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PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA EM UMA SALA DE AULA DE JOVENS E ADULTOS: CONTRASTES EM FOCO

SOCIAL PRACTICES OF READING IN AN ADULT EDUCATION CLASSROOM: CONTRASTS IN FOCUS

Resumos

Este artigo visa analisar contrastivamente práticas de leitura construídas por alunos e professoras em uma sala de aula de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Belo Horizonte. Para isso, analisamos as interações discursivas em que essas práticas foram construídas, destacando o que contou como leitura naquela sala de aula e os sentidos e os significados produzidos nos eventos de letramento. Essa investigação possibilitou conhecer o que e como leem, para quem leem, quando e onde leem e as semelhanças e diferenças encontradas nas práticas de leitura vivenciadas por estudantes e professoras daquele grupo. Nosso estudo mostrou que diferentes concepções de letramento resultam em práticas sociais de leitura variadas e em oportunidades de aprendizagem diversas. Pretendemos contribuir para que o processo de ensino-aprendizagem da leitura se torne mais significativo, pautado pelo reconhecimento das características próprias e das necessidades dos estudantes de EJA, que se formam em contextos de aprendizagem compartilhados.

EJA; Práticas sociais de leitura; Contrastes.


This article aims at carrying out a contrastive analysis of reading practices constructed by students and teachers in an Adult Education classroom in Belo Horizonte, Brazil. In order to do so, we analyzed discursive interactions in which these practices were constructed. We highlighted what counted as reading in this classroom and the senses and meanings produced in these literacy events. This research has helped us to understand what and how participants read, who they read to, when and where they read and what were the similarities and differences between reading practices experienced by students and teachers. We demonstrated that different conceptions of literacy result in different social reading practices and learning opportunities. We intended to contribute towards an improved process of teaching and learning of reading, so it can become more significant, guided by the recognition of the particular characteristics and needs of adults who constitute themselves in shared learning contexts.

Adult Education; Social practices of reading; Contrasts.


INTRODUÇÃO

Neste trabalho, estabelecemos contrastes entre práticas sociais de leitura realizadas em uma sala de aula de Educação de Jovens e Adultos (doravante EJA), com o objetivo de evidenciar os padrões de interação estabelecidos entre os membros do grupo, buscando refletir sobre o que contou como leitura nos eventos analisados.

Este estudo delineia os discursos atribuídos ao ato de ler, que estão histórica e culturalmente situados e impregnados ideologicamente por diferentes vozes sociais. Nesse sentido, aprender a ler diz respeito à aprendizagem de uma determinada prática social, e esse aprendizado é construído por meio da e na linguagem, ou seja, no diálogo e na interação estabelecidos entre os participantes da sala de aula. Portanto, é de extrema importância para a investigação do processo de apropriação da leitura e da construção de identidades de leitores analisar contrastivamente o funcionamento dessas trocas comunicativas e como, nelas, os jovens e adultos vão construindo suas práticas sociais de leitura. O exame do que está acontecendo, bem como o contraste do momento observado com os padrões de discurso e as atividade identificados em eventos similares através do tempo (GREEN et al., 2005GREEN, J. L. et al. Ethnography as a logic of inquiry. In: Flood, J. D. et al (ed.). Methods of research on teaching the English language arts. New Jersey & London: LEA, 2005. p. 145-194.), torna visíveis os significados e os sentidos construídos pelos membros do grupo no processo de apropriação da leitura.

Os aportes teórico-metodológicos para desenvolver nossas reflexões estão situados no campo da Psicologia da Educação, na perspectiva dialética de construção do conhecimento da abordagem histórico-cultural. O desenho do estudo reflete o diálogo estabelecido entre o referencial teórico-metodológico da etnografia interacional, proposto pelo Santa Barbara Classroom Discourse Group (SBCDG)1 1 O Santa Barbara Classroom Discourse Group está vinculado à Universidade de Santa Bárbara/Califórnia e reúne pesquisadores, estudantes e professores que discutem questões relacionadas à sala de aula com base na Etnografia Interacional. , e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula (GEPSA)2 2 O Grupo de Estudos e Pesquisa de Psicologia Histórico-Cultural (GEPSA), do qual as autoras deste artigo fazem parte, está ligado à linha de pesquisa Psicologia, Psicanálise e Educação do Curso de Pós-Graduação: Conhecimento e Inclusão Social em Educação e ao Laboratório de Psicologia e Educação (LAPED) - Helena Antipoff, ambos vinculados à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG). . Do ponto de vista do GEPSA, pesquisar as práticas discursivas em sala de aula consiste em entender como a linguagem funciona, nas e pelas interações entre a professora e os estudantes em sala de aula, no pátio da escola etc. Desse modo, a sala de aula é vista como um grupo social no qual professores e estudantes constroem oportunidades de aprendizagem, significados, identidades, histórias escolares diferenciadas e singulares (GOMES; MONTEIRO, 2005GOMES, M. F. C.; MONTEIRO, S. M. A aprendizagem e o ensino da linguagem escrita: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.).

Para aprofundarmos a discussão, a análise e o contraste entre as práticas de leitura vivenciadas por jovens e adultos alfabetizandos, faz-se necessário compreender conceitualmente os termos a que estamos recorrendo, assim como é importante, também, compreender a natureza da aprendizagem e dos processos de letramentos. As definições apresentadas a seguir norteiam a proposta deste artigo e foram construídas em congruência com o referencial teórico-metodológico da abordagem histórico-cultural (GOMES; MONTEIRO, 2005GOMES, M. F. C.; MONTEIRO, S. M. A aprendizagem e o ensino da linguagem escrita: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.; GOMES et al., 2011GOMES, M. F. C.; MONTEIRO, S. M. A aprendizagem e o ensino da linguagem escrita: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.; VIGOTSKI, 1979VYGOTSKY, L. S. (1934). Pensamento e Linguagem. 42. ed. Lisboa: Antídoto, 1979., 1989VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989., 1993BELO HORIZONTE. Projeto Político-Pedagógico da Educação de Jovens e Adultos na Modalidade da Educação Básica no nível de Ensino Fundamental - EJA. Belo Horizonte: Escola Municipal Honorina Rabello (EMHR), 2004.); dos estudos da área de alfabetização e letramento (CAFIERO, 2005CAFIERO, D. Leitura como processo: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.; ROJO, 2009ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.; SOARES, 1998SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.; STREET, 2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003.); da linguagem (BAKHTIN, 1992BAKHTIN, M. (1779) Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.); e da etnografia interacional (CASTANHEIRA, 2004CASTANHEIRA, M. L. et al. Práticas de Letramento em sala de aula: uma análise de ações letradas como construção social. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 20, n. 2, p. 7-38, 2007.; CASTANHEIRA et al., 2007CASTANHEIRA, M. L. et al. Práticas de Letramento em sala de aula: uma análise de ações letradas como construção social. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 20, n. 2, p. 7-38, 2007.; SBCDG, 1992SANTA BARBARA CLASSROOM DISCOURSE GROUP - SBCDG. Constructing literacy in classrooms: literate action as social accomplishment. In: MARSHALL, H (Ed.). Redefining student learning: roots of educational change. Norwood, NJ: Ablex, p.119-150, 1992.; AGAR, 2006AGAR, M. An ethnography by any other name. Forum: Qualitative Social Research, v. 7, n.4, 2006. Disponível em: <http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/ 177>. Acesso em: 28 jul. 2008.
http://www.qualitative-research.net/inde...
).

A LEITURA E OS PROCESSOS DE LETRAMENTOS

Galvão e Batista (1999GALVÃO, A. M. O.; BATISTA, A. A. G. (Orgs.) Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.) apontam que a leitura tem sido tradicionalmente objeto de interesse da Educação e da Psicologia; contudo, nas últimas décadas, diferentes áreas do conhecimento têm voltado a sua atenção para a investigação desse processo. Um dos motivos desse interesse deve-se à emergência de novas tecnologias de comunicação. A leitura e a escrita são práticas sociais cada vez mais exigidas para a participação ativa na sociedade moderna.

O mundo letrado impôs novas exigências no fim do século XX, diversificando os modos e os objetos de leitura e seus usos e práticas sociais. É nesse contexto de grandes transformações tecnológicas, socioculturais, políticas e econômicas que a definição do ato de ler é ampliada por diferentes pesquisas e teorias (FREIRE, 2008FREIRE, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.; HEATH, 1983HEATH, S. B. Ways with words: language, life, and work in communities and classrooms. New York: Cambridge University Press, 1983.; KATO, 1990KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1990.; KLEIMAN, 1995KLEIMAN, A. B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.; ROJO, 2009ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.; SOARES, 1998SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003., 2003SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.; STREET, 1984STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003., 1995STREET, B. V. Social Literacies. London: Longman, 1995., 2003STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1984.).

A leitura não mais é vista como um mero processo perceptual e associativo linear de decodificação de grafemas em fonemas, mas passa a ser enfocada como uma ação cognitiva e social que pressupõe a compreensão de conhecimentos e práticas sociais que vão muito além do domínio de determinadas habilidades individuais. Concordamos com Cafiero (2005CAFIERO, D. Leitura como processo: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.) quando afirma que a leitura é

uma atividade ou um processo cognitivo de construção de sentidos realizado por sujeitos sociais inseridos num tempo histórico, numa dada cultura. Entender a leitura como processo de construção de sentidos significa dizer que quando alguém lê um texto não está apenas realizando uma tradução literal daquilo que o autor do texto quer significar, mas que está produzindo sentidos, em um contexto concreto de comunicação, a partir do material escrito que o autor fornece. (CAFIERO, 2005, p. 9)

Ou seja, os sentidos podem ser diversos, "mas, dadas certas condições de produção, não podem ser quaisquer uns" (SMOLKA, 2004SMOLKA, A. L. B. Sobre significação e sentido: uma contribuição à proposta de rede de significações. In: ROSSETTI-FERREIRA, M. C. (Org.). Rede de significações e o estudo do desenvolvimento humano. v. 1. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. p. 35-49., p.12). Eles vão sendo construídos "nos entremeios, nas articulações de múltiplas sensibilidades, sensações, emoções e sentimentos dos sujeitos" (Op.Cit.) que se constituem como tais nas interações. Dessa forma, "no jogo das condições, das experiências, das posições, das posturas e das decisões desses sujeitos" (Op. Cit.), surge "certa lógica de produção, coletivamente orientada, a partir de múltiplos sentidos já estabilizados" (Op. Cit., grifo da autora). Como assevera Vigotski (1993VYGOTSKY, L. S. (1934). Obras Escogidas. 2. ed. Tomo II. Madrid: Aprendizage-Visor, 1993., p. 481),

para entender o discurso do outro, nunca é necessário entender apenas umas palavras; precisamos entender o que pensa e o que sente sobre o que falou. É preciso ir além das palavras e descobrir o que tem por detrás delas, pois se torna incompleta a compreensão do pensamento do interlocutor sem a compreensão do motivo que o levou a emiti-lo.

Diante dessa perspectiva, a leitura é considerada uma construção ativa. Koch e Elias (2008KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2008.) questionam as concepções de leitura que colocam ora o texto, ora o autor no centro do processo de compreensão do ato de ler, pois afirmam que os sujeitos são atores, construtores sociais que, dialogicamente, constroem a si mesmos e os sentidos do texto. Dessa forma, Orlandi (1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1987., p. 180) acrescenta que "a leitura é um confronto de interlocução" e "o texto é o lugar, o centro comum que se faz no processo de interação entre falante e ouvinte, autor e leitor". Portanto, "o sentido do texto não está em nenhum dos interlocutores especificamente, está no espaço discursivo dos interlocutores" (ORLANDI, 1987ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1987., p.180).

Cabe acrescentar que, em nossas discussões, também trabalhamos o conceito de "significado" para compreender melhor o processo de apropriação da leitura. O significado é também uma formação dinâmica que se modifica e se desenvolve na cultura. Assim como o sentido, o significado é socialmente construído. Ou seja, durante as interações em sala de aula, quando professores e alunos leem textos, os sentidos e os significados são produzidos. Os dois conceitos estão articulados dialeticamente, porém é necessário estabelecer uma diferença entre eles. Buscamos em Vigotski essa diferenciação, pois, para esse autor, o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação mais fluida e complexa que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado pode ser entendido, então, como uma dessas zonas de sentido, produzido no contexto de algum discurso.

Essa produção de sentidos e significados pelo leitor tornou-se um apelo típico da sociedade moderna, e cabe à escola contribuir para a promoção e a garantia do aprendizado da leitura, bem como para o engajamento dos alunos em práticas sociais letradas, pois ela é a principal agência de letramento. Soares (2003SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.) aponta para a necessidade de se fazer uma distinção entre os conceitos de "alfabetização" e "letramento", pois considera que ambos são indissociáveis e ocorrem de forma simultânea. Entretanto, ambos os conceitos envolvem "conhecimentos, habilidades e competências específicos, que implicam formas de aprendizagem diferenciadas e, consequentemente, procedimentos diferenciados de ensino" (SOARES, 2003SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003., p. 16). Segundo essa autora, o significado da palavra "alfabetização" "não ultrapassa o significado de levar à aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever" (SOARES, 2003SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003., p. 15). Já o conceito de "letramento" indica

o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento. O que esta concepção acrescenta {...} é o pressuposto de que indivíduos ou grupos sociais que dominam o uso da leitura e da escrita e, portanto, têm as habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e competente em situações em que práticas de leitura e/ou de escrita têm uma função essencial, mantêm com os outros e com o mundo que os cerca formas de interação, atitudes, competências discursivas e cognitivas que lhes conferem um determinado e diferenciado estado ou condição de inserção em uma sociedade letrada. (SOARES, 2003, p. 2, grifo da autora)

Essa competência, necessária aos indivíduos ou aos grupos sociais para a participação sem restrições em eventos de letramento de que nos fala Soares (2003SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.), diz respeito tanto ao domínio das capacidades relativas à técnica (codificação e decodificação) quanto àquelas relativas à função ou ao uso social. Um evento de letramento é definido por Heath (1983HEATH, S. B. Ways with words: language, life, and work in communities and classrooms. New York: Cambridge University Press, 1983.) como qualquer situação em que um portador de escrita é parte integrante da natureza das interações entre os participantes e os seus processos de interpretação (HEATH, 1983HEATH, S. B. Ways with words: language, life, and work in communities and classrooms. New York: Cambridge University Press, 1983. p. 93).

As práticas de letramentos são entendidas aqui, concordando com Vigotski (1979VYGOTSKY, L. S. (1934). Obras Escogidas. 2. ed. Tomo II. Madrid: Aprendizage-Visor, 1993., 1989VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989., 1993VYGOTSKY, L. S. (1934). Pensamento e Linguagem. 42. ed. Lisboa: Antídoto, 1979.), como construções que acontecem primeiramente nas relações interpessoais - em contextos comunicativos compartilhados por um grupo, nos quais os sentidos são localmente definidos e redefinidos - e, em um segundo momento, no plano intrapessoal. Dessa forma, vão se criando zonas de desenvolvimento iminente, que, de acordo com Prestes (2010PRESTES, Z. R. Quando não é quase a mesma coisa. Análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Repercussões no campo educacional. 2010. 295 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília. 2010.), podem ser definidas como aquilo que o sujeito consegue fazer com a ajuda do outro, criando zonas de compartilhamento de saberes. O que fazemos sem ajuda se caracteriza como o nível do desenvolvimento atual, como aquilo que já compreendemos ou sabemos.

Portanto, os sentidos dos eventos de letramentos são construídos nas relações reais entre as pessoas, mediados pelas enunciações (BAKHTIN, 1992BAKHTIN, M. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.). Bruner (1997BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997., p. 139) acrescenta que

o processo de criação de significados é construído na interação do homem com a cultura da qual faz parte - a cultura é constitutiva da mente. É no processo de criação de significados que os sujeitos organizam sua experiência no mundo, seu conhecimento sobre ele e onde ocorrem as trocas entre os sujeitos.

Nessa perspectiva, a leitura é vista como um processo construído nas interações e nas ações entre professores e alunos, tanto no plano individual quanto no plano coletivo, por meio da linguagem. É um processo discursivo que implica a elaboração conceitual da palavra, que, por sua vez, só pode acontecer quando as pessoas se encontram e fazem uso da linguagem em seus grupos culturais (GOMES; MONTEIRO, 2005GOMES, M. F. C.; MONTEIRO, S. M. A aprendizagem e o ensino da linguagem escrita: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.). Portanto, a palavra que se esvazia da dimensão concreta que deveria ter, ou seja, do contexto de produção, se transforma em palavra oca, sem sentido (FREIRE, 2008FREIRE, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.).

Do leitor como construtor de sentidos, espera-se que processe, critique, aprecie, contradiga ou avalie o material escrito que tem diante de si. Segundo essa concepção de leitura, a língua "vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua, nem no psiquismo individual dos falantes" (BAKHTIN, 1992BAKHTIN, M. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992., p. 124). Assim, o texto pode ser compreendido como um todo que se constitui de outros enunciados diversos com os quais dialoga e implica sempre uma resposta (GOMES, 2010GOMES, S. S. Limites e possibilidades do letramento escolar: um estudo etnográfico das capacidades de linguagem nas disciplinas curriculares. 2010. 382 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2010.). Conclui-se que ler é dialogar com o autor, com outras vozes e enunciados, em um processo contínuo de construção de identidades.

Portanto, identificar e compreender as práticas sociais de leitura de um determinado grupo e sua relação com a linguagem torna possível o entendimento de como e por que essas práticas são realizadas de determinada forma e não de outra e, ainda, quais oportunidades de aprendizado construídas podem ou não gerar desenvolvimento mental.

Para Street (2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003.), pensar no letramento como uma prática social implica o reconhecimento de múltiplos letramentos, que variam de acordo com o tempo e o espaço e são perpassados pelas relações de poder. A posição que defendemos está em consonância com a abordagem ideológica de entendimento das práticas de letramento proposta por Street (2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003.). Sob essa proposição, as comparações e as distinções são deixadas de lado e abre-se espaço para a percepção das diferenças, não como equivalentes nem como déficits, mas como possibilidades inscritas e socialmente situadas (VÓVIO, 2007VÓVIO, C. L. Entre Discursos: sentidos, práticas e identidades leitoras de alfabetizadores de jovens e adultos. 2007. 287 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. 2007.).

Ainda de acordo com Street (2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003.), existem dois tipos de abordagens diferentes que alicerçam os estudos e as análises sobre o letramento, denominados autônomo e ideológico. No "modelo autônomo", as práticas de leitura e escrita são concebidas independentemente do contexto sociocultural em que estão inseridas; o que importa é a aquisição de habilidades técnicas e neutras de decodificação e codificação. A língua escrita é vista como um produto fechado, acabado, completo em si mesmo. Esse autor sugere, ainda, que o modelo "disfarça as escolhas culturais e ideológicas que lhe servem de apoio, para que elas possam, então, ser apresentadas como se fossem neutras e universais" (STREET, 2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003., p. 77)3 3 "{...} disguise the cultural and ideological assumptions that underpin it so that it can then be presented as though they are neutral and universal" (STREET, 2003, p. 77, tradução livre das autoras deste trabalho). . Defender o modelo autônomo implica acreditar que a simples introdução dos pobres e analfabetos em programas de educação irá gerar, automaticamente, efeitos em outras práticas sociais e cognitivas das quais participam. Ou seja, as habilidades cognitivas dos jovens e dos adultos serão aperfeiçoadas; sua perspectiva econômica, aumentada; eles se tornarão melhores cidadãos; tudo isso, sem levar em conta as condições econômicas, sociais e políticas que os levaram, primeiramente, a estar no lugar de analfabetos.

Ao contrário do modelo autônomo dominante, o "enfoque ideológico" assume que "as práticas de leitura e escrita variam de um contexto para outro e de uma cultura para outra, e variam também, portanto, os efeitos dos diferentes letramentos em diferentes condições" (STREET, 2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003., p. 77). Com esse entendimento, a leitura e a escrita são vistas como práticas sociais. Elas não se configuram somente como habilidades neutras, mas, ao contrário, estão imersas em princípios epistemológicos construídos socialmente. Esses princípios demandam pensar os processos de letramentos como coconstruídos coletiva, interativa e discursivamente. Para Street (2003STREET, B. V. What's "new" in new literacy studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, New York, v. 5, n. 2, p. 77-91, 2003.), até mesmo a maneira pela qual os professores e os alunos interagem se constitui como uma prática social que afeta a construção do processo de ensino-aprendizagem e a construção de identidades de leitores.

Desse modo, o engajamento desses sujeitos nas práticas de leitura e escrita é um ato social impregnado por ideologias e relações de poder, pois, como afirma Soares (1998, p. 74, grifo da autora),

letramento não pode ser considerado um "instrumento" neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido, mas é essencialmente um conjunto de práticas que envolvem a leitura e escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições, formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais.

Ao examinarmos os diferentes eventos de letramento e contrastá-los uns com os outros, pretendemos tornar visíveis os sentidos e os significados das práticas de leitura exercidas pelos participantes (DIAS, 2011DIAS, M. T. M. O papel da linguagem em uso na sala de aula no processo de apropriação da leitura de crianças e jovens e adultos. 2011. 250 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2011.). As práticas se configuram como os comportamentos dos membros da sala de aula durante um evento, e as concepções sociais e culturais que determinam sua participação dão sentido aos usos da leitura naquela situação particular (STREET, 1995STREET, B. V. Social Literacies. London: Longman, 1995.).

Dessa forma, analisaremos os eventos de letramento, pois, como nos ensina Rojo (2009ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.), a esfera social de comunicação em que o ato da leitura se dá é fundamental para a compreensão do processo de produção de sentidos e significados.

O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DA PESQUISA

Os eventos analisados neste artigo foram coletados em uma turma do ciclo inicial de alfabetização de jovens e adultos de uma escola da rede pública do município de Belo Horizonte, Minas Gerais. Esta pesquisa se refere, pois, à EJA na sua modalidade regulamentada pela Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte. As duas aulas e, consequentemente, os eventos analisados foram conduzidos por professoras diferentes, pois, durante o mês de junho, Emília, a professora referência da turma, precisou se ausentar por motivos de saúde e outra professora assumiu o seu lugar.

Trata-se de um recorte da pesquisa Incluindo diferentes alunos nas salas de aula de alfabetização de crianças e adultos: semelhanças e diferenças, realizada nos anos de 2006, 2007 e 2008, que possui um banco com 668 horas de gravações. Além de gravações em vídeo, foram utilizados outros instrumentos de investigação, como: observação participante, notas de campo, coleta e análise de artefatos do grupo, entrevistas, fotografias, gravações de áudio, rodas de leitura e de conversa com alunos e professora. Os dados da sala de aula foram representados em transcrições de sequências discursivas e mapas de eventos.

O mapa de eventos é um instrumento utilizado com o objetivo de representar o que aconteceu na sala de aula, como, por exemplo, um ciclo de atividades construído pelos sujeitos por meio de um processo dialógico e interacional. De acordo com Nunes-Macedo et al. (2004NUNES-MACEDO, M. S. A. et al. A constituição das interações em sala de aula e o uso do livro didático: análise de uma prática de letramento no primeiro ciclo. Revista Brasileira de Educação{online}, n. 25, p. 18-29, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141324782004000100003&lng=pt&tlng=pt.http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782004000100003>.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 3),

o nível de detalhe representado no mapa difere pela questão que está sendo analisada. Um aspecto que pode ser comum a todos os mapas é o fato de que representam como o tempo foi gasto e como o espaço interacional foi utilizado pelos participantes.

Durante a reelaboração e a análise dos mapas de eventos, procuramos evidenciar os eventos e os subeventos que tiveram como foco o desenvolvimento do ciclo de atividades relacionado às práticas sociais de leitura. A identificação de oportunidades de aprendizagem da leitura e de padrões de interação dos grupos, por meio dos mapas de eventos, orientou a escolha das aulas transcritas (DIAS, 2011DIAS, M. T. M. O papel da linguagem em uso na sala de aula no processo de apropriação da leitura de crianças e jovens e adultos. 2011. 250 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2011.).

Na pesquisa realizada, durante o processo de análise dos dados, os mapas de eventos foram organizados da seguinte forma:

QUADRO 1.
Mapa de eventos

Na primeira coluna, fizemos as marcações do tempo de duração dos eventos e dos subeventos. Na segunda e na terceira colunas, representamos os espaços interacionais discursivos criados pelos membros do grupo, diferenciando as atividades que foram realizadas individualmente ou em pequenos grupos daquelas que foram partilhadas pela maioria da turma. A análise dessas colunas tornou possível a identificação dos padrões de interação estabelecidos pelos membros do grupo.

Na quarta coluna, procuramos identificar as oportunidades de aprendizagem da leitura que os alunos e a professora construíram. É necessário salientar que essas oportunidades nem sempre foram reconhecidas e aproveitadas por todos os alunos da mesma maneira. A última coluna foi reservada para os apontamentos relativos às ações, para os comportamentos não verbais e para os conteúdos das atividades relacionadas aos eventos e aos subeventos observados. Além disso, procuramos, nesse espaço, estabelecer relações com os eventos precedentes. Apesar da possibilidade de estabelecer fronteiras entre eventos, compreendemos que eles foram historicamente influenciados pelos outros eventos daquele dia ou de dias anteriores. Dessa forma, o mapa de eventos nos permitiu mostrar o tempo gasto em sala de aula e as fases das atividades da sala toda e dos pequenos grupos, desenvolvidas pelos alunos e pelas professoras. O mapa de eventos também nos auxiliou a identificar os tópicos aqui discutidos, bem como os papéis e as relações estabelecidas (GOMES; MONTEIRO, 2005GOMES, M. F. C.; MONTEIRO, S. M. A aprendizagem e o ensino da linguagem escrita: Caderno do Professor. Coleção Alfabetização e Letramento. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.).

Para a apresentação neste artigo, o mapa de eventos foi elaborado com o objetivo de identificar os eventos, os subeventos e o tempo de duração, portanto, utilizamos somente duas colunas. A partir da análise dos mapas de eventos, foram escolhidas as aulas a serem transcritas na íntegra, em unidades de mensagem. Para Ochs (1979OCHS, E. Transcription as theory. In: OCHS, E.; SCHEFFLIN, B. B (Eds.). Developmental pragmatics. New York: Academic Press, 1979. p. 43-72. Acesso em: 23 mai. 2007.), a transcrição deve refletir os interesses particulares do pesquisador, seus objetivos e definições teóricas. Dessa forma, transcrever implica tomar decisões que se constituem como um ato político. Green e colaboradores (1997GREEN, J. L. et al. The myth of the objective Transcript: Transcribing as a Situated Act. TESOL Quarterly, Boulder, v. 31, n.1, p. 172-176, 1997.) argumentam que uma transcrição é um texto que representa um evento, e não o evento em si.

Considerando esse processo de transcrição como uma teoria interpretativa e representacional, realizamos transcrições na íntegra das sequências discursivas produzidas pelos participantes das duas aulas que foram analisadas. Para isso, utilizamos as "unidades de mensagem"4 4 Message Units (GREEN; WALLAT, 1981). como forma de apresentação (GREEN; WALLAT, 1981GREEN, J. L.; WALLAT, C. Mapping instructional conversations: A sociolinguistic ethnography. In: GREEN, J.; WALLAT, C. (Eds.). Ethnography and language in educational settings. Norwood, NJ: Ablex, 1981. p. 161-205.). Isso significa que foi transcrita a unidade mínima codificada no sistema de mensagens produzido pelas e nas interações sociais. A unidade de mensagem, portanto, é a menor unidade de significação conversacional produzida pelos falantes. Cada unidade de mensagem é definida por sua origem, forma, propósito, nível de compreensão e pelas ligações com as demais. A fronteira de uma unidade de mensagem é linguisticamente marcada pelas pistas de contextualização (GUMPERZ, 1982GUMPERZ, J. J. Language and social identity. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1982.), que podem definir uma mensagem ou um evento que se quer analisar.

Com base nessa perspectiva, foram selecionados alguns eventos de letramento do ano de 2006 que tiveram como foco o desenvolvimento de capacidades de leitura. Esses eventos podem ser considerados casos expressivos 5 5 Telling case (MITCHELL, 1984). . Segundo Mitchell (1984)MITCHELL. J. C. Typicality and the case study. In: ELLENS, R. F. (Ed.). Ethnographic research: a guide to general conduct. New York: Academic Press, 1984. p. 238-241., um caso expressivo pode ser entendido como um acontecimento descrito de forma etnográfica, capaz de fornecer elementos para a produção de inferências teóricas necessárias à construção de conhecimento sobre determinado tema. Casos expressivos descritos de forma etnográfica implicam análises e interpretações que emergem do campo de pesquisa, constituindo "telling cases" cujos sentidos e significados são a tônica do trabalho de pesquisa. Para selecionar esses casos expressivos, levamos em consideração os padrões de interação estabelecidos na sala de aula, bem como a representatividade dessas aulas para o conjunto dos dados obtidos.

Nosso objetivo ao selecionar esses dois eventos foi analisar contrastivamente as práticas de leitura construídas pelos membros do grupo e tornar evidente o que contou como leitura nessa sala de aula, os sentidos e os significados produzidos nos eventos de letramento. A investigação do processo de ensino-aprendizagem da leitura construído durante os eventos de letramento selecionados possibilitou conhecer o que e como leem, para quem leem, quando e onde leem e quais as semelhanças e as diferenças entre as práticas de leitura vivenciadas pelos estudantes e pelas professoras daquele grupo.

OS SUJEITOS DA PESQUISA

Segundo documento da própria escola, o público da EJA

é constituído por uma pluralidade de sujeitos aos quais não foi assegurado o direito à educação escolar em nível de Ensino Fundamental. Caracteriza-se por alunos de baixa escolaridade, com percurso escolar bastante interrompido, com expressiva defasagem na correlação idade e tempo de escolarização, que não concluíram o Ensino Fundamental ou que nunca frequentaram a escola. Os motivos, de fontes diversas, podem ser sintetizados como resultantes da oferta irregular de vagas, da inadequação do sistema educacional e pelas condições socioeconômicas desfavoráveis desses sujeitos. Assim, uma característica marcante da identidade dos alunos dessa escola e dessa sala de aula é a sua condição de trabalhador. (BELO HORIZONTE, 2004, p. 14)

Outra característica importante apontada pelo mesmo documento refere-se aos diferentes graus de responsabilidade dos alunos em seu núcleo familiar, em que atuam como responsáveis pelo sustento da família. Esse perfil dos alunos da escola era bastante representativo dos alunos da sala de aula pesquisada. Esta turma de jovens e adultos era composta inicialmente por 42 alunos, 31 estudantes do sexo feminino e 11 do sexo masculino, com idades que variavam entre 18 e 72 anos. Nessa sala de aula, no fim do ano, somente oito alunos continuaram comparecendo às aulas. Em relação à classe social, foi possível concluir, por meio de entrevistas, que os alunos pertenciam às classes D e E definidas pelo IBGE (2008)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. 6 6 As classes sociais são classificadas consoante as faixas salariais e são representadas pelas letras: A, B, C, D e E. . Isso significa que a renda familiar não ultrapassava quatro salários mínimos. Quanto à definição da etnia/raça dos alunos, também optamos por seguir os critérios adotados pelo IBGE (2008)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: síntese de indicadores. Rio de Janeiro: IBGE, 2008., que, desde o Censo de 2000, utiliza, nas pesquisas sobre cor e raça da população brasileira, os termos: amarela, branca, indígena, parda ou preta. De um total de 42 alunos, 17 se autodeclararam pardos; 4, pretos; 10, brancos; e 11 não se declararam pertencentes a nenhuma etnia/raça.

A professora da turma, Emília, branca, solteira, tinha 56 anos na época da pesquisa. Começou a trabalhar nessa escola no turno da noite em 1998 e resolveu se dedicar à alfabetização de adultos. Possuía Habilitação para o Magistério de 1º Grau, nível médio e graduação em Ciências Contábeis e Ciências Biológicas, com licenciatura para o 1º Grau. É importante ressaltar que a formação em nível superior dessa professora ocorreu entre as décadas de 1970 e 1980 e não está relacionada à alfabetização. A outra professora, Noele - que substituiu Emília durante o período em que esta realizou uma cirurgia no joelho - branca, casada, tinha 36 anos, era formada em Pedagogia e, naquela ocasião, trabalhava na escola no período da manhã, alfabetizando crianças.

OS EVENTOS DE LETRAMENTOS EM LEITURA NA SALA DE AULA DOS JOVENS E ADULTOS

As atividades realizadas no dia 25 de maio estão relacionadas às do dia 8 de junho. Essas relações tornaram-se visíveis por meio da elaboração e da análise dos mapas de eventos. A análise dos eventos permitiu evidenciar como os significados e os sentidos da leitura foram construídos pelos participantes daquela sala de aula. É importante acrescentar que os eventos de letramento apresentados não se encerram em si mesmos. A seguir, apresentamos os mapas de eventos das duas aulas e suas respectivas análises.

Evento do dia 8 de junho de 2006

A aula iniciou-se naquele dia às 18h45. A professora Emília cumprimentou os alunos e organizou seu material na mesa. Os alunos fizeram o mesmo; eles conversavam uns com os outros, em tom de voz baixo. Em seguida, a turma realizou as seguintes atividades, que constituíram os eventos que foram analisados7 7 Os eventos que foram analisados estão sublinhados. :

QUADRO 2.
Mapa de eventos da aula do dia 08/06/06

No Quadro 2, o primeiro evento indicado é a Organização da sala de aula para o início das atividades. Durante esse evento de organização da sala, a professora e o aluno Sebastião conversaram sobre a leitura da palavra "jiboia", realizada na aula anterior (07/06/06) pelo aluno. Nesse dia, Emília havia introduzido o estudo da família silábica do "J" e, por isso, explorou o texto O jabuti e a jiboia, reproduzido no quadro-negro e em folha xerocada entregue aos alunos.

Antes de iniciar a leitura oral coletiva, Emília pediu ao aluno José Geraldo para ler a palavra "jabuti" e para Sebastião ler a palavra "jiboia". 8 8 Em 2006, antes do novo acordo ortográfico, a palavra jiboia era escrita utilizando-se o acento agudo na letra o: "jibóia". Ao realizar a leitura da palavra "jiboia" da seguinte forma: JI-BO-I-A, o aluno foi corrigido pela professora. Emília tentou explicar que a leitura correta era JI-BOI-A e que o encontro vocálico entre O e I deveria ser mantido durante a leitura. Contudo, Sebastião não conseguiu perceber nenhuma diferença entre a leitura realizada por ele e a realizada pela professora. Para o aluno, as duas possuíam o mesmo significado, ou seja, o que eles liam era o nome do animal jiboia. Com ou sem a diferenciação do encontro vocálico na leitura, o significado não mudava. Emília continuou insistindo e corrigiu o aluno 13 vezes seguidas, pois, segundo ela, "se fizer assim / tá errado / aqui / e lá nos / Estados Unidos". Então, Sebastião se cansou e concluiu que não seria capaz de reproduzir a leitura da palavra do jeito que a professora queria: "ah / eu não sei falar / esse nome aí / não". Podemos notar que Sebastião realizou a leitura da palavra "jiboia" da mesma forma como falamos. Emília artificializou a sua pronúncia ao ponto de tentar reproduzir, na fala, a escrita.

Rojo (2009ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.) acrescenta que a linguagem falada e a linguagem escrita apresentam diferenças em relação à concretude, à materialidade, porém estão em mútua interdependência. Assim, para que se promova um ensino eficaz da língua materna, faz-se necessário demolir a barreira que separa essas duas práticas indissociáveis da língua, e não aumentá-la.

No decorrer dessa aula, a professora pediu a Sebastião para ler a palavra novamente, mas o aluno fez a mesma leitura: JI-BO-I-A e, posteriormente, JI-BO-I-TA. Emília corrigiu-o novamente e acrescentou: "eu vou falando / falando / até entrar / o que / que é / o certo". Nesse momento, Emília explicitou que, para ela, o aprendizado deve ocorrer por meio da repetição e da memorização, tendo como centro a sua atuação como professora, e que é dessa atuação que depende, essencialmente, o aprendizado da leitura pelo aluno. Por isso, insistiu tantas vezes com Sebastião para que ele lesse a palavra "jiboia" da maneira como ela queria.

Esse posicionamento da professora em relação ao processo educativo remete-nos à concepção associacionista de aprendizagem. Segundo essa abordagem, o conhecimento é de natureza externa, se encontra fora do sujeito. Assim, aprender tem origem na experiência, no meio físico e social e é sinônimo de mudança de comportamento, por meio do treino e do condicionamento. O professor se torna o centro do processo de ensino e aprendizagem. Cabe a ele planejar e transmitir os conteúdos e, ainda, controlar o comportamento dos alunos, mediante reforços positivos ou negativos. Foi isso que Emília demonstrou durante a interação estabelecida com Sebastião na aula de 7 de junho de 2006, quando optou pelo uso do reforço negativo e da repetição mecânica e contínua para tentar garantir a aprendizagem do aluno.

A consequência pedagógica dessa concepção para o processo avaliativo é o direcionamento do foco para o produto final; não são tolerados os erros produzidos pelos alunos, pois há somente uma resposta certa. A resposta desse aluno é entendida como aquilo que ele não sabe, que cabe a ela ensinar. Contudo, essa insistência da professora acabou gerando uma autoimagem negativa por parte do aluno e certa preocupação na própria professora, que, na aula seguinte, do dia 8 de junho de 2006, pediu-lhe desculpas, como mostra a sequência interacional do Quadro 3:

QUADRO 3.
Sequência Interacional: conversa entre Emília e Sebastião

Essa sequência interacional torna visível a preocupação de Emília com o tratamento dispensado a Sebastião na aula de 7 de junho de 2006. Ela teve consciência de que podia ter causado tristeza e insatisfação em Sebastião. Contudo, continuou desconsiderando que a aprendizagem é um processo interativo, que acontece por meio da internalização/apropriação, a partir de um processo anterior, de troca. Para Emília, naquela situação, importava aquilo que o aluno já conseguia fazer sozinho, sem ajuda, ou seja, a zona de desenvolvimento atual em que ele se encontrava. Contudo, é importante acrescentar que o desenvolvimento não é um processo imediato, que ocorre obrigatoriamente após a mediação do outro (PRESTES, 2010PRESTES, Z. R. Quando não é quase a mesma coisa. Análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Repercussões no campo educacional. 2010. 295 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília. 2010.). Sebastião, um sujeito social e único, não receberia passivamente o conhecimento, como num ato de recebimento de um depósito (FREIRE, 2008FREIRE, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. 47. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.). Dessa forma, demonstrava em suas respostas como havia se apropriado da decifração da palavra "jiboia", com base nas interações sociais estabelecidas com a sua professora.

Emília acreditava que o exercício repetitivo da estrutura silábica consoante+vogal era um instrumento eficaz para o aprendizado da leitura. Por esse motivo, os alunos eram obrigados a memorizar as famílias silábicas que poderiam compor palavras. Para a professora, a percepção e a memorização das famílias silábicas possibilitariam aos alunos, no início da alfabetização, a codificação e a decodificação de palavras simples - monossílabos e dissílabos com estrutura silábica consoante-vogal. O exercício repetitivo dessa estrutura silábica levaria o aluno a construir uma regra básica, que, posteriormente, poderia ser aplicada na formação de outras palavras e textos compostos por sílabas dessa natureza (MACIEL; LÚCIO, 2008MACIEL, F. I. P.; LÚCIO, I. S. Os conceitos de alfabetização e letramento e os desafios da articulação entre teoria e prática. In: CASTANHEIRA, M. L. et al. Alfabetização e letramento na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.).

Entretanto, somente a aplicação desse método de trabalho não prepara o aluno para as situações de leitura em que as palavras apresentam uma estrutura silábica diferente da sílaba canônica, formada por consoante e vogal, como aconteceu durante a leitura de Sebastião. Além do exemplo mostrado anteriormente, com a leitura da palavra "jiboia" por Sebastião, pudemos observar conflito semelhante durante a sequência em que a aluna Fabiana tentou ler a palavra "cuida" no subevento Leitura oral individual dos alunos Fabiana e José Geraldo para a professora.

Vejamos a mediação realizada pela professora durante a leitura de Fabiana do texto Joca e Júlia:

Profª.: CA / com U / CU

Fabiana: CU

Profª.: CA / com U / com I / CUI

Fabiana: CUI

Profª.: CUI / DA

Fabiana: cuida

Fabiana apenas repetiu o que a professora disse, pois, se estivesse tentando decodificar as letras indicadas pela professora, a primeira leitura realizada deveria ter sido CAU, em vez de CU. O fonema produzido pelo grafema A foi suprimido na fala da professora quando a sílaba CA se uniu ao grafema U. Possivelmente, Emília utilizou essa estratégia devido ao fato de que à letra C, na língua portuguesa, são atribuídos diferentes valores sonoros, dependendo da vogal com que se articula. Para não confundir Fabiana e indicar o fonema correto, Emília, então, leu CA. É possível perceber que, nesse momento, a leitura foi vista pela professora como uma capacidade individual, como uma técnica neutra. Não houve relação com o uso ou a função social, pois a língua escrita foi tratada como um produto acabado, pronto para ser ensinado e memorizado.

Após a primeira leitura realizada por Fabiana, nas sequências seguintes, Emília pediu para a aluna ler o texto mais uma vez. Frequentemente, a professora utilizava a releitura como estratégia de desenvolvimento da fluência dos leitores. Segundo Batista et al. (2005BATISTA, A. A. G. et al. Capacidades da alfabetização. v. 2. Belo Horizonte: Ceale/UFMG, 2005.), a releitura do mesmo texto pode auxiliar o leitor recém-alfabetizado a ler sem dificuldade e concentrar sua atenção e memória na compreensão do que lê.

Essa afirmação pôde ser verificada durante a leitura da frase "Júlia ajuda muito a mãe" pela aluna: "Jú / lia / a / juda / mui / to / a / sua mãe". Nesse momento, Fabiana diminuiu a quantidade de unidades para compor o texto e começou a produzir sentido sobre aquilo que lia. Entretanto, Emília corrigiu a leitura da aluna imediatamente: "sua / não / mãe". Para a professora, a leitura deveria ser o produto da percepção e da decodificação linear do texto; é por isso que recomendou na aula do dia 7 de junho de 2006: "não fala / o que está na cabeça / fala o que os olhos / estão enxergando".

Emília parecia ignorar que os olhos são somente os receptores da imagem, cujo processamento se efetua no cérebro. Na perspectiva da professora, a língua foi vista como um mero instrumento de comunicação, e o texto constituiu-se em um simples produto da codificação de um emissor, a ser decodificado visualmente pelo leitor. Kato (1990KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1990.) lembra que o ato de ler não se restringe à análise de um input visual. A leitura é um processo social e psicológico, que requer a mobilização de diversas estratégias baseadas no conhecimento linguístico e sociocultural do leitor; portanto, não pode ser separada do próprio pensamento, pois, conforme nos ensina Vygotsky (1989VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989., p. 11): "uma palavra sem significado é um som vazio, já não fazendo parte do discurso humano".

EVENTO DO DIA 25 DE MAIO DE 2006

As mesmas práticas pedagógicas e padrões de interação foram mantidos durante as aulas da professora Emília no ano de 2006. Entretanto, essa professora esteve afastada de suas atividades, aproximadamente por um mês, para a realização de uma cirurgia e precisou ser substituída pela professora Noele. Os modos de participação dos alunos e da professora substituta durante esse período remetem ao conceito de pontos relevantes (rich points) proposto por Agar (2006AGAR, M. An ethnography by any other name. Forum: Qualitative Social Research, v. 7, n.4, 2006. Disponível em: <http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/ 177>. Acesso em: 28 jul. 2008.
http://www.qualitative-research.net/inde...
), pois representam uma diferenciação nos enquadres de referência entre as aulas selecionadas para nossas análises.

Em etnografia, os pontos relevantes envolvem o exame do que está acontecendo no momento e o contraste do momento observado com os padrões de discurso e atividade identificados em eventos similares ao longo do tempo (GREEN et al., 2005GREEN, J. L. et al. Ethnography as a logic of inquiry. In: Flood, J. D. et al (ed.). Methods of research on teaching the English language arts. New Jersey & London: LEA, 2005. p. 145-194.). De acordo com essas autoras, nesses pontos, o ordinário se torna extraordinário, e as práticas culturais que os membros delineiam tornam-se visíveis em seus esforços para a manutenção da participação, uma vez que não é possível proceder como de costume. Para fazer o contraste entre o evento da aula do dia 8 de junho de 20069 9 Ministrada por Emília. e o evento da aula do dia 25 de maio de 200610 10 Ministrada pela professora substituta Noele. , apresentaremos a seguir o mapa de eventos e as análises desta última, que possibilitaram compreender quais as implicações das mudanças sugeridas pela professora Noele durante a aula para o processo de ensino-aprendizagem de leitura dos jovens e dos adultos da classe.

A aula de 25 de maio de 2006 também se iniciou às 18h45. Noele entrou na sala e cumprimentou quem havia chegado, já que muitos alunos estavam atrasados. Essa era uma situação comum, pois a maior parte dos alunos era trabalhadora. A professora organizou seu material em cima da mesa e entregou uma folha xerocada de exercícios para os alunos. Logo em seguida, foram realizadas as atividades mostradas no quadro abaixo:

QUADRO 4.
Mapa de eventos da aula do dia 25/05/06

O evento que escolhemos analisar constituiu-se da última atividade proposta e ocorreu após o intervalo do recreio. É importante destacar que essa foi a primeira vez que os alunos tiveram contato com livros de leitura literária na sala de aula. A maioria dos textos trabalhados por Emília era retirada de livros didáticos infantis. Além disso, dentre todas as observações realizadas durante o ano de 2006, esse foi o único trabalho no qual a professora Noele disponibilizou um texto de ampla circulação social em seu suporte original para a leitura dos alunos.

Os exemplares disponibilizados por Noele faziam parte do acervo da biblioteca da escola. A maioria dos títulos escolhidos por ela pertencia à coleção Gato e Rato, de Mary e Eliardo França. Essa coleção é destinada ao público infantil e, à primeira vista, poderia ser considerada inadequada àquela sala de aula. Entretanto, é necessário pontuar que os professores alfabetizadores de jovens e adultos enfrentavam grande dificuldade em encontrar textos adequados a esse público, tanto em conteúdo quanto em tamanho e linguagem. Desde 2009, a Prefeitura de Belo Horizonte disponibiliza um kit literário para cada estudante de acordo com a faixa etária e a modalidade de ensino. Nesse mesmo ano, os alunos da EJA da escola pesquisada receberam dez livros com diferentes gêneros literários, abordando temas como solidariedade, cultura, arte, questões étnico-raciais, meio ambiente, cidadania e clássicos da literatura. Porém, em 2006, não havia muitas opções para o trabalho com os estudantes jovens e adultos que ainda estavam em processo inicial de alfabetização.

Soares (2010)SOARES, M. B. Alfabetização e literatura. Revista Educação. Guia da Alfabetização. São Paulo: Editora Segmento, n. 2, p. 12-29, 2010. nos lembra que existe um caminho a ser percorrido pelo leitor em formação que não é definido pela idade, mas pelo que a autora chama de amadurecimento literário, afirmando que

esse amadurecimento acontece à medida que o leitor vai aprendendo a distinguir não só temas e estilos, como também os sentimentos e emoções em todas as suas sutilezas. O leitor passa a ver os motivos que estão por trás das ações dos personagens, passa a enxergar no personagem o ser humano, em tudo que este tem de complicado (SOARES, 2010, p. 15).

Belmiro (2012, p. 846) acrescenta, que

não é suficiente apenas a adequação textual ao tipo de leitor, como também não bastam preocupações de ordem histórica ou política na inserção da obra, mas deve-se destacar o modo como é problematizado o tema, caracterizando um discurso e uma plasticidade que organizam um olhar sobre o mundo.

Ainda conforme Belmiro (2012BELMIRO, C. A. Narrativa literária: suporte para a infância, texto para a juventude. Perspectiva{online}, Florianópolis, v. 30, n. 3, p. 843-868, 2012. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-795X.2012v30n3p843>. Acesso em: 11 dez. 2014.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/per...
), é preciso compreender que os leitores são múltiplos e que as obras perpassam diferentes momentos da vida, sendo lidas por crianças, jovens e adultos. A linguagem das obras literárias disponibilizadas por Noele era de fácil acesso e contava com forte recurso imagético. Nesse sentido, era capaz de proporcionar aos alunos uma leitura autônoma, mesmo que fosse de algumas palavras. Assim orientou a própria professora: "eu quero / que você pega / um / pra você ler / pra você ir / treinando/ {...} uma palavra / que você conseguir / identificar / numa página / numa outra página / já tá / ajudando". Essa atitude da professora contribuiu para que os alunos se percebessem como sujeitos capazes de realizar algo que antes seria impossível.

Sabemos que cada sujeito constrói seu psiquismo ao longo da sua história pessoal, recriando visões de mundo compartilhadas pelo grupo cultural ao qual pertence, em um processo dinâmico. Dessa forma, em diferentes tempos e espaços, esses sujeitos vão reelaborando suas identidades. No caso dos jovens e dos adultos da EJA, esse processo identitário é geralmente associado à carência, à pobreza e à dependência. Esse discurso de exclusão é muitas vezes legitimado e disseminado pelo próprio sujeito, principalmente pelos analfabetos (GALVÃO; DI PIERRO, 2007GALVÃO, A. M. O.; DI PIERRO, M. C. Preconceito contra o analfabeto. São Paulo: Editora Cortez, 2007.), que se percebem cegos, ignorantes, como aqueles a quem falta algo. Ao serem incentivados a realizar a leitura dos livros, os jovens e os adultos podem começar a construir identidades diferentes.

Outra questão importante que merece ser destacada foi a orientação de Noele sobre os modos de leitura: "eu vou pôr / aqui pra vocês (em cima da mesa da professora) / vocês vão / escolher os livros / e / pode ler / de dois em dois / um lê / pro outro". Os alunos não estavam habituados a realizar atividades em duplas ou em pequenos grupos, por isso foi preciso a mediação da professora em alguns momentos, para garantir essa troca entre os participantes.

Também estava fora da rotina dos alunos "guardar" o caderno no momento da leitura, pois os textos lidos eram geralmente reproduzidos no quadro-negro pela professora e copiados ou xerocados e colados no caderno. Vejamos a reação de incredulidade de Sebastião perante o comentário de Noele:

Professora: ô gente / pode fechar / os cadernos / tá? / põe embaixo / da mesa/ pra vocês / terem mais liberdade / na CARTEIRA / tá? / porque agora / é nossa oficina / de leitura / pode fechar / os cadernos.

Sebastião: (não vai usar) / os cadernos hoje? / nós não vamos / usar / mais não?

Ante a resposta negativa da professora, os alunos guardaram o material e se dirigiram à mesa para a escolha dos livros. Após a escolha, os alunos sentaram-se em duplas para que um pudesse ouvir a leitura do outro. Noele também foi passando nas carteiras para auxiliar os alunos na organização das duplas e, depois, na leitura do material.

Durante a leitura do livro O balaio do rato pela aluna Luciene para a colega Ana Célia, sentada ao seu lado, as duas foram construindo, juntas, o sentido do texto. Luciene lia pausadamente, passando o dedo embaixo da palavra, localizando as informações exatamente como as professoras faziam. Vejamos um trecho de sua leitura: "o gato/ olhou/ para/ o rato/ e falou/ cadê/ o/ bo/ de? / cadê/ o / ga/ lo?/ cadê/o/ pa/ to?". Depois que ela leu, a colega fez perguntas e comentários: "que gato danado, hein?!". As duas colegas riam e continuavam a ler; elas apreciavam e experimentavam a atividade de leitura como uma prática social.

Nesse momento, podemos nos perguntar se as alunas riam porque os animais eram tratados como humanos, já que falavam, por exemplo. Elas, que já não eram mais crianças, assumiam uma postura crítica sobre o personagem, porém se divertiam com o conteúdo do livro.

Continuando, também chamaram nossa atenção as leituras orais dos livros O trem e O balaio do rato, realizadas respectivamente pelas alunas Luciene e Maria Eterna. Elas posicionaram-se à frente da turma, que se mostrou bastante animada. Ambas apresentaram fluência e entonação na leitura dos livros e, por orientação de Noele, mostraram as ilustrações para os colegas, acrescentando seus comentários pessoais. Os alunos riram e se divertiram com os jogos de linguagem presentes nas obras, principalmente quando Luciene deu vida às onomatopeias que imitavam o som produzido pelo trem:

Luciene: o trem faz / chi: / chi: / chu: / chu: /

Ana Célia: uai / xixi?

Alunos riem

Mateus: chi: chi: (reproduzindo o som do trem)

Luciene: chi: / chi: / o trem sai/ Devagarinho/ choc / choc / choc (mostrando a ilustração).

Nessa sequência, percebemos que os sentidos da leitura foram sendo construídos na interação entre os membros do grupo, à medida que dialogavam com a leitura oral da colega, com os sistemas narrativos presentes no texto e nas ilustrações. Conforme Bakhtin: "O sentido não se atualiza sozinho, procede de dois sentidos que se encontram e entram em contato. Não há um sentido 'em si'. O sentido só existe para o outro sentido, com o qual existe conjuntamente" (BAKHTIN, 2000BAKHTIN, M. (1779) Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000., p. 386). Essa multiplicidade de sentidos resultou em leituras diversas; quando Ana Célia perguntou: "uai/ xixi?", notamos que a palavra destacada pela aluna só poderia ser entendida dentro do contexto de produção da leitura que foi feita. Pois, ao ser lida pela colega, a palavra onomatopeica "Chi ... Chi" transformou-se em outra palavra, "xixi", que já fazia parte do repertório da aluna, de suas vivências pessoais e sociais. Isso provocou o questionamento, pois a palavra "xixi" não poderia fazer sentido naquele contexto.

Luciene retomou a leitura e mostrou a ilustração aos colegas, para auxiliá-los na compreensão do texto. Juntos, nesse momento, os membros do grupo puderam se reconhecer como sujeitos sociais que agiam conjuntamente sobre o texto escrito, compartilhando e construindo sentidos pelo/no uso da linguagem. Sentidos estes que, pessoais de início, ao serem compartilhados, possibilitaram a construção de significados sociais (VYGOTSKY, 1993VYGOTSKY, L. S. (1934). Obras Escogidas. 2. ed. Tomo II. Madrid: Aprendizage-Visor, 1993.) para os textos que liam, fazendo com que pudessem ser compreendidos por todos, social e discursivamente.

CONTRASTANDO OS EVENTOS DOS DIAS 8 DE JUNHO E 25 DE MAIO DE 2006

A análise contrastiva das duas aulas mostrou que a aula conduzida pela professora Noele no dia 25 de maio de 2006 diferenciou-se das demais ao longo daquele ano. A apropriação dos conhecimentos relativos à leitura consistiu-se numa relação dialógica compartilhada, e, naquela aula, valorizou-se aquilo que os alunos conseguiam realizar em cooperação. Os membros do grupo foram considerados sujeitos ativos, corresponsáveis pelo processo de apropriação do conhecimento. Múltiplas vozes puderam ser ouvidas durante as ações e as interações estabelecidas entre os membros do grupo. Diante das análises apresentadas, podemos afirmar que a leitura foi tratada como fenômeno social, realizada por meio da enunciação ou das enunciações (BAKHTIN, 1992BAKHTIN, M. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.).

Entretanto, é necessário pontuar que textos como O trem e O balaio do rato, da Coleção Gato e Rato, orientados para o público infantil, certamente viabilizavam a leitura de onomatopeias consideradas engraçadas pelo grupo. Esses textos tinham como pressupostos, claramente, a imagem de ensino gradual - do mais fácil, básico e restrito para o mais complexo - e levavam à infantilização dos alunos. O conteúdo proposto não articulava os saberes dos jovens e dos adultos, seus modos de vida e culturas, construídos ao longo de suas experiências. Nesse sentido, o riso desses sujeitos deveria ter sido tomado como um indicador de problematização relevante. Qual o sentido dessa manifestação? O que significava para esses alunos rir dos sons produzidos pelo trem?

Freire (1999FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 23 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.) já havia sugerido e contribuído efetivamente para a alfabetização significativa, relacionada ao processo de elaboração da consciência de si mesmo. Em se tratando de produção de sentidos, de práticas de leitura e de prática pedagógica, esse aspecto, de fundamental importância, deveria ser tratado. Concordando com Vóvio (2012)VÓVIO, C. L. Entre Discursos: sentidos, práticas e identidades leitoras de alfabetizadores de jovens e adultos. 2007. 287 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. 2007., a interlocução entre a realidade social dos sujeitos envolvidos naquele processo educativo e o contexto em que as ações foram desenvolvidas apresentaram-se como problemas a serem superados nas práticas sociais de leitura das duas professoras.

Como mencionado anteriormente, os alunos ainda não haviam tido oportunidade de ter contato com livros literários em suas aulas. Muitos deles também não haviam visitado a biblioteca da escola. Emília utilizava textos didáticos, que eram reproduzidos no quadro e em folhas xerocadas, coladas no caderno dos alunos, como mostrado na aula do dia 8 de junho de 2006, na qual a professora trabalhou com o texto O jabuti e a jiboia. Por esse motivo, Sebastião estranhou quando a professora Noele pediu à turma para guardar o caderno. Para aquele aluno, a leitura sem o caderno que continha os textos trabalhados estava fora do padrão estabelecido nas interações em sala de aula. Dessa forma, foi possível perceber que, apesar de experimentarem situações novas na aula do dia 25 de maio de 2006, os alunos buscaram apoio na cultura da sala de aula e nos padrões de interação já construídos, para orientar suas participações.

Os alunos também não estavam habituados a realizar atividades em grupo ou em duplas. Por isso, em um primeiro momento, foi preciso que Noele estimulasse a aproximação entre eles. A professora deu início à organização das carteiras em duplas, mas alguns alunos resistiram e permaneceram sentados individualmente, como foi o caso de Sebastião. Porém, ao longo da aula, esse aluno se juntou a uma colega, que o ajudou na leitura do livro. Também as alunas Maria Eterna e Luciene realizaram a leitura do livro O Trem para a turma, uma para a outra e também para a colega Ana Célia, que ainda não sabia ler. Isso nos permite afirmar - em conformidade com Vigotski (1934VYGOTSKY, L. S. (1934). Pensamento e Linguagem. 42. ed. Lisboa: Antídoto, 1979.-1993VYGOTSKY, L. S. (1934). Obras Escogidas. 2. ed. Tomo II. Madrid: Aprendizage-Visor, 1993.) - que, com a ajuda de outros colegas, os alunos puderam desenvolver muito mais suas atividades de leitura do que sozinhos.

Também é importante salientar que, na aula do dia 25 de maio de 2006, os alunos tiveram outros recursos disponíveis que auxiliaram no processo de compreensão do texto, como a leitura do colega e os recursos visuais e textuais dos livros. Além disso, acrescentamos que, apesar de não terem sido promovidos nos alunos aspectos relativos à consciência crítica, na atividade da oficina de livros ou de leitura, os alunos foram incentivados a desenvolver o gosto e a apreciação pela leitura. Pensamos que esse também é um aspecto fundamental no processo de aprendizagem, pois na sociedade em que vivemos as pessoas leem para se informar, estudar, aprender, mas também por fruição e prazer.

CONCLUSÃO

Nosso estudo mostrou que diferentes concepções de letramento resultam em práticas sociais de leitura diferenciadas e em oportunidades de aprendizagens diversas. Se na escola pretendemos formar leitores competentes, que dominam o uso da leitura e participam ativamente de situações em que as práticas de leitura têm função essencial, precisamos levar em conta a dimensão social, política e ideológica do ato de ler, bem como as competências discursivas e cognitivas específicas que conferem condição de inserção na sociedade letrada (SOARES, 2003SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.).

Com este estudo, pretendemos contribuir para que o processo de ensino-aprendizagem da leitura se torne mais significativo, pautado pelo reconhecimento das características próprias e das necessidades dos estudantes de EJA, que se formam em contextos de aprendizagem compartilhados. Mesmo sem o domínio da tecnologia da leitura e da escrita, os jovens e os adultos exercem práticas sociais de leitura e escrita em seu dia a dia, em casa, no trabalho e em outros espaços de convivência, pois estão imersos em uma sociedade letrada. Ou seja, eles aprendem a produzir e a fazer uso dos diversos gêneros escritos nas esferas em que circulam, ainda que de forma não sistemática. Portanto, é preciso que, na escola, esse conhecimento seja sistematizado e ampliado, pois muitos desconhecem as várias manifestações e utilidades dos diferentes gêneros textuais. Além disso, os alunos devem aprender a se expressar adequadamente nas manifestações às quais sejam expostos.

Cabe acrescentar que nosso objetivo é tentar realçar a dimensão social das práticas de leitura e escrita perpassadas pelas relações de poder. Contudo, não estamos com isso desconsiderando a importância da aquisição das capacidades de decodificação e codificação. Não podemos deixar de valorizar o domínio da técnica, pois, sem ela, reduz-se o uso social da leitura e da escrita, e o sujeito não ganha autonomia no exercício das práticas que cultivam os cidadãos letrados. Pensamos que essas categorias não são opostas, mas complementares. Portanto, na sala de aula, há que se ensinar a "tecnologia" da leitura e da escrita, como faz a professora Emília, sem, contudo, deixar de lado as dimensões sociais, políticas e ideológicas do ato de ensinar a ler e escrever.

Desse modo, a especificidade da alfabetização como aprendizado do sistema alfabético/ortográfico e suas relações com o sistema fonológico poderiam acontecer por meio do contato e do uso de textos reais, de ampla circulação em nossa sociedade. Entretanto, para que as professoras sejam capazes de lidar com essas questões e superar o evidente fracasso na formação de leitores competentes, torna-se necessário investir em suas condições de exercício profissional, destacando as especificidades do trabalho de alfabetização na EJA.

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  • 1
    O Santa Barbara Classroom Discourse Group está vinculado à Universidade de Santa Bárbara/Califórnia e reúne pesquisadores, estudantes e professores que discutem questões relacionadas à sala de aula com base na Etnografia Interacional.
  • 2
    O Grupo de Estudos e Pesquisa de Psicologia Histórico-Cultural (GEPSA), do qual as autoras deste artigo fazem parte, está ligado à linha de pesquisa Psicologia, Psicanálise e Educação do Curso de Pós-Graduação: Conhecimento e Inclusão Social em Educação e ao Laboratório de Psicologia e Educação (LAPED) - Helena Antipoff, ambos vinculados à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG).
  • 3
    "{...} disguise the cultural and ideological assumptions that underpin it so that it can then be presented as though they are neutral and universal" (STREET, 2003, p. 77, tradução livre das autoras deste trabalho).
  • 4
    Message Units (GREEN; WALLAT, 1981).
  • 5
    Telling case (MITCHELL, 1984).
  • 6
    As classes sociais são classificadas consoante as faixas salariais e são representadas pelas letras: A, B, C, D e E.
  • 7
    Os eventos que foram analisados estão sublinhados.
  • 8
    Em 2006, antes do novo acordo ortográfico, a palavra jiboia era escrita utilizando-se o acento agudo na letra o: "jibóia".
  • 9
    Ministrada por Emília.
  • 10
    Ministrada pela professora substituta Noele.
  • *
    Maíra Tomayno de Melo Dias - Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora do Curso de Especialização em Docência da Educação Básica para professores da Rede Municipal de Belo Horizonte (LASEB) e do Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil (DOCEI) da Faculdade de Educação da UFMG. Integra a equipe de tutores do GIZ (Rede de Desenvolvimento de Práticas de Ensino Superior) vinculado à Pró-Reitoria de Graduação da UFMG. Membro do Grupo de Pesquisas e Estudos de Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula (GEPSA), vinculado ao Laboratório de Psicologia da Educação Helena Antipoff (LAPED) e do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita (CEALE). E-mail: mairatomayno@gmail.com
  • **Maria de Fátima Cardoso Gomes - Pós-doutora em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos Linguísticos (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenadora do Grupo de Pesquisas e Estudos de Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula (GEPSA), vinculado ao Laboratório de Psicologia da Educação Helena Antipoff (LAPED). Pesquisadora do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita (CEALE). E-mail: mafacg@gmail.com ou mafa@fae.ufmg.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2013
  • Aceito
    08 Jan 2015
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