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Da atividade humana entre paideia e politeia: saberes, valores e trabalho docente

Of human activity, between paideia and politeia: understandings, values and teaching work

Resumos

O artigo analisa abordagens do campo de estudos sobre os saberes dos professores e sinaliza contribuições que a noção de atividade pode trazer aos interessados em compreender o âmbito do trabalho dos professores e nele intervir. Trata-se, portanto, de uma elaboração de natureza teórica que procura, sem pretensões de exaurir o universo das questões tratadas, problematizar o âmbito dos estudos sobre os saberes dos professores, ao passo que indica pistas para novos desdobramentos. Inicialmente, são apresentadas abordagens presentes entre as pesquisas sobre os saberes docentes; em seguida, o objetivo é sublinhar um aspecto por vezes implícito mas recorrente em parte dessas pesquisas: o recurso às teorias da ação para a compreensão do trabalho docente; por fim, são apresentadas as contribuições da ergonomia de base francófona e as contribuições da abordagem ergológica do trabalho, perspectivas essas que destacam a importância de se abordar o trabalho a partir da noção de atividade. Tais abordagens - e esta é a aposta que fazemos -, ao se debruçarem sobre o trabalho buscando o ponto de vista da atividade, parecem agregar inovadoras formas de produção de conhecimento e de intervenção às pesquisas em educação que se interessam pelos professores, por seu trabalho e por seus saberes.

Atividade; Saberes; Valores; Trabalho Docente


The article analyses 'approaches', coming from various fields of study that are concerned with the teacher's knowledge base, with a view to making a contribution to the notion of "activity"; what it can offer to those interested in understanding the scope of the work carried out by teachers and how this understanding can help them to improve their work. The aim is to elaborate, in this fashion, a theoretical basis for exploring the range of 'understandings' possessed by the teacher, but with no pretension of exhausting the universe of existing questions, but rather, taking the investigation forwards, indicating the appropriate path for unpackaging the problems encountered. Firstly, the approaches found in the research on teachers' knowledge, are presented; secondly, the objective is to highlight an aspect that may be implicit, yet recurrent, in parts of this research. Lastly, contributions are made from ergonomics, of a Francophone base using an approach for the work that is 'ergo'-logical (anotherwords, the answer is implicit in the question) providing a perspective that emphasizes the importance of tackling the work from the notion of 'activity'. Such an approach - we wager - when based on a foundation of work that takes 'activity' as its focus, will increase inovative forms of knowledge production and lead to inovative ways of carrying out research into education, research that will make teachers the focal point, focusing on their work and their knowledge base.

Activity; Understandings; Values; Teacher's Work


ARTIGOS

Da atividade humana entre paideia e politeia: saberes, valores e trabalho docente

Of human activity, between paideia and politeia: understandings, values and teaching work

Daisy Moreira CunhaI; Wanderson Ferreira AlvesII

IDoutora em Filosofia pela Universidade de Provence-França e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas (PPGE/FAE/UFMG). E-mail: daisycunha@uol.com.br

IIDoutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFGO). E-mail: wandersonfalves@yahoo.com.br

Contato

RESUMO

O artigo analisa abordagens do campo de estudos sobre os saberes dos professores e sinaliza contribuições que a noção de atividade pode trazer aos interessados em compreender o âmbito do trabalho dos professores e nele intervir. Trata-se, portanto, de uma elaboração de natureza teórica que procura, sem pretensões de exaurir o universo das questões tratadas, problematizar o âmbito dos estudos sobre os saberes dos professores, ao passo que indica pistas para novos desdobramentos. Inicialmente, são apresentadas abordagens presentes entre as pesquisas sobre os saberes docentes; em seguida, o objetivo é sublinhar um aspecto por vezes implícito mas recorrente em parte dessas pesquisas: o recurso às teorias da ação para a compreensão do trabalho docente; por fim, são apresentadas as contribuições da ergonomia de base francófona e as contribuições da abordagem ergológica do trabalho, perspectivas essas que destacam a importância de se abordar o trabalho a partir da noção de atividade. Tais abordagens – e esta é a aposta que fazemos –, ao se debruçarem sobre o trabalho buscando o ponto de vista da atividade, parecem agregar inovadoras formas de produção de conhecimento e de intervenção às pesquisas em educação que se interessam pelos professores, por seu trabalho e por seus saberes.

Palavras-chave: Atividade. Saberes. Valores. Trabalho Docente.

ABSTRACT

The article analyses 'approaches', coming from various fields of study that are concerned with the teacher's knowledge base, with a view to making a contribution to the notion of "activity"; what it can offer to those interested in understanding the scope of the work carried out by teachers and how this understanding can help them to improve their work. The aim is to elaborate, in this fashion, a theoretical basis for exploring the range of 'understandings' possessed by the teacher, but with no pretension of exhausting the universe of existing questions, but rather, taking the investigation forwards, indicating the appropriate path for unpackaging the problems encountered. Firstly, the approaches found in the research on teachers' knowledge, are presented; secondly, the objective is to highlight an aspect that may be implicit, yet recurrent, in parts of this research. Lastly, contributions are made from ergonomics, of a Francophone base using an approach for the work that is 'ergo'-logical (anotherwords, the answer is implicit in the question) providing a perspective that emphasizes the importance of tackling the work from the notion of 'activity'. Such an approach – we wager – when based on a foundation of work that takes 'activity' as its focus, will increase inovative forms of knowledge production and lead to inovative ways of carrying out research into education, research that will make teachers the focal point, focusing on their work and their knowledge base.

Keywords: Activity. Understandings. Values. Teacher's Work.

As pesquisas sobre os saberes dos professores

Em sentido amplo, a temática dos saberes docentes compreende um conjunto de pesquisas que, a partir de bases teóricas e metodológicas diversas, têm em comum o interesse pelos aspectos que se apresentam nas mediações entre formação e atuação no ensino: competência profissional, o saber e o saber-fazer, os conhecimentos constituídos e mobilizados pelos professores, bem como a dinâmica do exercício profissional integrada, por exemplo, entre outros aspectos, pela gestão da classe e dos conteúdos. Assim, embora ganhando destaque recentemente, essa problemática dos saberes dos professores inscreve-se no vasto campo de estudos sobre ensino.

Conforme destacam vários autores (TARDIF, 2002; BORGES, 2003; GAUTHIER, 2006; BORGES; TARDIF, 2001; ALVES, 2010), a problemática dos saberes docentes congrega um vasto campo composto por correntes e perspectivas teórico-metodológicas bastante diversas, com lastro nas ciências humanas e sociais. Assim, a dimensão do campo e a diversidade teórica que o compõe fazem com que não se possa falar em abordagem, mas em abordagens concernentes aos saberes docentes. No entanto, reconhecer isso não implica deixar de identificar a existência de autores mais influentes ou de fundamentações teóricas, enfoques ou perspectivas metodológicas predominantes. Se não, vejamos.

Entre alguns dos autores norte-americanos que desenvolvem suas investigações em torno das questões relativas aos saberes dos professores, é possível destacar os esforços de Shulman (1987) na identificação e na sistematização de uma base de conhecimentos (knowledge base) para o exercício da docência; a teorização de Schön (1992) em direção a uma epistemologia da prática e em defesa de uma formação profissional reflexiva; as proposições de Zeichner (1983) em favor de uma concepção reflexiva de formação e de pesquisa que não perca de vista o sentido político da educação e o contexto mais amplo em que esta se insere. Entre os autores canadenses, dois autores de maior expressão podem ser destacados: o primeiro deles é Maurice Tardif, com seus estudos sobre a natureza, a origem e a constituição do saber docente (TARDIF, 2002); o segundo é Clermont Gauthier, que, com uma pesquisa de envergadura destacável concernente à literatura norte-americana sobre o tema, tem em vista contribuir para a compreensão e o melhor delineamento dos saberes da ação pedagógica dos professores (GAUTHIER, 2006).

Entre os europeus, ganha destaque o nome de Nóvoa (1991), autor que possui grande penetração no Brasil e que, a partir de uma perspectiva fenomenológica, traz inúmeras contribuições aos estudos sobre os professores, nomeadamente no tocante à história da profissão e ao processo de profissionalização do magistério, aspecto no qual sublinha a importância de se investir nas questões concernentes aos saberes dos professores. Em outras obras, Nóvoa (2000) confere lugar especial a um tema bastante presente nas pesquisas sobre os saberes docentes: as histórias de vida. Outros autores europeus, como Perrenoud (2001), desenvolvem estudos e reflexões de corte sociológico, abordando o ensino e a formação docente a partir da noção de competências; entre os franceses poderíamos citar o nome de Amigues (2004), um autor que desenvolve seus estudos compreendendo o ensino a partir da noção de atividade de trabalho, própria aos estudos no campo da ergonomia da atividade de base francófona.

No que se refere ao Brasil, podem ser destacadas pesquisas e estudos de natureza diversa, alguns se alinhando às perspectivas assinaladas anteriormente, outros apresentando proposições matizadas pela história das ideias pedagógicas no Brasil, o que, muitas vezes, lega a essas investigações traços próprios. A título de exemplo, podemos citar a professora Selma Garrido Pimenta. Seus estudos tematizam os saberes docentes, a identidade e a profissionalização do ensino. As teorizações consideram a questão da prática reflexiva, desenvolvida, de início, por Donald Schön, mas procura subordiná-la a uma perspectiva crítica e dialética na compreensão da relação entre educação e sociedade. Por conseguinte, a autora se distanciará, nesse ponto, da filosofia de matriz pragmática própria à perspectiva de Schön e muito comum entre os pesquisadores do campo, pois sua perspectiva visa, sobretudo, à práxis (cf. PIMENTA, 2007; PIMENTA; GHEDIN, 2002). Outro exemplo é o do professor Jacques Therrien. Seus esforços compreendem um projeto de pesquisa sobre os saberes dos professores que concebe o ensino como uma sorte de agir em situação, portanto face a um contexto considerado dinâmico que não permite ao profissional simplesmenteaplicar a formação que recebeu antes de atuar em uma situação determinada. É nesses termos que Therrien fala em ação situada e recorre às teorizações de Schön, de Tardif e também do filósofo alemão J. Habermas, em sua teoria do agir comunicativo (cf. THERRIEN; CARVALHO, 2009). Como se pode depreender do apresentado até o momento, as pesquisas e os estudos sobre os saberes docentes podem receber enfoques bastante diversos.

Trabalho, ação, atividade

Sem a pretensão de efetuar uma análise crítica detalhada sobre o conjunto das pesquisas relacionadas aos saberes docentes1 1 Análises críticas podem, entre outros, ser vistas em Pimenta e Ghedin ( 2002), Geraldi, Fiorentini e Pereira (1998) e Duarte (2003). , gostaríamos aqui de focalizar um aspecto que, até o momento, restou quase intocado nas críticas realizadas pelos pesquisadores: os modos de compreender o trabalho humano e o recurso à ação como ferramental teórico para compreendê-lo em situações concretas. Esse ponto remete precisamente à problemática dos fundamentos epistemológicos da base teórica presente nessas pesquisas. A esse respeito, ainda uma vez vale afirmar que a amplitude e a variedade do campo impedem qualquer identificação simplificadora com determinada teoria. A rigor, se autores investigam, em sentido amplo, os saberes dos professores, nada obriga que partilhem a mesma perspectiva teórica e, por conseguinte, a mesma fundamentação metodológica, a mesma delimitação do objeto, o mesmo sentido dado à educação humana, etc. Todavia, tendo o cuidado de não homogeneizar o conjunto dessas pesquisas, é possível identificar que uma parte importante dos autores elabora suas análises e reflexões a partir da noção de ação. Mesmo autores que se distinguem em vários aspectos, como Donald Schön e Kenneth Zeichner, compartilharão esse ponto: o foco na ação. Se perguntarmos pela filiação epistemológica desse "agir humano" presente nas teorizações de Schön e Zeichner, iremos encontrar, de maneira explícita ou velada, a herança do filósofo e educador norte-americano John Dewey; por conseguinte, da perspectiva filosófica do pragmatismo. Maurice Tardif, ainda que por vias mais sinuosas, não se encontra ao largo dessa questão.

Tardif (2002) é um autor com nuanças: faz uso de teorizações e abordagens extraídas das disciplinas que estudam o trabalho, como sociologia do trabalho, das profissões, ergonomia, etc., inclina-se em direção a uma teorização que valoriza a interação, encontrando, nesse ponto, as teorizações do filósofo Jürgen Habermas, e, explicitamente, se filia à perspectiva aberta por Donald Schön, a epistemologia daprática, sem por isso incorrer no cognitivismo desse último. É o próprio autor quem diz: "para sermos claros, digamos que nossa concepção de professor e de sua formação profissional está ligada, de forma global, à visão do 'prático reflexivo' proposta por Schön" (TARDIF, 2002, p. 222). Assim, com a herança das disciplinas que estudam o trabalho e sua articulação com as pesquisas elaboradas na área da educação, Tardif parece desenvolver um quadro analítico mais amplo entre as pesquisas sobre os saberes docentes, sendo possivelmente no campo um autor maior. Todavia, sua ferramenta heurística fundamental continua sendo a ação, o que seu recurso a Schön e a Habermas2 2 J. Habermas constrói perspectiva filosófica própria a partir de diversas heranças, entre elas a da Escola de Frankfurt, a da sociologia de Max Weber, na qual a ação se apresenta como ferramenta interpretativa da relação indivíduo/sociedade, e do pragmatismo filosófico de Dewey e Pierce. Sobre as aproximações entre Habermas e o pragmatismo cf. Herdy (2009). só faz confirmar. São as teorias da ação que, ao fundo, lhe dão sustentação: "aquilo que chamamos de 'saber dos professores' ou de 'saber-ensinar' deve ser considerado e analisado em função dos tipos de ação presentes na prática" (TARDIF, 2002, p. 177-178, grifos nossos).

O problema das teorias da ação é que são restritas demais para a compreensão da complexidade que se apresenta e se produz no trabalho humano, pois este extrapola as lógicas do agir, do verbalizável, do discurso racional, do que pode ser visualizável. O trabalho traz esses aspectos e, ao mesmo tempo, vai além deles. Dizendo de outro modo, as teorias da ação são restritas porque não conseguem acompanhar a complexidade das situações de trabalho e ademais, como sublinha Schwartz (2001), o próprio trabalho declina em importância em algumas dessas abordagens, das quais o caso de Habermas é o melhor exemplo. Mesmo quando se propõe a compreensão de uma situação bem delimitada na qual o sujeito está inserido, algo parece escapar a essasteorias. É o que apontam Béguin e Clot (2004) ao analisarem as teorias da ação situada. Segundo os referidos autores, elas lidam mal com o dado (o preexistente) e o criado (o constituído pelo sujeito) na situação, pois, para se compreender o que se põe em jogo entre indivíduo e contexto, é insuficiente postular e desenvolver um quadro analítico no qual o curso da ação é um resultante sofisticado das condições materiais e sociais. Em suma, continuaríamos presos ao antigo impasse entre o interno e o externo na compreensão do sujeito. Ainda segundo os autores, a noção de atividade é o que permite superar esses impasses.

Como veremos a seguir, a ergonomia da atividade de base francesa, ao esposar a noção de atividade, abre outras perspectivas para se analisar o trabalho; assim, oferece importantes pistas para pensar o trabalho e o saber dos professores. Aqui, a atividade é a ferramenta heurística e a unidade que guarda uma problemática sempre a interrogar as situações de trabalho e seus sujeitos.

O trabalho do ponto de vista da atividade

Os trabalhos de Ombredane e Faverge (Cf. LEPLAT, 1999) levaram a um questionamento da ideia de aptidões subjacente aos testes de seleção para as formações profissionais, pois, face às exigências das tarefas, eles observavam que os trabalhadores desenvolviam atitudes e sequências operacionais para reduzir as variabilidades dos processos produtivos, sendo estas perceptíveis somente numa análise do trabalho em situação real (indicando o quê e o como de tais estratégias). Jean-Maurice Lahy e Suzanne Pacaud3 3 Jean-Maurice Lahy e Suzanne Pacaud são psicólogos franceses cujas pesquisas, realizadas entre os anos 1920 e 1950, evoluem de uma abordagem psicotécnica da seleção segundo requisitos dos postos de trabalho para análise do trabalho em situação real. Cf. Analyse psichologique du travail des mécaniciens et dês chauffers de locomotives, Paris: PUF, 1948. contribuirão para esse percurso ao entender que estudar condutas implica considerar "motivos", "intenções", nas explicações do comportamento observado, o que permite fazer inferências a propósito das dimensões não observáveis do comportamento dos trabalhadores (LAVILLE, 1988). Já nos anos 1980, Daniellou observará um sincretismo entre a noção de conduta em situação de trabalho e aquela de atividade, tal como é pensada na psicologia histórico-cultural. Nessa época, as dimensões biológicas da atividade são privilegiadas com contribuições advindas do avanço dos estudos em psicologia e neurologia. Em Wisner, por exemplo, desde o início dos anos 1970, a atividade de trabalho é mais que uma resposta às tarefas definidas pela gerência, devendo ser considerada a partir de sua dimensão vivida. Mais recentemente, são as dimensões lógicas do exercício do trabalho que são colocadas em evidência para revelar as dimensões de criação presentes em todo ato laboral humano.

Essa noção de atividade que se vem consolidando ao longo dessa trajetória de campo do conhecimento faz referência a um homem multidimensional: biológico, cognitivo, psíquico e social. Poderíamos pensar que a ergonomia, nessa linhagem francesa da atividade, enfrenta dificuldades fundamentais para as ciências humanas em geral, pois faz emergir em permanência um homem-ator de sua situação, que se mobiliza para construir modos operatórios pertinentes e para construir, em coletivos aos quais pertence, outras normas de interação diferentes daquelas que resultam da organização prescrita. Ele é então levado a descrever a si próprio como ator da transformação das situações de trabalho que intervêm em processos de interações sociais. Que ligação ele pode fazer entre sua posição nessas interações, a natureza dos métodos que utiliza e a natureza dos conhecimentos que coloca em circulação sobre o trabalho? Por quais mecanismos esses conhecimentos contribuem para uma transformação das situações de trabalho?

A ergonomia nos convida a analisar o trabalho nos meios profissionais, ligando condições materiais e organizacionais a partir do ponto de vista da atividade real do trabalhador. O trabalho é atividade reguladora individual e coletiva que põe em marcha o sistema em seus acontecimentos aleatórios de todas as ordens, através das antecipações e gestões simultâneas de múltiplos horizontes temporais que se apresentam numa situação profissional. O objetivo é compreender como o trabalho se realiza, compreender seu movimento, para tirar as consequências necessárias tanto para uma renovada concepção dos sistemas técnico-organizacionais quanto para a vida em comum (DURAFFOURG et al., 1997, p. 10).

Uma distinção fundamental, que parece hoje senso comum, é a entre trabalho prescrito e trabalho real. O trabalho prescrito é tudo o que é definido antecipadamente pela organização e fornecido ao trabalhador para que este defina, organize, realize e regule seu trabalho. O trabalho real é o trabalho tal como ele se realiza concretamente. Entre o trabalho prescrito e o trabalho real inscrevem-se múltiplas variabilidades relativas ao processo de trabalho (meios, matéria e atividade) que não podem ser previamente antecipados. É no espaço entre o trabalho prescrito e o trabalho efetivamente realizado que se inscreve a atividade humana em meios profissionais. Para a análise ergonômica, trabalho prescrito e trabalho real podem ser analisados em termos de tarefa e atividade. Ainda que esses últimos termos sejam muito próximos, é preciso diferenciá-los para se analisar de modo mais profundo o que seja a atividade humana em situação de trabalho. A análise da atividade do trabalhador mostra que ele pode chegar a prescrever suas tarefas – dentro de certas margens de autonomia deixadas pela organização – e, no entanto, ainda assim, seria necessário diferenciar o que foi prescrito antecipadamente – pela organização ao trabalhador e por este a si mesmo – e o que ele realmente conseguiu realizar do que foi planejado.

Mas, para a ergonomia da atividade, o objetivo final dessas análises, explicações e descrições da atividade é agregar novos conhecimentos às práticas dos profissionais envolvidos, bem como fomentar melhorias e transformações nas situações de trabalho, observadas a partir das contribuições dos próprios trabalhadores. A ergonomia busca relacionar uma íntima compreensão do trabalho com a transformação deste, apoiando-se sobre uma pluralidade de aportes disciplinares e conduzindo a intervenções cada vez mais singulares, impondo a necessidade de associar conhecimentos gerais produzidos nas mais diversas disciplinas sobre o trabalho humano a outros saberes coproduzidos com os trabalhadores em suas situações de trabalho. A análise do trabalho será feita a partir de uma descrição e explicitação da atividade humana em situação de trabalho – atividade situada em meios profissionais, num regime de cooperação entre pesquisadores e trabalhadores. Esse aspecto é central no diálogo entre as abordagens ergonômica e ergológica4 4 A ergologia ou abordagem ergológica foi inicialmente desenvolvida na Université de Provence, na França, tendo o filósofo Yves Schwartz como um de seus principais impulsionadores. Trata-se de um enfoque pluridisciplinar interessado em compreender e intervir nas situações laborais, para o que propõe regimes de colaboração entre pesquisadores acadêmicos e os sujeitos nas situações de trabalho. Uma introdução à ergologia pode ser vista em Schwartz e Durrive (2007). da atividade de trabalho para se compreenderem os saberes produzidos e as competências que aí circulam.

O interesse das contribuições da ergonomia e da ergologia está precisamente em reincorporar os sujeitos do trabalho a suas análises. A atividade humana está no centro das hipóteses da ergonomia francesa e da ergologia; é do ponto de vista da atividade que o trabalho será interrogado. A análise da atividade é centrada no que o trabalhador faz, em suas ações, seu funcionamento, suas intenções, seus valores e competências, seus saberes, nos sentidos que ele atribui a seu trabalho e às tarefas cuja realização lhe é atribuída. Mas, se a análise da atividade compreende uma análise da realização da tarefa, atribuída por outrem ou formulada pelo próprio trabalhador, é mais do que isso; inclui perceber o modus operandi do trabalhador nas situações laborais. Parece simples, mas estabelecemos aqui uma inversão fundamental nos estudos sobre trabalho humano. A questão que se coloca desde o início é o lugar da atividade humana na sua interação com o meio técnico, social e historicamente construído, cultural. Nesse processo, as diversas competências se manifestam durante a atividade de trabalho, bem como o processo de sua aquisição. Desse ponto de vista, elas podem ser compreendidas em toda a sua complexidade, uma vez que produto e produtoras de relações sócio-históricas e culturais do homem, na sua interação com o meio, que é, inúmeras vezes, de trabalho.

A ergologia assume as contribuições da ergonomia da atividade francesa como propedêutica pertinente a uma epistemologia interessada no trabalho humano e propõeum triângulo de análise que mescla valores, saberes e atividade. É nessa abertura do trabalho à vida que as contribuições da ergologia se inscrevem, pois, no âmbito de suas reflexões, há uma ampliação do conceito: de atividade de trabalho para atividade humana, ao mesmo tempo em que a ergologia vai tirando consequências epistemológicas para os estudos sobre trabalho.

Na perspectiva da abordagem ergológica, passamos a incorporar o ponto de vista da atividade de quem trabalha, pelo acesso aos valores, aos saberes e competências que são colocados em exercício no ato laboral. Incorporar o trabalho como atividade humana em nossas análises tem implicações epistemológicas muito sérias, posto que, além de fazer a análise da atividade tal como nos propõe a ergonomia, esse triângulo ergológico saberes-valores-atividade exige extrair consequências para o terreno da produção científica nos diversos campos do saber que estudam o trabalho humano, para o campo das ciências humanas em geral e para compreender aspectos subjetivos que permeiam a produção científica.

Como lugar de "acontecimentos complexos" (SCHWARTZ, 1996, p. 147), o trabalho é entendido como a unidade problemática entre a atividade humana, as condições reais de trabalho e os resultados efetivos obtidos. De um lado, as situações de trabalho condensam as marcas da história humana através dos

conhecimentos acionados, os sistemas produtivos, as tecnologias utilizadas, as formas de organização, os procedimentos escolhidos, os valores de uso selecionados e, por detrás, as relações sociais que se entrelaçam e opõem os homens entre si [...] Toda atividade de trabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas, nos dispositivos coletivos; toda situação de trabalho está saturada de normas de vida, de formas de exploração da natureza e dos homens uns pelos outros (SCHWARTZ, 2003b, p. 23).

Por outro lado, as situações de trabalho trazem sempre a novidade das renormalizações impetradas pelos sujeitos do trabalho nos usos que eles fazem de si mesmos. Para a Ergologia, se o trabalho tem sempre uma dimensão do prescrito, ele tem sempre também uma dimensão histórica que nos reenvia a uma experiência do uso de si que fazem os trabalhadores. E eles o fazem segundo suas próprias normas, seus valores e saberes, mesmo que em dimensões ínfimas e pouco visíveis. Nesse sentido, podemos falar também de produção e retrabalho dos saberes e valores contidos no trabalho prescrito em nível local, em função de exigências que são aquelas que se inscrevem nas diversas configurações das situações de trabalho.

Assim, quando pensamos a competência humana no exercício profissional, os ingredientes dessa competência desvelam dimensões na relação entre o homem e o meio de vida e trabalho. Uma dimensão diz respeito aos protocolos estabelecidos ex-ante. Mas é impossível pensar a atividade humana enquadrada somente por tais protocolos porque estes são produção histórica, figuram nas situações como se antecipassem a atividade; entretanto, haverá sempre uma dimensão experimental do viver aqui e agora nesse encontro entre uma situação dada anteriormente e um sujeito também histórico. Esse encontro é, também, lugar do inesperado; há, sempre, nele, uma parte imprevisível. Schwartz falará de infiltração do histórico no protocolo. A atividade de trabalho lida com o que não está padronizado na situação e reforça a contingência desta; ela é, também, um elemento de variabilidade na situação de trabalho na medida em que re-trata o contingente a partir de sua experiência singular para lidar com os imprevistos do momento. Portanto, podemos entrever dois tipos de saberes que se apresentam nesse encontro: os saberes que estruturam as situações de trabalho e seu exercício a partir de conhecimentos fundados nos campos científicos que os conceituam, categorizam, codificam, normatizam; e os saberes relacionados à experiência das situações de trabalho nas quais se encontra o trabalhador, bem como aqueles saberes incorporados durante o exercício da experiência profissional, tais como os gestos profissionais, a linguagem própria ao métier e aos coletivos locais de trabalho, os automatismos. Saberes relativos à experiência na situação na qual se encontra esse trabalhador e em outras que o mesmo tenha vivenciado. Os saberes incorporados são difíceis de serem verbalizados ou transmitidos, pois se forjam ao longo da formação do próprio trabalhador, são custosos em termos de aprendizagens e dificilmente dissociáveis do contexto em que se formaram.

Sobre o que foi dito anteriormente, é preciso efetuar uma observação: o fato de inúmeras vezes não ser possível explicar o que sabemos fazer não significa ausência de regras implícitas, mesmo de atividade conceitual, de conhecimentos acompanhando nossos atos profissionais em situações específicas. Essa capacidade de atuar ou, em alguns casos, de tomar decisões intuitivas in situ está ancorada em sínteses que processam a atividade baseada em uma multiplicidade de elementos difíceis de serem explorados, ordenados, verbalizados. E são baseadas em pontos de referência, conhecimentos mais ou menos intuitivos, tais como, por exemplo, antecipações do comportamento dos colegas e das dinâmicas coletivas locais.

Assim, retomando a problemática dos saberes e de sua articulação com as situações de trabalho, temos que os saberes não podem ser analisados e bem compreendidos alienados da implicação subjetiva do trabalhador em seu próprio trabalho, o que nunca é sempre e totalmente determinado pela imposição normativa das regras e dos objetivos dos gestores do trabalho: os sentidos e significados atribuídos ao trabalho, que orientam, certamente, a atividade no momento da resolução de um problema, da construção de saídas para um impasse ou sustentam as razões para todo investimento no trabalho. A relação com o saber, a vontade de conhecer melhor os parâmetros técnicos de sua profissão, a importância atribuída ao exercício profissional marcam um engajamento subjetivo singular dos profissionais. Aprofundando-se nesse sentido, o das implicações subjetivas do trabalhador em seu trabalho, nossas reflexões galgam o terreno dos valores que permeiam e estruturam as atividades humanas. Toda atividade pode ser analisada pelas normas produtivas dimensionadas na tarefa; entretanto, as atividades humanas agem também orientadas por valores sem dimensão, os valores do bem comum, por exemplo. E agem numa relação com as normas de produção de um ponto de vista que é singular, pois construído nas vivências de trabalho e vida do trabalhador e nos projetos herdados de coletivos os quais integrou.

Outro aspecto importante a ressaltar é que todo trabalho implica sinergias de saberes e valores entre essa individualidade e os coletivos, de dimensões variáveis, presentes no espaço laboral e que são importantes fontes de eficácia na realização dos objetivos de uma instituição. Esses coletivos variam no tempo e no espaço, não se podendo deduzi-los diretamente dos organogramas, e se inscrevem no bojo de valores partilhados e desafios de reinvenção local do como trabalhar.

Os trabalhadores têm em seu patrimônio, em graus diferenciados, os saberes relacionados acima: saberes conceituais e saberes da experiência dos indivíduos e dos coletivos de trabalho. Uma dificuldade que enfrentam no cotidiano de seu trabalho e de vida é a necessidade de articular dialeticamente esses dois tipos de saberes, que não podem ser assimilados. Mas também não podemos ignorar que, se existem rupturas, também podem existir continuidades entre ambos. Somos confrontados todo o tempo com a necessidade de decidir sobre a aplicação da regra aos casos particulares; sempre que somos convocados a agir, somos desafiados a reajustar em permanência o codificado e as interfaces não codificadas e imprevisíveis da situação na qual nos inserimos; somos obrigados a arbitrar sobre a boa ação no bom momento. Inteligência que possibilita aos humanos agir sobre o contingente, impõe-se "em situações complexas onde o grande número e a diversidade das influências em jogo (...) exigemdo homem uma adaptação nova a cada vez e se opõem a todo sistema" (TREDÉ apud SCHWARTZ, 2000, p. 37). Caparros-Menacci (2003) identifica tal competência como Kairos, em situações de formação profissional quando o professor de educação profissional intervém no curso de uma reflexão de um aluno, interpelando-o de modo a fazer avançar suas reflexões. Em pesquisa realizada em uma escola pública de ensino médio, Alves (2010) sublinha tal competência quando uma professora participante da investigação busca explicitar seu saber fazer laboral na condução do trabalho pedagógico, revelando assim o quanto a gestão da classe é dinâmica, complexa e mobiliza a professora por inteiro:

Então, você deve passar no máximo quinze minutos de teoria, e o restante da aula fazer o exercício, não só o exercício no quadro, você deve colocar o exercício no quadro e ir passeando, conversando com o aluno e não exigindo que ele faça. Você chega na carteira, olha, pergunta por que não tá fazendo, conversa particularmente com o aluno. Leva como se você quisesse ser amiga do aluno, tentar levá-lo para o seu lado. Se ele fala: "Professora, eu não dou conta de fazer". Então, pega o caderno, vamos lá, e pega na mão dele. A gente pensa que o aluno do segundo ano de Ensino Médio... que ele não quer que a gente pegue na mão, mas ele quer. Então, você deve fazer esse trabalho, não ficar atrás daqueles alunos que fazem, porque aqueles que fazem vão fazer. Você também não deve desprezar os que fazem, mas também deve fazer rodízio. E outra coisa que você deve fazer, falar: "Eu aprendi e você também tem capacidade de aprender". Colocar as suas dificuldades, que você tinha com a matéria do ensino médio, porque eles acham que professor, por ser professor, nunca teve dificuldade naquela matéria [...]. (ALVES, 2010, p. 243).

A situação de trabalho na qual a referida professora está inserida exige dela o conhecimento próprio à sua formação profissional e, simultaneamente, adaptações, gesto, memória, atenção, empatia. Tudo isso em uma complicada dinâmica na qual o aluno individual não pode se perder no coletivo. No hic et nunc, a gestão da classe demanda da professora uma ação sobre os conteúdos de ensino: "no máximo 15 minutos de teoria, e o restante da aula fazer o exercício"; demanda atenção às sutilezas do trato com adolescentes: "conversa particularmente com o aluno. Leva como se você quisesse ser amiga do aluno, tentar levá-lo para o seu lado". No depoimento da professora, é possível também identificar que a gestão da classe demanda uma relação de cuidado para com o educando: "pega na mão dele"; que ensinar envolve observar os diferentes ritmos dos alunos: "não ficar atrás daqueles alunos que fazem, porque aqueles que fazem vão fazer"; e, ao mesmo tempo, procurar atender toda a classe: "não deve desprezar os que fazem, mas também deve fazer rodízio". Como se pode perceber nesse breve relato, o trabalho docente é complexo e demanda forte investimento dos professores para gerir o que se apresenta na organização do trabalho pedagógico da escola e da sala de aula. Investimento de si que os professores fazem, não raramente, como evidenciado por esta e por diversas outras pesquisas, com custos à sua saúde5 5 Entre os trabalhos relativamente recentes, ver o desenvolvido por Barros de Barros, Heckert e Margotto (2008) e Assunção e Oliveira (2009). .

A esse respeito, a abordagem ergológica do trabalho permite compreender a relação entre indivíduo e meio através de uma ideia ampliada de saúde. Para Canguilhem, o homem como ser da norma nunca é indiferente ao meio de vida e trabalho, há um primado do vital sobre o mecânico nessa relação, bem como um primado dos valores sobre a vida. Nessa afirmação da vida face ao meio, o homem encontra formas de viver, num conflito sempre aberto às possibilidades que o meio comporta. Nesse processo, busca soluções, renormaliza, reinventa formas de viver, o que se apresenta gerindo reservas de alternativas disponíveis no horizonte. Há aqui uma afirmação da positividade vital que permite fundar a atividade numa ideia ampliada de saúde e pela qual o homem opera articulando saberes segundo seus valores. As relações entre trabalho, saúde e saber ocupam aqui um lugar essencial e possibilitam outros modos de se compreender e intervir nas situações de trabalho, bem como exige o estabelecimento de outros modos de produção de saberes. A esse respeito um exemplo é a pesquisa-formação desenvolvida por Silva, Brito, Athayde e Neves (2009) junto às escolas públicas dos estados do Rio de Janeiro e da Paraíba e na qual se buscou constituir um dispositivo que permitisse articular a experiência dos trabalhadores e o saber acadêmico. Compreendendo bem a relação entre o indivíduo e o meio, os autores nos trazem uma proposta que alimenta uma dimensão utópica fundamental: transformar positivamente as situações de trabalho (e a vida).

Algumas considerações finais

Em certo sentido, podemos falar de atividade como matriz de história, pois a vida se vive através de um corpo mergulhado em um meio e por ele estruturado, por intermédio de normas, saberes técnicos, sociais e ético-políticos. Esse corpo que é biológico, histórico, é psíquico, é cultural e se apresenta inteiro, atravessado por debate de normas nos microatos que se inscrevem entre o trabalho prescrito e o trabalho real: o ser é convocado nas configurações históricas das situações de trabalho.

Assim considerados, os saberes e valores permeiam a atividade de trabalho e nos impõem sempre duas direções para prosseguir no sentido da transformação das condições nas quais ele se realiza. A primeira, sem que isso signifique ordem de prioridade, diz respeito ao necessário confronto entre saberes acadêmicos e saberes desenvolvidos pelos trabalhadores em seu quotidiano; mediando a relação entre eles, os projetos em comum que poderiam ser estabelecidos entre ambos; tais projetos selariam compromissos éticos, epistemológicos e – por que não? – políticos, reduzindo assim a exterritorialidade dos pesquisadores a essas dimensões mais profundas da atividade e exigindo dos mesmos uma frequentação permanente às situações de trabalho. A abordagem ergológica sugere a formação de coletivos de trabalho compartilhados por pesquisadores e trabalhadores, tendo em vista melhor conhecer o trabalho para transformá-lo.

Outra direção diz respeito aos elementos estruturantes (normas políticas, sociais, culturais, técnicas...) que organizam, a priori, todo trabalho. Se desejarmos debruçar-nos sobre os meandros do trabalho docente, será preciso compreender que no epicentro das políticas educacionais está o ofício de mestre, pelo uso de si que faz face às demandas do meio, arbitra entre o que deve ser feito, o que pode ser feito, o que se deseja fazer e guarda outras tensões entre o que deveria ser feito, inclusive por que se desejou, e que não foi feito. A atividade docente, que processa permanentemente saberes e valores, numa dinâmica que embaça as fronteiras do trabalho e da vida, do público/privado, do macro/micro, do local/global, é o elo tenso entre as normas do viver em comum (politeia6 6 Palavra de origem grega para se referir ao governo da cidade, constituição ou governo de muitos, relacionada à vida em comum. ) e as articulações necessárias entre os vários tipos de saber (paideia7 7 Palavra de origem grega cujo sentido remete à ação de uma comunidade/sociedade exercida conscientemente sobre seus membros, tendo em vista a formação, a educação e a cultura de seus membros. ) que atravessam o ato mesmo de educar, de aprender.

A temática dos saberes docentes comporta um conjunto de pesquisas e autores interessados pelos professores, por seus saberes e por seu trabalho. A ergonomia da atividade e a abordagem ergológica do trabalho podem aportar contribuições ao debate e possibilitar novas perspectivas de análise abertas a partir da noção de atividade humana. Essa perspectiva de análise, longe de se opor, permite um ponto de encontro que convoca as diferentes disciplinas acadêmicas ao trabalho em comum, como também permite pensar em conjunto os aspectos do trabalho e da formação do professor (inicial e continuada), visto que interroga os formadores e a esfera do exercício profissional no ensino. Quando o trabalho e a formação são abordados pela perspectiva da atividade os caminhos para o pesquisador não se tornam mais fáceis, talvez seja bem o contrário. Contudo, acreditamos que o esforço nessa direção vale a pena. Retomando uma rica abordagem brasileira nos estudos sobre os saberes docentes que compreende a docência a partir da noção de práxis, diríamos que a passagem pela atividade permite que a nossa práxis se torne ainda mais substantiva.

Referências

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Notas

Contato:

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação Departamento de Administração Escolar

Avenida Antônio Carlos, 6627 Pampulha

CEP 31270-010 Belo Horizonte, MG Brasil

Recebido: 03/03/2011

Aprovado: 06/03/2012

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  • ZEICHNER, K.. Alternative paradigms of teacher education. Journal of Teacher Education, v. XXXIV, n. 3, p. 3-9, may-jun. 1983.
  • 1
    Análises críticas podem, entre outros, ser vistas em Pimenta e Ghedin ( 2002), Geraldi, Fiorentini e Pereira (1998) e Duarte (2003).
  • 2
    J. Habermas constrói perspectiva filosófica própria a partir de diversas heranças, entre elas a da Escola de Frankfurt, a da sociologia de Max Weber, na qual a ação se apresenta como ferramenta interpretativa da relação indivíduo/sociedade, e do pragmatismo filosófico de Dewey e Pierce. Sobre as aproximações entre Habermas e o pragmatismo cf. Herdy (2009).
  • 3
    Jean-Maurice Lahy e Suzanne Pacaud são psicólogos franceses cujas pesquisas, realizadas entre os anos 1920 e 1950, evoluem de uma abordagem psicotécnica da seleção segundo requisitos dos postos de trabalho para análise do trabalho em situação real. Cf.
    Analyse psichologique du travail des mécaniciens et dês chauffers de locomotives, Paris: PUF, 1948.
  • 4
    A ergologia ou abordagem ergológica foi inicialmente desenvolvida na Université de Provence, na França, tendo o filósofo Yves Schwartz como um de seus principais impulsionadores. Trata-se de um enfoque pluridisciplinar interessado em compreender e intervir nas situações laborais, para o que propõe regimes de colaboração entre pesquisadores acadêmicos e os sujeitos nas situações de trabalho. Uma introdução à ergologia pode ser vista em Schwartz e Durrive (2007).
  • 5
    Entre os trabalhos relativamente recentes, ver o desenvolvido por Barros de Barros, Heckert e Margotto (2008) e Assunção e Oliveira (2009).
  • 6
    Palavra de origem grega para se referir ao governo da cidade, constituição ou governo de muitos, relacionada à vida em comum.
  • 7
    Palavra de origem grega cujo sentido remete à ação de uma comunidade/sociedade exercida conscientemente sobre seus membros, tendo em vista a formação, a educação e a cultura de seus membros.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      03 Mar 2011
    • Aceito
      06 Mar 2012
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