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ATENÇÃO A SI E MODOS DE CONCEBER AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

ATTENTION TO ONESELF AND WAYS OF CONCEIVING THE DIGITAL TECHNOLOGIES IN TEACHER TRAINING

Resumos

Este artigo apresenta uma pesquisa-intervenção de natureza qualitativa que discute como professores concebem as tecnologias digitais e como essas concepções se transformam no transcurso de oficinas de formação, enfatizando a atenção a si nos processos de conhecimento. Como hipótese de trabalho, propomos que o acoplamento com tecnologias digitais pode tornar mais visíveis, para o próprio observador, as modulações de seus modos de atentar a si e ao mundo, pois incrementa as quebras e/ou as perturbações nas formas habituais de fazer e saber. Foram acompanhados oito professores em oficinas que se desenvolveram durante seis meses no ano de 2013. Como resultado, foi possível distinguir transformações cognitivas referentes às concepções de tecnologia e aos processos de atenção a si no fazer das oficinas. As tecnologias digitais passam a compor a experiência dos professores, e estes se percebem atualizando a si mesmos nos espaços de produção do conhecimento na escola.

Tecnologias digitais; Percurso de professores; Atenção a si; Conhecimento.


This paper presents a qualitative nature intervention research that discusses how teachers conceive digital technologies, and how these conceptions are transformed in the course of teacher training workshops, with emphasis on the attention to themselves in knowledge processes. We work with a hypothesis in which connection with digital technologies can turn more visible to the observers, the modulations of the ways they perceive themselves and the world, because it increments disruptions and/ or disturbances in the usual ways of doing and knowing. Eight teachers were observed in workshop sessions that were developed over six months in the year of 2013. As a result, it was possible to recognize cognitive transformations related to their conceptions of technology and to the processes of attention to themselves. Digital technologies become part of the teachers' experience, and they perceive themselves updating in the school's spaces of knowledge production.

Digital technologies; Teachers' journey of formation; Attention to themselves; Knowledge.


INTRODUÇÃO

A motivação para a realização deste estudo partiu da análise sobre o investimento das políticas públicas na formação de professores em informática educativa e na equipagem das escolas de Mossoró/RN. Segundo dados do Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal, as escolas estão informatizadas, contendo em seus acervos equipamentos como computadores, notebooks, impressoras e projetores. A maior parte das escolas está conectada à internet. O núcleo desenvolve um trabalho de formação de professores para a integração de tecnologias digitais no trabalho da escola, uma ação em parceria com o Ministério da Educação (MEC), através do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo). Diante desse quadro, era de se esperar um cenário de projetos de trabalho no qual os professores utilizassem as tecnologias digitais na ação pedagógica. Entretanto, o que encontramos foi a quase inexistência de projetos nas escolas envolvendo as tecnologias digitais. Nesse momento, passamos a refletir sobre a necessidade de construir conhecimento sobre os processos de apropriação das tecnologias pelos docentes.

Este estudo analisa como um grupo de professores concebe as tecnologias digitais e como essas concepções se transformam no percurso de um projeto de formação em um ambiente educacional, enfatizando a atenção a si nos processos de conhecimento. Quando tomamos como indicador de análise a "atenção a si", queremos enfatizar a ação de atentar às transformações cognitivas e afetivas experimentadas pelos próprios sujeitos envolvidos nas oficinas. Tais processos atencionais englobam o saber situado - saber-como - e o saber representativo - saber-sobre -, em que se articulam sabedoria e conhecimento. A sabedoria é aqui entendida como o modo conforme agimos no cotidiano, e o conhecimento está relacionado às explicações que fazem emergir um fenômeno na experiência a partir das distinções dos observadores (MONTE GRANDE, 2004PALOMBINI, A.; MARASCHIN, C.; MOCHEN, S.Tecnologias em Rede: Oficinas de Fazer Saúde Mental. Porto Alegre: Sulina, 2012.).

Como seres linguajantes, somos capazes de realizar a observação do próprio fazer/sentir, o que Maturana (2001MATURANA, H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. MAGRO, C.; PAREDES, V. (org). Belo Horizonte: Ed. Humanitas/UFMG, 2001.) nomeia como "a pergunta pelo observador". Ou seja, não existe conhecimento a não ser a partir da emergência dessa função de observador, que está sempre imbricado, encarnado nos modos de conhecer. É essencial destacar que processos cognitivos e subjetivos estão em jogo desde um conjunto de operações inscritas em um corpo que enatua (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001.).

Pelo linguajar, constituímo-nos como observadores dos fenômenos que distinguimos e tecemos explicações sobre os mesmos. Objetos e fenômenos emergem das explicações que se estabilizam quando aceitas por uma comunidade de observadores que partilham de semelhantes critérios de validação. Mas as explicações, no nosso caso, as concepções dos professores, não são independentes das redes nas quais estão inseridos. Por isso, os modos de conceber também contemplam tanto a biologia do observador - porque, se a biologia muda, muda o observar, e é desde o observar que um ou mais observadores validam a explicação - quanto as relações que são estabelecidas entre sujeitos e objetos, haja vista que o observar também se constitui em relação aos não humanos. Se os fenômenos são formulados na linguagem, considerando a biologia, o coletivo e as tecnologias, torna-se legítimo focar um recorte dessa rede, questionando como os professores produzem saberes e concepções linguajando com as tecnologias digitais.

Outra noção importante neste estudo é a de "acoplamento estrutural" (MATURANA; VARELA, 2011MATURANA H.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Editora Palas Athena, 2011., p. 87). Quando tratamos de redes conversacionais, o que está em questão são os processos vividos em um modo de relação entre humanos e não humanos. Esses processos são definidos como acoplamentos que realizamos para conservar o viver-conhecer e são estruturais, pois modificam nossa estrutura em uma dinâmica circular de constante reconfiguração de si e do conhecer. Desse modo, torna-se impossível seguirmos pensando a aprendizagem em termos de transmissão de informações, mas, sim, em termos de uma modificação estrutural na convivência de acordo com os acoplamentos efetuados.

Deslocamentos e transformações podem acontecer nos modos de atentar a si e ao mundo quando nos acoplamos com tecnologias. Como hipótese de trabalho, propomos que novos acoplamentos com tecnologias podem tornar mais visíveis para o próprio observador as modulações de seus modos de atentar a si e ao mundo, pois incrementam as possibilidades de "breakdown", produzindo quebras e/ou perturbações nos modos habituais de fazer e saber (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001., p. 78).

Tal experiência poderia se constituir em uma ferramenta interessante nos processos de formação de professores, capaz de promover uma maior implicação dos saberes e fazeres ao abrir espaço para a experiência de atenção a si e ao mundo nos percursos de construção do conhecimento. O breakdown na pesquisa configura-se como momentos de problematização da experiência, do fazer e do interagir com tecnologias, colapsos que articulam processos cognitivos e afetivos nas oficinas, "{...} lado autônomo e criativo da cognição" (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001., p. 78).

Assumimos a posição de que professores participantes da pesquisa são observadores do próprio fazer e, nesse observar, tecem explicações, perguntas legítimas que precisamos acolher. Uma das características da pesquisa-intervenção, que utiliza a oficina como tecnologia social, é justamente a ênfase em procedimentos que abrem espaços para processos de autoconstrução, processos e mudanças possíveis em percursos de formação de professores.

As oficinas têm sido utilizadas como estratégia metodológica da pesquisa-intervenção ao convidarem os participantes a uma experiência do "fazer-com" (PALOMBINI; MARASCHIN; MOCHEN, 2012PALOMBINI, A.; MARASCHIN, C.; MOCHEN, S.Tecnologias em Rede: Oficinas de Fazer Saúde Mental. Porto Alegre: Sulina, 2012., p. 9). Neste trabalho, utilizamos como campo empírico oficinas desenvolvidas no Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal da cidade de Mossoró/RN, coordenadas pela primeira autora deste texto.

Nossa proposição é que a maneira através da qual os professores se acoplam, conceitual e empiricamente, às tecnologias torna-se um aspecto crucial que podemos tomar como ponto de partida para ampliar a reflexão/ação sobre como eles se percebem na relação com artefatos técnicos digitais. Nessa direção, é essencial atentar ao que indica Simondon (1989VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001., p. 12) sobre ser preciso considerar, nos processos de aprendizagem, todo o "conjunto técnico, sujeito-meio-tecnologia", quando desejamos construir uma proposta que potencialize o fazer/saber dos professores.

A ATENÇÃO A SI NO PERCURSO DOS PROFESSORES COM TECNOLOGIAS DIGITAIS

O ponto fundamental que nos interessa discutir nesta experiência são as transformações que os professores envolvidos experimentam em oficinas de formação no Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal. Mas essas transformações não ocorrem independentemente das invenções sóciotécnicas, concebidas de acordo com a visão de Simondon (1989), que descreve a evolução técnica como um evento que acontece em conjunto com o pensamento humano. A produção técnica e as mudanças nas circunstâncias do viver em sociedade operam congruentemente. Uma transformação nas tecnologias adotadas em educação pode interferir de modo mais ou menos autoral no processo pedagógico, podendo produzir diferenças significativas com as tecnologias digitais nos processos de aprendizagem ou somente controlar seus efeitos.

A experiência de formação em oficinas ajuda a compreender que não basta propor mudanças técnicas se os professores não se sentirem capazes de criar espaços de conhecimento na escola, ou seja, se não se colocarem como protagonistas dessas mudanças.

{...} a introdução de uma máquina isolada cujo desempenho contrasta com o de outras máquinas e com as possibilidades do entorno produz de forma espetacular a noção abstrata de um progresso possível, pois se todo o conjunto é modificado de maneira homogênea, essa aparência de uma marcha explosiva do progresso desaparece. A lentidão do progresso real, dentro do próprio domínio da concretização objetiva, significa que o progresso técnico já se encontra ligado às condições sociais {...} (SIMONDON, 1989, p. 12).

Simondon (1989VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001., p. 67) preconiza que a especificidade dos ciclos técnicos não implica subversão ou desrespeito frente aos processos humanos e às mudanças nas formas de conhecer. Nessa perspectiva, os ciclos técnicos formam um sistema complexo e variável em que entram em cena os diferentes domínios da vida social. O desafio que o autor apresenta àqueles que se encarregam da aprendizagem em processos de formação de professores é considerável, pois consiste em uma abordagem diferente sobre a questão do acoplamento e das possíveis transformações na relação entre os humanos e as tecnologias.

Sabemos que as mudanças em educação são lentas; a realidade se transforma em velocidade tamanha que a escola não consegue acompanhar, assim, a vida política, econômica e cultural. Essa lentidão nas mudanças em processos sociais (entre os quais estão os educativos) gera um aperfeiçoamento dos conjuntos técnicos e um acoplamento orgânico com as outras dimensões sociais (SIMONDON, 1989VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001., p. 13).

Quando nosso propósito é compreender como acontecem efetivas transformações e aprendizagens na experiência em oficinas, é necessário discutir as modulações que ocorrem nesta relação. Os processos de conhecimento podem ser pensados a partir de um conjunto técnico em relação: professores-experiência pedagógicatecnologias. Objetos técnicos e sujeitos, no devir, transformam-se em congruência. Desse modo, as oficinas parecem proporcionar esse espaço de experiência no qual existe uma coderiva entre as ações, os saberes dos sujeitos e as transformações no meio. O modo como vivemos e estabelecemos relações atualiza aquilo que constituímos como espaço. Maturana e Rezepka (2008MATURANA, H.; REZEPKA, S. N. Formação humana e capacitação. Petrópolis: Vozes, 2008., p. 10) enfatizam que a formação humana deve propiciar ferramentas para uma atuação no presente, considerando-se o respeito e a confiança, com "{...} seres capazes de pensar tudo e de fazer tudo o que é preciso como um ato responsável a partir de uma consciência social". Desse modo, o trabalho de formação de professores com tecnologias digitais pode abrir espaço para o estabelecimento de processos interativos e de produção em que a confiança no fazer esteja presente.

A pesquisa-intervenção que desenvolvemos considera os fazeres dos professores, os gestos, as falas, as escritas digitais, as inscrições diversas que permitem aceder às relações que estabelecem com tecnologias digitais. Para tanto, fizemos uma busca em estudos relacionados aos temas do conhecimento, dos processos cognitivos e das tecnologias na educação.

Ferreira (2005FERREIRA, M. B. A Abertura de um Espaço-Tempo para reflexão com os professores: efeitos no fazer pedagógico e no modo como descrevem sua prática. 2005. 141 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.) pesquisou a formação continuada dos professores atentando-se ao conhecimento sobre o seu fazer pedagógico. Em seu estudo, explorou a utilização de metodologias de trabalho que integram tecnologias e didáticas inovadoras, trazendo alternativas para o efetivo aproveitamento dos laboratórios na escola. Os resultados de sua pesquisa revelaram a importância "{...} da proposição de espaços coletivos de ação-reflexão para professores como dispositivos de aprendizagem e de tomada de consciência dos saberes e práticas docentes" (FERREIRA, 2005FERREIRA, M. B. A Abertura de um Espaço-Tempo para reflexão com os professores: efeitos no fazer pedagógico e no modo como descrevem sua prática. 2005. 141 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 08). Para a autora, relacionando teoria e prática, foi possível aos professores, numa abordagem construtivista, aprender sobre e como usar o computador na resolução de possíveis problemas e desafios no domínio das tecnologias da informação e comunicação nas atividades pedagógicas das escolas.

Real (2007REAL, L. M. C. Aprendizagem amorosa na interface escola: projeto de aprendizagem e tecnologia digital. 2007. 134 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.) tematiza o que distingue como "aprendizagem amorosa" na interface escola, projeto de aprendizagem e tecnologia digital. A autora considera uma experiência realizada em uma escola municipal de Porto Alegre em que os professores desenvolvem a metodologia de projetos de aprendizagem. Os resultados de seu trabalho revelam a "{...} importância do emocionar presente na rede de conversação para a constituição de um domínio cooperativo para que exista uma aceitação da legitimidade do outro que se operacionaliza em um processo de descentração cognitiva e afetiva" (REAL, 2007REAL, L. M. C. Aprendizagem amorosa na interface escola: projeto de aprendizagem e tecnologia digital. 2007. 134 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007., p. 04). Assim, destaca que os projetos de aprendizagem desenvolvidos em ambiente informatizado se caracterizam por apresentarem um domínio de ações de cooperação, o que pode fundar um emocionar que considera a legitimidade do outro na ação. A autora conclui sua tese esclarecendo que:

{...} o uso das Tecnologias Digitais, juntamente com uma proposta pedagógica construtivista de Projetos de Aprendizagem, poderia caracterizar-se como um espaço onde seja permitido, a alunos e professores, reaprender a perguntar, a duvidar de suas certezas, a conviver de uma forma diferente (pois também se trata de uma interação em um espaço e tempo diferentes do usual da escola, onde as conversações podem ser síncronas e assíncronas, como fórum, bate-papo, etc), a manter uma nova relação entre professores e alunos (de parceria entre ambos, sem tanta hierarquia), a trabalhar em grupo com cooperação e solidariedade na construção de projetos comuns (REAL, 2007, p. 12).

Lângaro (2003LÂNGARO, A. G. Tecnologia e práticas pedagógicas: movimentos e vicissitudes na busca da constituição de uma comunidade de aprendizagem. 2003. 145 f. Dissertação (Mestrado de Psicologia Social e Institucional) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.) desenvolveu uma pesquisa sobre o tema das tecnologias e das práticas pedagógicas em que procurou analisar os movimentos e as vicissitudes dessa apropriação. A autora observou processos que aconteceram na constituição de uma comunidade de aprendizagem em uma escola da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Sua experiência procurou "{...} mostrar os movimentos que apontaram tanto para a constituição na direção de uma comunidade de aprendizagem quanto os recuos" (LÂNGARO, 2003LÂNGARO, A. G. Tecnologia e práticas pedagógicas: movimentos e vicissitudes na busca da constituição de uma comunidade de aprendizagem. 2003. 145 f. Dissertação (Mestrado de Psicologia Social e Institucional) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003., p. 10). Para a autora, os resultados mostraram que a inserção de tecnologias digitais com metodologias diferenciadas de trabalho no contexto educacional pode reconfigurar outros espaços de convivência e de aprendizagem.

É importante ainda destacar o trabalho de Rodrigues (2007RODRIGUES, S. C. Rede de conversação virtual: engendramento coletivo-singular na formação de professores. 2007. 150 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.), que analisou uma rede de conversação virtual como engendramento coletivo-singular na formação de professores. A autora analisa toda uma metodologia de trabalho de professores que envolve "{...} projetos de aprendizagem, conteúdos escolares, currículo, tecnologias e mudanças na prática pedagógica" (RODRIGUES, 2007RODRIGUES, S. C. Rede de conversação virtual: engendramento coletivo-singular na formação de professores. 2007. 150 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007., p. 13). Nessa experiência, evidencia a importância de "estar em ação com o outro". Como resultados, esclarece: "A dificuldade de inserir inovações metodológicas e tecnológicas foi maior em virtude do contexto curricular estruturado de forma disciplinar, fragmentado e diretivo" (RODRIGUES, 2007RODRIGUES, S. C. Rede de conversação virtual: engendramento coletivo-singular na formação de professores. 2007. 150 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007., p. 136).

Estudos em informática educativa aprofundam essa discussão quando tematizam produções de professores, como a análise de práticas de composição escrita. Pesquisa recente envolveu uma das autoras deste texto, Demoly (2008DEMOLY, K. R. A. Escritura na convergência de mídias. 2008. 213 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.). Em seu trabalho, foi possível observar deslocamentos e transformações nos modos de escrever de professoras em formação, docentes que vivem em condições perceptivas diferenciadas - ouvintes, videntes, cegas, surdas. Essas professoras, ao manipularem e editarem elementos não apenas textuais na escrita, percebiam a possibilidade de maior convergência interativa entre pessoas que vivem de modo diferente quando podem produzir contando com ferramentas informáticas. O estudo permite compreender que as tecnologias informáticas favorecem mudanças nas coordenações de ações na produção por professores, abrindo espaços para a convivência e a invenção coletiva de sujeitos que vivem, escrevem e se comunicam em condições perceptivas diferenciadas. Nesse contexto, o encontro com tecnologias digitais pode transformar modos de viver.

Os estudos citados têm relação direta com o objetivo da nossa pesquisa, que envolve a interação de professores com tecnologias digitais considerando-se o espaço escolar como privilegiado para as relações interpessoais na constituição de si e do meio. Investigamos modos de percepção das tecnologias digitais em oficinas que potencializam processos de atenção a si no conhecer. Vale aqui destacar o que esclarece Maturana (2002)MONTE, W. S. Oficinando com jovens: análise de processos de atenção na experiência com jogos digitais. 2014. 131f. Dissertação (Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade) - Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró-RN. 2014. sobre a tarefa do professor na escola quando interage com processos que enfatizam a atenção a si e ao mundo que produz no constituir-se como professor.

As oficinas que organizamos como estratégia de uma pesquisa-intervenção abrem espaços para a reflexão e a produção sobre os processos atencionais na experiência do conhecimento. Maturana (2002) enfatiza, ainda, uma dimensão dos processos de atualização de si e do conhecer que implica ampliar a capacidade de ação e reflexão no mundo, o que compreendemos como aspecto crucial a ser acolhido nas experiências de formação de professores para integração de tecnologias digitais em educação.

OS PROCESSOS ATENCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Em nossa pesquisa, ao analisarmos modos de conceber as tecnologias digitais em oficinas de formação de professores, destacamos os processos de atenção a si como movimentos da cognição na experiência. A discussão sobre os processos de atenção na experiência de professores considera as valiosas construções de Freitas (2011FREITAS, C. R. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. 2011. 191f. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.), Kastrup (1999KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v. 19, n. 1, jan./abr. 2007., 2004KASTRUP, V. Fazendo psicologia no campo da saúde mental: as oficinas de tecnologia e tecnologias sociais. In: PALOMBINI, A. L.; MARASCHIN, C.; MOSCHEN, S. Tecnologias em Rede: Oficinas de Fazer Saúde Mental. Porto Alegre: Sulina, 2012., 2007KASTRUP, V. O lado de dentro da experiência: atenção a si mesmo e produção de subjetividade numa oficina de cerâmica para pessoas com deficiência visual adquirida. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 28, n. 1, 2008.), Monte (2014MONTE, W. S. Oficinando com jovens: análise de processos de atenção na experiência com jogos digitais. 2014. 131f. Dissertação (Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade) - Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró-RN. 2014.), De-Nardin e Sordi (2008)DE-NARDIN, M. H.; SORDI, R. O. Aprendizagem da atenção: uma abertura à invenção. Revista Iberoamericana de Educación, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 47, p.1-11, 10 nov. 2008. Disponível em: <http://www.rieoei.org/deloslectores/2559Sordiv2.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2013.
http://www.rieoei.org/deloslectores/2559...
e Caliman (2008CALIMAN, L. V. Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 64, n. 1, p.v2-17, 03,maio 2012. Disponível em: <http://seer. psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/744/684>. Acesso em: 16 ago. 2013.
http://seer. psicologia.ufrj.br/index.ph...
, 2012CALIMAN, L. V. Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 64, n. 1, p.v2-17, 03,maio 2012. Disponível em: <http://seer. psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/744/684>. Acesso em: 16 ago. 2013.
http://seer. psicologia.ufrj.br/index.ph...
).

Kastrup (2012)LÂNGARO, A. G. Tecnologia e práticas pedagógicas: movimentos e vicissitudes na busca da constituição de uma comunidade de aprendizagem. 2003. 145 f. Dissertação (Mestrado de Psicologia Social e Institucional) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. e Freitas (2011FREITAS, C. R. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. 2011. 191f. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.) tematizam, em contextos diversos, as formas de funcionamento da atenção, buscando, assim, "{...} aproximar o conceito de atenção à ideia de invenção" (FREITAS, 2011FREITAS, C. R. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. 2011. 191f. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., p. 41) e a "{...} invenção como ato único produzido por cada sujeito" (KASTRUP, 2005KASTRUP, V. Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do devir-mestre. Educação e Sociedade, v. 26, n. 93, p. 1273-1288, 2005., p. 1.273). As autoras enfatizam a cognição não como representação de um mundo preestabelecido, ou como elaboração de uma mente ou uma verdade predefinida, mas, antes, como uma produção de um mundo e de uma mente com base na história das ações diversas que o ser humano executa em seu viver em um ou mais mundos.

Sade e Kastrup (2011SADE, C.; KASTRUP, V. Atenção a si: da auto-observação à autoprodução. Estud. psicol. (Natal) {online}. 2011, vol.16, n.2, p. 139-146., p. 139) reforçam o entendimento das diferentes formas como pode funcionar a atenção, que é justamente o que observamos nas ações dos professores em oficinas de formação. Não temos apenas os movimentos dicotômicos da atenção/desatenção em um percurso de conhecimento. Concordamos com Freitas (2011FREITAS, C. R. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. 2011. 191f. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.), para quem os movimentos da atenção não encontram arreios. Entendemos a atenção a si como um processo cognitivo importante de ser compreendido na formação de professores com tecnologias digitais. Isso implica a possibilidade de superação de metodologias e projetos de formação que seguem priorizando a apresentação de modelos já predefinidos sobre como melhor fazer/aprender.

{...} A atenção é movimento e não pode ser reconhecida como algo em que o sujeito tenha de repetir o que lhe é apresentado. Repetir não encontra eco na "capacidade atencional", mas na maneira de ver a atenção como uma capacidade que pode ser adestrada, docilizada. A atenção, se entendida como distração, não encontra arreios, não pode ser adestrada, a não ser quando deixa de ser... {...} Atenção precisa ser reconhecida como descentração, como dispersão criativa, com a possibilidade de reconhecermo-nos como autores, de inventarmos conhecimento. (FREITAS, 2011, p. 59-62)

A dispersão criativa pode ser um modo de funcionamento da atenção que, em vez de impedir uma aprendizagem, encaminha-nos para uma circunstância melhor do viver a educação. Compreender a atenção a partir desse ponto de vista é oportunizar uma caminhada em um campo pouco conhecido. E a dramática das situações que experimentam os professores na escola, diante dos desafios da atualidade de quem tem a tarefa de oportunizar conhecimento aos estudantes, requer experiências de formação com tecnlogias digitais que efetivamente propiciem transformações na direção do conhecer de professores.

Experimentamos diferentes processos atencionais no viver cotidiano, como: focalização, concentração, distração e dispersão. Procuraremos aqui conceituar brevemente cada um, pois todos operam nos percursos de conhecimento.

A focalização é um modo de funcionar a atenção. Para Kastrup (2008, p. 195), "o que caracteriza a focalização é a seleção do estímulo e a intenção de chegar ao reconhecimento". A focalização não é o final do processo de atenção, nem mesmo um modo de saber se o sujeito está concentrado. A autora indica que é interessante compreender o processo de focalização estabelecendo-se uma relação com o processo de um oleiro que trabalha com o barro.

{...} No caso da cerâmica, o foco se encontra na manipulação da massa, nas formas emergentes e na ideia que se encontra na cabeça. Mas, mesmo aí, o gesto de focalização não esgota o funcionamento da atenção. Esta flutua na massa, acompanhando seu movimento, rastreando e seguindo as sensações e as formas que ela oferece (KASTRUP, 2008, p. 195).

Assim, estar no foco seria manter a atenção pousando sobre o próprio fazer, ver o outro, reconhecer os objetos técnicos, acompanhar os movimentos do que produz - um blog, um jogo, uma atividade com tecnologias. Assim sendo, estar fora de foco significaria não ver os outros, os objetos, ou ver o que acontece de um modo diferente, por um motivo ou outro do viver.

Os processos da atenção - focalização, concentração, dispersão, distração -, durante oficinas de formação com tecnologias digitais, favorecem a experiência do conhecimento. Aprendizagens e modos de interação ocorrem em situações as mais diversas, que procuraremos explorar na análise dos acontecimentos. É importante, ainda, discutir sobre o processo mais esperado em educação, muitas vezes tomado como um pré-requisito às aprendizagens: a concentração.

A concentração está relacionada sempre aos processos envolvidos em estudos e aprendizagens. Alguns especialistas sustentam que alguém até pode aumentar o nível de concentração e que existe perda de concentração durante um processo de aprendizagem, o que é decorrente de fatores internos (biológico e psíquico) e externos (estímulos físicos).

Para De-Nardin e Sordi (2008, p. 4), a concentração "{...} supõe a possibilidade de ir além da capacidade de executar tarefas, supõe uma possibilidade inventiva e, portanto, uma cognição enquanto capacidade problematizadora". Ou seja, a concentração recorre à distração, experimentando, assim, descontinuidade no processo atencional; ocorre, desse modo, um retorno ao objeto, não da mesma maneira que se encontrava antes, mas já na forma de um retorno transformado. Já Caliman (2012CALIMAN, L. V. Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 64, n. 1, p.v2-17, 03,maio 2012. Disponível em: <http://seer. psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/744/684>. Acesso em: 16 ago. 2013.
http://seer. psicologia.ufrj.br/index.ph...
, p. 7) explica que:

Quando ouvimos falar da atenção nos termos acima descritos, o que está em questão não é apenas a habilidade de manter a mente focada por longo tempo em uma questão, aspecto ou ideia, mas a capacidade de intuir ou descobrir em qual aspecto se deve estar concentrado e o que fazer com ele. A atenção é identificada à capacidade de focalização e concentração da mente, mas também ao discernimento necessário ao ato de deixar o resto de lado {...}.

Kastrup (2004KASTRUP, V. Fazendo psicologia no campo da saúde mental: as oficinas de tecnologia e tecnologias sociais. In: PALOMBINI, A. L.; MARASCHIN, C.; MOSCHEN, S. Tecnologias em Rede: Oficinas de Fazer Saúde Mental. Porto Alegre: Sulina, 2012., p. 8) explica que restringir a atenção simplesmente ao "ato de prestar atenção" é a mesma coisa de sobrepor o ato de focalização ao de concentração; um, na verdade, não se sobrepõe ao outro. Ela esclarece que pode existir "concentração aberta", ou seja, uma concentração sem foco, assim como apresenta Caliman (2012CALIMAN, L. V. Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 64, n. 1, p.v2-17, 03,maio 2012. Disponível em: <http://seer. psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/744/684>. Acesso em: 16 ago. 2013.
http://seer. psicologia.ufrj.br/index.ph...
), bastante associada à realização de tarefas.

Temos ainda como modos de funcionar da atenção: dispersão e distração. Tanto a dispersão quanto a distração são consideradas, conforme De-Nardin e Sordi (2008), em muitos casos, indesejáveis diante da possibilidade de fazer frente ao funcionamento da atenção, pois são responsáveis pelo abandono da tarefa que está sendo realizada ou consideradas como barreiras que impedem o funcionamento da atenção. Já Freitas (2011FREITAS, C. R. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. 2011. 191f. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.), como já referimos, indica a presença de uma dispersão criativa em processos de aprendizagem que experimentou em sua caminhada como professora em escola especial.

Na definição de De-Nardin e Sordi (2008, p. 3), a dispersão se dá por meio de experiência, quando a atenção vagueia de um ponto a outro. Kastrup (2004, p. 8), no entanto, entende que "a dispersão consiste num repetido deslocamento do foco atencional, que impossibilita a concentração, a duração e a consistência da experiência". Afirma a autora:

{...} Já a distração é um funcionamento onde a atenção vagueia, experimenta uma errância, fugindo do foco da tarefa para a qual é solicitado prestar atenção e indo na direção de um campo mais amplo, habitado por pensamentos fora de lugar, percepções sem finalidade, reminiscências vagas, objetos desfocados e ideias fluidas, que advêm do mundo interior ou exterior, mas que têm em comum o fato de serem refratárias ao apelo da tarefa em questão. (KASTRUP, 2004, p. 8)

Nossa experiência, a qual vamos recortar mais adiante, indica que, na distração, a mente do sujeito permanece no foco por um momento, seguindo um fluxo de experiência, para, depois, retornar de forma atualizada, formando, assim, vários circuitos, conectando um a outro. A experiência nesse momento é valorizada, pois é um instante de "{...} experiência intensa, concentrada, que pode, por um lado, resultar do pensamento - um certo ganho reflexivo - e, por outro, em pura afetação" (DE-NARDIN; SORDI, 2008DE-NARDIN, M. H.; SORDI, R. O. Aprendizagem da atenção: uma abertura à invenção. Revista Iberoamericana de Educación, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 47, p.1-11, 10 nov. 2008. Disponível em: <http://www.rieoei.org/deloslectores/2559Sordiv2.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2013.
http://www.rieoei.org/deloslectores/2559...
, p. 3).

Os diferentes autores ampliam os questionamentos sobre os processos cognitivos da atenção e nos trazem elementos importantes para uma reflexão sobre o que se produz durante a experiência nas oficinas com professores. Interagimos, no cotidiano das formações, com os diferentes tipos de atenção, dentre os quais podemos situar os processos de atenção a si.

Como modos de funcionamento da atenção, Kastrup (2004KASTRUP, V. Fazendo psicologia no campo da saúde mental: as oficinas de tecnologia e tecnologias sociais. In: PALOMBINI, A. L.; MARASCHIN, C.; MOSCHEN, S. Tecnologias em Rede: Oficinas de Fazer Saúde Mental. Porto Alegre: Sulina, 2012., p. 10) destaca: atenção voluntária, atenção à duração e suplementar, atenção à vida, atenção flutuante, atenção a si. Este último é o que interessa à nossa pesquisa. O modo como percebemos as coisas no cotidiano nos encaminha para um conjunto de experiências que permitem a observação de processos atencionais na formação de professores com tecnologias digitais.

O funcionamento da atenção voluntária opera por "puxões", por "sacudidas" que buscam recolocar repetidamente como foco uma atenção cuja tendência é escapar a todo o momento, ou seja, a seleção operada pela vontade e pelo "eu" encontra resistência para sua efetivação, demandando um esforço reiterado para manter-se no foco.

A atenção à duração e suplementar é um processo atencional apresentado por Bergson (2006BERGSON, H. A percepção da mudança. In: BERGSON, H.O pensamento e o movente: ensaios e conferências. São Paulo: Martins Fontes 2006.), que traz como importante contribuição o apontamento da existência de uma atenção à duração, que é como uma atenção suplementar, que não se confunde com aquela voltada para a vida prática e para imperativos da ação. Já a atenção suplementar caracteriza um mergulho na duração, sendo evidenciada, sobretudo, na arte e na filosofia.

A atenção à vida prática está envolvida nas atividades ordinárias da vida cotidiana, sendo, portanto, utilitária. A atenção flutuante refere-se àquela a ser exercida pelo analista no setting clínico, posto que é necessária à escuta sintonizada com as associações inconscientes trazidas pelo paciente.

A atenção a si, que é o foco em nossa pesquisa, implica deixar vir: a atenção que busca é transmutada numa atenção que encontra, que acolhe elementos opacos e afetivos que nos habitavam num plano pré-egoico ou pré-reflexivo. Esta segunda qualidade da atenção a si caracteriza uma concentração aberta, destituída de intencionalidade e de foco. Freitas (2011FREITAS, C. R. Corpos que não param: criança, TDAH e escola. 2011. 191f. Tese. (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.) indica que:

Muitos são os sentidos que a palavra atenção vai tomando ao ser empregada. Algumas vezes, na fala comum, no dia a dia, ela se configura com o propósito de dar ênfase a algo, colocar o foco em alguma coisa. Atenção também pode ser entendida a partir do verbo atender, e atender é cuidar. Cuidado que também se refere ao conhecimento, e isso se faz na relação (FREITAS, 2011, p. 41).

O sentido de atenção que queremos destacar nesta pesquisa diz respeito ao que a autora traz como uma forma de atender, de cuidar, no processo de conhecimento que é construído na relação com o outro. É uma atenção a si na ação coletiva com os outros e com objetos técnicos em percursos de construção do conhecimento. Assim, temos a "{...} atenção a si mobilizada nas metodologias de primeira pessoa, sujeita ao mesmo problema da experiência, isto é, à corporificação da ação e constituição de si". (SADE; KASTRUP, 2011SADE, C.; KASTRUP, V. Atenção a si: da auto-observação à autoprodução. Estud. psicol. (Natal) {online}. 2011, vol.16, n.2, p. 139-146., p. 140).

Nesse sentido, a atenção contribui para enfatizar processos de percepção e de produção subjetiva de si, numa dimensão de autopercepção, em que o sujeito não é subdividido em observador e observado, em ativo ou passivo nas ações, mas assume um fazer cíclico, percebendo-se ao mesmo tempo em que produz entendimentos/ conhecimentos. Compreendendo os processos de conhecimento como algo inseparável dos processos de constituição de si, podemos retomar a questão da pesquisa, em que buscamos a compreensão do modo como os professores constroem conhecimento em interações com tecnologias nos espaços de oficinas.

A ATENÇÃO A SI NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES COM TECNOLOGIAS DIGITAIS

A aprendizagem que caracteriza o fazer da educação envolve uma experiência de transformação de si mesmo. Saímos de uma oficina diferentes de como chegamos quando acontece a experiência do aprender. É possível ressaltar, com base em Simondon (1989)VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001., que estamos constantemente produzindo defasagens de nós mesmos. O autor esclarece sobre os processos de individuação, em que podemos ir resolvendo problemas agindo diretamente sobre o que fazemos. São processos de defasagem de si e de transformações nos diferentes momentos e nas circunstâncias do viver. Essas reflexões nos aproximam de Varela, Thompson e Rosch (2001VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001.). Ao indicarem o que significa aprender nos movimentos da cognição, os autores relacionam cognição e aprendizagem em congruência com o que definimos como atenção a si:

{...} aprender é fazer a cognição diferenciar-se permanentemente de si mesma, criando, assim, novos mundos. {...} a cognição não é a representação de um mundo preestabelecido elaborada por uma mente predefinida, mas é antes a atuação de um mundo e de uma mente com base numa história da variedade das ações que um ser executa no mundo (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001, p. 32).

A criação de novos mundos implica uma diferenciação de si próprio e uma transformação estrutural, de acordo com a própria definição de "cognição corporificada":

{...} primeiro, {...} a cognição depende dos tipos de experiência que surgem do fato de se ter um corpo com várias capacidades sensório-motoras e, segundo, {...} estas capacidades sensório-motoras individuais se encontram elas próprias mergulhadas num contexto biológico, psicológico e cultural muito mais abrangente (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001, p. 226).

Nesse contexto a que os autores se referem, temos as tecnologias digitais cada vez mais colocando desafios à formação de professores. Ao analisarmos modos de conceber as tecnologias em um percurso de produção, estamos tratando de processos de produção, atualização de si e produções com tecnologias digitais. Os professores podem experimentar perturbações desencadeadoras de mudanças cognitivas nas circunstâncias de produção com tecnologias digitais. Sem o espaço necessário para observar o próprio fazer, o que designamos como atenção a si, a formação desses sujeitos fica limitada a uma atuação mecanizada, hierarquizada pelo sistema, que prioriza receitas e tutoriais. Dessa forma, as mudanças nos modos de interagir com as ferramentas enquanto parte do aprender ficam restritas a uma visão utilitarista e mecanicista, uma perspectiva de distanciamento entre o humano e a máquina.

Acreditamos que formações em que não se consideram os processos dos sujeitos em conversação acontecem de modo a não produzir efeitos em termos de conhecimento na escola, a começar pelo modo de agir dos professores, que, por vezes, se percebem envolvidos numa hierarquização do saber, o que dificulta a efetivação das interações na escola. Isso se manifesta pelo desconhecimento de tecnologias que potencializam modos de interagir e aprender. Simondon (1989)VARELA, F.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. A mente corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Instituto Piaget. 2001. esclarece que máquinas e técnicas participam e podem potencializar subjetividades, construção de conhecimentos, portanto, as tecnologias devem fazer parte da vida dos professores. Laboratórios, softwares e hardwares estão disponíveis, mas num contexto desconexo com o viver dos professores nos fazeres da educação.

A necessidade de ver os professores como sujeitos construtivos/inventivos nos endereçou a um fazer da pesquisa que abriu espaços para escutar, observar, acolher perguntas e comentários sobre como os docentes se percebem produzindo com tecnologias digitais, buscando compreender como eles transformam seus modos de conceber e de produzir com essas tecnologias, enfatizando o processo de atenção a si nessa construção.

PERCURSO METODOLÓGICO: OFICINANDO COM PROFESSORES

Este estudo se desenvolveu como uma pesquisa-intervenção de natureza qualitativa, propondo-se a trabalhar com as concepções das tecnologias digitais que emergiram na experiência de oficinas com oito professores em uma escola pública da rede municipal de ensino de Mossoró/RN. A escolha dos docentes se deu em função, inicialmente, do interesse em participar da experiência proposta, para além da formação ofertada pelo Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal de Mossoró (NTM). O número de participantes foi limitado, para possibilitar acompanhar os processos de saber/fazer dos professores e, assim, analisar as mudanças experimentadas por eles no transcurso da pesquisa.

Para Maraschin (2004MARASCHIN, C. Pesquisar e intervir. In: Psicologia e Sociedade, v. 16, n. 1. Porto Alegre, 2004.), todo pesquisar implica uma intervenção; em uma pesquisa-intervenção, intervimos para conhecer. Nesse caso, redimensiona-se a direção usual de intervenção, na qual primeiro construímos conhecimento para, em seguida, produzirmos intervenções com o conhecimento construído previamente. Desse modo, esta pesquisa foi criando formas de compreensão das vicissitudes do fazer pedagógico com as tecnologias a partir da invenção de uma experiência de formação. A observação e a análise de processos cognitivos na experiência foram aspectos essenciais na pesquisa que realizamos. Além disso, vale ressaltar que pesquisador e sujeitos da pesquisa experimentam transformações na convivência. Não se tratou de pesquisar sobre, mas de pesquisar com, em uma experiência inventiva, um modo de pesquisar que nos desafiamos a realizar no espaço da pesquisa acadêmica.

Procuramos observar as diferentes formas de inscrição dos professores relacionadas ao modo como compreendem as tecnologias, e, nesse operar com as tecnologias, as mudanças que experimentam na particular relação que estabelecem com o conhecimento. Nesse sentido, entendemos a estratégia que empregamos na pesquisa como um percurso de produção inventiva, porque procuramos identificar mudanças cognitivas em um percurso de produção e de invenção dos professores, sujeitos da pesquisa.

Os procedimentos metodológicos nesse percurso envolveram a proposição de oficinas em que professores interagiram com tecnologias digitais. Nesse contexto, realizaram diferentes produções relacionadas às suas demandas singulares ou às necessidades que surgem no fazer pedagógico. Ao mesmo tempo, puderam observar o próprio fazer, conversando sobre as produções; as conversas foram gravadas e transcritas. Procuramos marcar as recorrências e os movimentos de transformação referentes ao modo como entendiam e como se percebiam nessa experiência de produção com tecnologias digitais, sendo resguardada a identidade dos sujeitos por meio do uso de nomes fictícios, conforme estabeleceu a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), no parecer nº 204.543 (CONEP, 2013CONEP. Comitê Nacional de Ética em Pesquisa. Parecer nº 204.543, 2013.).

Conforme já indicamos, as oficinas na pesquisa-intervenção são tomadas como tecnologias sociais, possibilidades para a organização de uma experiência que permite aos pesquisadores observar e analisar processos de conhecimento.

Nas oficinas, o pesquisador-observador constitui alguns mapas das rotinas de criação e produção dos fazeres-saberes da pesquisa. O espaço de oficinar constitui-se como uma experiência com linguagens e tecnologias variadas que - ao aliar o desejo de inventar formas diferenciadas com distintos materiais de expressão - potencializa o processo de problematização acerca do que está sendo produzido na oficina (GORCZEVSKI; GOIS, 2013, p. 124).

Dessa forma, as oficinas são espaços coletivos de fazer com o outro, de pensar junto, de produzir junto, de construir conhecimento e subjetividade de forma compartilhada, no nosso caso, integrando tecnologias digitais. Assim, nesta pesquisa-intervenção, as oficinas foram apresentadas como uma proposta de acompanhar os processos de invenção e produção dos professores em interação com as tecnologias digitais.

Em relação às oficinas de tecnologia, algumas particularidades podem ser destacadas. No caso do uso do computador, a informática surge como um equipamento coletivo de subjetivação. {...} O computador não produz aprendizagem no sentido adaptativo, do ambientalismo, mas se dá por conexões entre fluxos heterogêneos-informacionais, imagéticos, políticos, econômicos, artísticos, materiais (KASTRUP, 2012, p.174).

Para Araldi et al. (2012ARALDI, E. et al. Oficinas, TIC e saúde mental: um roteiro comentado. In: PALOMBINI, A. L.; MARASCHIN, C.; MOSCHEN, S. (Org.). Tecnologias em Rede: Oficinas de fazer saúde mental. Porto Alegre: Sulina, 2012, p. 43-58.), a proposição de uma oficina é algo que se define no entrelaçamento do desejo daqueles que a propõem com o desejo daqueles que fazem junto. Isto é, está interligada com a vontade de produzir conhecimento e, nesta pesquisa, está imbricada com as inquietudes e a pergunta da primeira autora do artigo, com base nas quais se inicia o fazer da pesquisa.

Ao ser iniciada essa experiência, uma primeira oficina abriu espaços para indagações dos professores sobre o fazer da pesquisa, quando puderam discutir sobre o projeto e suas possibilidades de participação. Em um momento seguinte, ainda na primeira oficina, os professores indicaram uma lista de temas para os encontros subsequentes, que aconteceram durante seis meses. Buscamos oportunizar situações nas quais os professores pudessem produzir com as tecnologias presentes na escola e conversar sobre como as concebiam em suas experiências. Ao mesmo tempo, observamos como esses sujeitos iam se percebendo nesse percurso de produção, ou seja, qual era sua atenção ao mundo (suas práticas) e a si. Os temas destacados pelo grupo de professores na primeira oficina foram: uso do projetor multimídia, internet, e-mail e Facebook, laboratório de informática, programas e jogos educativos, câmera digital e celular.

Durante a experiência, os professores encontravam espaços para observar e analisar o que emergia nas redes de conversações. Recursivamente, atentavam para algo já feito e, assim, passavam a refletir sobre o que implicava a experiência em curso. Ao iniciarem a primeira oficina, alguns comentaram não ter afinidade com a tecnologia e, quando se perceberam postando em blogs, adicionando e baixando textos e imagens da internet, admiravam-se com suas mudanças no envolvimento com objetos técnicos digitais.

No percurso, foram propostas oficinas na interface educação e tecnologias, abordando temáticas como: noções de tecnologias; o operar com tecnologias digitais no fazer pedagógico; atenção a si na produção com as tecnologias digitais; laboratório de informática como um ambiente de aprendizagem; escrita digital no ciberespaço; produção inventiva em blog; web 2.0 e suas possiblidades de autoria e interações.

As oficinas realizadas oportunizaram aos professores um conjunto de produções que os levou a se perceber no operar com artefatos técnicos disponíveis na escola - tais como projetor multimídia, computadores, caixa de som, câmera digital e filmadora -, integrando-os aos seus projetos de vida. Além disso, a rede de conversações, prevista pela metodologia, abriu espaços para discussões acerca das percepções sobre o fazer com as tecnologias digitais. Referimo-nos a um constante devir dos sujeitos na produção inventiva de espaços e situações que potencializam práticas de exercício de autoria, processos de constituição de si e do conhecimento.

A seguir, apresentaremos alguns dos resultados da pesquisa realizada, com destaque para os processos atencionais na experiência de formação de professores para integração de tecnologias digitais em suas práticas docentes.

RESULTADOS E ALGUMAS ANÁLISES

Durante e após cada oficina, procurávamos registrar, em um diário de campo, os modos como os professores estavam concebendo e se percebendo na produção com as tecnologias digitais. Fomos destacando as perguntas que eles se faziam durante a produção das oficinas e as conversações sobre a experiência. Interessava-nos o que se repetia como modo de conceber a tecnologia e como se percebiam na produção.

Conforme já referimos, observávamos gestos, ideias, emoções no fazer dos professores. Organizamos em uma tabela as mudanças percebidas nesse percurso. Aqui, procuramos explicar, a partir da análise que fizemos do que pudemos observar na experiência, como os professores perceberam e transformaram modos de conceber e de operar com tecnologias digitais.

TABELA 1:
Análise do percurso da pesquisa

Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados da pesquisa.

No último encontro, lançamos um questionamento: "E hoje, como compreendo as tecnologias?". As respostas foram gravadas em áudio, e os excertos que escolhemos foram transcritos e tabelados. As escolhas, conforme já dissemos, interagem com os movimentos de transformação que queremos distinguir no fazer com tecnologias.

Retomamos a pergunta que já havíamos lançado quando iniciamos a pesquisa, e, nesse momento, foi possível observar transformações nos modos de conceber as tecnologias na experiência de formação com professores. Construímos uma tabela considerando as recorrências nos escritos e nas conversações observadas durante a realização das oficinas finais. Aqui, destacamos os entendimentos dos professores sobre como passaram a se perceber na produção com tecnologias digitais.

TABELA 2:
Deslocamentos no modo de operar com as tecnologias

Nos momentos iniciais da experiência, percebemos certo desconforto e resistência na produção com tecnologias digitais. Ao término das oficinas, apontamos alguns deslocamentos e transformações, como: maior produção/aproximação com as tecnologias digitais, acesso às redes sociais e às interações via e-mails, produção autoral em blogs e, principalmente, os deslocamentos e as transformações no modo de entendimento sobre a relação professortecnologias na produção do conhecimento.

A reflexão é um ato na emoção em que o sujeito abandona as certezas e percebe o que pensa, o que deseja e, a partir dessa reflexão, pode explorar possibilidade de escolhas: optar por aquilo que é importante conservar no fazer pedagógico, no viver. Nas narrativas, professores dão visibilidade às mudanças de ideias e emoções no operar com as tecnologias. Nesse processo de devir, os professores se percebem autores do próprio conhecimento. Quando expressam desejos de continuidade na produção com tecnologias digitais, mostram um entendimento de que as máquinas às quais nos acoplamos modelam e participam da configuração de formas de viver-conhecer.

Como resultados, destacamos ainda alguns momentos em que foi possível perceber esses deslocamentos. Em um dos encontros, Maria Graça comentou que sentiu vontade de não ir, pois no caminho presenciara um assalto, mas, como já estava próximo ao local do encontro, decidiu terminar o trajeto e comparecer à oficina. Em suas palavras, destacou que ficou feliz em ter participado do encontro, porque naquele dia havia se descoberto, e que, quando chegasse à sua casa, falaria para os filhos que não precisaria mais deles para acessar seu e-mail e seu Facebook. Temos aqui mudanças nas emoções, nos gestos e no fazer, em virtude de ações produtivas na relação com objetos técnicos digitais.

Após o término da pesquisa, a professora Gorete Silva manifestou que havia começado a ampliar suas relações com as tecnologias nas oficinas e que já fazia interações com colegas através de correio eletrônico. Enviou-nos um e-mail com o título "Aprendizagem" e, no corpo do e-mail, escreveu:

Eu gostaria de informar que me transformei em uma professora moderna e informatizada. Após estes seus últimos encontros, comprei um celular moderno e já faço uso de quase todos os serviços que ele me oferece. Agradeço os momentos de aprendizagem nas oficinas. (Excerto nº 1. Professora Gorete Silva, julho de 2013)

Após a oficina que envolvia autoria em blog, a professora Valdirene comentou:

Eu nem imaginava que era tão fácil publicar na internet. Agora vou continuar escrevendo e publicando no meu blog. Estou muito admirada comigo mesma, utilizando um blog. Quem diria que eu chegaria a esse nível de descoberta com as tecnologias!? Eu sempre gostei de computadores, mas usava de forma básica. Agora estou escrevendo sobre o que eu gosto e compartilhando com amigos e familiares. (Excerto nº 2. Professora Valdirene Lopes, agosto, 2013)

Neste caso, a percepção de mudança e o desejo de manter e ampliar interações com ferramentas tecnológicas tornaram-se visíveis. Já a professora Milena Castro decidiu não criar o blog, mas demonstrou deslocamentos de emoções quanto a observações e pesquisas na internet, uma iniciativa de investir na direção de maior aproximação com as tecnologias digitais.

Gente, eu estou gostando de estudar sobre as tecnologias, mas a mudança está sendo aos poucos. Não fiz o blog, mas já faço pesquisas na internet. Isso já é um avanço para mim. (Excerto nº 3. Professora Milena Castro, setembro, 2013)

Os professores trazem suas inquietudes, aprendizagens, modos de conceber as tecnologias e experimentam processos de atualização constante de si no fazer pedagógico. As inscrições produzidas no transcurso da experiência, nas ações coordenadas em contexto de oficinas e nas escritas produzidas nos blogs foram compondo os dados deste estudo. A rede teórica inicial que adotamos permitiu a análise dos movimentos da cognição. Os trabalhos que propõem mudanças nos modos de conceber os tipos e as formas de funcionamento da atenção, com ênfase para um movimento definido como atenção a si, ajudaram-nos a compreender as ações coordenadas pelos professores na forma de ideias, gestos e emoções nas oficinas.

Podemos afirmar, enfim, que transformações significativas ocorrem ao considerarmos os processos de atenção a si na experiência de formação de professores para integração de tecnologias digitais na escola. Novos desafios são colocados quando estudamos processos cognitivos referidos a um percurso de aprendizagem, em especial no campo da formação de professores, pois a tarefa fundamental da pesquisa neste campo é trazer elementos que favoreçam efetivas transformações na direção do aprender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou investigar como acontecem transformações na concepção sobre as tecnologias na experiência de produção de professores em interação com tecnologias digitais. A questão que norteou este trabalho emergiu do próprio viver-fazer dos pesquisadores, que, nos últimos anos, vêm se dedicando à formação de professores no emprego de tecnologias digitais na educação. Assim, buscamos compreender como os modos de conceber e de produzir com as tecnologias digitais se transformam no percurso de professores e, para realizar este trabalho, organizamos oficinas de formação em uma escola pública.

Os professores se engajaram na experiência da pesquisa. Temas e produções foram definidos no caminhar com eles nas oficinas, quando interagiam diretamente com uma das autoras deste artigo. Diante das imagens e das escritas produzidas a partir do trabalho de transcrição de áudio das rodas de conversa, ou ainda diante dos próprios escritos do blog, procurávamos observar as pistas que os professores deixavam nos diferentes momentos das produções em oficinas. A socialização das atividades desenvolvidas nas rodas de conversas orais e escritas em blog foi essencial como procedimento metodológico, pois pudemos perceber os entendimentos dos professores sobre tecnologias, observar e analisar como acontecia a inserção destas nos fazeres pedagógicos na escola. Ao observarmos as imagens, as produções e as escritas que configuram esta pesquisa intervenção, identificamos gestos/ações, ideias e emoções de professores em um movimento de mudanças nas condutas que coordenam no operar com as chamadas novas tecnologias.

Como resultado do trabalho, pudemos distinguir transformações cognitivas referidas aos processos de atenção a si no fazer com tecnologias digitais e mudanças no próprio entendimento sobre tecnologia. Pudemos observar movimentos que partiam de professores que, nos momentos iniciais das oficinas, davam visibilidade a um emocionar de insegurança, medo de não saber operar, angústias, certo desconforto e resistência na produção com ferramentas digitais. Além disso, o conceito de tecnologia acolhido pelo grupo estava relacionado a uma visão utilitarista de ferramentas para uso ou descarte - quando não mais necessário.

Em suma, no transcurso da experiência das oficinas, observamos nas condutas uma maior articulação dos professores na interação com as tecnologias digitais, considerando-se o conjunto técnico sujeito-meio-tecnologia. Dessa forma, foram visíveis as mudanças no modo de sentir e perceber quando a confiança no próprio fazer entrou em cena e interferiu na direção do entendimento da tecnologia, agora, reconhecida como parceira nas circunstâncias do viver cotidiano.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2013
  • Aceito
    04 Nov 2014
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