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Performance e educação: relações, significados e contextos de investigação

Performance and education: relations, meanings and investigation's contexts

Resumos

Esta investigação consiste na apresentação e na discussão do conceito de performance em vista de sua relação com a prática educativa. Para tanto, parte de uma investigação metafilosófica - ao abranger antropologia, teoria literária, linguística, artes e pedagogia - como forma de reter significações adequadas de performance que possibilitem redefinir a prática educativa desde um princípio estético. A pesquisa conforma, ainda, a apresentação dos contextos de investigação da performance - arte, comunicação e cultura -, a fim de justificar uma teoria da performance na educação, como também a proposição de uma prática pedagógica performativa, sinalizando para o caráter expressivo da ação educativa. O texto trata, ao fim e ao cabo, da materialidade da comunicação docente, como também, de maneira colateral, da experiência e da formação estéticas.

Performance; Comunicação Docente; Educação Estética


The following article presents and discusses the concept of performance. It intends to relate the meanings of performance to educational practice. As a meta-philosophical investigation this paper tries to analyze performance (making performance itself the object of investigation) considering the contributions of anthropology, theory of literature, linguistics, arts and pedagogy. To this extent this text makes an attempt to retain the meaning of pedagogical practice as based in aesthetical principles. As one might expect, the investigation takes place in the context of performance - art, communication and culture - the purpose being, to prove (justify) a theory of performance in education, because by taking the proposition of a practical performance pedagogy further, it points the way for educational action of an expressive character/nature. As well as qualitatively evaluating the aesthetic experience, and an aesthetic education, the investigation also intends to measure the teacher's communication, empirically (another words, quantitatively).

Performance; Teacher's Communication; Aesthetic Education


ARTIGOS

Performance e educação: relações, significados e contextos de investigação1 1 Pesquisa financiada pelo CNPq.

Performance and education: relations, meanings and investigation's contexts

Marcelo de Andrade Pereira

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professor adjunto do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Coordenador do FLOEMA – Núcleo de Estudos em Estética e Educação; Membro do GETEPE – Grupo de Estudos em Teatro, Educação e Performance. E-mail: doutorfungo@gmail.com

Contato

RESUMO

Esta investigação consiste na apresentação e na discussão do conceito de performance em vista de sua relação com a prática educativa. Para tanto, parte de uma investigação metafilosófica – ao abranger antropologia, teoria literária, linguística, artes e pedagogia – como forma de reter significações adequadas de performance que possibilitem redefinir a prática educativa desde um princípio estético. A pesquisa conforma, ainda, a apresentação dos contextos de investigação da performance – arte, comunicação e cultura –, a fim de justificar uma teoria da performance na educação, como também a proposição de uma prática pedagógica performativa, sinalizando para o caráter expressivo da ação educativa. O texto trata, ao fim e ao cabo, da materialidade da comunicação docente, como também, de maneira colateral, da experiência e da formação estéticas.

Palavras-chaves: Performance; Comunicação Docente; Educação Estética.

ABSTRACT

The following article presents and discusses the concept of performance. It intends to relate the meanings of performance to educational practice. As a meta-philosophical investigation this paper tries to analyze performance (making performance itself the object of investigation) considering the contributions of anthropology, theory of literature, linguistics, arts and pedagogy. To this extent this text makes an attempt to retain the meaning of pedagogical practice as based in aesthetical principles. As one might expect, the investigation takes place in the context of performance – art, communication and culture – the purpose being, to prove (justify) a theory of performance in education, because by taking the proposition of a practical performance pedagogy further, it points the way for educational action of an expressive character/nature. As well as qualitatively evaluating the aesthetic experience, and an aesthetic education, the investigation also intends to measure the teacher's communication, empirically (another words, quantitatively).

Keywords: Performance; Teacher's Communication; Aesthetic Education.

1. Preâmbulo

No título deste trabalho, a peculiaridade de uma relação: performance e educação aduzem, invariavelmente, a modos específicos de expressão. A afinidade ou a incompatibilidade entre os termos conduz e justifica o exame dos conceitos. Do que segue: um conjunto de problemas e de hipóteses.

Dos problemas: que sentidos comporta a performance, em face da pesquisa em educação? Que noções, que aspectos, que fenômenos permeiam a relação entre a performance e a educação – no que concerne à ação educativa? Sendo a educação – tal como a performance – um modo de expressão, o que de uma se aplicaria à outra? Que pontos de contato, de contaminação, existiriam entre ambas?

Das hipóteses: uma primeira, diz respeito à possibilidade de criação de um espaço multirreferencial de sentidos, sejam eles dados (sensibilidade) ou produzidos (significações), na prática educativa – porquanto nela se evidencie e se admita, deliberadamente, a experimentação de um tempo e de um espaço qualitativamente distintos do ordinário, isto é, [per]formativos. Entrementes, a essa hipótese se acresce outra: que o sentido de performance a ser atribuído e, ao mesmo tempo, extraído da ação educativa está enleado, perpassado e abrangido por três dimensões interdependentes: arte, cultura e comunicação. Essas dimensões, por sua vez, serão subsumidas, no curso desta investigação, por três contextos, de igual modo interdependentes e complementares: contexto de realização, contexto aplicado e contexto analítico. Vale ressaltar que todos eles aduzem, invariavelmente, a um sentido de performance processual, e não necessariamente final.

Não obstante, esta investigação supõe que o estudo da performance e de seus termos colaterais, tais como a presença, o corpo, a atuação, a linguagem, o extracotidiano, para além de apresentar um panorama das potencialidades de uma pedagogia em particular (ancorada, fundamentalmente, na materialidade do mundo, no corpo e na presença) e configurar um campo de especulação filosófica e pedagógica, permite sim a reformulação da ação educativa desde um princípio de ordem estética e expressiva. Ação educativa abrange, aqui, prática pedagógica e processo de ensino e aprendizagem.

Para levarmos ao cabo o intento, faz-se imprescindível apresentar as acepções de performance que circundam o âmbito da pesquisa em educação, como também inventariar as abordagens por intermédio das quais essas acepções adquirem sua especificidade.

Dito de outro modo, o estudo minucioso da relação entre performance e educação implica um esforço de contextualização e conceituação dos termos invocados. Sendo assim, partiremos, em um primeiro momento, da apresentação da problemática – discriminando sua orientação e seu fim –, para, num segundo momento, apresentar as abordagens, dentro de um espectro multidisciplinar, da performance. Como já se mencionou, isso será realizado por intermédio das categorias contextuais, o que implica arrebanhar as contribuições de diversos e múltiplos saberes: antropologia, artes, literatura, filosofia, pedagogia, linguística, etc. Buscar-se-á, por fim, verificar as hipóteses na pergunta pela natureza e a função da performance em vista da prática educativa e do princípio que, supomos, as embasaria: o estético. Nisso consiste a apresentação de uma teoria da performance na educação.

2. Performance – o problema do possível

O que é Performance? A pergunta, embora pertinente, não encerra de fato um objeto preciso ou mesmo um conceito universalizável. Refere apenas uma infinidade de objetos, de acepções e, por conseguinte, de outras tantas questões. Talvez o modo para melhor nos aproximarmos do objeto performance seja não por intermédio da pergunta que busca capturar especificamente o que ela é, mas de que é composta; isso implica indicar, na investigação, os sentidos que ela conforma, assim como os contextos a que ela pertence. Só alhures, então, pode-se apreender conceitualmente esse objeto – a performance –, visto configurar-se antropológico e não histórico; processual e não final; de delimitação problemática, de significação variável, possível.

O sentido do contexto não é, portanto, e sequer poderia sê-lo, extraído de uma especulação de natureza histórica, mas fundamentalmente cultural. A ênfase no aspecto do fundamento da cultura expressa, não obstante, o acento filosófico que identifica essa investigação. A peculiaridade da filosofia – ao menos, um modo pelo qual ela pode ser compreendida – permite redimensionar o alcance dos próprios saberes (antropologia, arte, literatura, teoria literária, linguística, pedagogia) que se acercam e se relacionam com esse objeto em particular, a performance. Contudo, sem eles, a filosofia pouco ou nada avança na discussão. Eis porque o traçado e a natureza dessa investigação apresentam-se como metafilosóficos.

Ademais, contexto significa, aqui, a perspectiva a partir da qual um mesmo objeto, em nosso caso, a performance, pode ser lido, abordado. De acordo com Conquergood (2002, p. 18), em se tratando de performance três contextos – que, embora distintos, são interdependentes – podem ser arrolados: 1. Contexto aplicado: esfera da comunicação, na qual se investiga as articulações entre performance e coletividade; 2. Contexto analítico: esfera da crítica, em que se interpretam a arte e a cultura; 3. Contexto de realização: esfera da arte, que diz respeito ao estudo da criação artística, da arte da performance, propriamente dita.

A fim de esclarecer o plano sobre o qual uma teoria da performance na educação se fundamenta ou se justifica, pode-se dizer desses contextos, de forma sucinta e, portanto, genérica, o seguinte:

1. Na esfera da comunicação, a performance aparece mais como ação performativa ou performatividade, porquanto seja um aspecto de determinado tipo de enunciação, e não propriamente uma linguagem, constituída por signos, códigos, normatizações. O sentido de performance refere, assim, nesse quadro, algo que opera como performance na linguagem, consiste em um aspecto da linguagem, mas não uma linguagem ou mesmo como linguagem. Essa diferenciação vê-se explicitada no decurso desta pesquisa, no exame da noção de atos de fala na filosofia de John Langshaw Austin (1975) e, também, na especulação filosófica e literária sobre a performance da oralidade de Paul Zumthor (1997; 2005; 2007).

2. No âmbito da cultura, abrangido pelo contexto analítico, o sentido da linguagem é sintônico ao sentido atribuído pela arte. Todavia, aqui, a linguagem carece de intencionalidade e o corpo, de sua consciência. Também aqui a performance apresenta-se como ação performativa ou performatividade, mais que propriamente como linguagem. Nas performances culturais, como poderemos observar, encena-se, de maneira não intencional e, por vezes, inconscientemente, um "drama social" – que, entendido como estrutura organizacional, define, de antemão, tempos, espaços e "papéis" de cada indivíduo no espaço da sociabilidade humana e, por conseguinte, no enredo da cultura dominante. Isso explica por que, nesse contexto de performance cooptado, está o exame crítico daquela, uma vez que isso se aplica e se depreende necessariamente da cultura. Aqui, vale destacar as contribuições da antropologia da performance, representada fundamentalmente por Richard Schechner (2000; 2002; 2003), Victor Turner (1982; 1988) e Richard Bauman (1984); e, também, dos Estudos Culturais, em que se circunscrevem as investigações de Charles Garoian (1999; 2008), Bryant Alexander (2005), Judith Butler, Peggy Phelan (1993; 1998), Elyse Pineau (2010), entre outros.

3. É na dimensão da arte ou artística que, com efeito, a performance adquire seu estatuto de linguagem. Deve-se salientar, porém, que a acepção de linguagem a ela relacionada não é a mesma que presta sua significação a uma forma linguística ou presente na linguagem – tomada de maneira genérica, como linguagem humana e ordinária. O sentido de performance exprime-se nesse contexto sob a forma de uma modalidade de expressão específica, particular, como forma intencional, sobreinvestida de re-apresentação – como atuação, e não como encenação –, cristalizada em técnica ou evento, estabelecida, de modo explícito e concreto, na conjuminação de um corpo a um discurso – e vice-versa –, de tal modo que eles se retrodeterminam: corpo-discurso, discurso-corpo, forma-corpo, corpo-forma. A essa penca de motivações conceituais associam-se as artes do corpo: o teatro, a dança, as artes circenses, a body art, a arte da performance, etc. Certamente, tal intento representacional só pode ser levado a cabo na medida em que a linguagem (ordinária, cotidiana, genérica) fornece "material" para tanto. Dentro desse entendimento, a performance prevê um modo de endereçamento peculiar, uma finalidade – ainda que processual – e, de igual modo, uma história. Renato Cohen (2002; 2004), Jorge Glusberg (2003), RoseLee Goldberg (2001; 2004) e Marvin Carlson (2004) são referências fundamentais para discorrermos sobre esses aspectos do problema-performance.

3. Dimensões e contextos de investigação

Seja qual for o contexto de investigação da performance podese dizer que, em todos eles, a performance encontra termo e relação no corpo, na presença física, visto que tanto marca identidades quanto molda o corpo, dá ao corpo outra forma, outro sentido – seja ele um significado, uma sensação ou uma orientação. Isso quer dizer que, na performance, o corpo de narrativo passa a poético, não sendo tomado, portanto, e, apenas, como um aparato físico a partir do qual se constitui um indivíduo, uma singularidade orgânica. O corpo é um espaço de representação e atuação.

Não obstante, no plano que nos interessa dispor e justificar, o da educação, a performance apresenta-se na encruzilhada dos contextos aqui discriminados; manifesta-se, pois, como um contexto no qual confluem os demais contextos da performance: educação é cultura, é arte e, também, comunicação. A demonstração dessa unidade tríplice da performance na prática educativa – em que esta se condensa como performance – conforma o objetivo principal do estudo que ora se apresenta.

Essas informações permitem perceber, ademais, por qual diapasão passa, neste texto, a performance, qual seja: o da linguagem – concebido como o modo pelo qual se materializam sentidos (dados ou produzidos). Este texto não trata, pois, da performance do ponto de vista da gestão, do desempenho, da competência – ainda que esses significados possam lhe ser atribuídos –, mas da linguagem.2 2 A esse respeito, o da performance como desempenho, como medida e fator de qualidade, pode-se conferir o texto de Stephen J. Ball intitulado Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade performativa, publicado na Revista Educação & Realidade, de maio/agosto de 2010, o qual tece considerações sobre as fabricações de desempenho na política e na gestão da educação. A investigação se inicia, por conta disso, pela comunicação.

O termo performance é de corrente utilização na língua portuguesa, embora cooptado, no que diz respeito a determinada série de significação e aplicação, de línguas anglo-saxônicas. Dessa tradição, para essa palavra, atribuímos os sentidos de: desempenho, resultado, atuação, execução, apresentação, competência, modo de comportamento, representação, reapresentação.

Como bem observa Paul Zumthor (2005a, p. 140), célebre linguista e historiador suíço, a palavra performance contém em seu núcleo forma – que, como sabemos, supõe algo acabado, finalizado, retido –, um prefixo e um sufixo que, "combinados, sugerem o exercício de um esforço em vista da consumação [dessa] forma". Ela implica, por certo, uma forma de mediação, periférica e concreta. Diz respeito a uma forma-processo, concebida como reiteração indefinida de seus sentidos, que é permeada por eles; como aglutinação de possíveis, de devires, como "fluência detida do ser" –, tal como nos diria a poetisa Orides Fontela (2006, p. 126). Como processo, a performance não se apresenta em alguma coisa, mas entre as coisas, como ação, interação e relação (SCHECHNER, 2002, p. 24).

Ora, essa caracterização da performance como forma-processo parece validar a hipotética etimologia grega da palavra, visto que o prefixo grego per indica uma forma de passagem, um meio pelo qual ou através do qual algo se dá, apresenta-se. Com efeito, o verbo grego perao traz em seu bojo o sentido do atravessamento (TURNER, 1982, p. 17). Nessa acepção, contudo, a performance não revela sua relação com uma forma particular de apresentação – como também pode ser entendida –, constituindo em si e por si mesma uma linguagem, mas momento em que algo se processa, acontece, dá-se a ver; esse algo é experiência.

Como sugere o antropólogo Victor Turner (1982, p. 13-15), claramente orientado pelas categorias linguísticas do filósofo alemão Wilhelm Dilthey, a performance é um componente formativo da experiência, seu final próprio. Segundo ele, o propósito de uma expressão ou de um sentido a ser expresso poderia ser compreendido em uma ação performática propriamente dita, por um gesto de que dispõe um corpo em uma enunciação, que, ao mesmo tempo concentra, estende e esboroa o significado – o que quer dizer que, nesse "evento de linguagem", o significado se torna em ato sua potência. Conforme Turner, para esse esquema opera de modo consecutivo uma ideia, um ato e uma obra; o que configura, por conseguinte e respectivamente, uma primeira, segunda e terceira classe de expressão. É como se aquilo que estivesse para além do ato de significação, a ideia e o ato que apresenta a ideia – que descobre e estabiliza o sentido da mesma –, buscasse reter e penetrar e multiplicar os efeitos de sua expressão, na obra. O termo obra comunica, assim, o sentido da arte, um possível, ao menos; dito de outro modo, uma representação. A representação como insígnia de arte e da performance não encerra, contudo, uma mera forma de embelezamento das ideias, das intuições, mas uma modalidade de apreensão mais detida, mais concreta, mais profunda e experimentável da própria experiência ou daquilo que ela constitui e de que se constitui, precisamente, porque mais aguda.

Uma sistematização semelhante a essa pode ser encontrada na teoria dos atos de fala de John Langshaw Austin, em que se distinguem atos de fala constatativos de atos de fala performativos. Para Austin (1975, p. 6), uma sentença performativa ou proferimento performativo é um ato de fala que indica a realização de uma ação. Nele, dizer é fazer. Isso explica por que, para Austin, o performativo não trata de um mero dizer que buscaria tão só descrever um fato ou um estado de coisas, de constatá-los – e aqui se depreende o sentido dos atos de fala constatativos –, mas um uso de linguagem em cujos proferimentos se ultrapassaria os limites do próprio meio (a fala, o corpo) e da própria significação (pela fala, pelo corpo).

Isso, todavia, não se aplica a todos os casos, mesmo que esses sejam performativos. É sempre necessário, diz Austin (1975, p. 8), que "as circunstâncias em que as palavras são proferidas sejam de algum modo, apropriadas". A eficácia ou o êxito do ato de enunciação não corresponde, assim e necessariamente, à sua forma, constatativa ou performativa; não é um atributo de um performativo ou de um constatativo, isoladamente. A eficácia se dá pela consideração das condições para a felicidade do ato de enunciação, que não concerne à sua veracidade ou falsidade, mas às "circunstâncias apropriadas". Ambos os atos de fala podem ser eficazes ou felizes, mas só o ato de fala performativo é capaz de realizar, o que não quer dizer que todo performativo de fato realize (AUSTIN, 1975, p. 13-14)3 3 Num outro plano, não aplicado, mas de realização, a noção de "circunstância adequada" aduz e parece exigir o estabelecimento de um intervalo espaço-temporal que permita justamente garantir a especificidade e a eficiência do ato performativo. Com efeito, para que ele realize é necessário que seja tomado como tal, que seja percebido como momento ou função ou evento distinto, apartado do cotidiano, do ordinário, do qualquer, do comum, como vivificação de uma "realidade" outra. A performance inaugura um espaço qualitativamente distinto de experimentação, posto que assenta no estético. Do ponto de vista de um contexto de realização Renato Cohen (2002, p. 28) assinala que a " performance é antes de tudo uma expressão cênica". É preciso, com efeito, que algo esteja acontecendo num determinado instante e num determinado lugar. .

De acordo com Austin (1975), um ato eficaz de fala performativo aparentemente realiza, é ação; sendo assim, incide necessariamente sobre o real. De outro lado, a eficácia ou felicidade de um ato de fala constatativo se expressaria por meio de seu entendimento pleno e objetivo, na captação do informe, do relato.

Certamente, o sentido do êxito da comunicação na performance e pela performance – e, por conseguinte, na comunicação docente propriamente dita – é análogo aos sentidos de felicidade dos atos de fala de Austin – para o qual um proferimento performativo tem apenas a capacidade de se apresentar como ação, ao passo que um constatativo constata, observa, informa. Do que se pode inferir que, por sua natureza dinâmica, um ato de fala mediado ou reapresentado sob a forma da performance – e aqui nos distanciamos da letra de Austin – apresenta-se como fonte de derivação, ou seja, que dele se depreendem ou podem ser depreendidas outras tantas ações4 4 Um ato de fala performado – quer seja performativo ou constatativo – seria assim e, portanto, dentro desse esquema maior de análise, germinal: ato que começa, não finaliza, não encerra; faz falar, não cala, não engessa, não fixa; é ato de significação nômade. .

Seja como for, em Austin, e de igual modo em Turner, apresenta-se um problema relativo à inadequação das formas propriamente humanas de agir e de pensar, ambos do ponto de vista da linguagem – ou do hiato que se instala entre o vivido e o pensado e o experimentado. A dimensão técnica da performance – quanto tomada como forma codificada de expressão ou linguagem, como arte, constitui uma forma de experiência complexa, que engendra ao mesmo tempo vivência e pensamento. A experiência, nesse sentido, é o que dessa conjunção entre vivência e pensamento resulta, seja como manifestação da totalidade da relação com a realidade, tal como a consideraria Dilthey (1992), seja como forma de estar no mundo que condensa uma espécie de duração que, embora determinada, não se reduz aos condicionamentos históricos a que se submetem indistintamente os indivíduos. A performance expande pela experiência o ser (o que é, está sendo, o que acontece, o que se sedimenta pelo que acontece)5 5 Essa última notação conceitual da experiência está apoiada, por certo, na distinção de Walter Benjamin (1989) entre a Erfahrung (experiência) e a Erlebnis (a vivência). .

Como poderemos observar, a performance irradia reflexividade, sua dimensão crítica pergunta pela consistência da própria experiência, das vivências particulares que nela são redimensionadas e generalizáveis. É um território de imantação dos sentidos, dados e produzidos. Decididamente, é nesse encadeamento de vivência e pensamento que se vê estabelecido um domínio no qual a experiência se plasma em forma. Esse domínio é o estético. Este problema, contudo, requer mais explicações – que serão devidamente apresentadas nas seções que seguem deste trabalho. Por enquanto, voltemos à discussão do sentido da palavra performance e seus congêneres.

Performance figura na tradição linguística ocidental como forma de expressão e mesmo prática de perambulação. A designação da performance como prática de perambulação lhe é conferida por força do sentido da ação que envolve e se sobrepõe a um ato de significação, é uma significação dada ou fornecida pelo entorno, pelo periférico. A performance, embora re-signifique, não duplica um sentido, um significado, não o dispersa, mas, antes, como já se mencionou, concentra-o; identifica-se, por isso, como o envoltório discursivo que permite tornar mais nítido o núcleo de sentido da expressão.

A performance abre janelas interpretativas, recobrindo de possível o significado, ao aventar suas múltiplas significações. Nela, o difuso se condensa. Por se abrigar na experiência, está voltada para a materialização do que expressa, uma vez que o ponto de partida de um sentido produzido, um significado, é um sentido dado, uma sensação propriamente dita (SANTOS, 2003). Do que se pode depreender que a performance reintegra ao significado (produzido) o seu sentido originário (dado) – que foi, em seu tempo, posto à margem, periferizado –, isto é, o "conjunto de percepções sensoriais" do humano (ZUMTHOR, 2007, p. 52). Em suma, a performance comunica.

Performance, então, pode ser tomada como uma forma de reapresentação das ideias, de uma ideia, das intuições, de sentimentos, de afetos, de percepções, de um ser (qualquer) que partem ou se abrigam em um corpo, que configuram, por sua vez, significados e conceitos e noções, ao perambular em torno dos mesmos, não exaurindo, não esgotando, ademais, seu potencial de significação. A performance é um dínamo que despoja o significado de uma aplicação final e sobremaneira abstrata, sendo assim, ela não prejulga de funções. Ela exige, em contrapartida, o amparo do corpo, ou melhor, a evocação do corpo no manejo dos significados expressos por ela, seja em sua execução seja em sua recepção – o que postula, invariavelmente, uma coletividade.

Com a finalidade de especificar a postulação da coletividade, apresentamos três acepções por intermédio das quais esta se manifesta na performance. Uma delas, representada por Paul Zumthor, vê na comunicação o núcleo de ação da performance, seu começo e seu fim, como antes, de maneira muito sutil, fora aludido; uma segunda acepção se apoia na especulação filosófica da relação entre estética e política de Jacques Ranciére; ao passo que uma última, belamente desenvolvida por Jorge Glusberg, vê na relação entre comunicação e participação um momento concreto da experiência de performance. Vejamos detidamente cada uma dessas acepções.

No entendimento de Paul Zumthor, o ato de comunicar, abrangido pela ideia de performance, "não consiste somente em fazer passar uma informação; [comunicar] é tentar mudar aquele a quem se dirige; receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma transformação". Ora, ele enfatiza, "quando se toca no essencial [...] nenhuma mudança pode deixar de ser concernente ao conjunto da sensorialidade do homem" (ZUMTHOR, 2007, p. 52).

Para Zumthor (2007, p. 50), a performance, como sendo um momento da recepção, o "momento em que um enunciado é realmente recebido", conforma um ato de comunicação – prática dinâmica de trocas simbólicas, imaginárias e reais.

[...] Performance designa um ato de comunicação como tal; refere-se a um momento tomado como presente. A palavra significa a presença concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata. Nesse sentido, não é falso dizer que a performance existe fora da duração. Ela atualiza virtualidades mais ou menos numerosas, sentidas com maior ou menor clareza. Ela as faz "passar ao ato", fora de toda consideração pelo tempo. Por isso mesmo, a performance é a única que realiza aquilo que os autores alemães, a propósito da recepção, chamam de "concretização" (ZUMTHOR, 2007, p. 50).

A meticulosa análise de Zumthor (2007), embora relativa à performance do texto literário – que adquire justamente vida na leitura e pela recepção, visto que o texto escrito apresenta-se como um suporte estável e estabilizador de sentido, constituindo, ainda, e exatamente por conta disso, um distanciamento da vivência com relação a ela mesma – serve, amiúde, à nossa investigação, uma vez que fornece pistas para o contorno do objeto, a performance, e da dimensão na qual esse objeto encontra-se enredado, a estética. É da experiência estética que se trata, com efeito, a concretização ou materialidade da comunicação a que se refere Zumthor em seu texto – indicando, de modo pontual, sua familiaridade com a teoria da recepção alemã.6 6 Para essa teoria, em que se filiam Niklas Luhmann, Friedrich Kittler, Ludwig Pfeifer, Hans Ulrich Gumbrecht, concretização ou materialização designa "todos os fenômenos ou condições que contribuem para a produção, emergência e circulação de significados, sem serem eles mesmos sentidos" (GUMBRECHT, 2004, p. 8). É necessário, entretanto, salientar que a materialidade da comunicação não se confunde necessariamente com a experiência estética – essa está atrelada ao processo de materialização, não é sua condição, mas o meio pelo qual algo se apresenta concretamente, se torna presente e se faz percebido. Todavia, tal presença não incorre numa temporalidade, como algo que está sendo em relação ao que já foi ou ao que será, e sim como espacialidade, que ocupa, portanto, um espaço. A experiência estética dentro desse esquema conceitual resulta, assim, da oscilação de efeitos de presença e de significado. É na experiência estética, por fim, que a performance adquire sua visibilidade.

A outra acepção de coletividade, intuída por Jacques Rancière, diz respeito à partilha do sentido (ou do sensível), tomada como o "sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas". Ou seja, para Rancière, uma "partilha do sensível fixa, portanto [e] ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas" (RANCIÉRE, 2005, p. 15). O significado de participação é aqui basculante, oscila entre o fazer parte (conjuminar, comungar, ser abrangido pelo comum) e o tomar parte (separar, retirar, colher, ser destacado, apartado do comum, tornando para si um próprio). Tal como se apresenta, o compartilhamento dos sentidos tem, para Rancière, um pano de fundo absolutamente político, porquanto nessa partilha se retenha da política seu regime propriamente estético.

A especulação de Rancière orienta-se, como se pode observar ao longo de sua exposição, por um imperativo crítico-cultural. Isso explica por que, para ele, o âmbito das artes se configura como o espaço concreto, material, no qual a política pode efetivamente se tornar democrática, uma vez que, no registro artístico, se estabelece um "regime de indeterminação das identidades, de deslegitimação das posições de palavra [e] de desregulação das partilhas do espaço e do tempo"; pois, a arte, como sendo prática poética, nega "toda relação de necessidade entre uma forma e um conteúdo determinados" (RANCIÈRE, 2005, p. 18-19). Essa ordenação política do sensível, e vice-versa, está, por certo, na contramão do sentido comumente atribuído à política, ou seja, platônico, hierárquico e representacional; em Platão, a política é tomada como forma ideal de organização e participação no comum do igual; não do qualquer, não do diferente, do múltiplo ou do diverso, mas de um "pressuposto" igual7 7 A notação conceitual de Rancière (2005) parece, ademais, embasada na observação de Hannah Arendt sobre as potencialidades da estética para a política. Hannah Arendt (2002) recupera o legado de Imannuel Kant para avalizar a proposição de que um juízo estético vale tanto ou mais que um juízo analítico, pois ambos são de natureza reflexiva. Rancière, por sua vez, quer, como Hannah Arendt, recobrar um espaço de criação e deliberação coletiva que seja, ao mesmo tempo, ético, democraticamente direto e genuinamente participativo. Para ele, é no domínio estético – dimensão a partir da qual se plasmam e eclodem os significados de arte, de cultura, de corpo, de linguagem, de educação, entre outros – que deve a política convergir, uma vez que o estético se configura como um espaço de absorção, de criação e enunciação de sentidos dados e produzidos, enfim, de compartilhamento de um comum. Sobre o problema da relação entre estética e política no pensamento de Hannah Arendt ver Schio (2008). .

A um nível de especificação, pode-se afirmar, ainda, que a coletividade postulada pela performance e entrevista nas teorizações de Zumthor e Rancière condensa, para além desses sentidos, dados e produzidos, disposições8 8 Sentidos, significados e disposições exprimem, pois, faculdades: sentir, julgar, querer. Na performance, essas faculdades se interpenetram de tal modo a se apropriarem umas das qualidades das outras, quais sejam as qualidades: mobilidade do sensível, objetividade do juízo, latitude do querer. Como se pode observar, a dimensão estética está no centro dessas considerações. . Disposição refere aqui um ânimo, um modo de estar e se conduzir perante e para o outro, de se dispor, de se apresentar ao outro; de dar-se a ver. Nessa afirmação, subentende-se um sentido mais aplicado e menos filosófico de coletividade, qual seja: o artístico-cultural.

É nesse registro, artístico-cultural, que se nos apresenta uma terceira acepção sobre a coletividade na performance. De acordo com Jorge Glusberg (2003), a performance – tomada desde sua consolidação como expressão artística específica, remontando, como veremos, ao início dos anos 70 do século passado – constitui um suporte semântico ativado pelo corpo. Vale enfatizar, contudo, que esse corpo em performance não é um qualquer, cotidiano, naturalizado e mistificado pela ordem cultural, mas um corpo-signo, uma "matéria significante", uma "máquina simbólica"; o corpo em performance é, ao mesmo tempo, receptor, catalisador e emissor de sentidos, dados e produzidos, sensíveis e inteligíveis9 9 A análise de Glusberg se concentra no problema da relação entre corpo e cultura na performance. Para Glusberg (2003), atento às investigações antropológicas da performance, o corpo ressignificado na performance atua como aparelho especular, crítico-reflexivo do corpo disponibilizado pela cultura, unidimensional e "natural". Na performance, o corpo torna-se cônscio de si e de suas potencialidades, de sua polimorfosidade. .

Oscilando entre o discurso antropológico, linguístico e artístico, Glusberg (2003) adentra, de maneira muito própria, precisa e poética, nos meandros da arte da performance. Para ele, a performance apresenta-se como uma forma hibrida e autorreflexiva de comunicação, especular, altamente crítica, desalienante, composta e indissociável da cultura, cristalizada e mediada pelo corpo. A comunicação na performance é, com efeito, participativa, pois participação implica comunicação. Todavia, como bem observa Glusberg (2003, p. 84), o contrário pode não ser necessariamente verdadeiro. É justamente o rigor com que trata o objeto performance que habilita Glusberg a diferenciar o sentido da comunicação da participação – noções essas que não se diferenciam explicitamente nem na análise de Zumthor nem na de Rancière. Em seu entendimento, "comunicação e participação se relacionam como um momento concreto da experiência de performance" (GLUSBERG, 2003, p. 85).

Entrementes, por sua abrangência, a análise de Glusberg nos empurra, de maneira mais pontual, para outros dois contextos de investigação da performance, o contexto analítico (da discussão sobre as práticas culturais performativas) e o contexto de realização (da linguagem e da arte da performance, em sentido estrito).

Uma das investigações mais profícuas em torno do objeto performance apresenta-se justamente a partir do exame da esfera cultural – quer do ponto de vista das relações e representações sociais (ritos, esportes, celebrações, relações de gênero e pertencimento), quer de seus produtos (arte e seus congêneres). Essa questão, com efeito, pode ser tomada, por contiguidade, como a tônica da investigação da antropologia, dos estudos da performance e mesmo da arte.10 10 Na perspectiva dos estudos da performance – cujo expoente é o encenador norte-americano Richard Schechner –, o sentido de performance abrange a atividade humana enquanto tal; trabalha com a expressão humana integrada e sintetizada artisticamente. Isso explica por que, para Schechner, a mesma não pode ser demarcada apenas por uma forma "artística"; a performance seria, por assim dizer, resistente à divisão arbitrária tanto das artes quanto das ciências (SCHECHNER, 2002, p. 13). Em conformidade com isso, optamos por não separar a arte da performance do espectro da cultura como um todo. A separação estabelecida em contextos busca apenas definir os traços relativos de cada contexto face ao fenômeno da performance.

A despeito da especificidade dessas abordagens, todas elas compreendem a performance como uma ação tanto cotidiana quanto extracotidiana, não ordinária; ora como uma sorte de cerimonial, rito, evento ou acontecimento, que atualiza (presentifica e reposiciona) as relações estabelecidas entre os indivíduos (face a si mesmos e aos outros) no mundo da cultura, ora como comportamento humano mesmo – o que diz respeito à organização desse comportamento dentro de determinada realidade cultural (leia-se, histórica), à conduta e à mútua interação entre os indivíduos. Como sendo dispositivo de atualização, a performance permite interrogar (interferindo e resistindo) sobre o sentido natural e naturalizante (que toma o contingente como necessário) das representações sociais culturalmente constituídas (espraiandose da estética à política), representações nas quais se encarnam, se encenam e se reproduzem tipos psicológicos comuns ou cotidianos (previsíveis, controláveis e reprodutores).11 11 A análise de Erving Goffman (1975) sobre a representação do eu na vida cotidiana busca reter o sentido performativo do comportamento humano.

Dito de outro modo, a performance atua contra o "re-encenamento do já dado, do pré-existente, do já determinado" (MCLAREN, 2005, p. XVI). Como sendo prática cultural crítico-reflexiva, de resistência, a performance se contrapõe ao permanente, ao necessário; coloca, portanto, em xeque, "a imutabilidade dos discursos social e historicamente construídos" (GAROIAN, 1999, p. 11). Do ponto de vista da linguagem (de sua arte), a performance se apresenta como sendo multicêntrica, fractal, exigindo, por isso, intencionalidade na ação. Todavia, o sentido da performance compreende de igual modo o não-intencional; ela abrange estados emocionais e suas representações; ela reintegra ao narrativo sensações, ideias e valores. Disso resulta um campo que não pode ser tomado como homogêneo, mas interdisciplinar e intercultural.

A performance traz consigo um potencial crítico. Ela nunca é neutra e sequer aspira a isso. De acordo com Schechner (2000), performance é ação. Nesse sentido, pode ser estudada por intermédio de distintas acepções: como comportamento; como prática artística; como método de abordagem da cultura, via antropologia; como relação com a política.

A performance demanda um arranjo de tempo e espaço, situação e local. A performance redimensiona essas noções ao remetê-las a outro registro de ordem estética. A esse respeito Richard Schechner (2003) introduz a noção de performatividade. Ele mostra como ocorrem atos performativos em situações e lugares que não estão marcados necessariamente com a insígnia da arte, trata-se de certos modos de ser, se conduzir, certos modos de falar e escrever. Sendo assim, ao tomarmos o performativo como uma categoria analítica, fica bastante difícil distinguir entre o real e o aparente, o verdadeiro e o ilusório, pois, para Schechner (2003, p. 19), não há fronteiras que possam demarcam precisamente essas diferenças, visto que a performance – porquanto seja compreendida como uma espécie de comportamento restaurado – implica a recuperação de um comportamento organizado qualquer, de uma experiência viva, cotidiana, ordinária – parte, assim, do não intencional à intencionalidade. A noção de comportamento restaurado designa, entrementes, um comportamento simbólico e reflexivo, o qual irradia uma pluralidade de significações (SCHECHNER, 1995, p. 206); não trata de uma forma artística de encenação, mas, antes, um modo de atuação, um modo de ser, de se conduzir perante o outro.

Tal noção de comportamento restaurado conforma, ainda, o sentido atribuído por Victor Turner (1975) ao conceito de papel social, isto é, uma encenação (a rigor, não artística), uma representação que demarca – porque aceita e exigida por uma coletividade simbolicamente constituída – uma posição social. Tal papel vê-se então desempenhado no enredo de uma cultura, num drama social, tomado como estrutura organizacional. Disso se pode deduzir que tal noção de performance, tomada como representação de um eu, de uma "identidade" cotidiana, abrange algo que excede os limites de uma mera representação artística, de uma habilidade ou mesmo de um recurso. Para Turner, a performance opera como uma forma de explanação, de explicação da vida, por si e em si mesma (TURNER, 1982, p. 13). É a participação do indivíduo na cena do cotidiano que abre, de fato, caminho para a encenação no palco – como forma de reduplicação de dada realidade, como forma de compreensão crítica e especular dela. A noção de Turner de drama social permite, ademais, situar a performance como margem, fronteira, como um espaço de negociação. É exatamente essa ideia que, segundo o antropólogo, possibilitou a subsequente transformação da performance em atividade artística. Na esteira desse pensamento, Renato Cohen pontua que a origem da performance pode ser atribuída ao próprio ato do homem de se fazer representar (COHEN, 2002, p. 40-41). Há, segundo ele, um elo existente entre a performance e os ritos sociais – tal como se encarregam de relacionar e investigar os estudos da performance, em que se notabilizam as contribuições de seus pioneiros, Victor Turner e Richard Schechner.

No que concerne à arte da performance, oriunda historicamente de uma série de movimentos de vanguarda europeus e norte-americanos, entre eles o Futurismo, o Dadá, a Bauhaus e o Surrealismo, no início do século XX, passando, nos anos de 1950, pelo Expressionismo Abstrato e, mais tardiamente, pela Body Art e pelo Happening, pode-se dizer que ela culmina, nos anos de 1970, como uma forma de expressão particular, ao mesmo tempo aglutinadora – porquanto absorva as linguagens precedentes – e de quebra – ao romper com convenções, formas e estéticas até então estabelecidas (COHEN, 2002, p. 27). A performance constitui-se, por isso, como uma quimera, um monstro híbrido e transgressivo; como uma "arte de fronteira" que bascula entre a crítica e a denúncia social (COHEN, 2002, p. 27). Da mesma forma, pode-se afirmar, dentro do contexto de realização, que a performance cristaliza uma expressão de arte fundamentalmente cênica e dramática, todavia, não-linear.

Destarte, essa caracterização, podemos deslindar dos procedimentos da arte da performance (tais como a collage, a repetição, o uso arquitetônico do texto, o hibridismo de linguagens e a utilização de multimeios), as ideias de cesura – manifesta no procedimento da collage, na justaposição de elementos os mais variados, no hibridismo das linguagens, os quais tendem a ser gerativos, porquanto aquiesçam à regra da associação livre –, de mise en scéne, entendida como jogo cênico dialético, cujo encadeamento de ações dá-se em função de um leitmotiv, e não da obediência a uma ordenação dramática aos moldes aristotélicos (com começo, meio e fim), e, por fim, de indeterminação – presente na relação pendular entre a realidade e a representação por força da desconstrução e ressemantização do espaço, dos objetos e do tempo no decurso da ação performativa. Há, na arte da performance, como que um fundo falso do real e da representação, simultaneamente. O desconcerto, o estranhamento resultante do evento performance, opera como um insight que altera e, por conseguinte, redimensiona a própria percepção. A repetição, por exemplo, pode causar certa sensação de hipnose que conduz o partícipe a outro nível de consciência – o mesmo pode ser dito da utilização de multimeios em vista da obtenção do mesmo efeito (COHEN, 2002; 2004).

Vale salientar, contudo, que a performance não se apresenta, em vista desses procedimentos, como uma forma de expressão artística que busca ativar, de maneira sovada a sensibilidade, o sentimentalismo, muito antes pelo contrário. A arte da performance constitui um movimento de ruptura, inclusive em relação ao próprio discurso dominante, estabelecido, socialmente legitimado, de arte – que busca atribuir um sentido de arte edulcorada, ora redentora, ora hedonística; a arte da performance busca, por sua vez, ao revés dessas significações de arte, escapar dos limites disciplinantes e disciplinadores de uma dada cultura. Dito de outro modo, a não submissão aos códigos da arte acadêmica aduz a um ímpeto de crítica dentro da própria arte, como forma de negar o caráter institucionalizado e, portanto, reprodutor da arte na cultura (GOLDBERG, 2001). A arte da performance não descarta com leviandade, como poderia parecer, a história da arte; pretende tão só recuperar o ímpeto gerativo da expressão artística, de tal modo a dela extrair um sentido de revelação – crítica, porém – que outrora identificava a arte como uma forma inaugural de sentidos, dados (pela sensibilidade) e produzidos (como significados), como uma prática coletiva de atualização dos acordos, das significações e dos sentimentos sociais. Como pudemos observar, alguns procedimentos dessa arte de vanguarda ensejam plasmar – a fim de tornar visível – o espírito de uma sociedade fragmentada, indiferente – senão intolerante – à diferença, ao estranho, à indeterminação, ao novo de fato. Essa mobilidade de significado é, por certo, aterradora face a uma organização social que busca, de maneira incansável, reiterar pelos mais variegados dispositivos (arte, ciência, cultura, religião, leis) o discurso da dominação.

Tal argumento permite, por sua vez, transladar os sentidos da performance antes elencados para a proposição e afirmação de uma prática educativa e/ou pedagógica performática ou performativa. Em um tempo que prescinde de convicções – essas compreendidas como a quintessência de uma juventude ingênua e ainda não assimilada ao sistema –, a ousadia da proposição de outra notação conceitual e ideológica – embora contraideológica – de uma prática educativa livre das amarras tanto de um modelo de formação mofado, enciclopédica, isto é, anacrônico e pequeno-burguês, de significação prescritiva e retentiva, refém das pressões do mercado, quanto da semiformação.

4. Transmigrações dos sentidos da performance na prática educativa

A pesquisa em torno do caráter performativo da ação pedagógica e, por conseguinte, da relação entre performance e educação é, ainda, incipiente no Brasil. Até o momento, contamos com apenas uma coletânea sobre o assunto, publicada sob a forma de sessão temática, em meados do ano de 2010, pela Revista Educação & Realidade, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com efeito, dos oito artigos publicados apenas três são de autores nacionais (ICLE, 2010; MACHADO, 2010; PEREIRA, 2010). Isso não quer dizer, obviamente, que nada tenha sido produzido sobre a relação da performance com a educação; tais materiais são, contudo, esparsos, porquanto tenham sido fruto de pesquisa de pós-graduação (dissertações e teses não publicadas) ou publicados em veículos os mais diversos, pertencentes a outras áreas de conhecimento que não precisamente a educação, tais como as artes visuais, o teatro e a antropologia – entre esses vale destacar as valiosas contribuições de Naira Ciotti (1999), Rosa (2008), Hartmann e Fischmann (2007), Rossini (2005) e Santos (2009).

Uma vez apresentadas as afinidades entre as pesquisas sobre o conceito e a prática da performance, desde o ponto de vista da linguagem, da cultura e da arte, fica mais fácil dispor sobre as significações da performance à educação, quais sejam: histórica, teorética, experimental e pedagógica (GAROIAN, 1999, p. IX).12 12 Conforme Icle (2010), as afinidades entre a performance e a educação emergem a partir do encaixe de três eixos, a saber, as Artes, a Antropologia e a Filosofia da Linguagem. Não obstante tal emergência implicar o caráter multidisciplinar da performance, o mesmo autor sugere que uma das principais relações com a Educação se dá justamente na possibilidade que a performance nos apresenta e, por conseguinte, oferece de borrar as fronteiras disciplinares, de alargar os conceitos no que eles têm de ligação com áreas de saber definidas. Para ele, nada é definitivo na performance, tudo é transgressão. Tal intento enseja, por certo, o redimensionamento crítico do processo pedagógico e formativo, visto que a atenção ao caráter performativo da ação educativa pode concorrer para a consolidação de uma prática pedagógica genuinamente crítica e de resistência, prática que se move na contramão do pensamento assegurado e reprodutor – e aqui se torna nítida uma primeira significação da performance para a educação, a histórica.

A performance recobra o campo do preexistente, aquilo que permite interrogar a história, a cultura, a organização social, tornando-as passíveis de serem reconsideradas e atualizadas – há certamente, aqui, de forma criptografada, um gérmen político semeado, isso porque tal reconsideração pode permitir a inauguração de uma nova ordem sócio-histórico-cultural mais elástica, mais abrangente, mais tolerante às diferenças, às singularidades. Como forma de comunicação multicêntrica, periférica, a performance apresenta-se como um dispositivo que dá visibilidade a essas marcas da história e da cultura que são impressas sobre um corpo. Do ponto de vista histórico, a performance assume uma função testemunhal.

Dito de outro modo, a performance problematiza o dado, ela pergunta pelas condições de formação do dado, do pensamento que constitui e o constitui, pergunta pelo caráter histórico (historicizante) e ideológico das identidades, dos tempos e dos lugares. A performance, como se observou, atualiza espaço e tempo, retendo desses suas múltiplas significações – que as apresenta todas simultaneamente; significações essas condensadas num corpo, sentidas e percebidas por aquilo que nos dá, como nos lembra Paul Zumthor (2007, p. 75), a medida do mundo.

O corpo é, com efeito, o "fiel da balança", aquilo que vivemos, possuímos e somos, a realidade mesma, vivida (ZUMTHOR, 2007, p. 75-78); não apenas um conjunto de órgãos e tecidos, mas o suporte de nossa subjetividade; sendo assim, encontra-se, desde longa data, exposto às pressões do social, do institucional e do jurídico (ZUMTHOR, 2007, p. 23). Essa concepção de corpo afina-se, não obstante, à concepção de Jorge Glusberg, para o qual o corpo é "uma matéria moldada pelo mundo externo, pelos padrões sociais e culturais, e não a fonte, a origem de seus comportamentos" (GLUSBERG, 2003, p. 58). Ela converte o corpo em signo (GLUSBERG, 2003, p. 76).

A performance apresenta-se, pois, em vista desses argumentos como sendo também teorética. Ela demonstra pelo corpo como o corpo performa, sedimenta dinamicamente as mais diversas facetas do produzido, dos comportamentos fabricados, construídos social e historicamente; modos de proceder, de agir, de pensar, de atuar, de educar que são, num tempo e lugar determinados, aprendidos e reproduzidos (GAROIAN, 1999, p. 8); ela questiona sobre a "natureza" do corpo.

Sob o ponto de vista experimental, a performance implica um trabalho colaborativo, baseado na retroalimentação entre a produção e a recepção. Na arte da performance, o "espectador" é parte ativa na recepção – essa se apresenta como produtiva. Há uma força descentralizadora nessa forma em particular. O recuo frente à interpretação, à sanha cognitiva de tudo captar, entender – que caracteriza, como sabemos, os esforços educativos e com esses todas "boas intenções" pedagógicas – é, ao mesmo tempo, a marca de uma forma-processo, uma obra em contínua progressão, inacabada (work in progress) e uma recusa de captação total do que se dá a ver.

Na performance, o que se dá a ver incha o olhar, é mais do que pode ser visto, ela aponta para o que está para além das margens que demarcam um espaço de representação. Como sendo forma representacional, ela aduz de maneira insidiosa à impossibilidade de determinação entre o espaço real e o espaço ficcional. Com isso, a performance torna visível o caráter ficcional da realidade – ela torna o real um campo de problematização das convenções morais, éticas, estéticas, pedagógicas, artísticas. Identifica-se como uma forma prática de crítica cultural (GAROIAN, 2008).

A performance abre o espaço para a indeterminação, para o indizível, preza pelo imaginado em detrimento do entendido, ela justapõe o incongruente, busca, com isso, promover novas significações, novos esquemas, novas configurações de ser, novas formas de expressão e contraexpressão. Nela, embute-se um anacoluto no corpo – fendas, brechas interpretativas, formas de compreender o mundo, o outro, que não se esgotam pelo rigor do discurso lógico, racional, mas que antes convoca o corpo, as vísceras, a memória para uma real aproximação com esses. A performance trabalha com todos os canais da percepção (GLUSBERG, 2003, p. 71); ela é especular, reflexiva. Essas intuições estão por certo enleadas na significação pedagógica da performance. De acordo com Garoian (1999, p. 9), podem-se observar, dentro desse registro de performance, três processos, quais sejam: o da objetificação – que implica ver, expor, problematizar a história que é tornada carne, incorporada; o da subjetificação – o qual remonta à capacidade de ver a si mesmo de forma crítica, ou seja, desde a memória pessoal e a história cultural; e, por fim, a posicionalidade – tomada como o colocar-se, o posicionar-se mediante a cultura, e não pelo discurso dominante histórico-cultural.

Tomada desse modo, a performance possibilita ressaltar a qualidade lúdica, de jogo e de negociação da própria educação. Como ato performativo, lembra-nos Pineau, o "jogo permite uma compreensão cinética e sinestésica das experiências vividas reais e imaginadas". Segundo a autora, como método pedagógico a performance "privilegia o envolvimento pleno do corpo combinado a uma espécie de autorreflexão precisa da natureza e das implicações da ação de cada um" (PINEAU, 2010, p. 100). Embasada pela teorização de Dwight Conquergood, célebre antropólogo da performance, Pineau (2010) recupera a imagem do trickster para configurar uma noção de pedagogo performativo. Tal imagem se assenta sobre um indivíduo que joga com seus espectadores, que os põe continuamente à prova, que os desaloja de suas habituais representações. O trickster opera como um prestidigitador, está imbuído de um espírito de desconcerto, de desmantelamento da ordem cristalizada pelo hábito.13 13 No folclore brasileiro, contamos com o personagem Saci Pererê. Tal figura pode servir como exemplo de um trickster – termo que não tem correspondente em língua portuguesa. Dito de outro modo, o trickster joga, para tomarmos emprestadas as palavras de Pineau, com a "destruição dos padrões entranhados, desestabilizando relações de poder e abrindo um espaço para uma genuína pedagogia revolucionária" (PINEAU, 2010, p. 101).

Essa notação se distingue, com efeito, de tantas outras concepções de pedagogia performativa que não levam em conta a natureza transgressiva, crítica, lúdica, reflexiva da performance. Tais interpretações nos parecem equivocadas, porquanto busquem reter da performance tão somente seus recursos plásticos, espetaculares, em detrimento da crítica e do redimensionamento da percepção em vista da crítica, em vista da captação das nuanças que nos diferenciam uns dos outros. Uma prática educativa que enseja transformar responde não ao mero ajustamento dos indivíduos a dada forma de sociabilidade, mas ao imperativo de ativar sujeitos capazes de encetar novas formas de posicionamento, de compreensão do todo, do coletivo, sujeitos ciosos pela recuperação genuína do laço social, ciosos pela atualização constante dos acordos, das formas de ser e agir em meio à coletividade. Uma pedagogia performativa caracteriza-se, antes de mais nada, como um gesto, qual seja: reintegrar o singular, o diferente, o próprio no espaço do comum.

Notas

Contato:

Avenida Mariland, 1499/302 Bairro Mont Serrat

CEP 90440 191 Porto Alegre, RS Brasil

Recebido: 13/04/2010

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  • 1
    Pesquisa financiada pelo CNPq.
  • 2
    A esse respeito, o da performance como desempenho, como medida e fator de qualidade, pode-se conferir o texto de Stephen J. Ball intitulado
    Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade performativa, publicado na
    Revista Educação & Realidade, de maio/agosto de 2010, o qual tece considerações sobre as fabricações de desempenho na política e na gestão da educação.
  • 3
    Num outro plano, não
    aplicado, mas de
    realização, a noção de
    "circunstância adequada" aduz e parece exigir o estabelecimento de um intervalo espaço-temporal que permita justamente garantir a especificidade e a eficiência do ato performativo. Com efeito, para que ele
    realize é necessário que seja tomado como tal, que seja percebido como momento ou função ou evento distinto, apartado do cotidiano, do ordinário, do qualquer, do comum, como vivificação de uma "realidade" outra. A performance inaugura um espaço qualitativamente distinto de experimentação, posto que assenta no estético. Do ponto de vista de um
    contexto de realização Renato Cohen (2002, p. 28) assinala que a "
    performance é antes de tudo uma
    expressão cênica". É preciso, com efeito, que algo esteja acontecendo num determinado instante e num determinado lugar.
  • 4
    Um ato de fala
    performado – quer seja performativo ou constatativo – seria assim e, portanto, dentro desse esquema maior de análise, germinal: ato que começa, não finaliza, não encerra; faz falar, não cala, não engessa, não fixa; é ato de significação nômade.
  • 5
    Essa última notação conceitual da experiência está apoiada, por certo, na distinção de Walter Benjamin (1989) entre a
    Erfahrung (experiência) e a
    Erlebnis (a vivência).
  • 6
    Para essa teoria, em que se filiam Niklas Luhmann, Friedrich Kittler, Ludwig Pfeifer, Hans Ulrich Gumbrecht,
    concretização ou
    materialização designa "todos os fenômenos ou condições que contribuem para a produção, emergência e circulação de significados, sem serem eles mesmos sentidos" (GUMBRECHT, 2004, p. 8). É necessário, entretanto, salientar que a materialidade da comunicação não se confunde necessariamente com a experiência estética – essa está atrelada ao processo de materialização, não é sua condição, mas o meio pelo qual algo se apresenta concretamente, se torna presente e se faz percebido. Todavia, tal
    presença não incorre numa temporalidade, como algo que está sendo em relação ao que já foi ou ao que será, e sim como espacialidade, que ocupa, portanto, um espaço. A experiência estética dentro desse esquema conceitual resulta, assim, da oscilação de efeitos de presença e de significado.
  • 7
    A notação conceitual de Rancière (2005) parece, ademais, embasada na observação de Hannah Arendt sobre as potencialidades da estética para a política. Hannah Arendt (2002) recupera o legado de Imannuel Kant para avalizar a proposição de que um juízo estético vale tanto ou mais que um juízo analítico, pois ambos são de natureza reflexiva. Rancière, por sua vez, quer, como Hannah Arendt, recobrar um espaço de criação e deliberação coletiva que seja, ao mesmo tempo, ético, democraticamente direto e genuinamente participativo. Para ele, é no domínio estético – dimensão a partir da qual se plasmam e eclodem os significados de arte, de cultura, de corpo, de linguagem, de educação, entre outros – que deve a política convergir, uma vez que o estético se configura como um espaço de absorção, de criação e enunciação de sentidos dados e produzidos, enfim, de
    compartilhamento de um
    comum. Sobre o problema da relação entre estética e política no pensamento de Hannah Arendt ver Schio (2008).
  • 8
    Sentidos, significados e disposições exprimem, pois, faculdades: sentir, julgar, querer. Na performance, essas faculdades se interpenetram de tal modo a se apropriarem umas das qualidades das outras, quais sejam as qualidades: mobilidade do sensível, objetividade do juízo, latitude do querer. Como se pode observar, a dimensão estética está no centro dessas considerações.
  • 9
    A análise de Glusberg se concentra no problema da relação entre corpo e cultura na performance. Para Glusberg (2003), atento às investigações antropológicas da performance, o corpo ressignificado na performance atua como aparelho especular, crítico-reflexivo do corpo disponibilizado pela cultura, unidimensional e "natural". Na performance, o corpo torna-se cônscio de si e de suas potencialidades, de sua polimorfosidade.
  • 10
    Na perspectiva dos
    estudos da performance – cujo expoente é o encenador norte-americano Richard Schechner –, o sentido de performance abrange a atividade humana enquanto tal; trabalha com a expressão humana integrada e sintetizada artisticamente. Isso explica por que, para Schechner, a mesma não pode ser demarcada apenas por uma forma "artística"; a performance seria, por assim dizer, resistente à divisão arbitrária tanto das artes quanto das ciências (SCHECHNER, 2002, p. 13). Em conformidade com isso, optamos por não separar a arte da performance do espectro da cultura como um todo. A separação estabelecida em contextos busca apenas definir os traços relativos de cada contexto face ao fenômeno da performance.
  • 11
    A análise de Erving Goffman (1975) sobre a representação do
    eu na vida cotidiana busca reter o sentido performativo do comportamento humano.
  • 12
    Conforme Icle (2010), as afinidades entre a performance e a educação emergem a partir do encaixe de três eixos, a saber, as Artes, a Antropologia e a Filosofia da Linguagem. Não obstante tal emergência implicar o caráter multidisciplinar da performance, o mesmo autor sugere que uma das principais relações com a Educação se dá justamente na possibilidade que a performance nos apresenta e, por conseguinte, oferece de borrar as fronteiras disciplinares, de alargar os conceitos no que eles têm de ligação com áreas de saber definidas. Para ele, nada é definitivo na performance, tudo é transgressão.
  • 13
    No folclore brasileiro, contamos com o personagem Saci Pererê. Tal figura pode servir como exemplo de um
    trickster – termo que não tem correspondente em língua portuguesa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2010
    • Aceito
      18 Ago 2011
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