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Convivência e aprendizagem em ambientes virtuais: uma reflexão a partir da biologia do conhecer

Coexistence and learning in virtual environments: a reflection from the biology of cognition's point of view

Resumos

Pensar a dimensão complexa e sistêmica do processo educativo é um dos desafios da contemporaneidade. Para tanto, partimos do pressuposto de que ambientes virtuais de aprendizagem podem se constituir em domínios de ações que levem à autorregulação e a transformações estruturais. Para verificar essa pressuposição, este artigo apresenta resultados de um estudo empírico que busca compreender, a partir da Biologia do Conhecer, como um ambiente virtual pode se constituir num domínio de convivência capaz de propiciar a aprendizagem. Os resultados indicam possibilidades de gestão e de intervenção pedagógica nos ambientes de aprendizagem, que possibilitem a emergência de fluxos de interações que contribuam para que se estabeleça a convivência, nos moldes estudados.

convivência; conversação; ambientes virtuais de aprendizagem; biologia do conhecer; gestão pedagógica


Thinking the complex and systemic dimension of the educative process is one of the nowadays' challenges. To this end, we start from the assumption that virtual learning environments can be constituded in action domains that lead to selfregulation and structural transformations. To verify this assumption, this paper presents results of an empirical study that seeks to understand, from the Biology of cognition, how a virtual environment can constitute a coexistence domain, able to propitiate learning. The results suggest possibilities of management and pedagogical intervention in the learning environments that make possible the emergence of interaction flows and contribute to establishing the coexistence, along the lines studied.

living together; conversation; virtual learning environments; biology of cognition; pedagogical management


Convivência e aprendizagem em ambientes virtuais: uma reflexão a partir da biologia do conhecer

Coexistence and learning in virtual environments: a reflection from the biology of cognition's point of view

Eliana Maria do Sacramento SoaresI; Carla Beatris ValentiniII; Jane RechIII

IMestre em Matemática; Doutora em Metodologia do Ensino Superior; Professora do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Email: emsoares@ucs.br

IIMestre em Psicologia do Desenvolvimento; Doutora em Informática na Educação. Professora corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Email: cbvalent@ucs.br

IIIDoutora em Comunicação; Professora titular da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Email: jrech2@ucs.br

Contato

RESUMO

Pensar a dimensão complexa e sistêmica do processo educativo é um dos desafios da contemporaneidade. Para tanto, partimos do pressuposto de que ambientes virtuais de aprendizagem podem se constituir em domínios de ações que levem à autorregulação e a transformações estruturais. Para verificar essa pressuposição, este artigo apresenta resultados de um estudo empírico que busca compreender, a partir da Biologia do Conhecer, como um ambiente virtual pode se constituir num domínio de convivência capaz de propiciar a aprendizagem. Os resultados indicam possibilidades de gestão e de intervenção pedagógica nos ambientes de aprendizagem, que possibilitem a emergência de fluxos de interações que contribuam para que se estabeleça a convivência, nos moldes estudados.

Palavras-chave: convivência. conversação. ambientes virtuais de aprendizagem. biologia do conhecer. gestão pedagógica.

ABSTRACT

Thinking the complex and systemic dimension of the educative process is one of the nowadays' challenges. To this end, we start from the assumption that virtual learning environments can be constituded in action domains that lead to selfregulation and structural transformations. To verify this assumption, this paper presents results of an empirical study that seeks to understand, from the Biology of cognition, how a virtual environment can constitute a coexistence domain, able to propitiate learning. The results suggest possibilities of management and pedagogical intervention in the learning environments that make possible the emergence of interaction flows and contribute to establishing the coexistence, along the lines studied.

Keywords: living together. conversation. virtual learning environments. biology of cognition. pedagogical management.

1. Contextualizando e repensando os processos educativos

Morin, Ciurana e Motta (2003) convidamnos a repensar os processos educativos a partir da visão da complexidade, enfatizando a importância dessa reflexão para que tenhamos condições de perceber a dimensão sistêmica desse processo. Essa visão entende o fenômeno educativo levando em conta a interdependência entre os processos de pensamento, de construção do conhecimento e de visão da realidade, sem separar o homem do seu ambiente e de seus relacionamentos.

Mas o que isso significa? Como podemos transpor essas ideias para nossas ações? A resposta que propomos está pautada na religação das ações dos sujeitos, usando expressão do próprio Morin (2002), num esforço compartilhado para pensar, analisar e avaliar, de forma contínua, dialógica e reflexiva, ambientes virtuais de aprendizagem que possam ser cenários de mudanças e de transformações, para a formação de cidadãos plenos, aptos a viver e a agir crítica e eticamente no mundo contemporâneo.

Compreendemos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) como espaços que se estabelecem por meio de tecnologias digitais, ultrapassando os limites físicos da sala de aula ou a interface de um portal, de forma que o importante são as interações e os diálogos que surgem entre os atores do processo que atuam no ambiente: professores, estudantes e monitores ou tutores. Nesse sentido, um ambiente de aprendizagem pode ser entendido como um espaço social, constituindo-se de interações sociocognitivas sobre ou em torno de um objeto de conhecimento: um cenário em que as pessoas interagem, mediadas pela linguagem (comunicação) e pela interface gráfica, a partir de estratégias pedagógicas (metodologias/protocolos). Desse modo, os fluxos de comunicação suportam a linguagem em suas diferentes formas, as quais potencializam a construção do conhecimento. O foco não é a interface em si, mas como a interface propõe e acolhe a comunicação pedagógica. Ou seja, o fundamental não é o local em si, nem os recursos ou ferramentas utilizadas, mas o que ocorre nesse local e como isso é significado e ressignificado pelos interagentes. Por essa perspectiva, o plano que sustenta a gestão pedagógica do ambiente é fundamental para que ele possa efetivamente tornarse um espaço em que os participantes sejam elementos ativos e, mais que isso, coautores do processo de aprendizagem. Assim, não é só a questão operacional do uso, do acesso, de execução (postar mensagens, fazer upload, download, ler e responder mensagens...) que está em discussão, mas, essencialmente, o uso pedagógico dos recursos e das ferramentas. Nesse sentido, o ambiente virtual de aprendizagem e os fluxos (estratégias pedagógicas e comunicativas) são codependentes.

A gestão pedagógica está relacionada à administração do ambiente em termos da criação de estratégias, intervenções, orientações e processos de avaliação, levando em consideração o fluxo das interações, as dificuldades, os interesses e habilidades e as condutas dos alunos e de outros atores do processo. A gestão não está, portanto, centrada apenas na ação do professor, mas parte da análise do contexto, considerando o objeto de conhecimento, conceitos, conteúdos e formas adequadas que auxiliem a desenvolver processos cognitivos e procedimentais que levem à aprendizagem. Assim sendo, ganham cada vez mais espaço e importância ferramentas colaborativas como os blogs e wikis.

Nesse cenário, o professor é como o jardineiro, que cria condições, possibilidades e espaços para o crescimento e o florescimento de condutas de valor para a sociedade atual, e não o mecânico, que segue um manual de procedimentos, a fim de treinar pessoas a pensar e a agir de determinadas maneiras consideradas adequadas para determinado contexto ou finalidade.

Sendo assim, entendemos o ambiente de aprendizagem como um espaço de coordenação de condutas recursivas (MATURANA, 1997), constituídas de interações e diálogos, que surgem perpassando e interligando professores, estudantes e objetos do conhecimento. Nesse contexto, recursos tecnológicos e ferramentas de comunicação e de informação podem integrar ambientes de aprendizagem, mediando o processo educativo, a fim de que tarefas e atividades de aprendizagem sejam compartilhadas e realizadas de forma colaborativa, fazendo surgir redes de comunicação contendo diálogos e conversações.

Enfatizamos que a aprendizagem mediada por tecnologias de comunicação e de informação (TICs) não é apenas uma nova possibilidade; ela traz consigo mudanças que vão muito além de aspectos técnicos, pedagógicos e administrativos. Mudanças que estão relacionadas a novas formas de pensar, de conhecer e de se relacionar. Lévy (1993) faz uma análise do futuro do pensamento, considerando os recursos da informática, mostrando que a sociedade contemporânea está diante de "novas tecnologias intelectuais". O autor examina diferentes tecnologias que transformam a sociedade atual, indicando algumas implicações, como alterações na maneira de conhecer o mundo, de produzir, de representar e divulgar o conhecimento, fazendo emergir um "conhecimento por simulação" que, conforme ele destaca, "os epistemologistas ainda não inventariaram".

Com base nessas afirmações, é importante salientar que o uso da informática, se não romper com os antigos paradigmas empiristas de ensinoaprendizagem, será mais uma ferramenta apenas para o repasse de informações, e não para a construção de saberes por parte de alunos e de professores. Esse é o grande desafio que precisa ser enfrentado pela educação contemporânea, com vistas a impulsionar os ambientes virtuais de aprendizagem para uma dimensão que vai muito além da sala de aula informatizada. A proposta aqui consiste em possibilitar que esses espaços sejam cada vez mais abertos e dialógicos e que permitam aos seus integrantes serem realmente coconstrutores de seus saberes.

Assim, surge um novo letramento, o digital, que pressupõe não apenas saber utilizar as tecnologias digitais, mas fazer uma apropriação significativa, entendendo seus usos e possibilidades em nossa vida social e promovendo as transformações necessárias para a melhoria da qualidade de vida. Desse modo, o letramento digital abrange a capacidade de aprender e ensinar a pesquisar, a comunicar, a publicar e a aprender em rede. O desafio do letramento digital se coloca, no contexto atual, tanto para os educandos quanto para os educadores.

Pesquisas sobre aprendizagem em ambientes virtuais, que relacionam o uso das tecnologias digitais na educação, apresentam argumentos e considerações que evidenciam diferentes possibilidades do uso das tecnologias da informação e comunicação para promover a produção de conhecimento e o desenvolvimento de uma conduta criativa e autônoma por parte dos estudantes: Valentini (2003); Laurino-Maçada (2001); Carneiro (2003); Beiler (2004); Basso et al. (1999); Azevedo et al. (2004); Primo e Cassol (1999); Estrázulas (1999); Maraschin e Zaniol (2004); Maraschin e Axt (2005).

Maraschin (2005, p. 9), em uma pesquisa que se inscreve no campo de interlocução entre as ciências cognitivas e as TICs e que toma como foco a aprendizagem coletiva de alunos dos cursos de graduação e licenciatura em Psicologia, conclui que "um ambiente de aprendizagem suportado por um sistema telemático de comunicação institui uma nova relação com o conhecimento, implicando o contato com um terceiro na relação professor-aluno, que é o próprio recurso possibilitador da interação". Observamos essa nova relação por meio da produção escrita dos sujeitos participantes de uma lista de discussão, em que alguns sujeitos expressam sentimentos que se produziram nessa nova possibilidade interativa. Analogamente, Bisol (2005) aponta possíveis mudanças significativas nas interações, na constituição da subjetividade e na forma de apropriação do conhecimento, quando os meios digitais levam o aprendiz a ocupar um novo lugar diante do outro, um espaço que rompe com as fronteiras convencionais de tempo, espaço e senso-percepção.

Por essa perspectiva, podemos afirmar que o universo informático pode favorecer tanto as dimensões da racionalidade (FAGUNDES, 1999), da tomada de consciência, da autonomia e do conhecimento compartilhado (NEVADO et al., 2002) quanto a expressão da sensibilidade, da criatividade e a formação de novos valores (PELLEGRINO, 2001).

2. Ambientes virtuais de aprendizagem: convivência, conversação e transformação, pela perspectiva de Maturana

Ambientes virtuais, no contexto deste estudo, são espaços de aprendizagem na web em que os interlocutores do processo interagem entre si, cooperando e desenvolvendo ideias, ultrapassando fronteiras geográficas, culturais, de idade e de tempo, para construir aprendizagens significativas. São constituídos por portais na web com links de acesso a páginas com orientações para estudos, com URLs contendo temas relacionados a esses estudos (biblioteca virtual) e com ferramentas para efetivar processos de interação e de publicação de textos. São dimensionados por meio de atividades relacionadas a leituras orientadas, elaboração de textos com base em estudos individuais e coletivos, interações mediadas por estratégias e intervenções pedagógicas, num processo de avaliação formativa contínua.

A dinâmica desses ambientes é construída tendo como fonte a comunicação entre alunos e professores que formam os fluxos de interação, os quais sustentam o desenvolvimento dos contextos de aprendizagem. Tais fluxos de interação são a base da rede de convivência que pode emergir nesses ambientes, por meio de coordenações de condutas recursivas.

Com vistas a melhor compreender/explicar a dinâmica que se estabelece nesses espaços de aprendizagem, propomos que ela seja pensada pela perspectiva da Biologia do Conhecer, conforme Maturana (1997; 2001). Em nosso entendimento, esse referencial teórico é capaz de ajudar a compreender a realidade desses ambientes, no sentido de mapear os fluxos de interação que podem ser precursores de transformações estruturais, levando à aprendizagem.

Do ponto de vista da Biologia do Conhecer, ambientes virtuais de aprendizagem podem ser concebidos como espaços de convivência que precisam de fluxos contínuos de comunicação para fazer emergir as coordenações recursivas de condutas. O ambiente utiliza a comunicação como fonte de energia, que, estando em constante circulação, gera o próprio ambiente através das ideias e da criatividade. Assim, a aprendizagem surgiria das interações entre os participantes nos fluxos de comunicação do ambiente.

Nesta abordagem teórica, a aprendizagem é entendida como mudanças estruturais que decorrem a partir de interações recorrentes. Ou seja, nesses ambientes, os fluxos de interação constituem a rede de comunicação, a qual pode potencializar a aprendizagem. Nesse caso, manifesta em mudanças e transformações que ocorrem no contexto de vida dos alunos e que podem ser observadas nos registros resultantes das interações. Nas palavras de Nissis, colaboradora de Maturana (2002, p. 147), "educar é criar, realizar e validar na convivência um modo particular de conviver. Isto sempre se realiza em uma rede de conversações que coordena o fazer e o emocionar dos participantes". Ao refletir sobre o que se requer para que isso aconteça, quer seja no âmbito social seja no da educação, a autora afirma que toda tarefa responsável dos cidadãos de um país requer que eles atuem desde o respeito por si mesmos sem controle externo. Ela afirma ainda que toda tarefa autônoma requer confiança mútua, e isso só é possível pela participação em um projeto comum. Esse, por sua vez, requer responsabilidade, conhecimentos particulares nas tarefas, respeitados por todos os participantes. "Para que este respeito aconteça, é necessário que os conhecimentos que se adquirem tenham sentido em um âmbito vital em que se realiza o viver dos participantes" (NISSIS apud MATURANA, 2002, p. 148).

Seguindo a linha de reflexão dessa autora, a gestão de ambientes de aprendizagem precisa prever estratégias e intervenções pedagógicas que considerem o estudante na complexidade de suas relações e interconexões com o mundo em que vive seu domínio de ação e o conhecimento, promovendo sua capacidade de reflexão, na medida em que se admita e se requeira, como parte do estudo de uma matéria, a pergunta sobre a fundamentação dos critérios que dão validade às noções nela aceita. Isso significa que todas as perguntas são sempre válidas e devem ser respondidas em toda a sua legitimidade (NISSIS apud MATURANA, 2002, p. 148)

Diante dessas reflexões, apresentamos, a seguir, os resultados de um estudo empírico que se propôs entender e analisar as interações realizadas pelos alunos, registradas num ambiente virtual de aprendizagem, com base na teoria da Biologia do Conhecer.

3. O contexto de estudo

O objeto de investigação do presente estudo, ou seja, o corpus de análise, foi constituído pelos registros das interações dos interlocutores (estudantes e professor) em um ambiente virtual de aprendizagem de uma disciplina de um curso de pós-graduação lato sensu à distância na área da Psicopedagogia. Os participantes desse curso foram profissionais das áreas da Educação, Psicologia e Fonoaudiologia, num total de 71 sujeitos, do sexo feminino, com conhecimento básico de informática. Os estudantes tiveram uma breve orientação presencial (em torno de uma hora de duração), antes do início da disciplina, sobre a dinâmica, o protocolo de comunicação e os temas que seriam abordados. A disciplina teve 15 horas de duração e aconteceu mediada por ferramentas síncronas e assíncronas. O encontro de encerramento foi realizado de forma presencial.

O AVA utilizado nesse curso foi desenvolvido em Plone, que é uma ferramenta CMS (Content Management System) que possibilita criar, editar, gerenciar e publicar conteúdos. Possui uma interface web baseada em Zope, que, por sua vez, é um ambiente para o desenvolvimento e gerenciamento de aplicações web (servidor de aplicações).

O AVA do curso que dava acesso ao ambiente da disciplina tinha espaço comum às diferentes disciplinas do currículo, com informações gerais sobre o curso, sobre os docentes, com orientações para as atividades a distância e sobre as funcionalidades do ambiente virtual. O ambiente era composto pelos seguintes espaços: perfil dos estudantes; acervo geral do curso (espaço para publicação de textos de conteúdo relacionado aos temas de estudo das disciplinas, subdividido em pastas, sendo uma por disciplina); mural geral (espaço moderado, submetido à apreciação de um moderador, nesse caso, o tutor), onde eram postadas informações e recados (textos curtos e objetivos) de interesse geral, com registros dos professores e do tutor; webfólio (espaço para a publicação de produções ou de trabalhos elaborados pelos alunos, subdividido em pastas, conforme a demanda de cada disciplina); AVAcafé (espaço destinado à conversa informal - para criar laços de amizade e de confiança - acessível a todos); mensagem instantânea (ferramenta de comunicação de um para um; não é correio eletrônico); salas de bate-papo (ferramenta de comunicação síncrona, para conversações em tempo real); e fórum organizado e disponível por comunidades.

Os estudantes foram organizados em onze comunidades e cada uma delas podia se comunicar por meio de: mural da comunidade (espaço com informações e recados de interesse específico da comunidade, onde todos os envolvidos no processo podiam postar mensagens, em especial os alunos membros da comunidade); fórum (espaço destinado ao diálogo entre as pessoas envolvidas no processo), o fórum foi subdividido em fóruns específicos por comunidade e por disciplina (dentro de cada um desses fóruns específicos, todos tinham liberdade de criar "tópicos" ou "conversas" para organizar as discussões dos temas em foco); e texto colaborativo (editor que permite criar textos de forma colaborativa).

A disciplina cujas propostas sustentaram as interações que foram objeto de análise deste artigo tinha como princípios da aprendizagem a interação e a problematização, tendo como temas de estudo conteúdos conceituais sobre a aprendizagem. Os temas de estudo propostos tinham como elementos deflagradores textos de leitura, um estudo de caso e algumas situações provocadoras de relação entre as teorias estudadas e situações vivenciais por parte dos estudantes. As interações tiveram a duração de duas semanas e aconteceram, em sua maioria, nos fóruns das comunidades e em três momentos na sala de bate-papo. Os diálogos nos fóruns foram deflagrados pelo professor a partir de questionamentos e reflexões sobre a relação entre as teorias e situações reais, visando a gerar uma rede de conversação e ampliação de saberes. A proposta para os diálogos nos fóruns não era simplesmente destacar os conceitos apresentados nos textos de estudo, mas analisar exemplos de situações reais em que o estudante considerava que os conceitos pudessem sustentar a compreensão da realidade. Para isso, foi explicitado, no início da disciplina, que a proposta de interação era que as conversações no fórum gerassem trocas cooperativas e que tivessem características mais de problematizações do que de respostas finalizadas, prescindindo da abertura à relação, produzindo encadeamentos para os atos comunicativos, sendo que as conversações deveriam provocar a retomada e a incitação à continuidade das discussões por meio de questionamentos.

Essa concepção de intervenção docente está situada na abordagem interacionista, na qual o professor atua como problematizador, provocando o aprendiz e dando abertura à circulação do saber, entendendo que a construção de sentido acontece pelo entrelaçamento dos discursos no contexto da interação. Esse entrelaçamento permite que o conhecimento se constitua, ultrapassando a concepção de verdade transmitida, possuída ou acumulada. Compartilhando da concepção apresentada por Maraschin e Axt (2005), entendemos que é na relação e na interação que combinamos informações e damos sentido a elas, sendo o conhecimento entendido como atividade cognitiva e relação.

Partimos do pressuposto de que as interações dos interlocutores do processo educativo, do curso em estudo, através da e com a rede de comunicação que surge no ambiente, assume a configuração de um modo de viver (e, por conseguinte, de conhecer) constituído na linguagem. Esse modo de viver, por sua vez, sofre influências que surgem das vivências subjetivas de cada interagente. Esse espaço pode possibilitar transformações no ser e no fazer de seus participantes. Entendemos que essas transformações são expressas na linguagem, por meio da rede de textos que vai sendo tecida ao longo da convivência. Descrever e explicar essa rede, por meio da Biologia do Conhecer, foi nosso propósito, na busca de entender como essa rede pode ser precursora das transformações que levam à aprendizagem.

Para este artigo, realizamos a análise das interações no fórum de discussão de três das onze comunidades nas quais a turma foi organizada, sendo que as comunidades analisadas contavam com cinco, seis e sete estudantes em cada uma delas. As interações ocorreram no período de duas semanas e totalizaram, em cada uma das comunidades, diferentes quantidades e qualidades de postagens. Houve, respectivamente, 85, 41 e 40 postagens em cada uma das comunidades analisadas, totalizando 166 postagens e 18 estudantes. Visando a preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, eles foram identificados por S1, S2, S3, S4, S5, S6, S7, S8, S9, S10, S11, S12, S13, S14, S15, S16, S17 e S18. Tomaram conhecimento desse estudo e consentiram em participar assinando um termo de consentimento livre e esclarecido, conforme normas referentes à ética na pesquisa.

4. Análise das interações: um olhar sobre o conviver em AVA

A análise aqui desenvolvida baseou-se na proposta de análise textual discursiva de Moraes e Galiazzi (2007), que é de natureza qualitativa, com vistas à produção de compreensões de discursos da linguagem, em movimentos interpretativos de caráter hermenêutico. Esse processo de análise textual qualitativa constitui-se num ciclo de três elementos: unitarização, categorização e comunicação, para atingir a emergência da compreensão do corpus. Esse percurso oferece uma alternativa de análise que ultrapassa a fragmentação e o reducionismo, marcantes em formas históricas da análise de conteúdo. Para tanto, o descrever e o explicar, a partir do corpus (registros), foi constituído por operações recursivas de ir e vir entre o corpus e a teoria, realizadas pelas pesquisadoras com o objetivo de entender as operações que ocorrem no ambiente. Isso foi feito a partir de uma escuta sensível, sem juízos de valor, entendendo os interagentes na sua maneira particular de viver e de ser, passível de ser apreendida a partir dos enunciados registrados.

Esse movimento possibilitou a emergência da explicação do corpus objeto de estudo. Para tanto, a análise considerou duas grandes categorias, sustentadas na base teórica já explicitada: convivência (A) e transformações estruturais (B). Para cada categoria foram construídos indicadores, levando em conta a base teórica e as interações registradas no ambiente.

Os interagentes do ambiente, domínio de ação deste estudo, são sujeitos do discurso, isto é, sujeitos socioculturais que, pela enunciação, constituem-se em sujeitos da linguagem. Desse modo, os sujeitos cognitivos foram apreendidos, indiretamente, por meio de sua manifestação pela linguagem, no caso desta pesquisa, por meio dos registros do ambiente do curso. Esses registros na forma de textos podem ser apenas declarações, intenções, sem nada operativo, no sentido de que houve uma operação, a partir do registro realizado.

O ambiente, na perspectiva deste estudo, foi considerado uma circunstância para se viver no fazer e no refletir sobre o fazer, de modo que, por meio do viver em interações recorrentes, professores e alunos podem se tornar diferentes, podem se transformar, no sentido de que eles venham a agir (conduzir-se) de forma diferente da qual agiam (se conduziam) antes. Para que ocorra uma história de interações recorrentes, o outro precisa ser visto como legítimo outro, na convivência. A conduta de interações que aceita o outro na convivência é caracterizada por interações que denotam respeito e aceitação do outro em seu espaço de existência.

Esse processo de análise nos permitiu identificar as seguintes categorias e seus indicadores: Convivência (A): aceitação do outro (A1) e trocas cooperativas (A2); Transformações estruturais (B): autonomia (B1), circularidade e ressignificação da realidade (B2) e autorreferência (B3).

4.1. Convivência

Para a categoria A (convivência), os indicadores que emergiram foram: aceitação do outro e trocas cooperativas. Grande parte das interações encontravam-se nessa categoria, estendendo-se ao longo da disciplina.

A convivência, na acepção de Maturana, implica uma relação de convivência em que as trocas se regulam mediante as relações em que todos são respeitados e não há coerção. As emoções se fundam no respeito ao outro, sendo fundamental que haja um ultrapassamento das relações hierárquicas, pois, para Maturana (2001, p. 69), essas se fundam na negação mútua, na exigência de obediência e na relação de poder. "O poder surge com a obediência, e a obediência constitui o poder como relação de negação mútua".

A.1 Aceitação do outro

Os enunciados dessa categoria constituíram-se de registros que denotam descentração, respeito mútuo, suspensão de julgamento, aceitação da diferença, presença sem exigência, livre expressão de ideias e sentimentos aos parceiros, ou seja, aparecer de forma espontânea e gratuita para o outro, evidenciando o vínculo estabelecido. A troca que apareceu nessa categoria pode indicar que os sujeitos estariam vendo o outro como um legítimo outro. Isso significa, segundo Maturana (2001, p. 67), que se abre "um espaço de interações recorrentes com o outro, no qual sua presença é legítima, sem exigências".

Alguns exemplos dos enunciados considerados nessa categoria:

S5: S3, q belo exemplo esse dos teus alunos. Tuas intervenções sempre tão ricas e oportunas. Q bom!

S4: Faço minhas as palavras da S3, aqui nesta comunidade nunca ficam grandes dúvidas, pois as colegas conseguem suprir grande parte de nossas necessidades de conhecimento. Estou acompanhando o bate papo, está mto interessante, estou conseguindo construir muito com isso, apenas ficou um pouco lento o sistema por ter muita gente conectada ao mesmo tempo, ou meu PC já está defasado. Beijos

S13: S12, que bom vê-la conosco. Concordo com suas colocações sobre a minha fala anterior.

S6: Olá meninas, gostei muito dos exemplos citados por vocês! Interessante a maneira com que as colegas S7 e S9 procuram realizar intervenções, sem com isso dar respostas prontas [...]

S8: Oi gurias, tudo bem. Gostei de suas exemplificações e percebi que meu exemplo não ficou claro.

A.2 Trocas cooperativas

Para Maturana (2001, p. 69), as relações hierárquicas não são relações sociais, pois elas se fundam na negação mútua, na exigência de obediência e na relação de poder: "O poder surge com a obediência, e a obediência constitui o poder como relação de negação mútua". Já nas trocas cooperativas, o outro é considerado como um legítimo outro em seus saberes, em que o sujeito precisa realizar uma descentração de seu ponto de vista para efetivar a troca. Os registros identificados como trocas cooperativas denotavam parceria nos questionamentos, nas experiências, enfim, no fluir das interações.

S14: S12, penso que a sua forma descrita, de como lidar com esta situação esta sendo correta, posso até me precipitar em fazer tal afirmação. Mas ao ler o texto e destacar alguns pontos, talves (sic) possa esclarecer essas dúvidas que coloca.

S6: Bom, vou citar um exemplo que ocorre com meus alunos de 1º ano [...] Não sei se consegui me fazer clara em minha explanação e se fiz a relação de forma correta. Será que consegui assimilar e acomodar os estudos desta semana? (brincadeira). Um abraço a Todas!

Sequência de postagens relacionadas a uma dúvida conceitual:

S8: COMO DIRIA A S5!!! SOCORRO! fiquei com um pouco de dúvida com o termo Construções anteriores, seriam prévias, algo cognitivamente a ser desenvolvido a partir das equilibrações [...]

S7: S8, quem sou eu para ensinar a "missa ao padre", mas quero contribuir de alguma forma, até mesmo para aprender junto: pelo que entendi e dentro dos meus meros conhecimentos, o termo usado por Piaget "construções anteriores", seria algo vivido, assimilado, acomodado, anteriormente. [...] Acho que estas seriam as construções anteriores.

S8: S7! obrigada por este aparte bem legal viu? olha já havia pensado nisto, porém o q me confundiu foi o "inatismo" no dicionário consta que o Inatismo seria defendido por Piaget o que n é verdade, [...] O ponto importante desta questão é o momento em que se dá essas construções (está claro acima) e como e porque. E isto nós já descobrimos.

S12: S15, penso que a sua forma descrita de como lidar com esta situação esta sendo correta, posso até me precipitar em fazer tal afirmação. Mas ao ler o texto e destacar alguns pontos, talvez possa esclarecer essas dúvidas que coloca [...] Penso que os seus alunos estão nesse processo de amadurecimento. Quando você coloca na frase "As escolhas dos meus alunos hoje são bem mais maduras e criteriosas do que antes".

S6: Querida S3!! fiz uma postagem, quase no mesmo horário q vc. Se vc n entendeu podemos tentar novamente, n é fácil eu tenho bastante dúvidas também.

Os enunciados relacionados à categoria convivência demonstravam que as interações ocorreram no acolhimento do outro, no sentido de tentar responder às perguntas efetuadas, nas trocas cooperativas, com chamamentos para a reflexão e a discussão, revelando movimentos de reflexão, questionamento, reelaboração de ideias e autoria. No entanto, os movimentos e as operações relacionados à autoria ainda parecem ter sido realizadas em uma perspectiva autocentrada, revelados em registros com citações relacionadas ao tema estudado.

Transformações estruturais

A categoria transformações estruturais (B) foi composta por quatro indicadores (autonomia, circularidade, ressignificação da realidade, autorreferência). Toda interação implica um encontro estrutural entre os interagentes e esse encontro pode resultar no desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes do encontro. Assim, um acoplamento estrutural referese à dinâmica da estrutura do organismo que sempre se desenvolve acoplado ao meio. Se faço alguma demanda ao outro, estou aberto a sua proposta, a seu retorno. Segundo Maturana (2001, p. 60), "o curso de nossa mudança estrutural espontânea e reativa se faz de maneira contingente com a história de nossas interações". É sob essa abordagem que identificamos enunciados relacionados a essas operações.

B.1 Autonomia

Nesta categoria encontramos registros que denotavam organização de si mesmo, no sentido de que demonstravam reflexões e mudanças a partir dos fluxos de interações que ocorreram no ambiente.

S2: Colegas! Percebo em nossas colocações que o papel do professor na intervenção psicopedagógica é proporcionar situações desafiadoras em contato com materiais e conteúdos (o objeto do conhecimento) provocantes para ela, no sentido de levá-la a investir nesse objeto, configurá-lo e aprendê-lo como um problema para si própria. [...] Estas práticas estão presentes nos exemplos que pude observar nas colocações de vocês no ambiente.

S3: Após ler as contribuições de todos os colegas fiquei aqui pensado de quanto é importante que nossos alunos sejam questionados, instigados,interajam, façam experimentos ...

S5:Amigas de assimilação e acomodação!Vocês estão conseguindo isso comigo. A S8 "acertou direto na minha veia": com seus exemplos clareou um monte minhas cognições. Bom, mais vamos ver se consigo traduzir o meu entendimento. E se me permitem, utilizando-me de meu cotidiano no serviço [...] Não sei se estou certa, mas parece que este caso demonstra isso que a S8 nos ensina nos seus exemplos citados acima: O homem construía seu conhecimento na área de sua vida relaciona [...] Acomodou isso mediante as primeiras relações sociais mantidas e adaptou-as conforme foi observando o que lhe era mais significativo, útil, personalizado, equilibrado.

B.2 Circularidade - Ressignificação da realidade

Registros que denotavam modificações congruentes, ou seja, que revelavam mudanças ocorridas a partir do acoplamento com o ambiente, por meio das interações, numa relação circular. Denotavam ressignificação da realidade a partir da discussão, da apropriação ou da compreensão de um conceito.

S3: Refletindo o exemplo solicitado sobre os processos cognitivos, logo me veio à mente uma experiência acontecida em minha prática pedagógica em uma turma de alfabetização. Após ter trabalhado o alfabeto com os alunos.

S2: Mediante as colaborações de vocês, colegas, percebese que NÃO SE PODE IGNORAR O PAPEL DESEMPENHADO PELAS CRIANÇAS AO SE REALCIONAREM E interagirem com outras pessoas, quer sejam professores, pais e outras crianças mais velhas e mais experientes.

S6: A partir das últimas colocações de vcs sobre a sala de aula e a valorização do ser humano, me remeto ao início do nosso curso e penso na evolução das metodologias ... das teorias, as adaptações que foram feitas considerando como foco central o ser humano [...]Podemos pensar que estamos diante de novas significações, porque não?? os desequilíbrios constituem o conhecimento.

S9: Que jóia esses seus esquemas e exemplos, S6. Estava tentando organizar, para minha melhor compreensão algo parecido, então pensei: vou consultar o ambiente e ver se as colegas postaram algo que me auxilie. Achei!!!!!!

S10: Gurias, através das nossas interações, exemplos diversos do cotidiano e "vivências" desse Pós, podemos perceber a riqueza do trabalho de Piaget na prática. Cá entre nós, com muitos desequilíbrios inclusive... (hehehe)

S11:Oh Mediadora das boa! Oh demais colegas queridas. Vejam: ontem pinchei o olho para este cara ZDP e travei um diálogo com ele. Descobri que ele fala outras "línguas" (complicado), mas insisti e fui dormir com isso na mente. Agora que me sobrou um tempo, resolvi compartilhar e pedir interação. Antes queria dizer que a d o r e i sua postagem, pois parece que ela não está muito longe de meus "clicks" sobre o protagonista dos meus estudos. Analisem e opinem, por favor: "Meu olhar": A soma do nível [...]

S15: Conforme solicitado na orientação desta primeira semana de atividades, vou relatar um exemplo que ocorreu com a minha priminha e afilhada quando tinha aproximadamente dois anos e meio de idade.[...]A história é relembrada, algumas vezes,pela família e todos dão boas risadas ao ouvi-la. Mas hoje, estou refletindo sobre como tem relação com o que estamos estudando.

S17: Olá S15! Realmente a história foi engraçada. A meu ver, os conceitos da teoria de Piaget se aplicam nela. Como você disse, a menina tinha conhecimentos prévios em relação ao creme, isso de dá no processo de assimilação. Quando ela passou cola acreditando que fosse creme isso gerou uma perturbação, então foi preciso uma "movimentação", para que ocorresse a acomodação.

B.3 Autorreferência

Registros que denotavam que as reflexões e ações dos alunos foram orientadas pela representação que eles faziam de si mesmos, no sentido daqui-lo que eles percebiam de si e que, portanto, os distinguia dos outros.

S7: Gurias, dessa linda e esperta comunidade, o q estamos vivenciando aqui, em nossas permanentes atividades colaborativas, não parece familiar quanto à esses conceitos?

S3: Ainda não consegui entender muito bem como funciona e qual a utilidade deste tal de ZDP. Saibam que isto é novo pra mim.

S5: Quanto às dúvidas, temos boa acessibilidade à prof que nos ajudará a formalizar ou clarear nossos conceitos. Portanto, como já mencionei noutro momento, temos a ferramenta e podemos disponibilizar dela. Ok?

S8: GURIAS, TENTANDO ENTENDER E SIMPLIFICAR A TEORIA, CREIO Q COMPLIQUEI UM POUCO... Enfim, seguimos processando! [...] S3e e S7, quem sabe vcs nos trazem algum exemplo d sala-d-aula pra tentarmos aplicar os conceitos e clarear as idéias.

S6: S8, n concordo c vc. seu texto está bem articulado e de fácil entendimento. O problema é que VYGOTSKY tem uma multiplicidade de conceitos e temos que articulá-los, entender o porque de cada um, isto demanda clareza nas idéias, o que para mim ultimamente é artigo de luxo.

As contribuições relacionadas às transformações estruturais evidenciaram movimentos relacionados à organização de si mesmo, no sentido de reflexões e questionamentos com base nas leituras realizadas, tanto dos textos propostos quanto das mensagens dos colegas e da professora. Mudanças estruturais dizem respeito à dinâmica de estrutura do organismo que sempre se desenvolve acoplado ao meio. A partir dessa perspectiva, podemos inferir que as interações que ocorreram no AVA estudado possibilitaram o surgimento de encontros estruturais entre os interagentes. Mais que isso, esses encontros puderam dar origem ao desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes das interações no contexto do AVA analisado.

5. Sobre o conviver e o aprender

No contexto deste estudo, o ambiente foi entendido como um local que poderia propiciar a convivência, a partir de um objetivo em comum: a discussão e a reflexão sobre conteúdos teóricos específicos, com base em orientações e tarefas propostas pelo professor. Ou seja, o ambiente e seus diferentes espaços e ferramentas foi concebido como local de interação, suportado pelos fluxos de comunicação em torno dos temas em estudo, constituído, em geral, por comentários, perguntas, respostas, sistematizações. A forma como ele se organizou parece ter propiciado que alunos e professor realizassem operações sustentadas por fluxos contínuos de comunicação, renovando-se e transformando-se. Ou seja, professor e alunos utilizaram a comunicação como fonte de energia que, circulando nas interações realizadas, gerou e regenerou o próprio sistema por meio das ideias e dos questionamentos. Assim, podemos considerar que a aprendizagem surgiu dessas interações entre os participantes nos fluxos do ambiente, alimentando e sendo alimentadas por elas. Parece que a dinâmica planejada pelo professor foi incentivadora do surgimento desse fluxo e que, nesse sentido, suportou um processo de convivência.

A partir desse ponto de vista, as categorias identificadas permitem afirmar que emergiram fluxos de coordenações de coordenações de ações, movimentos recursivos e um historial, os quais, na perspectiva da Biologia do Conhecer, sustentam a convivência, como base para as mudanças estruturais.

As trocas comunicativas do e no ambiente se constituíram em redes de conversações, conforme foi mostrado nas categorias identificadas. Assim, elas podem ser consideradas reflexo de uma convivência na linguagem precursora de mudanças estruturais que, por sua vez, resultaram em mudanças de conduta, revelando a aprendizagem.

A gestão pedagógica do ambiente revelouse focada em tipos de tarefas e intervenções problematizadoras, em que o professor convida o estudante a ser coparticipante do processo educativo. Essa estratégia incentivou a ocorrência de um fluxo recorrente de conversações no ambiente, estabelecendo um domínio de convivência e/ou de transformação.

Dessa forma, no que se refere à convivência, o resultado da análise parece evidenciar que a gestão do ambiente foi adequada para possibilitar a emergência de fluxos de conversação, com uma organização que caracterizasse a convivência. Parece estar claro que as estratégias e a dinâmica proposta pelo professor são muito importantes para desencadear a conversação e, mais que isso, para sustentá-la, até o ponto em que ela possa fluir, constituindo-se numa rede.

Diante desse cenário, e com vistas a contribuir com o avanço da concepção de aprendizagem e gestão pedagógica em ambientes virtuais de aprendizagem, é fundamental aprofundar o questionamento a respeito das estratégias e dinâmicas neles utilizadas. Pode, então, ser útil perguntar e refletir sobre: O que precisa ser ressignificado, tanto por parte do aluno quanto do professor, para que os fluxos de conversação ultrapassem a linearidade e se organizem em redes? O que se requer para que se constitua uma comunidade que convive num ambiente virtual de aprendizagem, de modo que essa convivência resulte em transformações estruturais, em aprendizagens significativas e na construção de conhecimento?

5. Considerações finais

O desafio que se apresenta é a configuração do ambiente: espaços de aprendizagem e gestão pedagógica, com determinadas características que possibilitem a ocorrência de uma rede, com padrões de organização que contemplem e facilitem a aceitação do outro, a descentração, o respeito mútuo, a suspensão de julgamento, a aceitação da diferença, a cooperação, a parceria nos questionamentos, a autonomia, a reflexão e a organização de si mesmo. Isso não é fácil, pois nossos sistemas ainda estão atrelados à forma tradicional de atuar, em que o professor é o eixo central do processo educativo, de forma que ele é o centro das discussões. E, em geral, isso se reproduz quando se utilizam ambientes virtuais para mediar o processo de aprendizagem. Isso mostra a necessidade de ressignificar vários aspectos para que as mudanças ocorram. A cultura do estudante, que de maneira geral, espera pelas respostas e pelas tarefas do professor, entendendo a aprendizagem como dependente disso; a cultura do professor, que, por sua vez, coloca-se como sujeito do processo de aprender do estudante e, assim, suas intervenções não ultrapassam essa perspectiva.

É possível dizer que algumas tarefas e intervenções do professor são mais adequadas que outras para propiciar que o ambiente tenha características de um ambiente considerado de convivência. Nesse sentido, são especialmente interessantes os estudos de caso, os projetos de aprendizagem definidos pelos aprendentes, as relações heterárquicas definidas entre aprendentes, os momentos de autoavaliação (tomada de consciência, autoconhecimento), as resoluções de problemas de forma compartilhada, entre outras.

Em ambientes com fluxo de conversação em rede, as intervenções do professor precisam ser realizadas no sentido de possibilitar que os alunos se percebam num outro contexto de aprendizagem, diferente do tradicional, incentivando-os a participar, problematizar, responder, questionar, compartilhar, analisar e, sobretudo, participando dos fluxos de interações que circulam no ambiente. A dificuldade para isso está no fato de que tanto a estrutura do aluno quanto a do professor, muitas vezes, estão em transformação. As adaptações e mudanças estarão em processo, a partir do momento em que ambos aceitem o convite para a convivência. Aqui o mais importante parece ser o esforço para se criar situações em que o aluno sinta a necessidade de se organizar e de se responsabilizar para esse tipo de trabalho, ou seja, requer-se o deslocamento de uma moral heterônoma (de fora para dentro) para uma moral autônoma (de dentro para fora). Obviamente, nem sempre as estratégias que o professor utiliza dão certo (ou revelam-se mais eficientes), ou ora dão certo para um grupo e não para outro. Este, porém, é o constante desafio: buscar novas possibilidades de gestão e de intervenção nos ambientes de aprendizagem, que possibilitem a emergência de fluxos de interações, levando em conta que todos os integrantes do ambiente de aprendizagem devem aceitar-se mutuamente como legítimos outros na convivência.

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Recebido: 15/07/2010

Aprovado: 10/08/2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011

Histórico

  • Aceito
    10 Ago 2011
  • Recebido
    15 Jul 2010
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