades e equívocos com concepções e métodos, reconhecendo êxitos nos caminhos da e-learning, mas também enumerando as frustrações e os desacertos em detrimento de um contexto de gestão neoliberal, desalinhado no que tange à gestão de informações e conhecimento. Demo aponta um hiato ainda vigente entre a pedagogia e as novas tecnologias, evidenciando a distância geracional ainda existente (p. 13). O autor torna claro que o aprender bem deve estar associado à responsabilidade social e pedagógica e ao compromisso humanista, reiterando que as tecnologias vieram para ficar e somar, não havendo condições de ignorá-las, e salienta que o próprio ser humano é um advento tecnológico da natureza, "uma prótese inventada no processo evolucionário" (p. 14).

No segundo capítulo, "Promessas da Aprendizagem Virtual: expectativas sobre a Web 2.0", o autor evidencia o caráter de coprodução dos novos ou revitalizados ambientes da Web 2.0, frisando não como um processo perfeito, mas como um processo permeado de interatividade, com mais oportunidades de participação e acesso, aproximando-se mais, dessa forma, de processos mais eficazes de ensino e de aprendizagem. Demo leva em consideração que a autorreferência é, conforme a ideia de Foucault (2004), a reserva mais direta da originalidade do pensamento por ressaltar o papel da subjetividade, considerada expressão tipicamente individual, irrepetível (p. 18).

O autor enfatiza a necessidade de docentes e discentes se interrelacionarem nas teias da reconstrução e da reinterpretação na autonomia do discurso que é, segundo o próprio autor, um processo contínuo na gestão do conhecimento. "No campo do conhecimento, a interpretação inter e multicultural é a regra" (p. 19).

No campo das autorias virtuais, o autor exemplifica como um ambiente de autoria coletiva tal como a Wikipédia, que se encontra aberto à discussão interminavelmente, é fundado na autoridade do argumento compartilhado, no qual o autor se configura como um distribuidor de ideias sem apropriação individualista, "torna-se claro que nenhum texto pode ser tomado como final ou como autoridade definitiva. Todos ficam em andamento, abertos a novas evoluções" (p. 16). O autor deixa claro que não há autoridade absoluta no ambiente virtual, o que evidentemente favorece o processo de autorias coletivas, explicita que o talento individual não deve ser reprimido em prol do coletivo, mas afirma que a coletividade complementa e corrobora a construção melhorada da cidadania. O autor alerta ainda para o caráter ambíguo do mundo virtual, enfatizando a necessidade do bom senso crítico sobre a dualidade de conteúdos da Web (p. 25).

Com muita propriedade, o autor afirma aos leitores, dirigindo-se em especial aos leitores-professores, que, nesses novos ambientes de aprendizagem, é bem mais prudente apresentar-se como parceiro mais experimentado do que como dono prepotente e disciplinar do saber. Os novos ambientes da Web 2.0 vão, segundo Demo, muito além do construtivismo, não podendo ser considerada numa única teoria justamente por sua natureza pluriparticipativa e interacional. Diante desse pensamento, afirma que o construtivismo não está superado, mas precisa ser desconstruído e reconstruído - sina de toda teoria importante (p. 34). Quanto ao design de aprendizagem, o autor enaltece o desafio de construir ambientes de aprendizagem centrados na qualidade da aprendizagem, evitando-se dar mais importância a procedimentos e categorias do que em resultados e registra que esses ambientes facultem autoria e autonomia em contextos de interação irrestrita. Demo enumera algumas dinâmicas sugestivas no design da aprendizagem, alertando que não se incida em simples cartilhas, mas que sejam focadas sobretudo na interatividade e no compartilhamento progressivo da aprendizagem.

O autor encerra suas reflexões no capítulo apresentando, em boa hora, a necessidade urgente da revisão dos conceitos (e, por que não, atitudes) entre "cursos presenciais e não presenciais", visto que devem atuar mesclados, transparecendo, portanto, o obsoletismo do termo "educação a distância" (p. 36), pois possibilita a analogia de distância com ausência - abandono, o que não combina para resultados com qualidade na aprendizagem social.

No terceiro capítulo, "Web 2.0 e suas Ferramentas", Demo inicialmente apresenta uma discussão fecunda sobre as propriedades pedagógicas da Web 2.0, associando pedagogia e tecnologia em prol do desafio de aprender bem, do desafio formativo em si. Antes de discorrer sobre as ferramentas da Web 2.0, alerta para equívocos comumente relacionados ao abuso de meios via imagem, dando como exemplo aulas apenas e meramente reproduzidas em vídeo e videoconferência, que, segundo o autor, quase sempre constituem recursos limitados e frios (p. 38). Em seguida, o autor traz uma lista de ferramentas da Web 2.0: blogs, wikis, podcasts, e-portfolios, social networking, social bookmaking, photo sharing, Second Life, online forums, vídeo messaging, e-books, instant messaging, Skype, games, mashups, mobile learning, RSS feeds, YouTube e audiographics (p. 38). Sobre cada uma delas, Demo apresenta as peculiaridades funcionais, evidenciando fatores relevantes para os processos de construção de conhecimento e aprendizagem em geral. Demo deixa claro que várias outras ferramentas da Web são criadas a cada dia e notifica que o uso adequado de cada uma delas deve ser fruto de atitudes pedagogicamente viáveis e conscientes.

No quarto capítulo, "Desafios Pedagógicos", Demo menciona o que a Web 2.0 pode fazer para turbinar a pedagogia com um novo contexto de aprendizagem, infinitamente mais dinâmico, diversificado e pósmoderno. O autor, no entanto, enumera alguns problemas frente à nova era de aprendizagem. Nos problemas relativos aos discentes, por exemplo, Demo levanta a condição de o estudante dispor de pouco tempo ou não se sentir à vontade perante o computador, sobretudo os estudantes mais maduros. Demo critica também a pseudoflexibilidade nos cursos ditos "a distância", que podem inibir o complexo do aprender. Por outro lado, o autor cita o e-portfólio como ferramenta viável na formação da autonomia da aprendizagem. No que tange aos professores, o autor menciona quatro problemas no desafio pedagógico: a carga horária de trabalho exacerbada, a promoção profissional, a corriqueira falta de intimidade e de fluência tecnológica e a resistência quanto à propriedade intelectual, numa nova esfera de contextos de autorias diferenciadas e colaborativas (p. 59). Quanto aos problemas institucionais ante a nova pedagogia, o autor levanta atitudes de gestão e concepção pedagógica num todo. Deixa claro que o complexo instituição do saber e do aprender precisa passar por urgentes transformações, ocasião em que o desafio pode se resumir em "aprender bem", com ousadias e quebra de paradigmas. Demo, no entanto, mira o equilíbrio. "Há que se evitar tanto o especialista em generalidades, quanto o idiota especializado" (p. 62)

No quinto capítulo, "Aprendizagem virtual e design de Curso", o autor analisa características da aprendizagem virtual, discorrendo sobre as referências que continuam importantes, as referências que se romperam, as novidades nos processos de aprendizagem e ainda levanta hipóteses sobre a alfabetização virtual, levando-se em consideração sua complexidade em si. Demo relembra algumas referências teóricas anteriores que ainda persistem como marcas fundamentais do estudo e da formação. Cita, por exemplo, o uso da "zona de desenvolvimento proximal", de Vygotsky, nas plataformas da Web 2.0, principalmente em relação a jogos eletrônicos. O autor menciona também reflexões pertinentes de Piaget, cujas ideias apostam no envolvimento do estudante e entendem aprendizagem como dinâmica também afetiva que são de grande fecundidade nos neociberespaços. Além disso, valoriza a pesquisa - com princípio educativo - que leva o aluno a se formar melhor (p. 68).

Na segunda seção desse capítulo, "5.2 referências que se quebram", Demo, de maneira muito peculiar e, talvez, no momento mais "polêmico" da obra, faz consideráveis críticas à acepção comum da didática e à apresentação extensiva de conteúdos. Define como "risco" falar de "arte de ensinar", visto que, segundo ele, é termo carregado de autoritarismo e instrucionismo. Ainda nessa seção, o autor traz para a discussão a polêmica da "disciplina", definindo esse termo como amplamente medieval e autoritário (sic) (p. 71). Apesar de bem citar que na vida precisamos de disciplina e de limites, o autor talvez se perca ou exagere ou queira fazer uma provocação nesse quesito (disciplina) quando afirma que "a noção docente de que o aluno só aprende escutando aula tornou-se velharia infame, porque não passa de tática disfarçada de controle disciplinar" (p. 72). Na sequência, o autor enumera algumas novidades para a nova era cibernética, tais como o advento da Web 2.0 com as novas constatações de autorias possíveis, a motivação virtual, sobretudo das crianças com novos rumos pedagógicos, inclusive as "novas alfabetizações", os textos multimodais e os procedimentos aparentemente informais que inovam para o caminho da (in)formação.

Demo, posteriormente, propõe-se discutir como poderia ser o design de um curso "novo", devidamente fundamentado em pedagogia e tecnologia ditas "corretas". Demo apresenta três cenários de cursos, sendo o primeiro predominantemente de presença física, não maçante, diluído entre conteúdo, pesquisa prática, orientação e avaliação; o segundo cenário seria predominantemente de presença virtual, constituído por momentos presenciais, alternados e espaçados, diluídos entre pesquisas, apresentações e uso de plataformas da Web 2.0; o terceiro cenário de curso seria com a mesma proporção de presença física e virtual, caracterizado pelo uso intensivo de plataformas que fomentam a autoria, a pesquisa e a participação virtual, eliminando-se aqui o termo "educação a distância". Em seguida, finalizando esse capítulo, o autor levanta hipóteses sobre alfabetização virtual, apresentando com peculiaridades fases de aprimoramento no que tange à aprendizagem infantil, do aprender a mexer no computador à entrada no mundo acadêmico virtual, formal, com estrutura metodológica. O autor ressalta, no entanto, os perigos e os cuidados necessários na exploração da Web, deixando explícita a necessidade do uso crítico e responsável do bom senso pedagógico.

No capítulo seis, "Pedagogia do aprender bem", o autor traça dois desafios para o futuro da pedagogia em termos de aprendizagem: ser "pedagogicamente correta" e ser "tecnologicamente correta". No desafio de ser "pedagogicamente correta", Demo retoma a maiêutica pela necessidade de se primar por relacionamentos emancipatórios. Relaciona a essa "inovação" Paulo Freire e sua politicidade, que distinguia entre o tipo de influência que promove a emancipação e outra que a impede. Nesse novo despertar pedagógico, fica visível para o autor o desafio da nova concepção de autoria na autonomia de reconstruir e reinterpretar, tornando ambiente propício para aprendizagem aquele em que o aluno se torna o centro das atenções, cabendo ao professor se firmar como promotor dessa transformação com ações construtivistas e primando pela interatividade real e concreta no processo da aprendizagem.

No desafio de ser "tecnologicamente correta", Demo deixa claro que tecnologia é muito mais que meio ou simples recurso, pois representa um novo horizonte de aprendizagem virtual, sendo, de fato, possível aprender bem, desde que existam condições adequadas, inclusive a aprendizagem do próprio professor (p. 98). O autor infere que os meios tecnológicos podem constituir sedução para a aprendizagem com qualidade e nos apresenta as "novas alfabetizações", sinalizando-as como um conjunto distinto de novas outras habilidades e competências, comparando as "mentalidades" - percepções sociais de ensino/aprendizagem, sendo uma mentalidade tradicional, ultrapassada e "moderna" (sic) e a outra, "pósmoderna", essa mais solidária, coletiva e política, com mais chances de formação (p. 100). O autor ratifica que o palco privilegiado da aprendizagem virtual, em termos tecnológicos, é a Web 2.0, tratando-se da nova mentalidade, burilada na forja da autoria, como exemplifica com as plataformas blog e wiki, que tonificou os novos sentidos de autoria.

Quanto ao professor, Demo relembra a ainda presente e notória dificuldade de muitos profissionais em lidar com as novas tecnologias, por questões de uso, domínio e inclusive econômicas. O autor salienta que, portanto, o professor precisa continuar estudando a vida toda, precisa ser exemplo maior para os estudantes, precisa ser literalmente "eterno aprendiz" (p. 109). Demo enfatiza que, nos tempos do século XXI, a marca maior do professor será a autoria, cabendo à sua essencialidade um olhar crítico e pesquisador sobre o mundo tecnológico, porque só se pode questionar bem o que se conhece por dentro. Com função maiêutica e autopoiética, cabe também ao professor humanizar as tecnologias, fazendo delas alavancas de cidadania, depuradas do assédio do mercado, com a qualidade imprescindível que essas novas relações requerem.

Na conclusão, Demo enfatiza que a aprendizagem virtual já se impõe sobre os métodos tradicionais, sendo isso auspicioso momento de transformação da pedagogia. Alerta para a necessidade simultânea da participação do professor nesse desafio, conclamando todos os pedagogos a serem autores inequívocos para poderem fazer de cada aluno um autor.

Constatamos que o legado dessa obra de Pedro Demo é o espírito de transformação. Compilação crítica e perspicaz de uma extensa e pertinente bibliografia, aliada às suas peculiares reflexões, Demo provoca o leitor em diversos momentos. Entre a arrogância e a sabedoria, no estilo "bate e sopra", o autor deixa claro que as novas tecnologias vieram para ficar, para transpor as montanhas da tradição e da mesmice. Esse livro é, no mínimo, instigante. Destina-se a qualquer leitor interessado no assunto, mas o público-alvo é o professor. Para alguns, constituir-se-á em uma grande interrogação frente aos novos conceitos do educar; para outros, uma imensurável resposta.

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Recebido: 12/07/2010

Aprovado: 23/05/2011

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
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