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Herança moderna disciplinar e controle dos corpos: quando a escola se parece com uma "gaiola"

The modern inheritance of disciplining and controlling the body: how a school can function like a "cage"

Resumos

Este artigo foi escrito com base em uma pesquisa realizada no C.A. João XXIII/UFJF, no ano de 2010. Tomamos como inspiração a palavra "gaiola" para problematizar como a escola foi se constituindo como espaço que tem como uma de suas funções enclausurar os corpos para melhor controlá-los, sob uma perspectiva disciplinar. Para isso, buscamos as aproximações entre o pósestruturalismo e as teorizações de Michel Foucault. Isso significa dizer que estamos interessados nos discursos e práticas que constituem os sujeitos e sobre as relações de poder que envolvem conflitos, negociações, avanços e recuos. Aproximações que nos possibilitam assumir as escolas, os alunos e suas identidades como categorias em constante construção social, cultural e discursiva e, por isso, instáveis e incompletas. Pretendemos problematizar a construção do sujeito, moderno e atual, como objeto e produto das relações de poder/saber.

Disciplina; Sujeitos; Escolas


This article was written from a research conducted in the C.A. João XXIII/UFJF in the year of 2010. This article was written using a piece of research, conducted at the C.A. João XXIII/UFJF, in 2010, as its basis. For inspiration, we took the word "cage" to highlight how the school has transformed itself into a space where one of its functions is to imprison bodies in order to better control them, within a perspective of disciplining. To examine this issue, we search for the similarities between poststructuralism and Michel Foucault's theories. This means to say that we are interested in both the conversations and actions that individuals (the subjects) are comprised of, and in the power relationships, involving conflicts, negotiations, advances and retreats. This approach makes it possible for us to consider schools, students, and their identities, as categories undergoing constant social and cultural construction and, therefore, unstable and incomplete. We intend to highlight the problem of the construction of the subject, both contemporary and real, as object and product of power/knowledge relationships.

Discipline; Individuals; Subjects; Schools


ARTIGOS

Herança moderna disciplinar e controle dos corpos: quando a escola se parece com uma "gaiola"

The modern inheritance of disciplining and controlling the body: how a school can function like a "cage"

Anderson FerrariI; Wescley DinaliII

IDoutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professor do Colégio de Aplicação João XXIII e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: aferrari13@globo.com

IIMestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor temporário do Instituto Federal Sudeste de Minas (campus Barbacena). E-mail: wescleydinali@yahoo.com.br

Contato

RESUMO

Este artigo foi escrito com base em uma pesquisa realizada no C.A. João XXIII/UFJF, no ano de 2010. Tomamos como inspiração a palavra "gaiola" para problematizar como a escola foi se constituindo como espaço que tem como uma de suas funções enclausurar os corpos para melhor controlá-los, sob uma perspectiva disciplinar. Para isso, buscamos as aproximações entre o pósestruturalismo e as teorizações de Michel Foucault. Isso significa dizer que estamos interessados nos discursos e práticas que constituem os sujeitos e sobre as relações de poder que envolvem conflitos, negociações, avanços e recuos. Aproximações que nos possibilitam assumir as escolas, os alunos e suas identidades como categorias em constante construção social, cultural e discursiva e, por isso, instáveis e incompletas. Pretendemos problematizar a construção do sujeito, moderno e atual, como objeto e produto das relações de poder/saber.

Palavras-chave: Disciplina. Sujeitos. Escolas.

ABSTRACT

This article was written from a research conducted in the C.A. João XXIII/UFJF in the year of 2010. This article was written using a piece of research, conducted at the C.A. João XXIII/UFJF, in 2010, as its basis. For inspiration, we took the word "cage" to highlight how the school has transformed itself into a space where one of its functions is to imprison bodies in order to better control them, within a perspective of disciplining. To examine this issue, we search for the similarities between poststructuralism and Michel Foucault's theories. This means to say that we are interested in both the conversations and actions that individuals (the subjects) are comprised of, and in the power relationships, involving conflicts, negotiations, advances and retreats. This approach makes it possible for us to consider schools, students, and their identities, as categories undergoing constant social and cultural construction and, therefore, unstable and incomplete. We intend to highlight the problem of the construction of the subject, both contemporary and real, as object and product of power/knowledge relationships.

Keywords: Discipline. Individuals. Subjects. Schools.

"Gaiola"1 1 As falas, sejam dos alunos, sejam dos professores, técnicos entre outros, aparecerão sempre entre aspas e em itálico, distinguindo-se das citações e preservando as formas de expressão, sem a preocupação em corrigir a forma coloquial e a concordância gramatical. , palavra que compõe o título deste artigo, diz respeito à fala de um aluno do Ensino Médio do C.A. João XIII. No término da aula, caminhando em direção à saída do colégio, o aluno disse: "ainda bem que eu estou saindo dessa gaiola". A etimologia da palavra "gaiola" remete a clausura e prisão. Segundo Houaiss (2008), "gaiola" significa: "4 fig. prisão: cadeia, cárcere, cativeiro, cubículo, grades" (p. 427, grifos do autor). Recorrendo também a Ferreira (1986), encontramos: "s.f. 1. Pequena clausura, onde se encerram aves" (...) 2. Prisão para feras, jaula (...) 3. Fig. V. Cadeia" (p. 827, grifos do autor).

Tais falas e significados nos conduzem às produções de Foucault (1991), sobretudo no que se refere às aproximações entre instituições, disciplina, subjetividades, entre a escola moderna e a prisão. Dessas vinculações, nosso interesse é problematizar como a escola foi se constituindo como espaço que tem como uma de suas funções enclausurar os corpos para melhor controlá-los, sob uma perspectiva disciplinar. Assim sendo, a fala do aluno nos possibilita fazer aproximações entre nosso modelo de escola e o moderno2 2 Vemos que, para Foucault (1991), as sociedades modernas podem ser problematizadas como sociedades disciplinares. O filósofo defendeu que, a partir do sec. XVIII, apareceram várias práticas pedagógicas que foram fundamentais para a configuração de um modelo escolar disciplinar moderno. Essas questões sobre escola e modernidade serão detalhadas ao longo do texto. .

No entanto, a sensação que o aluno experimentava, à medida que ia saindo do colégio, era a de ficar fora das grades escolares, pelo menos por algumas horas, o que nos remete também à liberdade3 3 Trabalhar a escola sob a perspectiva disciplinar foucaultiana significa pensar sua constituição e suas práticas atravessadas por relações de poder-saber. Assim sendo, também nos aproxima das liberdades e resistências, uma vez que elas são partes constituidoras dessas relações. Esse artigo assume, portanto, as articulações entre estas categorias de análise: poder, resistência e transgressão. Conceitos que são entendidos como ações sobre ações, que se constroem continuamente e, talvez, em função de que resistência constitui força, é inseparável do poder, tal como ele está em todas as partes, como nos mostrou Foucault (2009). De acordo com Revel (2005), a discussão de Foucault sobre resistências aparece em seus estudos a partir dos anos 1970. Segundo a autora, o termo é precedido, nos trabalhos do filósofo, por outras noções, como é o caso da transgressão, que Foucault desenvolve na década de 1960. A transgressão está ligada à ideia de uma experiência-limite, ela afirma o limite como ilimitado. . São essas questões que nortearam uma pesquisa realizada, no ano de 20104 4 Esta pesquisa foi realizada na escola, no primeiro semestre de 2010. Como metodologia, foram utilizadas práticas de observação participativa nos espaços em que circulam alunos, professores e técnicos, como: sala de aula, coordenação do Ensino Médio, espaços de sociabilidade (corredores, pátios, quadras esportivas, cantinas, rádio escolar), entre outros. Também participamos de conselhos de classe e da reunião de pais e mestres. Além disso, foi feita análise documental, sobretudo do Regimento Escolar do Ensino Médio, e de documentos finais da comissão de Reforma do Ensino Médio. , junto ao Colégio de Aplicação João XXIII, da UFJF, na qual nos interessamos em pensar o modelo de escola que estamos vivenciando e sua relação com a constituição das subjetividades, sobretudo no que diz respeito à articulação disciplina e "indisciplina". Podemos entender o que a escola classifica como "indisciplina" a partir do conceito de resistência e liberdade em Michel Foucault.

Tomando essa fala como inspiração e partindo das teorizações foucaultianas, pretendemos problematizar a construção do sujeito, moderno e atual, como objeto e produto das relações de poder/saber. Então, para este texto, estabelecemos como objetivo pensar o sujeito como uma invenção proporcionada pelas técnicas disciplinares, que têm como um dos objetivos controlar os corpos para maior proveito. A escola, dessa forma, pode ser pensada como uma máquina de controle e organização dos corpos, implicada tanto na fabricação do sujeito disciplinar quanto da própria Modernidade. Problemáticas que nos aproximam da perspectiva pós-estruturalista, cujo foco recai sobre os discursos e práticas que constituem os sujeitos e sobre as relações de poder que envolvem conflitos, negociações, avanços e recuos. Essa perspectiva nos possibilita assumir as escolas, os alunos e suas identidades como categorias em constante construção social, cultural e discursiva e, por isso, instáveis e incompletas. Os sujeitos serão considerados, a partir de então, em sua historicidade, em suas formas de emergência e resultado de processos mais amplos de poderes e saberes.

Partimos, desta forma, das condições do presente, ou seja, fazer uma história do presente escolar, na intenção de buscar apontamentos para problematizar o estado das coisas que estão naturalizadas. Interessa-nos questionar as relações de poder na instituição escolar, mais especificamente no Ensino Médio de uma instituição federal, como o C.A. João XXIII. Como essas relações de sujeição foram construídas historicamente e ainda são renovadas no interior dessa instituição?

No entanto, não se trata apenas de confirmar os estudos sobre a escola na perspectiva disciplinar foucaultiana. O desafio é procurar pontos de fratura nas práticas de controle dos corpos, para se problematizar outros espaços, em suma, espaços pautados numa ética da resistência, como problemáticas para busca de uma ética como estética da liberdade. As reflexões que se seguem se inserem na proposta filosófica de Foucault, definida como uma ontologia do presente ou de nós mesmos. Isso significa uma reflexão sobre os limites históricos que nos são impostos. As práticas que nos levam a pensar, agir e ser de determinada maneira, em resumo, o que nos tornamos (FOUCAULT, 1998). Assumimos a inquietação do filósofo em transgredir os limites dessa realidade que nos constitui. Dessa forma, assim como nos estudos de Foucault, este artigo se insere numa preocupação maior com a busca de práticas de liberdade.

Situando o C.A. João XXIII/UFJF

Na intenção de situar o C.A. João XXIII na herança e na tradição moderna, nos aproximamos do contexto histórico em que ele nasceu, ou seja, durante o regime militar, momento em que nossas escolas foram fortemente disciplinadoras (GALLO, 2006). Somada a isso, podemos pensar na influência cristã de seus fundadores.

Sem a pretensão de fazer uma história detalhada da instituição, é importante deixar claro que esta pesquisa não foi sobre o Colégio, mas no Colégio, e, mais especificamente, no Ensino Médio.

O C.A. João XXIII é uma instituição integrada à estrutura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) como unidade acadêmica. Atualmente, ministra cursos de Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA). O Colégio foi fundado em 1965, inicialmente como Ginásio de Aplicação João XXIII, ligado à Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora (Fafile).

O nome é uma homenagem ao papa João XXIII, figura marcante na renovação da Igreja Católica. A escolha se deu em virtude dos princípios cristãos do grupo de professores fundadores do Colégio, que, de início, foi criado como uma "escola de experimentação, demonstração e aplicação", com a finalidade de atender licenciados em termos de pesquisa e realização de estágios supervisionados. Nesse período, a escola contava com a primeira série ginasial (atual 6º ano) formada por apenas 23 alunos. Em 1968, com a Reforma Universitária, a Fafile foi extinta, o que gerou os Institutos Básicos e a Faculdade de Educação. Com essas mudanças, o Ginásio passou então a Colégio de Aplicação João XXIII, ficando vinculado à Faculdade de Educação.

No final da década de 1980, o Colégio desvinculou-se da Faculdade de Educação e ligou-se, administrativamente, à Pró-Reitoria de Ensino e Pesquisa, atual Reitoria de Graduação. E, finalmente, em 1998, a instituição tornou-se uma unidade acadêmica, o que possibilitou a ela adquirir mais autonomia, já que passou a ter assento no Conselho Superior da Universidade. Essa mudança facilitou a aproximação com a administração superior e favoreceu a ampliação de recursos financeiros e humanos para a instituição (SACÇO, 2009).

Ao longo dos seus 45 anos de existência, várias mudanças importantes ocorreram na instituição: foram implantadas as séries iniciais do Ensino Fundamental, em 1980; o Ensino Médio, em 1992; o curso para educação de Jovens e Adultos, em 1997-1999; o Curso de Especialização em Prática Interdisciplinar, em 2000; a reforma do Ensino Fundamental, a partir de 2005; a criação da primeira turma de Educação Infantil, em 2006; a abertura do curso de Jovens e Adultos para a comunidade, em 2007; a criação da Comissão de Reforma Unificada do Ensino Fundamental e Médio, em 2007; a implantação do Ensino Fundamental em nove anos, em 2008; a introdução das disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio, em 2008; o oferecimento da língua Inglesa para todos os anos do Ensino Médio e Fundamental; a introdução da língua espanhola e a ampliação da carga horária das disciplinas de Filosofia e Sociologia para todos os anos do Ensino Médio, por meio da expansão da carga horária para o turno da tarde, em 2010.

Atualmente, o Colégio conta com cerca de 1250 alunos matriculados, em 28 turmas de Ensino Fundamental e nove turmas de Ensino Médio, além de sete turmas que atendem os alunos do curso de Educação de Jovens e Adultos. O quadro docente conta com 58 professores efetivos, em regime de dedicação exclusiva, e 41 professores substitutos, além de técnico-administrativos em educação. Quanto à sua estrutura física, apenas para situar, o Colégio possui um prédio (o mais antigo e maior) onde funciona o Ensino Fundamental, e outro prédio para o Ensino Médio, com arquitetura mais contemporânea (toda de vidro azulado na parte da frente).

Durante esses anos de existência, o Colégio consolidou-se, junto à UFJF e à comunidade, como uma instituição de ensino "reconhecida pela qualidade de trabalho desenvolvido, e por seu compromisso com a educação voltada para a formação dacidadania" (C.A. JOÃO XXIII, 2002, p. 1). Além disso, ele também atua como campo de estágio dos licenciados da UFJF. Ferrari (2003) ressalta que o Colégio de Aplicação é um espaço privilegiado de estágios, pois ele serve de campo de observação, elaboração e direção de aulas. "O Colégio também vem obtendo reconhecimento pelo seu desenvolvimento em projetos de extensão e pesquisa, essencialmente na área de educação" (C.A. JOÃO XXIII, 2002, p. 1). Outra questão destacada por Ferrari (2003) é que essa instituição se tornou um local de intensa discussão educacional, abrindo espaço para testar novas metodologias de ensino, novas abordagens, avaliar mecanismos pedagógicos, etc.

A filosofia do Colégio de Aplicação João XXIII está voltada "para a formação do cidadão crítico, criativo e comprometido com a construção de uma sociedade mais justa, livre e fraterna". E essa opção se desdobra na ênfase do conhecimento como tarefa primordial, na valorização dos conteúdos como patrimônio de todos. Desde o início de suas atividades, o Colégio firma uma séria responsabilidade com a formação humana de seus alunos, assumindo o compromisso de funcionar como escolalaboratório, atuando, dessa forma, na formação de seus alunos e de novos professores. O ingresso dos alunos no Colégio, atualmente, é feito por meio de sorteio e "reforça o caráter democrático da instituição"5 5 Extraído do vídeo de comemoração de 40 anos. .

O João XXIII segue, ainda, a tradição dos colégios de aplicação federais. Os princípios que nortearam a criação dessas escolas fizeram com que elas fossem conhecidas como escolas-laboratórios, tendo como missão oferecer uma abordagem educacional direcionada para alunos e professores. Algumas funções desses colégios são: criar ambiente para realização de pesquisas tanto de alunos quanto de professores; servir de laboratório para experimentação de práticas pedagógicas; servir de campo de estágio; propiciar o desenvolvimento e a experimentação de práticas curriculares, além de um local favorável para a capacitação continuada de docentes e outros6 6 Essas informações foram obtidas na Agenda do Aluno 2010. .

O Ensino Médio do João XXIII: espaço de discussões

O Ensino Médio (antigo Segundo Grau) foi implantado em 1992, com "uma turma de formação geral (científico) e uma turma de magistério". Em 1996, o Ensino Médio foi ampliado para mais uma turma de científico. Em virtude das "mudanças na legislação sobre formação de professores para o ensino fundamental, 1º e 2º ciclos, e a consequente falta de perspectiva para a atuação do profissional de nível médio", nofinal de 1999, o colégio decidiu extinguir o curso de Magistério (C.A. JOÃO XXIII, 2002, p. 1).

O que chama a atenção é que, desde sua implantação, o Ensino Médio vem sendo espaço de debates e discussões, envolvendo dirigentes, coordenadores, chefes de departamento, professores e funcionários. Isso levou o Conselho Diretor do Colégio, em abril de 1999, a organizar uma comissão, nomeada pela direção da escola, para estudos que visavam à reformulação do Ensino Médio. Inicialmente, essa comissão era composta pelos chefes de departamentos e coordenadores do Ensino Médio e, posteriormente, foi ampliada para a participação de mais um membro de cada departamento7 7 O Colégio possui os seguintes departamentos: Ciências Humanas, Ciências Naturais, Educação Física, Matemática e Letras e Artes. (C.A. JOÃO XXIII, 2002, p. 1).

Como discute Ferrari (2003), a Proposta de Reformulação do Ensino Médio do C.A. João XXIII nasceu da constatação do "desinteresse dos alunos pelo que era proposto pela escola, e que muitas vezes foi identificado pelo crescimento da indisciplina, resistência às atividades pedagógicas e fracassos escolares" (p. 14). Tais constatações conduziram à percepção do coletivo da escola de que "a atitude a ser tomada não poderia ser o que realmente se adota (...) o reforçar punições e o manter reprovações" (FERRARI, 2003, p. 14). Nesse sentido, a comissão surgiu para pensar mudanças motivadas, sobretudo, pelo reconhecimento da necessidade de se repensar, de fato, uma grade curricular "inchada", extensa, caracterizada por uma abordagem fragmentada e, muitas vezes, repetitiva dos conteúdos ensinados. Isso causava o descontentamento de professores e alunos.

As primeiras discussões da comissão levaram ao delineamento de uma proposta que se sustentava em três pilares: integração, flexibilidade e autonomia (C.A.JOÃO XXIII, 2002). Com isso, foi tomando forma a necessidade de pensar um currículo que possibilitasse a prática interdisciplinar, promovendo a integração entre as diferentes áreas, possibilitando um currículo menos extenso, mais contextualizado evoltado para a criação de "habilidades básicas" (C.A. JOÃO XXIII, 2002, p. 1).

No entanto, esse novo currículo demandaria uma diversificação das técnicas e dos métodos de ensino, buscado renovação e adaptação às novas tecnologias disponíveis; investimento no trabalho de equipe; cooperação e integração de docentes na operacionalização da prática educativa; reformulação dos processos de avaliação daaprendizagem (C.A. JOÃO XXIII, 2002, p. 2). Nesse sentido, acrescenta Ferrari (2003), a comissão buscou pensar um modelo de currículo que priorizasse a "integração entre disciplinas e a realidade dos alunos" (p. 14). E por trás dessa proposta "está a recuperação da liberdade e autonomia dos alunos, buscando, através do diálogo, uma nova prática pedagógica e uma nova relação entre professores-alunos-saber-poder" (FERRARI, 2003, p. 14).

Para Ferrari (2003), propor tais questões significa olhar para os alunos de outra forma e, principalmente, desenvolver um tipo de relação entre professor, aluno e conhecimento diferente do que vigora, isto é, agora baseado na construção coletiva e dialógica. Entretanto, segundo Ferrari (2003), essa proposta de reformulação causou muitas resistências, reveladas muitas vezes por medos da comissão em aceitar mudanças, o que tornava as discussões lentas. Para o autor, isso é fruto de uma herança escolar moderna, pautada muitas vezes em uma visão de professor como transmissor de conhecimento, na educação como catequização (herança jesuíta), em disciplina e controle, enfim, em governo do alunado. Nesse sentido, pensar em autonomia, liberdade de ação de alunos é bater de frente com esse modelo escolar.

Enfim, resta destacar que essas discussões em torno do Ensino Médio foram fundamentais para a escolha desse espaço como campo privilegiado desta pesquisa. Desde sua implantação, em 1992, o Ensino Médio do Colégio de Aplicação João XXIII vem se constituindo como um espaço de debates e discussões, espaço também onde vêm sendo experimentadas diferentes práticas pedagógicas. Assim sendo, parece interessante pensar as relações estabelecidas entre alunos, entre professores e alunos, entre escola e alunos, numa escola constituída, na sua origem, como local de experimentação. Como esse modelo dialoga com nossa herança moderna de escola?

A construção da escola moderna disciplinar e o controle dos corpos

Não é nenhuma novidade dizer que a escola, na sua configuração atual, se caracteriza como uma instituição com heranças modernas; ou que ela vem funcionando, desde o século XVIII, "como a mais importante instituição capaz de moldar disciplinarmente os indivíduos que ela toma para si" (VEIGA-NETO, 2008, p. 145). O C.A. João XXIII, assim como tantas outras escolas, foi se constituindo no interior dessa tradição. Em função disso, foi possível refletir como o cotidiano de seu Ensino Médio é marcado por relações de força que buscam disciplinar e controlar o corpo escolar. Durante as observações, professores, técnicos, coordenador, pais e os próprios alunos associaram a boa aprendizagem, o bom rendimento escolar, à disciplina. Dessa forma, a "indisciplina" aparece como um fator-problema. É aí, talvez, que entra o fato de o Colégio buscar controlar ainda mais essas relações.

Inspirados nas teorizações foucaultianas, a relação entre disciplina/indisciplina e o rendimento escolar nos convida a ver essa instituição e a problematizá-la como sendo uma maquinaria disciplinar. Foucault nos ajuda a pensar como a disciplina foi fundamental para o funcionamento da escola. Como essa instituição8 8 Não só essa instituição, mas também o hospital, a fábrica, o quartel, a prisão. Para mais detalhes Cf. Foucault (1991). foi crucial para a instauração de uma sociedade disciplinar (que podemos chamar também de moderna) e para a produção do sujeito moderno. Em suma, ferramentas que nos possibilitam problematizar a construção da escola como lugar de disciplinarização dos corpos e compreendê-la como prática de normalização dos sujeitos (LARROSA, 2000).

Como ressalta Deleuze (2006), uma das ideias centrais de Foucault, em Vigiar e Punir (1991), é que as sociedades modernas podem ser definidas como sociedades disciplinares. O nascimento das diferentes instituições disciplinares, como a escola, a fábrica, o hospital e a prisão, representaram um conjunto de transformações que dialoga com a invenção de uma nova mecânica de poder, bastante diferente das relações de soberania anteriores. A teoria do poder soberano estava mais ligada a uma forma de poder que se exercia sobre a terra e seus produtos, dizia respeito à extração e à apropriação pelo poder de bens e de riqueza. O modo como o poder era exercido podia ser transcrito pela relação soberano/súdito, ou seja, esse tipo de relação de poder estava fundamentado na existência física do soberano.

Diferentemente dessas relações de soberania, essa nova mecânica do poder9 9 É importante destacar que, como nos ensina Gallo (2006), Foucault, ao analisar a conformação histórica do poder, mostrou três modelos de exercício na Modernidade: o de soberania, o disciplinar e, posteriormente, o biopoder. Eles não se excluem, mas se completam. De acordo com Foucault (2005; 2009), o biopoder vai aparecer durante a segunda metade do século XVIII. É importante entender que o biopoder não exclui a técnica disciplinar. Como mostra Foucault (2005, p. 289), "ela a embute, a integra, a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia". age muito mais ao nível dos corpos do que na terra, e isso a partir de processos de sujeição, de direção dos gestos e dos comportamentos. Ele extrai dos corpos tempo etrabalho, mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce por meio da vigilância, da hierarquia, das inspeções, das escrituras e dos relatórios. Torna os corpos úteis, aumentando suas forças pelos exercícios e treinamentos. Enfim, é o que podemos chamar de uma microfísica do poder (FOUCAULT, 1991; 1998).

Para Foucault (1991, p. 130), foi do poder disciplinar que nasceu o "homem do humanismo moderno". "As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas" (FOUCAULT, 1991, p. 195). Defende Foucault (1991) que houve, durante essa época, "uma descoberta do corpo como objeto e alvo do poder (...) corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam" (p. 125). A disciplina como arte do controle do corpo humano não visa unicamente ao aumento de suas habilidades, nem aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que, no mesmo mecanismo, o torna tanto obediente quanto mais útil (e vice-versa).

Diante disso, podemos dizer que a disciplina é uma modalidade do poder, uma forma mesma do poder. Para tanto, ela se caracteriza por métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo e que realizam a sujeição de suas forças, impondo-lhes uma relação de docilidade/utilidade. A função da disciplina é se apropriar do corpo com a finalidade de aproveitar o máximo de suas potencialidades (FOUCAULT, 1991).

No que se refere às sociedades disciplinares, a forma ideal para o exercício desse tipo de poder pode ser exemplificada pelo modelo arquitetônico do panóptico, definido, ou melhor, projetado, inicialmente, pelo jurista inglês Jeremy Bentham (FOUCAULT, 1998; 1991). Seu princípio arquitetural é conhecido por um edifício em forma de anel com uma torre central. O anel era dividido em pequenas celas com janelas, que davam tanto para o exterior, permitindo a entrada da luz, quanto para o interior, correspondendo às janelas da torre. Bastava então colocar um vigia na torre central e, em cada cela, trancar um louco, um doente, um condenado, um operário, um escolar. Esse tipo de construção assegurava a vigilância ao mesmo tempo global e individualizante, organizando o espaço para atingir objetivos econômicos e políticos.

Como mostra Foucault (1991), o modelo panóptico funcionava como um laboratório de poder, ele era o diagrama do mecanismo disciplinar, em sua forma ideal, a utopia de um controle perfeito. Longe de ser compreendido apenas como um "edifício onírico", ele representava, na realidade, uma "figura da tecnologia política" (FOUCAULT, 1991, p. 181). O panóptico funcionava como um zoológico real, onde o animal era substituído pelo homem. Ele apareceu como uma jaula cruel e sábia e, dele até nosso tempo, surgiram variadas projeções (FOUCAULT, 1991)10 10 É fundamental trazer para essas discussões uma observação de Deleuze (2006). Segundo o filósofo, Foucault ora determina o panóptico como um agenciamento óptico, ora, abstratamente, que atravessa regularmente todas as funções enunciáveis, ou seja, ela não se aplica apenas a uma matéria visível, como a prisão, a escola, o hospital. Portanto a forma abstrata do panoptismo não é mais, então, "ver e ser visto", "mas impor uma conduta qualquer a uma multiplicidade humana qualquer" (DELEUZE, 2006, p. 43, grifo do autor). . Jaula que nos aproxima da palavra "gaiola" e nos ajuda a significar o desabafo do aluno, ao estabelecer a relação comparativa da escola em que ele estuda com a "gaiola". Isso ajuda a pensar como essa tecnologia do poder está presente, de alguma forma, na escola, os vários panópticos que podemos pensar no interior dessa instituição. A "gaiola" é a escola desse aluno – o C.A. João XXIII –, que se parece com uma prisão, espaço de vigilância, de horários fixos, marcação do tempo, regras e mais regras, lugar de domesticação.

Andando pelo Colégio, é possível observar a semelhança com o presídio: as grades que o cercam, o controle do portão e o porteiro na entrada; os grandes corredores fechados, no prédio do Ensino Fundamental, e as salas enfileiradas, com escotilhas nas portas, permitindo, a quem circula pelos corredores, ter uma visão do interior das salas de aula; o pátio centralizado entre os dois prédios.

Corredores, salas enfileiradas, carteiras em filas na frente do quadro negro, espaço destinado ao professor na frente dos alunos, permitindo ao mestre melhor visão dos corpos e do espaço, janelas altas das quais, quando sentados nas carteiras, os alunos pouca visão têm do exterior. Algo também que nos chamou a atenção foi o espaço "fixado" da coordenação. Do seu interior, tem-se a visão estratégica das salas no andar de cima, da circulação nesse mesmo piso e também visão ampla do pátio, em função do grande espelho que dá para esse espaço. Porém, quem está de fora do prédio não tem nenhuma visão do interior da coordenação ou das salas, devido à película azul que cobre o vidro. "A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola (...) um conteúdo laicizado, uma racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito" (FOUCAULT, 1991, p. 129).

Escola – lugar para ensinar, "vigiar e punir"

Segundo Foucault (1991), em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes que lhe impõem limitações, proibições e obrigações. Porém, no século XVIII, as disciplinas se tornaram formas gerais de dominação. Elas inauguraram

o tempo de um novo olhar, o olhar às insignificâncias, às coisas pequenas, aos detalhes, para melhor controle e utilização do homem. Os suportes do poder disciplinar são asinstituições (BELTRÃO, 2000). A escola se configura, assim, como uma máquina do poder disciplinar, da mesma forma o hospital, o exército, a fábrica e a prisão. Na escola, entre os funcionamentos do poder disciplinar estão os mecanismos que buscam o controle dos corpos que nos chamam a atenção por sua relação com a produção das indisciplinas. Para tanto, a primeira das grandes operações da disciplina é a organização dos indivíduos, a distribuição dos indivíduos num dado espaço.

A "disciplina às vezes exige a cerca", como diz Foucault (1991, p. 130), um espaço fechado para melhor controle dos indivíduos, para melhor domínio e utilidade das forças dos corpos. Pensando isso, no contexto do C.A. João XXIII, seus muros, as telas que o cercam, permitem, em primeira instância, especificar um local fechado em si mesmo11 11 Interessante que essas telas e muros que cercam o Colégio estão centradas na parte dianteira e nas laterais, uma vez que, na parte traseira da instituição, encontra-se um grande "paredão", digamos, com mata de difícil acesso. . Além disso, esses obstáculos possibilitam centrar o fluxo de indivíduos para o portão de entrada e saída, permitindo, assim, o controle, por exemplo, dos porteiros sobre os indivíduos que entram e saem da instituição. Só é permitido aos alunos passar pelos portões nos horários determinados e a sair apenas com a autorização da coordenação. O indivíduo deve se identificar e justificar sua entrada, no caso de não ser professor, aluno, etc. Cercar um espaço propicia também o melhor controle das circulações em outros locais, como o pátio, os corredores, a cantina e os banheiros. A intenção da cerca é concentrar as forças e neutralizar os inconvenientes, como possíveis fugas, dispersões, ou seja, tudo aquilo que possa escapar à disciplina (FOUCAULT, 1991).

A partir disso, podemos pensar em outros tipos de cerca que a escola vai produzindo. Existe uma separação entre os prédios do Ensino Médio e do Fundamental. O efeito é que não é muito comum ver alunos do Fundamental no prédio do Ensino Médio12 12 A intenção, aqui, não é considerar o contexto que levou a essa divisão, uma vez que o C.A. João XXIII ocupou um prédio que era do curso de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mas, antes, levar em questão os efeitos disso hoje. . Os uniformes dos alunos do Médio e do Fundamental são diferenciados. Para o primeiro a camisa é preta; para o segundo, azul. Isso tudo vai impondo limites, determinando lugares, fronteiras. Podemos dizer que isso organiza a atitude de uma professora que foi à coordenação pedir a uma técnica educacional para chamar a atenção de alunos do Ensino Fundamental que estavam brincando no pátio perto de uma das salas do Ensino Médio. Esses alunos, de acordo com a professora, estavam atrapalhando o andamento da aula e não poderiam ficar naquele local. A professora não somente está determinado um limite como também está determinada por ele. Sua ação só foi possível porque esse limite está incorporado por ela. Ele a faz agir como se aquele espaço não pudesse ser, ou não devesse ser, ocupado pelos alunos do Fundamental; como se ali fosse um espaço "exclusivo do Ensino Médio", mesmo que ninguém, explicitamente, tenha determinado isso. Limites e fronteiras que vão construindo espaços e pessoas no interior das escolas, no exercício de suas funções, porque distribuir, impor cercas, é uma marca da escola disciplinadora. A escola como espaço fixado, cercado, produz diferentes formas e conjuntos de cercas para controlar e produzir corpos controlados. Limites e fronteiras que também produzem e dizem de transgressões, resistências, disciplinas e indisciplinas.

Porém, o princípio da cerca não é o único nos aparelhos disciplinares. Se o claustro trabalha esse controle dos corpos fora e dentro do espaço escolar, o dispositivo do quadriculamento espacial organiza-os dentro desse espaço fechado. Ele permite estabelecer, para cada indivíduo, um lugar fixo, exato, uma função para diretores, professores, alunos, técnicos, coordenadores, estagiários, cantineiros, pais, entre outros.

Nesse sentido, o Regimento Interno do C.A. João XXIII é emblemático porque nele está presente um conjunto de regras que regulamentam a estrutura de seu funcionamento. Encontramos artigos destacando, detalhadamente, sobre a constituição, a função, a hierarquia, os direitos e os deveres de cada um dentro da instituição13 13 O C.A. João XXIII estrutura-se em: Órgãos Colegiados, Direção, Órgãos Pedagógicos, Secretaria e Órgãos Suplementares (C.A. João XXIII, 2006). . Dessa forma, está definida determinada organização, por exemplo, para o diretor, para os alunos, os professores, os coordenadores, os técnicos, os pais e os estagiários no interior do Colégio. Uma série de regulamentações que dão funções para o corpo escolar, que estabelecem lugares, enfim, que enquadram. Nesse caso, pode-se refletir que o Regimento Interno do C.A. João XXIII é um sistema de regras explícitas e, nele, figuram os objetivos da instituição quanto ao seu processo de funcionamento. Ele é um tipo de dispositivo que distribui os corpos dentro da instituição, limitando, ordenando, padronizando, em suma, organizando-os no espaço fechado, dando a cada um seu lugar na cadeia disciplinar escolar.

De acordo com Foucault (1991), o quadriculamento é um tipo de técnica disciplinar que permite estabelecer presenças, ausências, saber onde localizar os indivíduos, promover as comunicações úteis e interromper as perigosas. Tudo isso para melhor servir-se dos corpos, vigiar o comportamento, apreciar, sancionar, medir as qualidades, punir os erros, se for o caso. São procedimentos para "conhecer, dominar e utilizar" (FOUCAULT, 1991, p. 131), pois é necessário à disciplina anular os efeitos indesejáveis, "o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração" (FOUCAULT, 1991, p. 131).

A disciplina exige também a fila. Como mostra Foucault (1991), ela é a "arte de dispor em fila (...) técnica para formação dos arranjos" (p. 133). A fila define cadaespaço que o indivíduo deve ocupar porque ela classifica, organiza e hierarquiza. É interessante colocar isso sob suspeita para verificar como essas questões estão naturalizadas e não despertam mais atenção, e estão na constituição mesma do modelo escolar. Trata-se de algo que também serve para organizar o Regimento Interno do C.A. João XXIII, dando função, diferenciando, classificando, hierarquizando os indivíduos, de forma que vai organizando esses corpos escolares em fila hierárquica. Primeiro o Diretor, depois os professores, seguidos pelos técnicos, os alunos e os pais.

Beltrão (2000) mostra que é muito comum, nas escolas, organizar os alunos em filas nos pátios, nos corredores, nos banheiros, nas salas de aula (uma carteira atrás da outra). O critério de organização na fila pode ser o tamanho (do menor para o maior), o comportamento (do mais ao menos comportado), o sexo (meninos de um lado e meninas do outro). Todavia, esse enfileiramento escolar não se esgota apenas no espacial, pois os alunos também são classificados por suas tarefas, seus resultados nas provas, idade, aproveitamento, série, isto é, uma sucessiva hierarquização do saber e das capacidades.

Algo que deve ser ressaltado é com relação à nota dos alunos, como ela possibilita outra forma de enfileiramento. A nota possibilita criar uma sucessiva hierarquização porque ela segue definindo, separando, classificando o "bom" e o "mau" aluno. Em uma aula de matemática no 2º ano, o professor chegou a fixar uma folha com as notas dos alunos no quadro de recados da sala. Os próprios alunos, logicamente capturados por esses efeitos do poder, zombavam daqueles com as piores notas ou elogiavam aqueles com as melhores notas. Na reunião do conselho de classe, a nota surgiu como fator determinante e critério de separação dos "bons" e "maus" alunos ou mesmo daqueles que necessitavam ou não frequentar o Laboratório de Aprendizagem (L.A.)14 14 L.A. é um espaço de aprendizagem, de caráter obrigatório, realizado em horários próprios. O objetivo desse espaço é atender às demandas específicas dos alunos para os quais o tempo estipulado na matriz curricular para os trabalhos desenvolvidos não foi suficiente. É uma espécie de recuperação, um atendimento ao aluno com aproveitamento "insuficiente ou com dificuldade de aprendizagem". O aluno que frequenta o L.A. é indicado pelo professor quando apresenta dificuldades específicas, aproveitamento inferior a 60%, obtenção de conceito I (inapto) ou indicação, por professor, em conselho de classe (informações extraídas da Agenda do Estudante, 2010). . Para tanto, é relevante compreender que organizando a cerca, os lugares e as filas, a disciplina cria espaços ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. Uma das funções desses processos é procurar garantir a obediência dos indivíduos e a melhor economia do tempo e dos gestos (FOUCAULT, 1991).

Outra importante operação da disciplina é o controle da atividade. Nesse contexto, temos o horário útil, regular, produtivo. De acordo com Foucault (1991), o horário é uma velha herança monástica de que as disciplinas não tiveram dificuldade para se apropriar. Logo, esse tipo de controle se difundiu nos colégios, nas oficinas enos hospitais. A escola disciplinar carrega marcas profundas desse rigor do tempo. É muito comum essa instituição dividir os períodos, as aulas, as tarefas, os intervalos, os momentos de lazer em séries temporais, para melhor uso e aproveitamento do tempo, para melhor ajustar o corpo a ele. Destrinchar o ano letivo em semestres ou trimestres, como é o caso do C.A. João XXIII, permite a constituição de um tempo útil para o processo escolar. Controlar o horário é uma forma de garantir ou buscar a qualidade do tempo empregado.

Toda essa regulamentação temporal permite condicionar o processo produtivo das atividades escolares. Perder tempo é perder produção, daí, talvez, o sentido da pontualidade, da punição para quem resiste a esse controle. Todavia, o horário controlado não é o único nos aparelhos disciplinares. De acordo com Beltrão (2000), os currículos, os programas e os planos de ensino nada mais são que grandes elaborações temporais de atos coletivos. Esses programas prescrevem a duração (curso, semestre, mês, dia), a amplitude (seleção dos saberes) e possibilitam direções (planejamento dirigido), no que se refere ao processo escolar.

Algo que permite exemplificar sobre tais questões é o conteúdo do ensino Médio voltado para o PISM, da UFJF15 15 A UFJF possui dois processos de ingresso: o Vestibular e o Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM). O PISM é prestado de maneira seriada, no decorrer das séries do Ensino Médio. . Isso foi algo que transpareceu em algumas falas de professores, alunos, coordenadores e mesmo de pais dos alunos. Nas aulas observadas, tais como as de Matemática, Português, Física e Biologia, os professores faziam questão de frisar que a matéria dada era conteúdo para o PISM. Na reunião de pais, a pergunta de uma mãe de aluno, que rendeu bastante discussão, foi se o conteúdo do Ensino Médio estava sendo realmente voltado para o PISM. Alunos cobrando do professor matéria voltada para o PISM foi algo que apareceu muito frequentemente, na sala de aula. No dia do resultado de uma das Etapas do PISM, as aulas praticamente pararam devido à excitação dos alunos para consultarem as notas na Internet. A coordenação, por exemplo, ficou bastante movimentada devido à presença dos estudantes. Um professor chegou a suspender a aula para os alunos consultarem os resultados.

Podemos pensar o PISM como uma forma de programa que permite o controle em cadeia. Professores sobre alunos ("gente isso é matéria para o PISM, presta atenção"), alunos sobre professores ("professor, isso aí cai no PISM?"), pais sobre professores ("o Colégio realmente tá oferecendo conteúdo para o PISM?") e, por que não pensar, também professores sobre pais, pais sobre alunos. Em todo caso, o PISM permite controlar, selecionar, dirigir o tipo de saber que será ensinado, ou seja, um tipo de saber que treina os escolares para o ingresso na universidade. Ele é um tipo de programa que ajusta o corpo à produção (entrar na UFJF). O PISM impõe, ordena, coordena, ajusta, em resumo, controla o corpo escolar.

Porém, o controle disciplinar das atividades não se resume apenas a ensinar ou mesmo impor um conjunto de gestos determinados, no caso, um programa. Um bom emprego do tempo exige também exercício do corpo que procura acabar com o tempo e espaço para ociosidade ou a improdutividade dos indivíduos. Daí o investimento em medidas punitivas com relação às "indisciplinas", como é o caso do C.A. João XXIII. A escola, muitas vezes, procede como um aparelho que intensifica a utilidade do tempo, procura impor uma organização temporal interna, que impõe ritmos, normas que buscam uma resposta pronta e ordenada dos inseridos nela. Assim, o dia escolar se desdobra em turnos. O dia escolar também é transformado em hora-aula (50 minutos cada uma); para cada término das aulas, ouve-se o toque da sirene para que os professores troquem de sala ou, eventualmente, os alunos (para laboratório, para aula de educação física, para o pátio). A escola busca um aprendizado, uma formação quecaiba numa duração, e não o contrário (BELTRÃO, 2000). Isso porque "quanto mais se decompõe o tempo, quanto mais se multiplicam suas subdivisões, quanto melhor o desarticulamos (...) mais então pode-se acelerar uma operação, ou pelo menos regulá-la segundo um rendimento ótimo" (FOUCAULT, 1991, p. 140).

Entretanto, a disciplina não se esgota apenas nessa técnica que reparte os corpos, extrai e acumula o tempo, pois ela também é combinatória, ou seja, compõe as forças dos corpos para melhor eficiência. O corpo individual também se torna uma peça do poder disciplinar que pode ser movido de um lugar para outro, articulado com outras forças, colocado no lugar que ele deve ocupar e para ser mais produtivo. "Inserção funcional do corpo (...) mas também inserção desse corpo-segmento em todo um conjunto com o qual se articula" (FOUCAULT, 1991, p. 148).

No que se refere à Direção, a instituição só poderá ser dirigida pelo Diretor Geral e pelo Diretor de Ensino, que deverão ser "docentes da carreira de Magistério de 1º e 2º grau lotados nesse Colégio" (C.A. João XXIII, 2006, p. 8). Repare-se como esses docentes são utilizados para outros cargos a serem exercidos, isso porque, compondo as forças, esse efeito disciplinar torna o corpo singular "um elemento que se pode colocar, mover, articular com outros" (FOUCAULT, 1991, p. 148). Nesse sentido, o Diretor Geral poderá também ser "substituído, em suas ausências e impedimentos, pelo Diretor de Ensino" (C.A. João XXIII, 2006, p. 8). Outro exemplo que acontece no C.A. João XXIII é o da constituição da Congregação16 16 "A Congregação é o órgão máximo de deliberação interna do C.A. João XXIII, em questões de políticas internas, administrativas, pedagógicas, normativas e de planejamento" (C.A. JOÃO XXIII, 2006,p. 3). . Para sua função, ela será composta pelo Diretor Geral da unidade como presidente, pelo Diretor de Ensino de unidade, pelos professores efetivos, pelos servidores técnicos permanentes no Colégio (proporção de 15%) e pelo representante dos discentes, na figura do presidente doGrêmio Estudantil (C.A. JOÃO XXIII, 2006, p. 8). Esse tipo de composição de forças mostra como, na maquinaria escolar, cada nível e movimento dos indivíduos é articulado, de alguma forma, no processo geral de escolarização. O corpo, peça dessa maquinaria, vai se combinando a diferentes peças, somando forças coletivas disciplinadas para manter as engrenagens da máquina em pleno vapor. Essas peças são deslocadas umas em relação às outras, tornando essas forças úteis para o processo escolar: O estagiário pode dar aula e fazer algum tipo de serviço burocrático; o bom aluno torna-se monitor; o professor é deslocado do Ensino Médio para o Fundamental e vice-versa, substitui o outro que faltou; a técnica educacional é utilizada para aplicar algum exercício ou prova, na ausência de um professor; o aluno é inserido no processo de pesquisa científica; o professor transforma-se também em coordenador de ensino. Cada indivíduo pode ser rentável dentro do processo produtivo escolar, basta saber combinar as forças e utilizá-las produtivamente.

O espaço escolar foi sendo organizado com esse cuidado em torno da visibilidade hierárquica. Defende Beltrão (2000) que a escola, antes de ser uma construção material, é uma máquina que sujeita os corpos. Antes de ser um espaço que abriga, é um espaço que fixa e ensina. Nas salas de aulas do C.A. João XXIII, as carteiras postas em fileiras, na frente do quadro-negro, permitem que o professor ocupe um lugar privilegiado, obtendo ampla visão de toda a sala. Nesse sentido, ele tanto ensina quanto vigia os alunos, chama a atenção dos "indisciplinados", controla a conversa paralela. As portas das salas de aula, sempre voltadas para o interior dos corredores, permitem o controle do fluxo dos corpos escolares. Numa ocasião, dentro da sala da coordenação, uma técnica observava um aluno entrar de mochila no banheiro. Ela esperou ele sair para perguntar o que ele estava fazendo lá, uma vez que, segundo a mesma, o aluno não poderia "ficar de mochila na hora da aula no corredor".

Podemos tomar como exemplo também a chamada que os professores fazem cada vez que entram para a sala de aula ou em uma turma diferente17 17 De acordo com o Art. 58 do Regimento Interno, "compete ao professor o registro e a apuração da assiduidade dos alunos" (C.A. JOÃO XXIII, 2006, p. 16). . Ela funciona como forma de vigilância que estabelece presenças e ausências. Um aparelho de observação e registro que permite comparações, classificações, hierarquizações. Por esse processo de "policiamento" é possível tomar medidas corretivas ou punitivas em relação àqueles a quem ela se aplica. Mais do que isso, constrói sujeitos, os "faltosos", por exemplo, determinados e produzidos por esse mecanismo de vigilância e controle. Para esse tipo de sujeito, a "chamada" possibilita identificar e agir corretivamente: o coordenador conversava com o aluno ou ligava para os responsáveis ou, ainda, fazia o aluno assinar um termo de compromisso de frequência, comprometendo-se a ser pontual.

Esse olhar hierárquico disciplinar funciona em forma de escala, assim, é possível que todos, ao mesmo tempo, sejam fiscais e fiscalizados. Isso porque, como ressalta Pogrebinschi (2004), com o olhar hierárquico, o poder disciplinar se torna um sistema integrado. Não existe, assim, um centro, um chefe, no topo, pois o poder é relacional, funcionando como uma máquina que se organiza como uma pirâmide e opera como rede. Dessa forma, todos controlam e são controlados de alguma forma. Em um episódio, um professor questionou com uma técnica a ausência do coordenador na sala da coordenação, que é o lugar em que deveria ficar.

A coruja, símbolo do C.A. João XXIII, também nos permite algumas reflexões no que se refere a essas práticas de vigilância no interior da escola.

É possível visualizar, nitidamente, a coruja, na entrada do Colégio, na frente do prédio do Ensino Fundamental e do Médio, em uma posição bem estratégica18 18 Sua figura fica situada em uma posição que, ao visualizar esses prédios, é impossível não notar a coruja fixada. . Devido a seus olhos esbugalhados, fixos e hipnotizados, a impressão é que a coruja está sempre em estado de alerta, vigiando tudo e todos, externamente. Ao questionar com uma pedagoga da escola sobre o motivo desse símbolo no Colégio, ela destacou que a "coruja é o símbolo da sabedoria, ela está sempre alerta e ela também é o símbolo da Pedagogia ". É relevante mencionar que, no geral, as corujas possuem excelentes audição e visão e têm a capacidade de girar a cabeça quase 360 graus para enxergar ao redor. Além disso, elas são bastante inteligentes, astutas, sensíveis e cuidam excessivamente da prole. Pensando que a marca desse modelo escolar disciplinar moderno é o ensino seguido da vigilância, poderíamos questionar esse símbolo da escola: não estariam essas relações representadas no livro que a coruja segura, firmemente, e nos seus olhos grandes, fixos e alerta? Como discute Beltrão (2000), na escola disciplinar, o educar se dá seguido da vigilância e da punição. Na medida em que a vigilância tornou-se um operador importante e específico para o poder disciplinar (FOUCAULT, 1991), a escola passou a produzir e a reproduzir esse tipo de relação, em suas práticas pedagógicas. Dessa forma, a vigilância tornou-se um importante operador pedagógico na escola e constituiu-se como uma marca desse modelo.

Porém, se a escola opera por vigilância, ela também tem suas formas de castigo. É o que Foucault (1991) chama de sanção normalizadora. Dentro de todas as instituições disciplinares funciona um pequeno mecanismo penal, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas formas de sanção e suas instâncias de julgamento. A disciplina estabelece, dessa forma, uma "infra-penalidade" (FOUCAULT, 1991, p. 159). Uma maneira específica de punição que é colocada por uma lei ou um regulamento institucional que atinge as minúcias do dia a dia.

O Capítulo V do Título III do Regimento Interno do C.A. João XXIII trata diretamente sobre o "Regime Disciplinar". Para situar, seguem algumas "medidas educativas" presentes no documento a que estarão sujeitos os discentes: repreensão verbal; repreensão pelo coordenador de turma; convocação de responsáveis para reunião; registro de advertência verbal em livro assinado pelos responsáveis; atividade educativa com acompanhamento docente mediante acordo feito com os responsáveis; suspensão das atividades escolares pela Coordenação de Ensino e pela Direção pelo período de cinco dias letivos; aconselhamento de transferência do aluno após seresgotada a eficácia das medidas anteriores (C.A. JOÃO XXIII, 2006, p. 21). De acordo com o § 2º, as medidas previstas nesse artigo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, levando-se em consideração a capacidade do aluno de cumpri-las, bem como as circunstâncias da ocorrência do fato e da gravidade da ação"indisciplinada" (C.A. JOÃO XXIII, 2006, p. 21, grifo nosso). A sanção normalizadora procura qualificar e reprimir os comportamentos, as ações que escapam à disciplina cotidiana, no caso da escola, as "indisciplinas".

Na escola, funcionam diferentes formas de "micropenalidades" (FOUCAULT, 199, p. 159). No C.A. João XXIII, pode e/ou é passível de penalização: não usar o uniforme, usar celular durante as aulas, conversar durante as aulas, fazer outras atividades não ligadas às disciplinas, usar boné em sala de aula, chegar atrasado, sair antes do horário permitido, faltar demasiadamente às aulas, não cumprir as tarefas escolares, escrever nos banheiros ou nas carteiras, proferir palavras de baixo calão, discutir com o professor, desrespeitar o professor, entre outras questões. No entanto, o castigo disciplinar é mais da ordem da correção, ele tem uma maneira específica de punir, segundo Foucault (1991). É mais da ordem do exercício, da repetição, da intensificação, da gratificação, da multiplicação de um aprendizado19 19 Uma característica marcante da escola moderna é essa transição da punição corporal para a disciplinar. De acordo com Souza (2008), a renovação escolar moderna pretendia caracterizar-se mais pela alegria e pela proximidade com os alunos, devendo, dessa forma, acabar de vez com as humilhações e punições que caracterizavam a escola antiga. .

Combinando os dispositivos de vigilância hierárquica e sanção normalizadora, existe o exame, que, ao mesmo tempo vigia, qualifica, classifica e pune. Justamente por isso ele é o mais ritualizado dos dispositivos disciplinares (FOUCAULT, 1991). No exame, superpõem-se as relações de poder e saber, "Relações de poder que permitem obter e constituir saber" (FOUCAULT, 1991, p. 165)20 20 É importante entender que poder e saber estão ligados, para Foucault. De acordo com Veiga-Neto (2007), Foucault, ao estudar as articulações entre poder e saber, descobriu que os saberes se engendram e se organizam para atender uma vontade de poder. Poder e saber são dois lados de um mesmo processo, de uma mesma moeda. De acordo com Foucault (2006), o saber está ligado, em profundidade, a uma série de efeitos de poder. Segundo Veiga (2002), o exercício do poder é lugar de formação do saber, e todo saber constitui relações de poder. . O exame é um mecanismo quepossibilita extrair conhecimento e verdade sobre os indivíduos (FOUCAULT, 2002). É o exame que qualifica o aluno que terá condições de passar de ano ou de ser reprovado.

Larrosa (2000, p. 61) destaca que o exame escolar é um dispositivo de visibilidade, de vigilância, que "inverte as relações de visibilidade habituais no espaço pedagógico". Essa pedagogia escolar, com seus mecanismos de examinar, de tornar visível, captura, extrai, saberes dos escolares para tornar eficaz seu processo de ensino, para produzir sujeitos escolarizados. Os alunos são, dessa forma, objeto de visibilidade dessa máquina que ensina examinando. Note-se que, no exame, inverte-se a economia da visibilidade no exercício do poder, e essa visibilidade recai sobre o indivíduo, operando nele dada individualidade21 21 A escola também é objeto desses efeitos. Nesse sentido, importa destacar que, na entrada do prédio do Ensino Fundamental, notamos a presença de um banner destacando que o C.A. João XXIII ficou entre as 25 melhores escolas públicas do Brasil, de acordo com o IDEB (2009). Isso demonstra como a própria escola também passa por processos de exames. . Esse mesmo indivíduo é captado num mecanismo de objetivação que, segundo Beltrão (2000), pode ser examinado como objeto de estudo e pesquisa. Para isso, o exame faz também o indivíduo ingressar num campo documentário, ou seja, numa rede de anotações escritas, um registro individual que fixa os corpos com seus traços singulares, com suas particularidades que os diferenciam, e possibilita possíveis comparações. É interessante notar esse processo no sistema de avaliação do C.A. João XXIII, a avaliação, na instituição, ocorre de forma quantitativa e qualitativa. No 1º ano do Ensino Fundamental, a avaliação ocorre de forma qualitativa e processual realizada pelos professores de forma contínua, por meio de observações e registros em ficha descrita sobre o desenvolvimento do aluno. No 2º e 9º anos do Ensino Fundamental e em todo o Ensino Médio, os pontos são cumulativos trimestralmente e, ao final de cada trimestre, é entregue um relatório ou ficha avaliativa indicando o desenvolvimento de cada aluno22 22 Informações obtidas a partir da Agenda Escolar do C.A. João XXIII (2010). . O Regimento Interno estabelece também, em seu "Capítulo III, dos documentos escolares", que o "colégio manterá em sua secretaria, a escritura, livros e arquivos que assegurem a verificação de identidade de cada aluno e da regularidade e autenticidade de sua vida escolar" (C.A.JOÃO XXIII, 2006, p. 21). Por essas técnicas documentárias, o exame transforma o indivíduo num caso, que pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e em sua própria individualidade. Por essas questões podemos supor que a palavra-chave na escola não é tanto a aprendizagem, mas o exame. Isso porque a escola ensina examinando, pois foi assim que essa instituição foi se constituindo, como nos convida a pensar Foucault (1991). Portanto, pode-se dizer que o exame é inerente ao processo escolar, no que se refere ao modelo disciplinar.

Em função disso, é preciso discutir ainda sobre uma questão bastante importante nas teorizações foucaultianas, ou seja, a partir dessas questões devemos considerar o poder de um ponto de vista "positivo", em suma, produtivo, pois, de acordo com o filósofo, temos de deixar de descrever os efeitos do poder apenas negativamente, já que ele também é produtivo. Produz realidade, campos de objetos e rituais de verdade. O que permite ao poder se manter e ser aceito é que ele "não pesa só como força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso" (FOUCAULT, 1998, p. 8).

É relevante compreender que o poder é algo que é praticado no lugar de ser possuído. Como mostra o próprio Foucault (2009, p. 104), o poder não é "algo que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar, o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e imóveis". Dessa forma, podemos pensar o poder como relação de forças. Força com forças, ação sobre ações. O poder é uma rede e nós somos produtos dessas relações. Nós mesmos renovamos o poder porque somos sua engrenagem. Somos

objetificados numa rede disciplinar, composta por microscópicas divisões espaciais e temporais; quase ao mesmo tempo, vamos nos enxergando como sujeitos nessa rede – uma rede que parece invisível para nós, motivo pelo qual pensamos que o disciplinamento é natural (VEIGA-NETO, 2007, p. 70).

O que podemos dizer, a partir da pesquisa, é que se, de fato, as instituições disciplinares foram e ainda são fundamentais no processo de subjetivação dos indivíduos, o João XXIII faz parte disso.

Considerações finais

Nesse sentido, é a partir dessas reflexões que gostaríamos de sugerir outros caminhos e outras possibilidades, além da disciplinarização, do controle, em suma, da sujeição dos corpos na escola. O que buscamos aqui é tentar pensar outros espaços de subjetivação. Buscar uma perspectiva da escola que procura lutar nas malhas do poder contra os efeitos da disciplina, do controle. Tentar compreender essa instituição como um espaço de lutas diárias. Pensar as resistências, a transgressão, a sabotagem como possíveis problemáticas para escavar espaços pautados nas práticas de liberdade, numa ética como estética da liberdade baseada no cuidado de si e do outro23 23 Para mais questões sobre as implicações de uma ética do cuidado de si como prática de liberdade no cotidiano escolar entre professores e alunos, cf. Dinali (2011). . Um espaço onde se possa pensar diferente, fazer diferente e agir diferente, transgredir os limites determinados dessa herança escolar moderna que nos foi imposta. Nesse sentido, será que é possível potencializar a ação do ensinar, do aprender, além dessas meras relações de vigilância, de punição? Onde será que estão as possibilidades de escapar a esses dispositivos de controle dos corpos? A principal função da escola é mesmo vigiar e punir? São essas questões, mais emergentes digamos, que procuramos problematizar e que nos moveram, de fato, para o interior do Ensino Médio de um colégio como o João XXIII, para problematizar essas questões no interior do seu cotidiano.

De acordo com Marshal (2008), problematizar, na teorização de Foucault, significa dar um passo atrás, o que é, ao mesmo tempo, uma liberdade de separar-se do que se faz. A problematização em Foucault oferece um caminho para frente. A partir do momento em que estabelecemos um problema como objeto de pensamento, de reflexão e de mudança, problematizar quer dizer a maneira como as coisas produzem problemas, para, a partir daí, buscar outros caminhos. O percurso do pensamento filosófico de Foucault é um grande convite a essa prática política.

Deleuze (1992), em Conversações, destaca que Foucault, em seus últimos livros24 24 Deleuze refere-se à História da Sexualidade Vol. II: O uso dos prazeres (1998a) e História da Sexualidade Vol. III: O cuidado de si (2005a). , descobre dobras e desdobras, isto é, uma operação própria como sendo uma arte de viver. Dessa forma, nas palavras de Deleuze (1992, p. 123), "trata-se de 'duplicar' a relação de forças, de uma relação consigo que nos permita resistir, furtarnos (...)". A existência como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas, estéticas que constituem modos de existência ou estilos de vida, ou seja, fazermos da existência uma obra de arte.

Miskolci (2004) afirma que essa existência como obra de arte, em Foucault, é uma prática de liberdade que implica aprender, transformar-se e, principalmente, constituir formas de resistência ao enquadramento em formas de vida socialmente prescritas. E essa prática encontra-se em uma ética da inconformidade, da rebeldia, da rejeição à normalização, encontra-se na prática do fazer diferente. Daí o sentido de liberdade, de transgredir o diagrama do poder-saber. O que estamos defendendo é que as possibilidades de espaços de liberdade na escola são inúmeros, infinitos. E, no mesmo sentido, criar formas diferentes de subjetividades singulares, alheias ao sujeitamento objetivado pelas relações de dominação.

Entretanto, é preciso pensar de outra maneira, agir de outra maneira. E, de acordo com Eizirik (1996), essa arte de fazer diferente é um convite à prática da liberdade, da luta e de abertura para novas possibilidades de aprendizagem e construção de diferentes subjetividades. Para essa autora, identificar diferentes formas de subjetivação pode ser uma forma de combate, em que a sala de aula poderia funcionar como um lugar de luta e, menos, como um lugar de ajustes e regulamentações disciplinares.

Diante dessas análises, procuramos pensar o cotidiano escolar, mais especificamente o Colégio João XXIII, como um verdadeiro campo de batalha, de estratégias de lutas, o qual nos possibilita agir diferente e pensar diferente nosso presente, nossas práticas pedagógicas, problematizar, na contraposição de dominarmos ainda mais essas novas forças que se formam. Se, de fato, a função da máquina escolar é controlar os corpos, essa certeza não é tão evidente (GALLO, 2005), pois sempre existe forma de resistir aos efeitos de sujeição do poder.

Em detrimento disso, colocamos em jogo uma reflexão sobre as contracondutas dos alunos, pensar as resistências cotidianas deles como enfrentamento à subserviência, à normalização, à disciplinarização, ao controle, e menos como "indisciplinas". Pensá-las como combate ao poder que nos abre outras possibilidades de ação. No entanto, para isso, é necessário dar um passo atrás e se desprender do que já está estabelecido no nosso cotidiano escolar. Problematizar para podermos pensar além, ir além do limite de como pensamos, agimos e somos. A liberdade, para Foucault, está ligada a uma ontologia do presente. Dá-se como prática do impensado, ou seja, transgredir os limites que nos são impostos. Assim se configura a ética em Foucault: como uma prática da liberdade, um convite a sair da passividade. A crítica foucaultiana está inserida, então, nessa luta diária, na batalha contra os lugares comuns. Temos de saber lidar com os acontecimentos do presente para podermos transgredi-lo. E sair da passividade diz respeito à promoção de novas formas de subjetividades, recusando as que nos são impostas.

O campo de problematização que se coloca, então, é saber como é possível elaborar diferentes formas de experimentação de jogos de forças entre professores e alunos, no cotidiano escolar. Forças resistentes, contra as práticas disciplinares, individualizantes e normalizadores presentes no campo escolar diário. "O horizonte, todavia, é imaginativo, de abertura, sempre criativo. Não pode imergir sem esforços, sem exposição, e melhor, sem experimentação" (DINALI, 2011, p. 152). "Experimentar é criar e colocar-se além de um domínio estabelecido [...] é o que não foi ainda contemplado, nem dado à visibilidade" (CARVALHO, 2010, p. 115). A criação deve ser uma potência infinita, a ser materializada em ações, ações essas que não podem se fechar nem na estabilidade nem na continuidade de uma força, para que não se perca o caráter inovador de um processo (DINALI, 2011). Portanto, não estão em jogo definições, enquadramentos, mas, antes, buscas constantes de criação experimentais no cotidiano escolar25 25 Para mais questões, cf. Dinali (2011). .

Referências

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Notas

Contato:

Calle Vallseca, 15 piso 1, puerta 2

08024 Barcelona Espanha

Recebido: 06/12/2010

Aprovado: 14/05/2012

  • BELTRÃO, Ierecê Rego. Corpos dóceis, mentes vazias, corações frios Didática: o discurso científico do disciplinamento. São Paulo: Imaginário, 2000.
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  • VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
  • 1
    As falas, sejam dos alunos, sejam dos professores, técnicos entre outros, aparecerão sempre entre aspas e em itálico, distinguindo-se das citações e preservando as formas de expressão, sem a preocupação em corrigir a forma coloquial e a concordância gramatical.
  • 2
    Vemos que, para Foucault (1991), as sociedades modernas podem ser problematizadas como sociedades disciplinares. O filósofo defendeu que, a partir do sec. XVIII, apareceram várias práticas pedagógicas que foram fundamentais para a configuração de um modelo escolar disciplinar moderno. Essas questões sobre escola e modernidade serão detalhadas ao longo do texto.
  • 3
    Trabalhar a escola sob a perspectiva disciplinar foucaultiana significa pensar sua constituição e suas práticas atravessadas por relações de poder-saber. Assim sendo, também nos aproxima das liberdades e resistências, uma vez que elas são partes constituidoras dessas relações. Esse artigo assume, portanto, as articulações entre estas categorias de análise: poder, resistência e transgressão. Conceitos que são entendidos como ações sobre ações, que se constroem continuamente e, talvez, em função de que resistência constitui força, é inseparável do poder, tal como ele está em todas as partes, como nos mostrou Foucault (2009). De acordo com Revel (2005), a discussão de Foucault sobre resistências aparece em seus estudos a partir dos anos 1970. Segundo a autora, o termo é precedido, nos trabalhos do filósofo, por outras noções, como é o caso da transgressão, que Foucault desenvolve na década de 1960. A transgressão está ligada à ideia de uma experiência-limite, ela afirma o limite como ilimitado.
  • 4
    Esta pesquisa foi realizada na escola, no primeiro semestre de 2010. Como metodologia, foram utilizadas práticas de observação participativa nos espaços em que circulam alunos, professores e técnicos, como: sala de aula, coordenação do Ensino Médio, espaços de sociabilidade (corredores, pátios, quadras esportivas, cantinas, rádio escolar), entre outros. Também participamos de conselhos de classe e da reunião de pais e mestres. Além disso, foi feita análise documental, sobretudo do Regimento Escolar do Ensino Médio, e de documentos finais da comissão de Reforma do Ensino Médio.
  • 5
    Extraído do vídeo de comemoração de 40 anos.
  • 6
    Essas informações foram obtidas na Agenda do Aluno 2010.
  • 7
    O Colégio possui os seguintes departamentos: Ciências Humanas, Ciências Naturais, Educação Física, Matemática e Letras e Artes.
  • 8
    Não só essa instituição, mas também o hospital, a fábrica, o quartel, a prisão. Para mais detalhes Cf. Foucault (1991).
  • 9
    É importante destacar que, como nos ensina Gallo (2006), Foucault, ao analisar a conformação histórica do poder, mostrou três modelos de exercício na Modernidade: o de soberania, o disciplinar e, posteriormente, o biopoder. Eles não se excluem, mas se completam. De acordo com Foucault (2005; 2009), o biopoder vai aparecer durante a segunda metade do século XVIII. É importante entender que o biopoder não exclui a técnica disciplinar. Como mostra Foucault (2005, p. 289), "ela a embute, a integra, a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia".
  • 10
    É fundamental trazer para essas discussões uma observação de Deleuze (2006). Segundo o filósofo, Foucault ora determina o panóptico como um agenciamento óptico, ora, abstratamente, que atravessa regularmente todas as funções enunciáveis, ou seja, ela não se aplica apenas a uma matéria visível, como a prisão, a escola, o hospital. Portanto a forma abstrata do panoptismo não é mais, então, "ver e ser visto", "mas impor uma conduta qualquer a uma multiplicidade humana qualquer" (DELEUZE, 2006, p. 43, grifo do autor).
  • 11
    Interessante que essas telas e muros que cercam o Colégio estão centradas na parte dianteira e nas laterais, uma vez que, na parte traseira da instituição, encontra-se um grande "paredão", digamos, com mata de difícil acesso.
  • 12
    A intenção, aqui, não é considerar o contexto que levou a essa divisão, uma vez que o C.A. João XXIII ocupou um prédio que era do curso de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mas, antes, levar em questão os efeitos disso hoje.
  • 13
    O C.A. João XXIII estrutura-se em: Órgãos Colegiados, Direção, Órgãos Pedagógicos, Secretaria e Órgãos Suplementares (C.A. João XXIII, 2006).
  • 14
    L.A. é um espaço de aprendizagem, de caráter obrigatório, realizado em horários próprios. O objetivo desse espaço é atender às demandas específicas dos alunos para os quais o tempo estipulado na matriz curricular para os trabalhos desenvolvidos não foi suficiente. É uma espécie de recuperação, um atendimento ao aluno com aproveitamento "insuficiente ou com dificuldade de aprendizagem". O aluno que frequenta o L.A. é indicado pelo professor quando apresenta dificuldades específicas, aproveitamento inferior a 60%, obtenção de conceito I (inapto) ou indicação, por professor, em conselho de classe (informações extraídas da Agenda do Estudante, 2010).
  • 15
    A UFJF possui dois processos de ingresso: o Vestibular e o Programa de Ingresso Seletivo Misto (PISM). O PISM é prestado de maneira seriada, no decorrer das séries do Ensino Médio.
  • 16
    "A Congregação é o órgão máximo de deliberação interna do C.A. João XXIII, em questões de políticas internas, administrativas, pedagógicas, normativas e de planejamento" (C.A. JOÃO XXIII, 2006,p. 3).
  • 17
    De acordo com o Art. 58 do Regimento Interno, "compete ao professor o registro e a apuração da assiduidade dos alunos" (C.A. JOÃO XXIII, 2006, p. 16).
  • 18
    Sua figura fica situada em uma posição que, ao visualizar esses prédios, é impossível não notar a coruja fixada.
  • 19
    Uma característica marcante da escola moderna é essa transição da punição corporal para a disciplinar. De acordo com Souza (2008), a renovação escolar moderna pretendia caracterizar-se mais pela alegria e pela proximidade com os alunos, devendo, dessa forma, acabar de vez com as humilhações e punições que caracterizavam a escola antiga.
  • 20
    É importante entender que poder e saber estão ligados, para Foucault. De acordo com Veiga-Neto (2007), Foucault, ao estudar as articulações entre poder e saber, descobriu que os saberes se engendram e se organizam para atender uma vontade de poder. Poder e saber são dois lados de um mesmo processo, de uma mesma moeda. De acordo com Foucault (2006), o saber está ligado, em profundidade, a uma série de efeitos de poder. Segundo Veiga (2002), o exercício do poder é lugar de formação do saber, e todo saber constitui relações de poder.
  • 21
    A escola também é objeto desses efeitos. Nesse sentido, importa destacar que, na entrada do prédio do Ensino Fundamental, notamos a presença de um banner destacando que o C.A. João XXIII ficou entre as 25 melhores escolas públicas do Brasil, de acordo com o IDEB (2009). Isso demonstra como a própria escola também passa por processos de exames.
  • 22
    Informações obtidas a partir da Agenda Escolar do C.A. João XXIII (2010).
  • 23
    Para mais questões sobre as implicações de uma ética do cuidado de si como prática de liberdade no cotidiano escolar entre professores e alunos, cf. Dinali (2011).
  • 24
    Deleuze refere-se à História da Sexualidade Vol. II: O uso dos prazeres (1998a) e História da Sexualidade Vol. III: O cuidado de si (2005a).
  • 25
    Para mais questões, cf. Dinali (2011).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      06 Dez 2010
    • Aceito
      14 Maio 2012
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