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Narrativa e compreensão nos escritos educacionais de Hannah Arendt

Narrative and understanding in the educational writings of Hannah Arendt

Resumos

Este artigo é uma análise do aspecto narrativo e compreensivo do tema educação na obra de Hannah Arendt, em especial no ensaio "A crise na educação", com a finalidade de aprofundar o enraizamento do texto no conjunto da obra da autora. Ele inicia demonstrando que o ensaio referido constitui-se como exercício de pensamento político. Depois, passa à análise da categoria de compreensão, demonstrando que Arendt não pensa com respaldo da tradição, por essa ter sido demolida pelas rupturas modernas, cujo caso extremo foi o surgimento dos governos totalitários, constituindo-se, assim, um pensamento sem amparos. Demonstra-se que "compreensão" é um importante conceito hermenêutico e epistemológico, na medida em que dimensiona o impulso fenomenológico da autora, que ao mesmo tempo assume a perspectiva pessoal de sua obra e aponta para a necessidade de o pensamento permanecer ligado aos problemas de ordem factual. Após, verifica-se o componente narrativo presente em toda a obra e, em particular, o aspecto narrativo dos escritos educacionais.

Compreensão; Narratividade; Ensaio; Educação; Pensamento


In this article, we analyze the narrative and understanding aspects on the theme of education in the work of Hannah Arendt, particularly in the essay "The crisis in education", aiming at a comprehensive rooting of the text throughout the author's production. We begin by showing that this essay is an exercise of political thought. Then we move on to the analysis of the category of understanding, demonstrating that Arendt did not think supported on tradition, because it has been dismantled by modern ruptures, whose extreme case was the emergence of totalitarian governments, becoming thus a thought without supporters. We demonstrate that "understanding" is an important hermeneutic and epistemological concept, to the extent that it dimensions the author's phenomenological impulse, which at the same time takes the personal perspective of the author's work and points to the need for the thought to remain linked to factual problems. After that, we verify the narrative as a component present in all Hannah Arendt's work, particularly the narrative aspect of the educational writings.

Understanding; Narrative; Essay; Education; Thought


Narrativa e compreensão nos escritos educacionais de Hannah Arendt

Narrative and understanding in the educational writings of Hannah Arendt

Flávio Rovani de Andrade

Doutor em Educação, área de concentração Filosofia e História da Educação, pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Professor Adjunto de Filosofia Geral e da Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: flaviorovani@ufpi.edu.br

Contato

RESUMO

Este artigo é uma análise do aspecto narrativo e compreensivo do tema educação na obra de Hannah Arendt, em especial no ensaio "A crise na educação", com a finalidade de aprofundar o enraizamento do texto no conjunto da obra da autora. Ele inicia demonstrando que o ensaio referido constitui-se como exercício de pensamento político. Depois, passa à análise da categoria de compreensão, demonstrando que Arendt não pensa com respaldo da tradição, por essa ter sido demolida pelas rupturas modernas, cujo caso extremo foi o surgimento dos governos totalitários, constituindo-se, assim, um pensamento sem amparos. Demonstra-se que "compreensão" é um importante conceito hermenêutico e epistemológico, na medida em que dimensiona o impulso fenomenológico da autora, que ao mesmo tempo assume a perspectiva pessoal de sua obra e aponta para a necessidade de o pensamento permanecer ligado aos problemas de ordem factual. Após, verifica-se o componente narrativo presente em toda a obra e, em particular, o aspecto narrativo dos escritos educacionais.

Palavras-chave: Compreensão; Narratividade; Ensaio; Educação; Pensamento.

ABSTRACT

In this article, we analyze the narrative and understanding aspects on the theme of education in the work of Hannah Arendt, particularly in the essay "The crisis in education", aiming at a comprehensive rooting of the text throughout the author's production. We begin by showing that this essay is an exercise of political thought. Then we move on to the analysis of the category of understanding, demonstrating that Arendt did not think supported on tradition, because it has been dismantled by modern ruptures, whose extreme case was the emergence of totalitarian governments, becoming thus a thought without supporters. We demonstrate that "understanding" is an important hermeneutic and epistemological concept, to the extent that it dimensions the author's phenomenological impulse, which at the same time takes the personal perspective of the author's work and points to the need for the thought to remain linked to factual problems. After that, we verify the narrative as a component present in all Hannah Arendt's work, particularly the narrative aspect of the educational writings.

Keywords: Understanding; Narrative; Essay; Education; Thought.

A ideia é mônada – nela reside, preestabelecida, a representação dos fenômenos, como sua interpretação objetiva. [...] Assim o mundo real poderia constituir uma tarefa, no sentido de que ele nos impõe a exigência de mergulhar tão fundo em todo o real, que ele possa revelar-nos uma interpretação objetiva do mundo. [...] A ideia é mônada – isto significa, em suma, que cada ideia contém a imagem do mundo.

Walter Benjamin.

Nos últimos anos, tem sido crescente o interesse pelo pensamento de Hannah Arendt no Brasil. Sua obra vem sendo lida nas áreas de Direito, Ciências Políticas, História, Filosofia e, de forma cada vez mais frequente, na área da Educação. Estudos recentes (ALMEIDA, 2008, 2009, 2010; ANDRADE, F. R., 2008, 2011, 2012; ANDRADE, M., 2010; BENVENUTI, 2010; CÉSAR; DUARTE, 2010; CORREIA, 2010; CARVALHO, 2010; DEINA, 2012; GONÇALVES, 2012; FERREIRA, 2007) têm sido fartos em apontar a atualidade do pensamento de Hannah Arendt sobre a educação, voltando-se muito fortemente para a discussão de seu conceito, o papel que ela deve desempenhar para a formação ética e política, seu possível debate com teorias educacionais contemporâneas e sua relação com esquemas conceituais de outras obras; tudo tendo em vista que a modernidade enseja um mundo no qual ocorre a dissolução de espaços públicos, dos quais surgem significações compartilhadas por meio de expedientes diversos, dentre os quais está a concepção dominante de uma educação para a aquisição de habilidades e competências técnicas.

Os estudos referidos são suficientes para situar conceitual, política e socialmente a educação no pensamento da autora. Entretanto, pouco se toca na questão da metodologia arendtiana, o que, em coro com os aspectos mais recorrentes, pode retirar dos seus ensaios educacionais o injusto rótulo de ocasionais.

Daí não serem as teses educacionais, em si, o nosso objeto de análise. Com a finalidade de aprofundar o enraizamento dos textos no conjunto de sua obra, serão rastreadas, no decorrer deste artigo, as concepções de narrativa e compreensão em Hannah Arendt que preenchem de modo decisivo a expressão "exercícios de pensamento político" caracterizadora de sua opção pela forma literária do ensaio. Assim, este artigo perfaz o movimento de circunscrição dos ensaios educacionais, abordando não exatamente conceitos, mas seus procedimentos de análise que abarcam, de forma particular, o tema da educação, nos dois ensaios em que a autora sobre ele se debruça.

A EDUCAÇÃO NOS EXERCÍCIOS DE PENSAMENTO POLÍTICO DE HANNAH ARENDT

O interesse pelo estudo da obra de Hannah Arendt no campo educacional chama a atenção, sobretudo porque os pontos de partida são basicamente dois curtos ensaios nos quais a autora aborda diretamente o assunto, no contexto dos Estados Unidos da década de 1950.

Os textos referidos são "A crise na educação", de 1958 (mesmo ano da publicação de A condição humana), e "Reflexões sobre Little Rock", escrito em 1957 e publicado em 1959. O primeiro foi publicado inicialmente em The Partisan Review e, em 1961, foi inserido na coletânea Entre o passado e o futuro. O segundo encontra-se na coletânea Responsabilidade e julgamento.

"Reflexões sobre Little Rock" (ARENDT, 2004, p. 261-281), grosso modo, tem como objeto de análise a decisão da Suprema Corte Norte-Americana de iniciar pelas escolas o processo de dessegregação dos estados que possuíssem leis segregacionistas. Arendt toma como ponto inicial de sua reflexão a fotografia de uma menina negra sendo seguida por um grupo de crianças brancas, as quais qualifica como turba e bando. Mostrando o quão o processo de dessegregação expunha e sobrecarregava as crianças, deixando-as desprotegidas, a autora aponta para o fato de que o Estado tomou o lugar da família na decisão sobre o direito de associação dos filhos.

"A crise na educação", por sua vez, é o ensaio mais conhecido sobre o assunto. Divide-se em quatro seções, que podem, genericamente, ser assim entendidas: na primeira, a autora contextualiza a crise no sistema educacional dos Estados Unidos tendo em vista, por um lado, sua estrita vinculação ao que ela chama de temperamento político do país, que dentre outros aspectos encarna um pathos do novo, e, por outro lado, o fator geral de ser essa uma manifestação da crise que assola o mundo moderno; na segunda, analisa os pressupostos básicos das reformas que resultaram na referida crise, sob o mote da progressive education1 1 A expressão progressive education (ARENDT, 2006, p. 175) é traduzida de formas diferentes ao longo do texto. Ora aparece como "educação progressista" (ARENDT, 2009a, p. 227), ora como "educação progressiva" (ARENDT, 2009a, p. 228). Optou-se por manter a expressão original. ; a seguir, Arendt submete esses dados, por assim dizer, a dois aspectos inter-relacionados da crise geral do mundo moderno2 2 Quando se refere à crise do "mundo moderno", Arendt (2010a, p. 7) remete, no mais das vezes, especificamente ao século XX, conforme ilustra a seguinte passagem: "[...] a era moderna não coincide com o mundo moderno. Cientificamente, a era moderna, que começou no século XVII, terminou no limiar do século XX; politicamente, o mundo moderno em que vivemos hoje nasceu com as primeiras explosões atômicas." , a saber, a crise da autoridade, na terceira parte, e a crise da tradição, na quarta.

No prefácio a Entre o passado e o futuro, a autora explica suas motivações para reunir diferentes textos, publicados primeiramente em diferentes revistas, em uma única coletânea, a qual foi publicada inicialmente com seis ensaios, chegando, após revisões e ampliações, a oito. "A crise na educação" foi incorporado à coletânea em 1961, na posição de quinto capítulo, juntamente com "O que é autoridade?", o terceiro. Arendt adverte que os textos não são prescritivos, no sentido de remediar a crise do mundo moderno – que abre uma fenda entre o passado e o futuro –, mas têm o objetivo único de experimentar o pensamento sobre os acontecimentos políticos, sendo sua preocupação conseguir "movimentar-se nessa lacuna" (ARENDT, 2009b, p. 41). Trata-se, então, de exercícios de pensamento político.

Situando-se na lacuna entre o passado e o futuro, tais exercícios possuem crítica e experimentos. As críticas são voltadas ao passado, aos conceitos tradicionais, sem pretensão, segundo a autora, de uma atitude de desmascaramento. Os experimentos se voltam para o futuro, mas sem qualquer intenção de projeção utópica. Embora entrecruzados, a autora distingue os ensaios conforme a ênfase, caracterizando os três primeiros como "mais críticos que experimentais", e os cinco últimos como "mais experimentais que críticos" (ARENDT, 2009b, p. 41). Essa inversão de ênfase é atribuída ao componente experimental da crítica: é difícil mover-se politicamente na lacuna, pois o discurso político no campo factual apresenta um palavreado que não é mais que forma oca do que outrora foi o conteúdo essencial dos conceitos políticos tradicionais.

Além disso, a autora não entende que os ensaios reunidos em Entre o passado e o futuro formem uma grande obra acabada, a exemplo do que foi Origens do totalitarismo, A condição humana ou Sobre a revolução, mas os concebe como uma sequência de movimentos (no sentido musical), "escritos em um mesmo tom ou em tons relacionados" (ARENDT, 2009b, p. 42), o que lhes empresta, a despeito da diversidade temática e da escrita em tempos diversos, certa unidade. Além de dividido em formas de crítica e experimento, para a autora a coletânea divide-se também em três partes, conforme o aspecto da sequência do conteúdo: a primeira trata da ruptura moderna com a tradição e do conceito de história, assunto dos dois primeiros ensaios; a segunda parte, composta pelos terceiro e quarto ensaios, trata de conceitos políticos aos quais são atribuídos centralidade e inter-relação, a saber, autoridade e liberdade; por fim, a terceira parte vai do quinto ao último ensaio, dentre os quais está "A crise na educação"; eles são, segundo a própria autora, tentativas de aplicação do pensamento desenvolvido nas partes anteriores a [...] problemas imediatos e correntes com que nos defrontamos no dia a dia [...] na esperança de esclarecer as questões e de adquirir alguma desenvoltura no confronto com problemas específicos. (ARENDT, 2009b, p. 42).

Anotou-se, pouco acima, o fato de "A crise na educação" ter sido publicada no mesmo ano, 1958, que A condição humana. A cronologia da obra de Hannah Arendt até 1958 nos dá uma pista de onde situar o ensaio educacional frente a uma obra tão extensa e complexa. É preciso voltar um pouco antes, a alguns textos que nos são principais. Em 1951, Arendt publica Origens do totalitarismo, em que analisa os elementos que se cristalizaram nos regimes totalitários e aponta para a sua natureza. Em 1953, ela publica, inicialmente, o ensaio "Ideologia e terror: uma nova forma de governo". Em 1954, ministra uma palestra com o título "Totalitarismo" (ARENDT, 2011), cujo rascunho manuscrito já traz um dos temas centrais de "A crise na educação", que é a crise da autoridade. Em 1958, Arendt substitui o último capítulo de Origens do totalitarismo pelo ensaio "Ideologia e terror", bem como publica os ensaios "O que é autoridade?" e "A crise na educação" (textos que serão incluídos, em 1961, em Entre o passado e o futuro), além da publicação de A condição humana. Há um consenso entre estudiosos quanto a considerar que esse percurso entre 1951 e 1958, ou seja, de Origens do totalitarismo até A condição humana, não constitui uma mudança de ênfase ou de objeto, mas de um modo de narrativa do mundo, abalado pelos transes que possibilitaram a emergência da ruptura totalitária e cristalizaram-se na nova forma de governo totalitário, que é um fato não mais possível de negar ou racionalizar, sendo que para ela o totalitarismo é o principal acontecimento político do mundo moderno.

Tomando por base a biografia por Elizabeth Young-Bruehl (1997), verifica-se que imediatamente após concluir Origens do totalitarismo, texto no qual analisa mais detidamente os elementos que se cristalizaram no totalitarismo de vertente nazista, passa ao estudo dos elementos totalitários do comunismo. Nesse percurso, deteve-se na concepção marxista do homem como animal laborans: segundo ela, o homem caracteriza-se pela atividade do "trabalho"; isto é, pela atividade de manutenção da vida e pela produção de objetos de consumo. No trabalho, o homem encontra-se no ciclo sempre recorrente do trabalho e do consumo, em resposta ao metabolismo da vida com a natureza. Arendt percebe uma diferença fenomênica e linguística, frequentemente negligenciada, entre "trabalho" e "obra" (atividade pela qual se produz objetos de uso, e não de consumo, dotados da durabilidade que empresta permanência ao mundo humano), vendo que, na teoria de Marx, o trabalho ganha estatuto de atividade humana por excelência. Brota daí seu exame sobre os três âmbitos da vita activa, "trabalho", "obra" e "ação", que dão a tônica de A condição humana3 3 Ainda segundo Young-Bruehl (1997, p. 256), "[...] tudo o que Arendt escreveu entre 1952 e 1956 estava destinado originalmente ao livro sobre o marxismo [...]", mas tal livro nunca foi concluído. Das reflexões que o comporiam, resultaram partes das seguintes obras: A condição humana, Entre o passado e o futuro e Sobre a revolução. .

Somem-se a isso elementos novos como a conquista do espaço e a possibilidade de um mundo de trabalhadores sem trabalho. Todos esses eventos, dentre tantos outros, são reflexos – falando de forma sintética – do processo da moderna alienação do mundo, a "[...] dupla fuga da Terra para o universo e do mundo para si mesmo [self]." (ARENDT, 2010a, p. 7), os quais podem ser tomados como elementos totalitários no mundo não totalitário, pois como Arendt não cansa de afirmar, o totalitarismo não caiu do céu.

Diante disso tudo, os textos de 1958 convergem para o espírito daquilo que Arendt (2010a, p. 6) enuncia no prólogo da A condição humana: "[...] uma reconsideração da condição humana do ponto de vista privilegiado de nossas mais novas experiências e nossos temores mais recentes." Young-Bruehl (1997, p. 286) explica que quando Arendt escreveu "Reflexões sobre Little Rock" e "A crise na educação", ela "[...] empregava o complexo esquema elaborado em A condição humana, mas raramente se detinha para recapitular seus principais elementos." Portanto, a leitura do ensaio "A crise na educação" precisa sempre situá-lo no contexto conceitual de A condição humana e ser feita como tentativa de compreensão de um fenômeno local à luz dos assombros do século XX e em profunda conexão com eles. Assim, não se pode perder de vista que o principal texto que serve de base a este e outros estudos sobre o tema da educação em Hannah Arendt é uma tentativa de justaposição do problema específico da educação estadunidense, com suas características idiossincráticas, aos problemas de ordem mais geral sobre os quais volta-se seu pensamento.

DIMENSÕES DO ENSAIO

É inevitável, ao se tocar na questão de como Hannah Arendt escreve sua obra, observar que ela considera o ensaio a forma literária ideal para seus "exercícios de pensamento político", por guardarem entre si afinidade natural. Isso torna o curto ensaio de cerca de 20 páginas um texto instigante e desconcertante, desafiando o leitor e os estudiosos a acompanharem a abrangência de suas análises em educação sem chegar, no entanto, a compor uma teoria pedagógica. De qualquer forma, acaba indo além das modestas intenções da autora de aplicar seu pensamento a problemas específicos, e uma vista de olhos nas diversas tentativas de interpretação do texto educacional permite parafraseá-la no que ela escreve sobre a filosofia política de Kant (ARENDT, 1993, p. 42), pois

[...] em contraste com outros filósofos [ela pouco] escreveu [sobre educação], então parece óbvio que sejamos capazes de encontrá-la – se podemos encontrá-la, enfim – em toda a sua obra, e não apenas nos poucos ensaios que são frequentemente agrupados sob essa rubrica.

Tocar a questão da escrita arendtiana é o mesmo que ir ao cerne de sua, por falta de palavra melhor, metodologia. Ela não é científica, nos termos de uma ciência política. Também não se roga o status de uma filosofia política. Arendt prefere categorizar sua obra como "teoria política", nos termos de exercitar o "pensamento" político, com o intuito deliberado de compreender. Mas em que consiste o pensamento de Hannah Arendt? De onde ele brota?

Arendt enxerga e elabora teoricamente uma dupla manifestação da ruptura geral da modernidade, o que cristalizou diferentes elementos no fenômeno totalitário, sendo que esse surge quando a ruptura é um fato acabado. No campo intelectual, ou no plano do pensamento político, Arendt enxerga em Marx o fim da tradição, não somente por ele se revoltar contra ela mas por conta de as contradições do seu pensamento (por exemplo, identificar o exercício da liberdade com a violência) resultarem da contraposição à tradição, fazendo uso, no entanto, das categorias conceptualizadas pela própria tradição; Arendt demonstra que as contradições de Marx apontam para o fato de as categorias tradicionais não serem suficientes para explicar o presente, indício de que a tradição sofrera forte abalo. No plano dos acontecimentos, Arendt vê na emergência do totalitarismo, isto é, uma forma de governo que a despeito da aparência tirânica é por sua própria natureza sem precedentes, a prova mais extrema da ruptura moderna. Assim, a ruptura moderna possui em Arendt um sentido forte, pois explodiu as categorias políticas tradicionais e os critérios tradicionais de julgamento moral. É nisso que consiste, em suma, a crise do mundo moderno.

Para ela, o que a modernidade instaura no campo da política é uma ruptura com qualquer tradição do pensamento e de experiências políticas e cuja expressão extrema é o totalitarismo. O pensamento de Hannah Arendt se faz de forma a mover-se no fosso entre o passado e o futuro e, justamente por isso, a crise exige resgatarem-se os sentidos originais para compreender o ponto em que deixaram de iluminar o presente.

Para que esse resgate fique claro – o que implica clareza sobre a leitura de todas as análises de Hannah Arendt –, é preciso tecer, ainda que de forma sucinta, algumas considerações sobre o modus operandi do pensamento arendtiano em sua tentativa de compreensão de um mundo no qual todas as referências viraram apenas escombros, não se podendo, desse modo, usar as categorias do passado para iluminar o presente. Dito de outra forma, para usar as palavras de René Char, as quais Arendt muitas vezes cita: "Notre héritage n'est précédé d'aucun testament."4 4 "Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento."

COMPREENSÃO

Em uma entrevista concedida a Günter Gaus, quando Arendt é indagada sobre se importava-se com a influência que poderia exercer com seu trabalho, ela responde que enquanto escreve não se importa de que modo vai afetar as pessoas, pois: "Para mim, o importante é compreender. Para mim, escrever é uma questão de procurar essa compreensão, parte do processo de compreender..." (ARENDT, 2008a, p. 33).

Compreensão [understanding], aqui, não é um termo secundário, mas uma categoria hermenêutica e epistemológica. Diante do mundo esfacelado, em que todos os referenciais tradicionais foram fortemente abalados e tornaram-se inaplicáveis na lida com o ineditismo das atrocidades totalitárias, compreender é uma alternativa à doutrinação, na interpretação dos eventos primordiais que ditaram a fisionomia do século XX. A compreensão busca o significado, e esse não tem a ver com acúmulo de informações ou análises científicas. Em "Compreensão e política", Arendt (2008a, p. 330) combate a perspectiva de que só se pode compreender aquilo que se conhece cientificamente, pois compreender "[...] é um processo complexo que nunca gera resultados inequívocos." Nesse ensaio, paradigmático para o entendimento da abordagem arendtiana das questões políticas, ela demarca que os instrumentos técnico-científicos (mesmo os das ciências humanas e que hoje chamaríamos de qualitativos), embora elucidativos, não geram compreensão nem significado: "[...] nunca se chegará a uma compreensão a partir de questionários, entrevistas, estatísticas ou análises científicas desses dados." (ARENDT, 2008a, p. 470, nota 1). No ensaio, Arendt demonstra haver dois tipos básicos de compreensão, que ela classifica em termos de "compreensão preliminar" e "verdadeira compreensão". A compreensão preliminar corresponde à linguagem popular e ao senso comum, que está na base do conhecimento científico (compreendido aqui como ciências históricas, sociais e políticas) e da verdadeira compreensão. Ainda que preliminar, para Arendt (2008a, p.334), não se deve nunca abandonar a compreensão preliminar de onde se partiu, pois se o cientista, deixando-se desencaminhar pelas suas pesquisas, "[...] começa a posar de especialista em política e a desprezar a compreensão popular de onde partiu, perde imediatamente o fio de Ariadne do senso comum, único capaz de guiá-lo com segurança por entre o labirinto de seus próprios resultados." Impor o senso comum como pré-requisito ao conhecimento é a única forma de conferir significado ao saber científico.

O especialista precisa "[...] recuperar a humildade e dar ouvidos à linguagem popular." (ARENDT, 2008a, p. 334). E é dando ouvidos à compreensão preliminar que Arendt compreende o totalitarismo sem recorrer a um método reconhecido nem a uma tradição demolida, entendendo-o então como algo inédito. Ela percebe que após a Segunda Guerra, mais precisamente no início dos anos de 1950, a palavra "imperialismo", usada para exprimir uma política externa agressiva, vinha sendo comumente substituída por "totalitarismo". Mas imediatamente a compreensão preliminar absorve o novo termo ao rol de sinonímias cujos conceitos já são bem conhecidos. Os métodos das ciências históricas e sociais, por sua vez, deixam de ouvir a linguagem popular para, no nível da erudição, também identificar o totalitarismo com outras formas de governo; e em vez de compreendê-lo, "[...] afogam tudo o que não é familiar e requer compreensão num caos de familiaridades e plausibilidades." (ARENDT, 2008a, p. 336). Sempre deve haver uma vinculação entre a compreensão preliminar e a tentativa da verdadeira compreensão, para que ela não se perca na mera especulação.

Nas palavras de Arendt (2008a, p. 335):

A opção pelo novo termo indica que todo mundo sabe que aconteceu algo novo e decisivo, ao passo que o uso subsequente, identificando o novo fenômeno específico com algo familiar e mais ou menos geral, mostra a relutância em admitir que ocorreu algo fora do normal. É como se, com o primeiro passo, ao encontrar um novo termo para a nova força que irá determinar nossos destinos políticos, nos orientássemos para novas condições específicas, ao passo que, com o segundo passo (e, por assim dizer, pensando melhor), lamentássemos nossa precipitação e nos consolássemos achando que não vai acontecer nada pior ou mais estranho do que a tendência humana ao pecado em geral.

Para Arendt, compreender é uma atividade necessária no combate ao totalitarismo. Ela não diz isso se referindo ao campo de batalha ou à guerra empreendida por Estados não totalitários ao nazismo ou bolchevismo, mas à tentativa de não permitir que uma mentalidade totalitária tome de assalto todo o mundo. Assim, compreender não é uma atividade utilitária. Pela compreensão não se constroem armas ou táticas contra o inimigo, tampouco se pode estipular metas a serem seguidas, nem se é capaz de guiar ou estabelecer um fim antitotalitário como norte. Compreender não é exercício de uma razão prescritiva. Tendo os movimentos totalitários surgido em um mundo não totalitário, "[...] o processo de compreensão também é [...] um processo de autocompreensão [...]", e a necessidade do exercício de compreensão se justifica porque "[...] é a única que lhe pode conferir significado e gestar uma nova desenvoltura para o espírito e o coração humano, que talvez venha a surgir livremente após a vitória." (ARENDT, 2008a, p. 333). Assim, não podemos esperar que a autora nos forneça chaves para banir o totalitarismo do mundo, embora acompanhar a sua tentativa de compreensão seja de grande auxílio para nosso próprio processo de autocompreensão. Reconhecidamente inédito, o domínio totalitário requer um exame acurado e, em muitos sentidos, livre do vício de explicá-lo por similaridades, ou melhor, de buscar-se deduzi-lo de outras formas de governo, confundindo-o com tiranias e ditaduras do passado ou explanando-o por conceitos extraídos da tradição do pensamento político. Trata-se justamente da ruptura com tal tradição, e suas categorias e princípios não mais se aplicam, apesar das similitudes à superfície. Arendt (1989, p. 12) procura fugir a esses lugares-comuns, pois "[...] compreender não significa negar nos fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, ao explicar fenômenos, utilizar-se de analogias e generalidades que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência." A isso, que podemos chamar de exercício de uma interpretação compreensiva, pode-se atribuir o modo propriamente arendtiano de interpretação dos eventos. Equivale à sentença de Hannah Arendt (2010a, p.7, grifo nosso) que resume seu problema central de A condição humana: "trata-se apenas de pensar o que estamos fazendo", uma vez que a compreensão do totalitarismo equivale à autocompreensão.

Também não se pode deixar de considerar que a obra de Arendt não tem pretensões à universalidade. Pelo contrário, ela assume sua "experiência pessoal" (ARENDT, 2008a, p. 50), muito explicitamente, como fonte de seu pensamento. Os exercícios de Hannah Arendt (2008a, p. 50) sempre têm por objeto o mundo moderno e seu pensamento se faz sobre os acontecimentos desse mundo: "Vivo no mundo moderno, e evidentemente minha experiência se dá no e sobre o mundo moderno." As rupturas modernas retiraram do horizonte do pensamento da autora a tradição, entretanto a tradição não é todo o passado, mas aquilo que foi conceptualizado e transmitido do passado. Isso significa que não é o passado que perdeu sua validade, nem as velhas questões, mas "a forma como foram feitas e respondidas [que] perdeu a razoabilidade"; mas a perda da tradição, combinada com a perda da vontade de pensar, traz em si o presente risco de "perder o próprio passado junto com nossas tradições" (ARENDT, 2010b, p. 25 e p.27), esvaindo-se, por isso, as vantagens que se poderia auferir com o pensar sem as amarras da tradição. Enfrentando o problema, de caráter hermenêutico e epistemológico, de ter de pensar sobre os eventos políticos sem uma tradição que a respalde, mais ainda por ter vivenciado a adesão de amigos intelectuais que tentaram racionalizar o nazismo, a autora adota o próprio mundo "fora dos eixos" como marco no qual se orientar. O seu pressuposto é de que o próprio "[...] emerge de incidentes da experiência viva e a eles deve permanecer ligado." (ARENDT, 2009b, p. 41). Para ela, todo pensar é um repensar, uma vez que implica a memória (cf. ARENDT, 2010b, p. 96). O pensar "exige um pare-e-pense" (ARENDT, 2010b, p. 97); sem isso não é possível buscar o significado, que só se abre ao "espectador" na reflexão.

O PENSAR

O ponto de partida das análises de Arendt sobre a faculdade espiritual do pensamento, em A vida do espírito, que pode também ser entendida como a leitura que faz da própria atividade de pensar, foi sua experiência com um fato loquaz de "ausência de pensamento". Ao acompanhar como correspondente o julgamento do oficial nazista Otto Adolf Eichmann, o que resultou na obra Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal (ARENDT, 1999), ela se depara com um homem que, seguindo fielmente a moral de respeitador das leis e de bom pai de família, praticara atrocidades sem ter tido razões para tal; viu que a maldade não era fruto de um coração perverso, nem podia ser pensada como entidade metafísica que se manifesta no mundo. Os grandes males totalitários se deram, conclui Arendt, pela organização de homens perfeitamente normais (nem loucos, nem sádicos, nem pervertidos), mas unicamente desprovidos da capacidade de pensar. O problema é que a ausência de pensamento não pode ser simplesmente associada ao grande mal do século, pois trata-se de "[...] uma experiência tão comum em nossa vida cotidiana, em que dificilmente temos tempo e muito menos desejo de parar e pensar." (ARENDT, 2010b, p. 19, grifo do autor). O perigo do não pensar é a suscetibilidade de os indivíduos acostumarem-se a viver de acordo com regras que não passam pelo crivo da reflexão pessoal, ou seja, "se acostumam a nunca tomar decisões" (ARENDT, 2004, p. 245) e, por isso mesmo, vivem adormecidos a ponto de não perceberem as mudanças inerentes à própria vida: "[...] não é por meio da ação, mas da contemplação, que o 'algo diferente', a saber, o significado do todo, é revelado." (ARENDT, 2010b, p. 115). Esse parar para pensar no que estamos fazendo é, então, um exercício de confrontação com a experiência – a qual, por si só, não produz significado.

Está colocado, assim, o paradoxal desafio: como pensar sem o respaldo da tradição e, entretanto, sem perder a dimensão de profundidade que é o passado? Como resgatar, dentre os destroços do mundo em crise, os tesouros perdidos do passado? Como dispor de tais tesouros para dar sentido ao mundo em desmoronamento, sem, entretanto, recair em uma visão nostálgica do passado? Como tirar vantagem da situação de crise para compreender o que estamos fazendo se nossas categorias políticas e regras de julgamento moral explodiram e não mais se prestam a iluminar-nos?

A autora enfrenta esse desafio lançando mão de um pensamento que se ocupa dos eventos, isto é, do pensar sobre a própria experiência da crise, o que nos oportuniza sua compreensão, atribuindo-lhe significado. Vasculhando os escombros do passado e olhando para o que a tradição não transmitiu, Arendt procura ferramentas conceituais para, com a profundidade do passado, "narrar" os eventos contemporâneos, sem por isso proceder a qualquer tipo de dedução lógica simplista. Ao contrário, propõe uma desmontagem crítica da tradição. É como se, para que o passado não se perdesse junto com as tradições, e tendo em vista seu inevitável desmoronamento, Hannah Arendt se pusesse a desmontar por si própria esse passado, para poder extrair sua herança não testamentada, com a finalidade de narrar as coisas como são.

Diz Arendt (2010b, p. 234, grifo nosso), sobre a pressuposição básica de sua investigação acerca do pensamento:

[...] juntei-me claramente às fileiras daqueles que, já há algum tempo, vêm tentando desmontar [dismantle] a metafísica e a filosofia, com todas as suas categorias, do modo como as conhecemos, desde o seu começo, na Grécia, até hoje. Tal desmontagem só é possível se aceitarmos que o fio da tradição está rompido e que não podemos reatá-lo. Historicamente falando, o que de fato se partiu foi a trindade romana que por milhares de anos uniu religião, autoridade e tradição. A perda dessa trindade não destrói o passado, e o processo de desmontagem, em si mesmo, não é destrutivo; ele apenas tira conclusões a respeito de uma perda que é um fato e, como tal, não mais pertence à "história das ideias", mas à nossa história política, à história do nosso mundo.

E continua:

O que se perdeu foi a continuidade do passado, tal como ela parecia passar de geração em geração, desenvolvendo-se no processo de sua própria consistência. O processo de desmontagem tem sua própria técnica e não pretendi tocar aqui no assunto a não ser perifericamente. Aquilo com que se fica é ainda o passado, mas um passado fragmentado, que perdeu sua certeza de julgamento (ARENDT, 2010b, p. 234-235, grifo do autor).

Arendt não explica, em A vida no espírito, nem mesmo no restante de sua obra, em que consiste tal desmontagem. Mas André Duarte (2000) busca demonstrar de que forma Hannah Arendt trata as fontes antigas sem, no entanto, adotar postura meramente reverente. Ele o faz situando o pensamento sem amparo de Arendt na relação dela com o pensamento de Heidegger e Benjamin, ora a aproximando, ora a distanciando desses pensadores. Duarte (2000) demarca nem tanto a proximidade conceitual, mas a proximidade no movimento do pensamento, relativizando, inclusive, a leitura corrente de que ela é uma "discípula" de Heidegger. Para nós, interessam particularmente as conclusões desse estudioso, que nos auxiliam a entender o movimento teórico empreendido pela autora5 5 Para acompanhar as análises cruzadas de Arendt a Benjamin e Heidegger, ver André Duarte (2000, p. 121-154). Ver também a tese de doutorado de Adriano Correia (2002, p. 7-10). . Com a ruptura da tradição, abre-se uma fenda entre o passado e o futuro, restando apenas "cacos desconexos" do passado e do presente. Diante desse desmoronamento, em vez de se tentar reconstituir, para Arendt é melhor "proceder a um 'desmantelamento'6 6 Por "desmantelamento" entenda-se "desmontagem". crítico da tradição" (DUARTE, 2000, p. 122). O fio da tradição foi rompido e não pode mais ser reconstituído. Nesse sentido, a argumentação arendtiana alude aos clássicos de forma bastante distinta dos intelectuais tradicionalistas, aos quais atribui o mérito teórico de "[...] estarem atentos para os problemas clássicos e permanentes da filosofia política." (DUARTE, 2000, p. 125), limitando-se, todavia, a reafirmar verdades antigas. O retorno à tradição, explica o estudioso, "[...] parece implicar muito mais do que reordenamento de um mundo 'fora dos eixos'; ele implica o restabelecimento de um mundo passado." (DUARTE, 2000, p. 125).

Por ora, talvez seja pertinente ressaltar que para Arendt não há várias tradições de pensamento político, mas uma única tradição que perpassa os diferentes mundos da história ocidental. Também não se deve inferir que essa tradição tenha se dado de forma ininterrupta, até o momento em que sobreveio a ruptura. Ao contrário, dados os diferentes mundos sobre os quais a tradição pairou, é evidente que sua transmissão se deu descontinuamente (cf. DUARTE, 2000, p. 123-124). Ao dispor-se a visitar a política greco-romana, Arendt quer enfrentar o risco presente de que o acesso às verdades e referências do passado pudesse ser prejudicado pelo desmoronamento da tradição e, assim, de que definitivamente se perdesse a dimensão de profundidade do presente. Mas há uma questão digna de ser esclarecida: o que Hannah Arendt pretende voltando-se à tradição se ela própria não acredita mais que as categorias tradicionais sejam pungentes para compreender-se o presente assombrado pela ruptura? Esse aparente paradoxo é resolvido se entendemos sua atitude face ao passado. Uma vez que a tradição desmoronou e não pode ser reconstituída, cabe promover a derrubada crítica da tradição, não a fim de recuperar ou negar seu legado, o que seria de supor-se, mas de descobrir aquilo que "[...] jaz escondido por sob os escombros do presente e do passado: os fragmentos da essência do político." (DUARTE, 2000, p. 122, grifo nosso). A tradição do pensamento político, segundo Arendt, se inicia quando a filosofia nega a polis, isto é, a realidade política. O que a autora procura não é, então, reconstruir uma história política da antiguidade, nem uma história das ideias políticas. Ela não quer negar a desigualdade no sistema escravista ateniense, nem que o fastígio de Atenas, exemplo mais vívido da polis, repousava numa prosperidade econômica advinda do saque; também não pretendeu negar que a política romana se faz de tensões, conflitos e conspirações. Arendt recorre frequentemente aos gregos e aos romanos para elaborar a sua compreensão de categorias políticas. Isso porque, por mais que se tenha transformado o palco da política no decorrer dos séculos, o vocabulário político deriva seu significado da experiência da polis grega e da res publica romana (cf. DUARTE, 2000, p. 151). O que ela pretendeu foi analisar aquilo que essas realidades políticas, não legadas e até mesmo abandonadas pela tradição, poderiam nos ensinar. É nesse sentido que Arendt retoma os conceitos com que referencia seus posicionamentos sobre o presente, tentando extrair elementos que iluminem sua reflexão, recuperando do passado o que a tradição deixou de lado. Interpreta Duarte (2000, p. 127):

Estamos, portanto, entregues à necessidade de forjar uma nova relação com o passado, exercitando assim uma forma de pensar capaz de enfrentar a destruição contemporânea de fundamentos firmes e seguros. [...] Na difícil tarefa de encontrar uma maneira de pensar à sombra da ruptura da tradição, Arendt não buscou apoio exclusivo em nenhuma das correntes de pensamento do presente ou do passado, mas tentou encontrar, por si mesma, as condições para o exercício de um pensamento político destituído de "amparos" firmes e inquestionáveis, uma forma de pensamento que ela denominou metaforicamente como um Denken ohne Galänder [pensar sem amparos].

Essa análise de André Duarte vai ao encontro das análises que tratam o modo como Arendt lida com as relações entre o presente e o passado em termos de um "[...] phenomenological impulse to get behind abstractions to experience [...] it was in this spirit that she set out to recover the political experiences."7 7 "[...] impulso fenomenológico para apoiar abstrações na experiência [...] foi com esse espírito que ela partiu para recuperar as experiências políticas." (CANOVAN, 1992, p. 4, tradução nossa). (CANOVAN, 1992, p. 4). Seguindo alguns dados biográficos, sua relação com a universidade alemã de seu tempo, que lhe possibilitou estudar com Husserl, conviver com Heidegger, ser amiga e depositária dos textos de Benjamin, sua amizade com o mestre Jaspers, por exemplo, remontam às suas influências fenomenológicas, não tanto pelo método em si, mas por ter percebido a necessidade de pensar sem as amarras da tradição.

Consta na biografia por Elizabeth Young-Bruehl (1997) que Arendt se considerava uma fenomenóloga. Aliás, a biógrafa é recorrentemente citada nesse ponto, bem como em sua explicação sobre o método de "análise conceitual" em bases fenomenológicas de Arendt, sendo que os comentadores omitem, entretanto, um dado que para nós é pertinente: ela explica a fenomenologia arendtiana a partir de uma necessidade imposta na ocasião da controvérsia provocada pelas incompreensões de "Reflexões sobre Little Rock" e "A crise na educação"; a "moldura teórica" dos ensaios, "extensamente desenvolvida em A condição humana" (YOUNG-BRUEHL, 1997, p. 279), não era conhecida naquele momento, pois o livro ou não estava publicado, caso do primeiro ensaio, ou ainda era recente, caso do segundo.

Vejamos como a fenomenologia arendtiana é exposta na biografia referida:

Ela [Arendt] chamou seu método filosófico de "análise conceitual"; sua tarefa era descobrir "de onde vêm os conceitos". Com a ajuda da filologia ou da análise linguística, retraçava o caminho dos conceitos políticos até as experiências históricas concretas e geralmente políticas que davam origem a tais conceitos. Era então capaz de avaliar a que ponto um conceito se afastara de suas origens e mapear a miscelânea de conceitos através do tempo, marcando pontos de confusão linguística e conceitual. Ou, dizendo de outra maneira: ela praticava uma espécie de fenomenologia. (YOUNG-BRUEHL, 1997, p. 286).

Daí que, à primeira vista, pode parecer que a retomada das fontes gregas e romanas feitas por Arendt para fazer frente à ruptura seja mais um artifício nostálgico ou romântico, ou meramente dedutivo. Pode parecer, ainda, que ela adota uma postura de mera reverência ao passado. Entretanto, não é disso que se trata. Pois para a autora, se por um lado a tradição é dimensão de profundidade humana, sendo o fio que guiou o homem pelos domínios do passado, por outro lado "[...] esse fio, porém, foi também a cadeia que aguilhou [sic] cada sucessiva geração a um aspecto predeterminado do passado." (ARENDT, 2009b, p. 130). Entre os estudiosos, é clara a concordância acerca da importância da linguagem em Arendt. Ela aposta, por exemplo, na diferenciação que as línguas ocidentais fazem entre trabalho e obra, à revelia dos teóricos que tratam da questão, apontando estar a linguagem afinada à realidade fenomênica: É a linguagem e são as experiências humanas fundamentais subjacentes a ela, e não a teoria, que nos ensinam que as coisas do mundo [...] são de natureza muito diferente e produzidas por tipos muito diferentes de atividades." (ARENDT, 2010a, p. 116). Com relação à política, Arendt também aponta para o fato de o vocabulário político grego sobreviver em todas as línguas europeias, e que a própria tradição filosófica, surgida do conflito com a polis, desenvolveu-se conceitual e terminologicamente das experiências políticas pré-filosóficas (cf. ARENDT, 2008c, p. 91). Assim, a tradição não só transmite como seleciona, não sendo apenas fonte de memória e lembrança, mas também de esquecimento. Ver Arendt transitar em meio a conceitos como trabalho, obra, ação, liberdade, espontaneidade, esfera privada, esfera pública, mundo comum, política, revolução, violência, autoridade, tradição, dentre tantos outros, corrobora a necessidade de ter presente que a autora caminha no movediço terreno conceitual da política, à procura de compreender o presente com a profundidade do passado, mas sem o amparo de escolas de pensamento, reconhecendo que tanto a linguagem quanto os conceitos "guardam as experiências fenomênicas subjacentes" (DUARTE, 2000, p. 128), o que significa que são, em si mesmos, espécies de rememoração. Esse movimento intelectual de rememoração se faz, desse modo, sem adotar uma postura de nostalgia, mas numa perspectiva de "narrativa".

NARRATIVIDADE DA CRISE EDUCACIONAL

O modo que Hannah Arendt encontra para escrever sobre os eventos é uma forma muito particular de narração: trata-se de interpretar o evento e narrá-lo por meio de conceitos apoiados na experiência. A narratividade do evento se faz, por um lado, sobre o próprio evento e, por outro, à luz daquilo que se perdeu do passado, sem, entretanto, pretender o retorno a ele; "[...] não é mera descrição de fatos, mas um modo de pensá-los." (AGUIAR, 2001, p. 217). Nesse sentido, o modo como Arendt toma o político não é científico, nem mesmo se propõe a isso. A narração é a forma que ela encontra de "[...] lidar com eventos quando os cânones da historiografia, da metafísica e do pensamento político perderam a capacidade de iluminar o que está acontecendo." (AGUIAR, 2001, p. 218). Em condições de mundo comum, quando o espaço público é preservado, o homem experimenta a liberdade no mundo no qual os episódios pessoais e os acontecimentos "se desenvolvem em história" (ARENDT, 2008b, p. 16). A ação, em Arendt, é o âmbito da vita activa no qual se manifesta a liberdade humana, tomada como a potencialidade de cada indivíduo para realizar algo novo e imprevisível. Enquanto o trabalho e a obra lidam com os materiais que manipulam, a ação se dá entre os homens não pela fabricação de nada, mas pelo discurso (lexis). Logo que se para de agir a ação termina, pois ela é fútil e depende do mundo para que possa, de alguma forma, permanecer. Os episódios pessoais vividos no espaço público se desenvolvem em história, conforme são narrados pelo poeta ou pelo historiador – aos quais cabe, de forma mais geral ou mais específica, acionar o processo de narração e nele nos envolver –, e assim permanecem como feitos. Nas palavras da autora: "Retificada pelo poeta ou historiador, a narração da história obteve permanência e estabilidade." (ARENDT, 2008b, p. 30). Destaque-se a palavra "retificada". Assim que a ação termina, ela precisa ser narrada para que revele seu sentido. A história, nessa esteira, é moldada pela narração que é, por assim dizer, corrigida, antes de se oficializar e de ser repetida. É em contraposição a esse reparo efetuado pela narrativa histórica que Arendt se apoia em sua interpretação compreensiva, valorizando uma narrativa de sua própria história, haja vista que "[...] também nós [que não somos nem poetas nem historiadores] temos a necessidade de rememorar os acontecimentos significativos de nossas vidas, relatando-os a nós mesmos e a outros." (ARENDT, 2008b, p. 30). Quando são privados do espaço público, os homens se recolhem para "sua liberdade de pensamento" (ARENDT, 2008b, p. 16). Explica Arendt que de todos os possíveis significados que se possa atribuir ao termo "liberdade", o mais elementar é a liberdade de movimento. Portanto, o pensamento pode ser entendido como uma forma de mover-se em um mundo que nos isola. "Nenhuma filosofia, nenhuma análise, nenhum aforismo, por mais profundos que sejam", diz Arendt, "[...] podem se comparar em intensidade e riqueza de sentido a uma estória [story] contada adequadamente." (ARENDT, 2008b, p. 30). Pensar e lembrar e, por consequência, narrar,

[...] é o modo humano de deitar raízes, de cada um tomar seu lugar no mundo a que todos chegamos como estranhos. O que em geral chamamos de uma pessoa ou uma personalidade [...] nasce realmente desse processo do pensamento que deita raízes. (ARENDT, 2004, p. 166, grifo nosso).

Recorrendo novamente a Elizabeth Young-Bruehl (1997), podemos ver mais nitidamente a construção da narrativa arendtiana sobre a educação. Como já mencionado, "Reflexões sobre Little Rock" foi escrito em 1957 e "A crise na educação", em 1958. Mencionou-se também que Arendt assume uma perspectiva pessoal de interpretação dos eventos. Seu exercício interpretativo constitui-se na reconstrução de conceitos, apoiados na experiência, para então compreender o evento e descrevê-lo na forma de uma narração conceitual. No contexto específico do primeiro ensaio, Arendt lida com os reflexos da determinação tomada em 1954 pela Suprema Corte dos EUA, de que os Estados que possuíssem leis segregacionistas iniciassem o processo de dessegregação das instituições escolares. Um dos muitos Estados atingidos por essa determinação foi Arkansas, cuja capital é a cidade de Little Rock8 8 Ver Almeida (2009, p. 26), pois a estudiosa apresenta de modo mais detalhado os acontecimentos de Little Rock. . Arendt avalia isso como surpreendentemente negativo, sobretudo diante do fato de outros aspectos das leis segregacionistas, tais como a proibição de casamentos mistos, por exemplo, não terem sido tocadas pela determinação, e em vez disso a integração devesse começar pelas crianças, nas escolas públicas.

Arendt escreve se pondo de modo pessoal, buscando colocar-se no lugar dos envolvidos, desenvolvendo toda sua reflexão partindo da pergunta feita a si mesma de como agiria se fosse uma mãe negra do Sul, ou mesmo se fosse uma mãe branca (cf. ARENDT, 2004, p. 262-263). A foto da menina sendo seguida pelos colegas brancos que a insultavam era, na visão da autora, um claro sinal de que a integração racial obrigatória poderia ocasionar um estado de violência no qual as crianças não poderiam se defender. Segundo Young-Bruehl (1997, p. 281), ainda que não mencionada nem reconhecida, a defesa de Arendt aos marginalizados, na forma como é feita, remete à sua experiência de "pária" e "parvenu", o que orientava a sua abordagem. Na infância judia europeia, a mãe de Hannah, Marta Arendt, a protegia do antissemitismo, fazendo de sua casa um ambiente de proteção. Arendt (2008a, p. 36-38, grifo nosso) descreve:

Meu avô era o presidente da comunidade judaica liberal e funcionário público em Königsberg. Eu venho de uma antiga família de Königsberg. Mesmo assim, a palavra "judeu" nunca apareceu quando eu era pequena. A primeira vez que eu topei com ela em observações antissemitas – A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 2009a, p. 247) não vale a pena repeti-las – foi com crianças na rua. Depois daquilo, fiquei, por assim dizer, "informada". [...] E para voltar de novo ao que havia de especial na casa de minha família: todas as crianças judias topavam com o antissemitismo. E isso envenenava a alma de muitas delas. Conosco, a diferença era que minha mãe sempre achava que a pessoa não devia se deixar afetar. Tinha de se defender! Quando meus professores faziam comentários antissemitas [...] eu devia me levantar na mesma hora, sair da sala de aula, ir para casa e contar tudo [...]. Então minha mãe escrevia uma de suas muitas cartas registradas, e para mim a coisa estava totalmente resolvida. [...] Mas, quando os comentários eram de crianças, não devia falar disso em casa. Aquilo não contava. A gente mesmo se defendia contra o que vinha de outras crianças. Assim, essas questões nunca foram um problema para mim. Havia regras de conduta com as quais eu mantinha minha dignidade, por assim dizer, e estava protegida, absolutamente protegida, em casa.

A ideia de que o lar devesse ser aquele local no qual a criança fosse protegida daquilo que há de destrutivo no mundo público é fruto da experiência infantil de Arendt e a acompanhará por toda parte em que a relação entre adultos e novos, isto é, a condição humana da natalidade, esteja em jogo. Ao contrário da pequena judia, a menina negra da foto, enquanto era hostilizada pelas outras crianças, era acompanhada pelo amigo branco de seu "pai ausente". Não podia recorrer a sua casa, o que Arendt interpretou como se as crianças estivessem sendo usadas como protagonistas da luta racial.

Arendt defendeu que as diferenças sociais deveriam ser mantidas e respeitadas, mas que não poderiam invadir nem os espaços públicos, nem os privados. Para ela, a dessegregação forçada afrontava o direito social de livre associação, o direito legítimo de os pais escolherem quem serão os companheiros de seus filhos. Essas defesas causaram inúmeros mal-entendidos, pois a distinção entre esfera privada, pública e social, desenvolvida por Arendt em A condição humana, ainda não estava publicada. Destaque-se, ainda, o fato de o texto não ter sido publicado, por questões editoriais, no momento certo e de a réplica de Sidney Hook – que a princípio seria publicada simultaneamente – ter saído antes. Hook chegou a acusar Hannah Arendt de ter desistido da publicação após ler a réplica. Mas os constantes ataques não impediram que, em 1959 – ano em que finalmente foi publicado –, "Reflexões sobre Little Rock" recebesse o prêmio da Fundação Longview de "artigo notável do ano em pequenas publicações" (cf. YOUNG-BRUEHL, 1997, p. 281-284).

Das críticas que o premiado ensaio recebeu, uma, em particular, por Ralph Ellison, foi aceita por Arendt. Vejamos:

O fato de Hannah Arendt não apreender a importância desse ideal [de sacrifício] entre os negros sulistas fez com que se desviasse para o campo da esquerda em seu "Reflexões sobre Little Rock", no qual acusou os pais negros de explorarem os filhos durante a luta para integrar as escolas. [...] eles estão, no entanto, conscientes da sensação de um rito de iniciação que tais eventos efetivamente constituem para a criança, um confronto dos terrores da vida social com todos os mistérios desnudados. E na visão de muitos desses pais [...] espera-se que essa criança se defronte com o terror e contenha o seu medo e sua raiva precisamente por ser um negro americano. Assim, exige-se que ela domine as tensões internas criadas por sua situação racial, e se sair ferida – isso será mais um sacrifício. É uma dura exigência, mas se a criança falhar nesse teste básico sua vida será ainda mais dura. (ELLISON apud YOUNG-BRUEHL, 1997, p. 284-285).

Hannah Arendt, por sua vez, reconheceu não ter entendido tal ideal de sacrifício. Entendeu seu erro em equalizar a situação do racismo contra os negros estadunidenses nos termos do antissemitismo. Antes que sobreviesse o nazismo e que o antissemitismo se convertesse na ideologia da qual o terror totalitário se alimentaria, as agressões antissemitas [como as da infância de Arendt] não atingiam o ponto de violência física generalizada, nem eram legalmente reconhecidas. As crianças negras americanas do Sul tinham que lidar com a violência e discriminação legal desde muito cedo e por isso, "precisamente", tinham de ser iniciadas nessa realidade.

Mas o reconhecimento de Arendt em não entender tal ideal de sacrifício e a consequente reconsideração sobre essa questão específica não alteraram sua convicção "[...] de que a educação não deveria ser o único nem mesmo o mais importante caminho para se atingir uma mudança social e política [...]", sendo que para "[...] argumentar em detalhes sobre esse ponto, escreveu '[A] Crise na educação' como uma continuação ao seu 'Reflexões sobre Little Rock'." (YOUNG-BRUEHL, 1997, p. 285).

De forma muitíssimo geral, poderíamos enunciar as teses de "A crise na educação", enquanto narrativa, da seguinte forma: Arendt, como é próprio de sua tentativa de compreensão, não se apoia em nenhuma teoria pedagógica para analisar de fato os riscos políticos implicados no rebaixamento abrupto dos níveis instrucionais da escola básica dos Estados Unidos, entre os idos de 1930 e 1950. Basicamente, sob a influência da progressive education, o sistema escolar passou a preterir o conteúdo da aprendizagem e substituí-lo por práticas escolares que visavam à preparação para o futuro, substituindo o trabalho escolar sobre "conhecimentos petrificados" pelo aprender brincando. Não que um aprendizado desse tipo seja impossível, mas ele tem limites, e não deve ser aplicado como imperativo a todo tempo e em todo o sistema educacional. Isso provocou um enorme descompasso: por um lado, o discurso pedagógico apresentava uma teoria coerente de que o exercício da liberdade na escola era pré-requisito para o exercício da liberdade no mundo adulto, e as reformas escolares, por consequência, deveriam fazer da educação uma instância na qual se preparassem os sujeitos para o mundo futuro, para o que é novo, devendo esquecer-se tudo que é velho e retrógrado (à educação caberia preparar os novos para o novo) e livrando a criança das influências negativas dos adultos, mantendo-as num mundo em que supostamente poderiam exercer com liberdade todas as suas relações sociais e políticas; por outro lado, a correta aplicação da teoria resultou em completo desacordo com ela, pois a tentativa de emancipar as crianças as baniu do mundo adulto e as submeteu à tirania da maioria, tirania que, somada à queda dos níveis escolares, em vez de libertá-las, levou-as a um estado de apatia, conformismo e delinquência juvenil. Junte-se a isso, ainda, o fato de a pedagogia ter se tornado, na interpretação de Arendt sobre a progressive education, uma ciência do ensino em geral, importando não a formação do professor em qualquer área específica, mas apenas na arte de ensinar, resultando em uma grave negligência com a formação docente.

Arendt considera que a crise da autoridade e da tradição estão na base da crise educacional, pois a educação, enquanto instância pré-política, de transição da esfera privada para a esfera pública, não pode prescindir de ambas, mas caminha em um mundo que não mais está ordenado pela autoridade nem coeso pela tradição e, sobretudo, porque a recusa dos adultos em exercer a autoridade sobre as crianças equivale a eles não assumirem a responsabilidade pelas crianças e pelo mundo, embora elas precisem de sua orientação até que possam inserirem-se no mundo comum, onde deverão exercer sua liberdade. Pois a crise educacional local reflete a crise geral à medida que é, pela recusa da autoridade e geração do conformismo, uma atitude frente ao novo no sentido de negar-lhe o direito de no mundo se firmar.

Em "O que é autoridade?", texto publicado no mesmo ano de "A crise na educação", Arendt demonstra que o sintoma mais extremo da perda da autoridade é ter atingido as áreas pré-políticas da família e da educação pois, no trato com as crianças, a autoridade, pela necessidade de se proteger e guiar os recém-chegados, não pode faltar (cf. ARENDT, 2009b, p. 128). Ocorre, aqui, uma via de mão dupla. Se o lar foi a primeira instituição cuja autoridade, em sentido lato, foi experimentada, tornando-se a autoridade dos pais sobre os filhos um primeiro modelo naturalizado para instituições autoritárias na esfera pública, uma crise da autoridade, iniciada na esfera pública, torna-se um fato acabado ao "terminar na esfera privada" (ARENDT, 2009a, p. 241). A responsabilidade pelo mundo é assumida, na educação, pela autoridade. Essa é a autoridade de que o professor se investe, devendo exercê-la de modo que as crianças retenham sua liberdade, não para exercê-la no espaço escolar, mas quando adentrarem no mundo adulto; reter a liberdade, nesse contexto, só pode significar ter preservada sua singularidade; aliás, ao contrário da segurança vital, assegurada pela família, Arendt defende ser a educação a instância a guardar a singularidade. Mas onde reside a autoridade do professor? Uma primeira resposta aparentemente plausível seria na qualificação, no conhecimento da matéria a lecionar. Mas a derrocada da qualificação não ocorre por si. Ela é consequência da recusa da responsabilidade por um mundo cujas exigências e reclames estão sendo repudiados, deliberadamente ou não: "[...] toda e qualquer responsabilidade pelo mundo está sendo rejeitada, seja a responsabilidade de dar ordens, seja a de obedecê-las." (ARENDT, 2009a, grifo nosso).

A responsabilidade pelas crianças se dá pela representação: a escola não é o mundo, mas o representa. Essencialmente, a responsabilidade da escola não é com a segurança da vida, ao modo da família. A escola deve proteger a singularidade (cf. ARENDT, 2009a, p. 239). Cabe à esfera pré-política da educação resguardar justamente a possibilidade do novo, para que, no momento adequado, possa agir politicamente. E isso se faz introduzindo o novo num mundo onde ele tenha lastro.

Na medida em que a criança não tem familiaridade com o mundo, deve-se introduzi-la aos poucos a ele; na medida em que ela é nova, deve-se cuidar para que essa coisa nova chegue à fruição em relação ao mundo como ele é. [...] o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. (ARENDT, 2009a, p. 239).

A responsabilidade pelo mundo está em protegê-lo do desaparecimento, do esquecimento, mas se a educação se fizer sem o conteúdo da aprendizagem, conteúdo do mundo, não há espaço no qual o novo poderá um dia agir, e ficará entregue ao conformismo e à solidão da massa.

Talvez mais problemático que a educação seja um cenário com a interrupção da possibilidade de as novas gerações serem autônomas no exercício de sua liberdade, estando elas desde a infância condenadas a não empreender nada que seja imprevisto. Isso se dá, segundo Arendt, quando a escola é transformada num constructo que lança mão de toda forma de expedientes discursivos e metodológicos para supostamente preparar a nova geração para participar do organismo político já bem conhecido do futuro, a fim de treiná-la para rende-ser aos influxos de um mundo humano incontrolável pelos próprios humanos. A autora chama de ilusão a crença de poder se preparar a nova geração para um novo mundo, formando-a nas habilidades e princípios desse mundo projetado. Isso é ilusório porque é próprio da condição humana que, à vista da nova geração, ou melhor, de cada nova criança, o mundo adulto, incluindo suas projeções embebidas da ideia de progresso, seja sempre um mundo velho. Nas palavras de Arendt (2009a, p. 226): "[...] preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo." A educação deve voltar-se, então, para o passado, por meio da tradição, que é a única forma de dizer ao novo o que é o nosso mundo.

O futuro, nesse caso, é o mundo do movimento sempre recorrente do trabalho e do consumo. O processo trabalho-consumo, elevando-se e impondo-se sobre todas as esferas da vida, coloca em xeque a durabilidade do mundo comum, sendo o homem lançado em uma vida sem mundo. "O mundo se torna inumano, inóspito para as necessidades humanas [...] quando violentamente lançado num movimento onde não existe mais nenhuma espécie de permanência." (ARENDT, 2008b, p. 18).

Nisso reside, em síntese, o componente narrativo da principal tese contida em "A crise na educação": reverbera, em primeiro lugar, a convicção da necessidade de proteção da criança, algo semelhante ao que ocorria na casa dela; em segundo lugar, o fenômeno do trabalho no século XX, que lança o ser humano no ciclo sempre-recorrente. Mas há um fator ainda mais importante: Arendt verifica, nos regimes totalitários, em especial no nazismo, uma nova forma de governo que se assenta, fundamentalmente, na solidão organizada, isto é, na sistemática manutenção de uma existência sem mundo. Tem-se, na educação, oportunidade de resistir à tendência de destruição do mundo comum, sendo a autoridade e a tradição meios de o educador, em particular, e de os adultos, em geral, demonstrarem seu amor pelo mundo:

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele, salvando-o, com tal gesto, da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 2009a, p. 247).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo buscou-se delinear, genericamente, as bases epistemológicas do pensamento arendtiano, que não se presta a seguir nenhuma metodologia propriamente dita. Seja quando escreve na forma de ensaios curtos (posteriormente reunidos em coletâneas), seja quando escreve volumosos trabalhos de pesquisa (sem abandonar o estilo ensaístico), Arendt não o faz utilizando-se de métodos usuais de análise. Quando, por exemplo, é questionada sobre os métodos usados em Origens do totalitarismo, ela replica: "[...] sei que deixei de explicar o método particular que empreguei e de expor uma abordagem bastante incomum [...]" (ARENDT, 2008a, p. 418), e conclui que a obra não se enquadra em escola alguma, não usando de quase nenhum instrumental teórico oficialmente reconhecido.

É pressupondo a interpretação compreensiva, enquanto o modo propriamente arendtiano de lidar com os fenômenos, inclusive educacionais, que os ensaios sobre o tema, em especial "A crise na educação", devem ser lidos. Primeiramente, tanto pelo período em que foi escrito, quanto pelo arranjo conceitual no qual está inserido, o ensaio deve ser tomado, por assim dizer, como se fosse uma seção de A condição humana. Em segundo lugar, pondera-se que o tema da educação, na forma como é tratado por Arendt, reverbera o conjunto de sua obra enquanto narrativa de um evento aparentemente local, mas que se mostra importante de ser narrado no nível dos eventos que a ele se conectam. Mais precisamente, entende-se o ensaio, traduzindo em termos conceituais, como narrativa da moderna crise da autoridade e da tradição naquilo que atinge a condição humana da natalidade, o que em termos fenomênicos é o fato de que adultos e crianças vivem no mesmo mundo e de que é ao mesmo tempo exigida e recusada por parte dos adultos a responsabilidade pelas crianças. Isso, sem deixar de ter em mente que é escrito, a uma só vez, como reconsideração de uma narrativa pessoal e, excetuando-se o aspecto específico do reconhecimento do ideal de sacrifício dos negros estadunidenses, como continuidade dessa primeira narrativa.

A análise de Hannah Arendt transcende o nível da mera opinião. Ela poderia muito bem ter aludido à necessidade de disciplina e de investimentos na formação do professor, mas não foi isso que ela fez. Preferiu narrar tal evento, problematizando-o profundamente. A crise, para ela, não foi desencadeada pelo fato de Joãozinho não saber ler, mas por ser um evento específico, dentre tantos outros, que manifesta a crise geral do mundo moderno: seja no caso mais cotidiano, como a vida no ciclo sempre recorrente do trabalho e do consumo, seja no caso mais extremo dos fenômenos totalitários, o que está em jogo é o risco de o homem não se firmar, não deitar raízes, no mundo comum, por ausência do que é comum.

Assim, é preciso ter em mente que o ensaio é uma ponta do seu imenso iceberg conceitual construído sob o assombro totalitário, e há a possibilidade de que, lendo Arendt à luz de suas próprias narrativas, seja possível identificar elementos totalitários (ou pré-totalitários) naquilo que precipitou a crise na educação estadunidense (cf. ANDRADE, F. R., 2012). Entretanto, isso é um aspecto que demanda outros estudos, mas que não é estranho, sobretudo se levar-se em conta que seria mais um dentre os elementos que constituem sua narrativa pessoal.

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Recebido: 19/12/2012

Aprovado: 03/06/2013

NOTAS

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  • ARENDT, H. Lições sobre a filosofia política de Kant Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
  • ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
  • ARENDT, H. Responsabilidade e julgamento Tradução de Rosaura Einchenberg. Revisão técnica de Bethânia Assy e André Duarte. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
  • ARENDT, H. Between past and future New York: Penguin Books, 2006
  • ARENDT, H. Compreender: formação, exílio e totalitarismo (ensaios 1930-1954). Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2008a.
  • ARENDT, H. Homens em tempos sombrios Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cia. das Letras, 2008b.
  • ARENDT, H. A Promessa da Política Tradução de Pedro Jorgensen Junior. Rio de Janeiro: Difel, 2008c.
  • ARENDT, H. A crise na educação. In: ARENDT, H. Entre o Passado e o Futuro Tradução de Mauro W. Barbosa. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009a. p. 221-247.
  • ARENDT, H. Entre o Passado e o Futuro Tradução Mauro W. Barbosa. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009b.
  • ARENDT, H. A condição humana Tradução de Roberto Raposo. Revisão técnica de Adriano Correia. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Univesitária, 2010a.
  • ARENDT, H. A vida do espírito Tradução de Cesar A. Almeida; Antônio Abranches; Helena Martins. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010b.
  • ARENDT, H. Totalitarismo. Tradução de Adriano Correia. Inquietude, Goiânia, v. 2, n. 2, p. 229-237, ago/dez 2011.
  • AGUIAR, O. A. Pensamento e narração em Hannah Arendt. In: BIGNOTTO, N.; MORAES, E. J. (Org.). Hannah Arendt: diálogos, reflexões, memórias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 215-226.
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  • ALMEIDA, V. S. Amor mundi e educação: reflexões sobre o pensamento de Hannah Arendt. 2009. 193 f. Tese (Doutorado em Educação)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
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  • ANDRADE, F. R. A crise na educação de Hannah Arendt e a crítica às concepções educacionais do pragmatismo. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, Brasília, n. 10, p. 33-45, maio/out. 2008.
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  • CORREIA, A. Sentir-se em casa no mundo: a vida do espírito (mind) e o domínio dos assuntos humanos no pensamento de Hannah Arendt. 2002. 242 f. Tese (Doutorado em Filosofia)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
  • CORREIA, A. Natalidade e amor mundi: sobre a relação entre educação e política em Hannah Arendt. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 3, p. 811-822, set./dez. 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022010000300011
  • DEINA, W. J. A educação na esteira da crise política da modernidade: uma análise a partir das reflexões de Hannah Arendt. São Paulo: FEUSP, 2012.
  • DUARTE, A. O pensamento à sombra da ruptura: Filosofia e Política em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • FERREIRA, M. C. S. Hannah Arendt e a separação entre política e educação (Mestrado em Educação. São Paulo: FEUSP, 2007.
  • GONÇALVES, T. Autoridade docente: pensamento, responsabilidade e reconhecimento. 2012. 169 f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
  • YOUNG-BRUEHL, E. Hannah Arendt: por amor ao mundo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
  • 1
    A expressão
    progressive education (ARENDT, 2006, p. 175) é traduzida de formas diferentes ao longo do texto. Ora aparece como "educação progressista" (ARENDT, 2009a, p. 227), ora como "educação progressiva" (ARENDT, 2009a, p. 228). Optou-se por manter a expressão original.
  • 2
    Quando se refere à crise do "mundo moderno", Arendt (2010a, p. 7) remete, no mais das vezes, especificamente ao século XX, conforme ilustra a seguinte passagem: "[...] a era moderna não coincide com o mundo moderno. Cientificamente, a era moderna, que começou no século XVII, terminou no limiar do século XX; politicamente, o mundo moderno em que vivemos hoje nasceu com as primeiras explosões atômicas."
  • 3
    Ainda segundo Young-Bruehl (1997, p. 256), "[...] tudo o que Arendt escreveu entre 1952 e 1956 estava destinado originalmente ao livro sobre o marxismo [...]", mas tal livro nunca foi concluído. Das reflexões que o comporiam, resultaram partes das seguintes obras:
    A condição humana,
    Entre o passado e o futuro e
    Sobre a revolução.
  • 4
    "Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento."
  • 5
    Para acompanhar as análises cruzadas de Arendt a Benjamin e Heidegger, ver André Duarte (2000, p. 121-154). Ver também a tese de doutorado de Adriano Correia (2002, p. 7-10).
  • 6
    Por "desmantelamento" entenda-se "desmontagem".
  • 7
    "[...] impulso fenomenológico para apoiar abstrações na experiência [...] foi com esse espírito que ela partiu para recuperar as experiências políticas." (CANOVAN, 1992, p. 4, tradução nossa).
  • 8
    Ver Almeida (2009, p. 26), pois a estudiosa apresenta de modo mais detalhado os acontecimentos de Little Rock.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Dez 2012
    • Aceito
      03 Jun 2013
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