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Pesquisar no labirinto: a tese, um desafio possível

RESENHAS REVIEWS

Pesquisar no labirinto: a tese, um desafio possível

Inácio da Ressurreição Mamboma Luemba

Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: mamboma@hotmail.com

Contato

SERRANO, Francisco Perujo. Pesquisar no labirinto: a tese, um desafio possível. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. 157p.

Francisco Perujo Serrano, a quem se deve a autoria da obra acima mencionada, carrega consigo um percurso acadêmico que lhe confere legitimidade em se pronunciar sobre as questões relacionadas à pesquisa no campo acadêmico: doutorado em jornalismo pela Universidade de Sevilha, mestrado em administração de empresas audiovisuais e especialista em comunicação institucional e marketing político pela Universidade Internacional de Andaluzia.

Atendendo aos processos de pesquisa de tese em que se encontram submetidos, muitos doutorandos se acham confrontados com inúmeros desafios que visam a tornar efetivas as suas pesquisas. Os desafios com que estão confrontados caracterizam um percurso que Serrano toma como "pesquisar no labirinto". Um labirinto que, em certos casos, remete esses pesquisadores ao fracasso e desistências, como ressalta o autor, nesta sua obra Pesquisar no labirinto: a tese, um desafio possível, cujo objetivo central consiste em refletir sobre os princípios fundamentais que caracterizam o processo de pesquisa em nível de doutorado.

A obra em questão se apresenta estruturada em seis partes, sendo a primeira relacionada à "introdução"; a segunda, ao subtema "pesquisar é uma aventura";1 1 Esta parte, provavelmente por algum equívoco processual, aparece classificada, no sumário, como 1ª parte, pelo que, de acordo com a sequência lógica inerente às referidas partes, trata-se da 2ª parte, e não 1ª. a terceira, ao subtema "tese de doutorado, uma pesquisa particular"; a quarta, ao subtema "decálogo básico da pesquisa"; a quinta, ao subtema "o projeto de pesquisa, algo mais que pinceladas"; e, por último, a sexta parte, que está relacionada à bibliografia.

O que imediatamente seduz a nossa atenção ao percorrermos a parte introdutória da obra é, seguramente, o tom discursivo com que o autor se dirige ao público leitor. Acolhe um tom discursivo revestido de humildade e ponderação quanto aos princípios que defende em relação ao processo de pesquisa de tese, pelo que a preocupação didática para com o referido público é de igual modo evidente nos seus pronunciamentos:

Os leitores e leitoras não encontrarão aqui um tratado para o bom doutorando, nem um receituário uniforme de aplicação universal, nem um manual de preceitos, nem um florilégio de conselhos arbitrados a partir da torre de marfim de uma sabedoria irrevogável. Este livro foi redigido com a firme determinação de expor, de modo direto e compreensível, os denominadores comuns de todo processo de pesquisa [...]" (p.10).

O que, para um leitor atento, poderia ser encarado como um discurso da denegação, ou seja, discurso em que o emissor nega, perante o seu receptor, a intenção de suscitar, com o seu discurso, este ou aquele efeito.

Ao lançar mão da parte inerente ao subtema "pesquisar é uma aventura", Serrano não deixou de assinalar um conjunto de observações globais e úteis a todo sujeito que se vê confrontado com o projeto de pesquisa. Começa, assim, tomando o processo de pesquisa como uma verdadeira aventura, na medida em que coloca o pesquisador diante de um grande desafio e responsabilidade, que consiste em construir um conhecimento que seja relevante perante o mundo do saber científico, uma tarefa que se caracteriza por ser complexa e espinhosa, como se pode também perceber nos argumentos de Carvalho (2009, p.17): "A pesquisa é sempre um labirinto, um desafio [...]".

Ainda em torno do subtema "pesquisar é uma aventura", Serrano apela à atitude de humildade que, no seu entender, deve apresentarse como uma marca de todo pesquisador, ou seja, ressalta a necessidade de o pesquisador ter a humildade em reconhecer a sua ignorância quando se coloca diante de um objeto de pesquisa:

"[...] queremos saber o que não sabemos. Podemos ter pistas, motivos ou indícios que nos levem a formular nossas hipóteses [...], mas nada disso pode ser concebido como categorias de conhecimento [...]" (p.15).

O autor assinala, portanto, que a pesquisa científica, sendo essencialmente demonstrativa e comprovativa, não deve orientar-se numa lógica especulativa: "[...] é um erro querer saber de antemão [...], buscar o resultado antes de formular a equação. Uma tese de doutorado, por exemplo, não é uma casa que se inicia pelo telhado" (p.15).

Partindo do pressuposto de que toda pesquisa visa à construção do conhecimento, Serrano assinala que a validade de uma pesquisa é interpretada a partir da sua presumível função social e científica, que consiste, via de regra, em construir um novo conhecimento (ou ampliar o conhecimento já existente);2 2 Vale observar que, numa tese, comparativamente à dissertação, esse requisito é, desde logo, condição sine qua non, ou seja, é observado ao extremo. assinala, de igual modo, a importância da dúvida diante do processo de pesquisa, na medida em que ela motiva e preside toda e qualquer investigação; comparando as atividades que caracterizam a pesquisa de tese com as atividades levadas a cabo pelos arqueólogos, o autor toma os pesquisadores, ou seja, os doutorandos, como arqueólogos do saber. Também os toma como escreventes da própria pesquisa, dado que os seus percursos de pesquisa são marcados por sucessivos acontecimentos, peripécias e descobertas (previsíveis e imprevisíveis3 3 Carvalho (2009, p.17), nas suas reflexões a propósito da mesma questão, assinala que a pesquisa "às vezes nos leva por caminhos nunca antes imaginados [...]". ), que lhes impõem a necessidade de registrar, por escrito, todas essas incidências decorrentes do processo de pesquisa; atendendo ao leque tão vasto em relação aos ramos que conformam o universo científico, Serrano, no curso das suas reflexões, chama a atenção dos pesquisadores quanto à noção de pertença. Também chama a atenção desses sujeitos quanto às implicações decorrentes do processo que consiste em comunicar a ciência, designadamente, escrever com correção, explicar com clareza, expor ordenadamente e inferir com humildade.

Ao se colocar perante a parte relacionada ao subtema "tese de doutorado, uma pesquisa particular", sua intenção consistiu em assinalar um leque de fatores que demarcam e conferem à tese de doutorado determinadas singularidades em relação às outras produções científicas. Para evidenciar essas singularidades, Serrano considera, dentre vários aspectos, que a tese de doutorado é, seguramente, um fator que inscreve, no pesquisador, habilidades de pesquisar, pelo que, nesse processo, conquista-se o crachá de pesquisador. O autor toma o percurso de doutoramento como um caminho solitário, na medida em que o doutorando, apesar de contar com a parceria do seu orientador (a), é, em última análise, o único responsável pela trajetória e resultados da sua pesquisa.

Ainda perante o subtema "tese de doutorado, uma pesquisa particular", destaca os "5 Cs" que caracterizam a tese de doutoramento: capacidade, constância, controle, criatividade e o complexo zero. Refere-se à capacidade, na medida em que admite que a idealização, pelo doutorando, de uma pesquisa de tese implica, da parte deste, atitude ponderativa, de modo a concluir se está à altura (ou não) de prosseguir com o seu trabalho; quanto à constância, o autor procurou demonstrar que a pesquisa de tese só se torna efetiva se formos constantes e perseverantes; ressalta a questão relacionada ao controle, na medida em que, por via desse princípio, o pesquisador informa-se em relação ao grau de cumprimento do planejado para com a pesquisa, entendendo que a ciência é, manifestamente, sinônimo de criação e produção, Serrano não deixou de incluir, no interior dos 5 Cs, a questão relacionada à criatividade; também, a esse universo dos 5 Cs, viu-se motivado a incluir a questão do complexo zero, na medida em que entende que o processo de tese impõe a necessidade de o doutorando se despir de todos os complexos pessoais.

É de conhecimento comum que o andamento de uma pesquisa, essa que deve superar um campo marcado por sucessivos contornos – labirinto (Carvalho, 2009), impõe que o pesquisador se municie de um conjunto de ferramentas que funcionam como bússola orientadora. A parte referente ao subtema "decálogo básico da pesquisa" pretende, assim, munir o pesquisador de ferramentas para uma travessia prudente e segura nesse percurso da pesquisa, ou seja, nesse labirinto. E, para elencar as tais ferramentas que considera indispensáveis ao pesquisador, Serrano evidencia o tom do discurso humilde e ponderado, ao solicitar que as tais ferramentas – decálogo básico da pesquisa – não sejam tomadas como referências de aplicação taxativa para todo tipo de caso.

Quanto à parte relacionada ao subtema "o projeto de pesquisa, algo mais que pinceladas", que antecede a bibliografia – última parte da obra, Serrano procurou demonstrar que o projeto de pesquisa de tese, que é um dos critérios de classificação do candidato ao doutoramento em várias instituições acadêmicas (SANTOS; NORONHA, 2005, p.42), apesar de se apresentar como um texto anterior ao texto da tese propriamente dito, não deve ser tomado com ligeireza, como um mero esboço, ou seja, em sua estruturação, deve-se ter em consideração o grau de consistência científica que as referidas instituições impõem em relação a esse projeto. Por essa razão, o autor, nessa sua última reflexão, considera que o projeto de pesquisa é algo que vai além de uma simples pincelada. A partir dos argumentos de Deslandes, pode-se compreender esta posição do autor:

Um projeto de pesquisa constitui a síntese de múltiplos esforços intelectuais que se contrapõem e se complementam: de abstração teórico-conceitual e de conexão com a realidade empírica, de exaustividade e síntese, de inclusões e recortes, e, sobretudo, de rigor e criatividade [...] (DESLANDES, 2007, p.31).

Nessa perspectiva, além das partes que estruturam um projeto de pesquisa, Serrano assinala um conjunto de princípios que não deve escapar do olhar do arquiteto de um dado projeto de pesquisa: ambição; aposta; aproximação ao objeto de estudo; e antecipação operativa para a pesquisa.

Ao se referir à ambição, procura ressaltar que os objetivos que presidem um processo de tese são, desde logo, ambiciosos (fazer ciência e comunicá-la), pelo que o pesquisador (doutorando) deve deixar-se contaminar por essas ambições, ou seja, sua pesquisa deve revestir essas ambições; quanto à aposta, Serrano, dentre várias questões, assinala que a aposta pelo rigor e qualidade deve apresentar-se como um princípio no percurso da pesquisa; para que o pesquisador tenha domínio sobre o que vai pesquisar e, consequentemente, consiga prever as opções de bom êxito no decurso da pesquisa, Serrano ressalta, então, a necessidade de aproximação ao objeto de estudo pelo pesquisador; ao mencionar o requisito antecipação operativa para a pesquisa, Serrano ressalta que o projeto de pesquisa de tese não deve ser tomado como uma simples descrição do que se pretende em relação ao processo da pesquisa, pelo que deve refletir uma verdadeira antecipação operacional dessa pesquisa, ou seja, tem de ser, efetivamente, funcional em relação à pesquisa em questão.

Diante das sucessivas reflexões que cercam a obra Pesquisar no labirinto: a tese, um desafio possível, ficamos com a impressão de que o autor pretendeu, efetivamente, evidenciar, na referida obra, um receituário ou um tratado para um bom doutoramento, embora tenha ele referido, desde o início, que não era essa a sua intenção; nas relações mútuas que estabelecem em torno do processo de produção da tese, tem-se verificado que a imagem que o doutorando tem do seu orientador (a) – pessoa sabedora e experiente quanto às questões que se prendem à pesquisa, leva-o, quase sempre, a concordar com todas as formulações suscitadas por esse sujeito em relação ao seu trabalho de tese, mesmo as menos adequadas. Tal fato, direcionando o processo de produção da tese para rumos menos adequados, tem colocado em causa a qualidade de muitos trabalhos. Essa questão, considerando a sua relevância, era determinante que pudesse merecer uma especial atenção nas reflexões de Serrano; em torno das mesmas reflexões, pode-se também apurar um silêncio quanto às questões voltadas aos instrumentos e técnicas de pesquisa, ou seja: considerando que a obra de Serrano toma como referência o campo das ciências sociais e humanas, como se pode perceber logo de início, era determinante que ela pudesse refletir temáticas relacionadas aos instrumentos e técnicas de pesquisa frequentes no campo das ciências sociais e humanas e, sobretudo, o modo de sua utilização, que é, seguramente, um assunto que interessaria aos pesquisadores, uma vez que um dos impasses enfrentado por esses sujeitos durante a marcha das suas pesquisas está associado à falta de clareza quanto ao modo mais adequado de utilização dos instrumentos e técnicas de pesquisa.

Contudo, é honesto admitir que a obra de Francisco Perujo Serrano, pelas temáticas que comporta, bem como pela maneira marcadamente didática com que elas são abordadas, funciona, sem sombras de dúvida, como um conforto a todos os sujeitos confrontados com o percurso emaranhado que caracteriza a pesquisa, na medida em que fornece pistas e diretrizes que ajudam a vencer esse trajeto.

NOTAS

REFERÊNCIAS

CARVALHO, L. A. de. Labirintos da pesquisa. Rio de Janeiro: Usina de Letras, 2009.

DESLANDES, S. F. O projeto de pesquisa como exercício científico e artesanato intelectual. In: MINAYO, M. C. de S. et al. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26.ed. Petrópolis: Vozes, 2007. p.31-60.

SANTOS, C. R. dos; NORONHA, R. T. da S. de. Monografias científicas: TCC, dissertação, tese. São Paulo: Avercamp, 2005.

Contato:

Programa de Pós-Graduação em Educação

Faculdade de Educação

Universidade Federal de Minas Gerais

Avenida Antônio Carlos, 6627

Pampulha

CEP 31270-901

Belo Horizonte | MG | Brasil

Recebido em: 19/02/2013

Aprovado em: 28/11/2013

  • CARVALHO, L. A. de. Labirintos da pesquisa. Rio de Janeiro: Usina de Letras, 2009.
  • SANTOS, C. R. dos; NORONHA, R. T. da S. de. Monografias científicas: TCC, dissertação, tese. São Paulo: Avercamp, 2005.
  • 1
    Esta parte, provavelmente por algum equívoco processual, aparece classificada, no sumário, como 1ª parte, pelo que, de acordo com a sequência lógica inerente às referidas partes, trata-se da 2ª parte, e não 1ª.
  • 2
    Vale observar que, numa tese, comparativamente à dissertação, esse requisito é, desde logo, condição
    sine qua non, ou seja, é observado ao extremo.
  • 3
    Carvalho (2009, p.17), nas suas reflexões a propósito da mesma questão, assinala que a pesquisa "às vezes nos leva por caminhos nunca antes imaginados [...]".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014
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