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NOS RASTROS DO CONCEITO DE PEDAGOGIAS CULTURAIS: INVENÇÃO, DISSEMINAÇÃO E USOS

ON THE TRAILS OF THE CONCEPT OF CULTURAL PEDAGOGIES - INVENTION, DISSEMINATION AND USE

RESUMO:

Este artigo visa apresentar, analisar e discutir as condições vinculadas ao aparecimento, à disseminação e aos usos do conceito de pedagogias culturais no campo dos Estudos Culturais em Educação, especialmente no Brasil. Para o exame das injunções aí implicadas, são explorados sentidos do termo “invenção”, adotado nas ciências humanas e sociais. Analisam-se as contribuições de David Trend, Henry Giroux, Shirley Steinberg e Joe Kincheloe e Elizabeth Ellsworth, pesquisadores particularmente associados a formulações e desdobramentos do conceito. Tais legados são articulados com o objetivo de mostrar os fios que nos permitem vislumbrar as tramas desse processo de invenção.

Palavras-chave:
Pedagogias culturais; Estudos Culturais em Educação; História da Educação; Pedagogia.

ABSTRACT:

This article aims to present, analyze and discuss of the conditions linked to the appearance, dissemination and use of the concept of cultural pedagogies in the Cultural Studies field in Education, especially in the Brazilian academic context. To examine the injunctions involved, this paper explores the meaning of the term ‘invention’ as adopted in humanities and social sciences. It analyzes the contributions by David Trend, Henry Giroux, Shirley Steinberg and Joe Kincheloe and Elizabeth Ellsworth, researchers especially associated with the formulations and consequences of the concept. The knowledge of these legacies give us the tools that allow us to glimpse the weft of this invention process.

Keywords:
Cultural pedagogies; Cultural Studies in Education; History of Education; Pedagogy.

Introdução

Há aproximadamente 20 anos, começa a circular no cenário acadêmico brasileiro o termo pedagogias culturais. Ele surge embutido em artigos, capítulos e livros traduzidos que introduzem em nosso País os Estudos Culturais1 1 Neste artigo, utilizamos iniciais maiúsculas ao nos referirmos aos Estudos Culturais ou aos Estudos Culturais em Educação porque estamos nos referindo a esses estudos como um campo de conhecimento. Embora se caracterize como um campo multi, trans, inter ou até mesmo anti ou pós-disciplinar, os estudos que com ele se identificam têm peculiaridades que os distinguem de outros estudos sobre cultura. em Educação2 2 A respeito da entrada e da expansão dos Estudos Culturais em Educação no Brasil, ver Wortmann, Costa e Silveira (2015). e se torna, nesse curto período, uma ferramenta conceitual amplamente utilizada nas pesquisas desse novo e polêmico campo. Exatamente por essa repercussão, elegemos esse conceito como foco de estudo. Nas pesquisas desenvolvidas no Brasil, ele tem se mostrado um dos conceitos mais produtivos acionados a partir do referencial teórico dos Estudos Culturais em seu cruzamento com a educação. Contudo, se até mesmo as condições de possibilidade e os locais de emergência dos próprios Estudos Culturais são constantemente objeto de controvérsias3 3 Exemplo de contestação sobre a emergência dos Estudos Culturais são as discussões levadas a cabo pelos chamados Estudos Culturais Latino-Americanos. Ver a esse respeito, entre outros, Martin-Barbero (1997) e Moreiras (2001). , com as pedagogias culturais não é diferente. Para se chegar ao conceito com as acepções que se tem hoje, travaram-se muitas e importantes discussões acerca das conexões entre pedagogia e cultura. Partindo muitas vezes de distintas matrizes teóricas, tais debates, dependendo dos autores que os propõem e subsidiam argumentativamente, apresentam delineamentos e focos diferenciados. Esse o motivo pelo qual consideramos conveniente aos propósitos de nossa análise valer-nos dos sentidos do termo invenção.

No livro História: a arte de inventar o passado, Albuquerque Júnior (2007ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru-SP: EDUSC, 2007., p. 12) explica que, especialmente nas últimas três décadas, não só historiadores, mas também cientistas sociais, filósofos, pedagogos, psicólogos, entre outros especialistas, começaram a lançar mão em seus trabalhos do termo invenção. Para o autor, isso decorreria de a palavra apontar para “um modo de se relacionar com o passado, com os documentos, com a memória, com a temporalidade” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru-SP: EDUSC, 2007., p. 12), que se afasta de concepções hegemônicas vigentes em outros tempos, inscrevendo-se em formas contemporâneas de compreender o trabalho do historiador, expressivas de mudanças paradigmáticas. O termo é instigante porque nos faz pensar sobre “fatos”, “dados”, “conceitos” e “teorias” como invenções que se naturalizaram e parecem saltar fora da história, instalando-se em um território universal e atemporal. O uso da palavra invenção tem se mostrado apropriado para procurar explicar como a realidade social é construída e, logo em seguida, apreendida por variados campos de conhecimento; serve também para nos referirmos “a uma dada ruptura, a uma dada cesura ou a um momento inaugural de alguma prática, de algum costume, de alguma concepção, de algum evento humano” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru-SP: EDUSC, 2007., p. 20). Com esses sentidos, ela nos parece produtiva para aquilo a que este texto se propõe: percorrer o caminho que levou à invenção e aos usos da expressão pedagogia cultural ou, em sua flexão de número, pedagogias culturais, particularmente nos territórios investigativos que demarcam os já mencionados Estudos Culturais em Educação.

Nossa intenção, aqui, não é tentar capturar o momento fundante do emprego do termo pedagogias culturais. O que pretendemos é apontar e problematizar algumas das muitas e variadas condições que possibilitaram a emergência/invenção dessa expressão/conceito, lançando mão, para isso, das teorizações de vários autores que se dedicaram a vislumbrar e analisar as pedagogias atuantes em uma multiplicidade de espaços, para além daqueles que delimitam territórios escolares ou escolarizados. Assim, situamos este trabalho no que Albuquerque Júnior (2007ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru-SP: EDUSC, 2007.) nomeia de terceira margem, ou seja, lá onde a invenção nasce justamente da relação, da justaposição das margens e dos fatos. Com vistas a tal intento, este artigo está organizado em quatro seções, cujos focos descrevemos brevemente a seguir, e nos quais optamos por uma exposição que não se atém à cronologia dos acontecimentos.

Na primeira seção, procuramos mostrar que a ampliação da noção de lugares de aprendizagem foi central para o conceito de pedagogias culturais. O livro Places of Learning4 4 Obra sem tradução para a língua portuguesa até o momento. (Lugares de Aprendizagem), de Elizabeth Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.), alertou-nos para o quanto foi revolucionária e fulcral para os usos do conceito, no início dos anos 1990, a disseminação da ideia de que processos educativos extrapolam amplamente o âmbito escolar. Embora posterior às produções de alguns dos autores que trazemos para esta discussão, Places of Learning contribuiu para um melhor entendimento das condições de possibilidade para a invenção e os usos do conceito. Ao escolher tal obra para subsidiar nossa argumentação, procuramos também ressaltar o destaque que a autora dá à pedagogia como importante articuladora de processos educativos.

Na segunda seção, abordamos o pioneirismo do educador norte-americano Henry Giroux ao adjetivar a pedagogia segundo as formas que apresenta quando imbricada com a cultura. Voltamo-nos particularmente aos conceitos de pedagogia pública e pedagogia crítica, adotados pelo autor, para apontar seus vínculos com o conceito de pedagogias culturais. Aproveitamos também para sublinhar o quão importante foram as pesquisas de Giroux para a demarcação do campo que identificamos hoje como Estudos Culturais em Educação e para a constituição do conceito de pedagogias culturais.

Na terceira seção, tratamos da emergência acadêmica da expressão na obra Cultural Pedagogy: arts, education, politics5 (Pedagogia cultural: artes, educação, políticas), de David Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.) - que nossas pesquisas indicaram ser provavelmente o primeiro registro escrito do termo. Nesse livro, o autor norte-americano, vinculado à teoria crítica da educação, emprega-o para tratar da relação entre pedagogia, arte e democracia. Embora o significado do conceito não coincida inteiramente com aquele que adotamos mais recentemente, o nome de Trend, assim como sua obra, é reconhecido como inequivocamente associado ao surgimento do conceito e a seus direcionamentos investigativos iniciais.

Na seção seguinte, trazemos a dupla de autores norte-americanos Shirley Steinberg e Joe Kincheloe para abordar a visibilidade que as pesquisas produzidas por eles deram ao conceito. Foi em suas investigações desenvolvidas a partir dos anos 1990 que o conceito de pedagogias culturais se firmou no campo acadêmico, começou a ser importado e a circular em outros contextos, a exemplo do que aconteceu no Brasil.

Ao final, procuramos articular brevemente as seções do trabalho, destacando-as como fios que nos permitem vislumbrar algumas fulgurações nos meandros implicados na invenção do conceito de pedagogias culturais.

A contribuição da ideia de lugares de aprendizagem

No decorrer dos últimos 40 anos, variadas pesquisas, tanto no terreno das discussões sobre cultura, como no daquelas sobre educação e pedagogia, contribuíram para matizar a ideia de lugares de aprendizagem. São exemplos significativos disso o trabalho de Basil Bernstein (2001BERNSTEIN, Basil. From pedagogies to knowledges. In: MORAIS, A.; NEVES, I.; DAVIES, B.; DANIELS, H. (Org.). Towards a sociology of pedagogy: the contribution of Basil Bernstein to research. New York: Peter Lang, 2001. p. 363-368.), ao ressaltar que estamos diante de uma “sociedade totalmente pedagogizada”, e de Raymond Williams (1968WILLIAMS, Raymond. Communications. 2. ed. Barnes & Noble: New York, 1968.), quando argumenta que, em um processo de educação permanente, diferentes instituições e espaços (inclusive revistas femininas!) estão ativa e profundamente implicados com práticas e experiências que visam ensinar algo. Mesmo não pretendendo, aqui, contemplar a multiplicidade de autores que, de um modo ou de outro, colocaram em articulação a relação entre educação, pedagogia e cultura - criando, assim, condições para que se possam examinar as relações de ensino e aprendizagem como amplos processos culturais -, nesta seção apresentamos a discussão sobre lugares de aprendizagem por entendê-la como uma importante condição de possibilidade para a invenção do conceito de pedagogias culturais.

Ao buscar elementos que nos permitissem focalizar a emergência do conceito, deparamo-nos com variados textos que, mesmo sem empregá-lo, destacam ser uma das principais características do imperativo pedagógico contemporâneo a existência de relações de ensino e aprendizagem em diferentes nichos sociais regulados pela cultura. Entre os materiais encontrados, chamou nossa atenção o livro Places of Learning, de Elizabeth Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.), que, ao colocar em destaque o caráter pedagógico da vida social contemporânea, produz uma análise interessante e consistente sobre variados espaços culturais como lugares de aprendizagem. Estudiosa de teoria do cinema, a norte-americana Elizabeth Ellsworth se tornou conhecida de uma parcela de pesquisadores brasileiros da área da educação com a publicação em português do instigante ensaio “Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também” (ELLSWORTH, 2001ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também. In: SILVA, Tomaz T. (Org.). Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.), no qual explora o que os estudos sobre cinema, e sobre a cultura popular em geral, podem nos ensinar sobre educação de forma a resgatar para esse campo prazer, enredo, emoção, envolvimento e interação. Places of Learning (ELLSWORTH, 2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) reflete certa sintonia com o modo de pensamento da autora no texto que já conhecíamos. Segundo ela própria, esse trabalho mais recente constitui itinerário para uma jornada inexplorada e experimental, visando oferecer elementos que possam contribuir com entendimentos alternativos sobre pedagogia.

Três motivos principais justificam trazer esse livro para esta discussão: o primeiro é que, nas pesquisas que realizamos, temos constatado que, há pelo menos duas décadas, a compreensão de que ensino e aprendizagem ocorrem em vários lugares da cultura, e não apenas na escola, não era algo ressaltado, discutido e difundido entre nós como hoje. Isso nos levou a considerar adequado focalizar inicialmente o debate sobre a noção de lugares de aprendizagem, para depois chegar ao conceito de pedagogias culturais. O segundo motivo se refere ao fato de o livro de Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.), dadas a pertinência e a atualidade de suas análises, ser hoje uma obra recorrentemente citada, no cenário internacional, em tópicos que envolvem essa discussão. O terceiro refere-se à centralidade que a autora atribui à pedagogia. Ou seja, por mais que, desde os limiares dos anos 2000, muitos pesquisadores - embasados inclusive em Henry Giroux - viessem mencionando diferentes espaços não escolares como lugares de ensino e aprendizagem, em suas obras, o papel da pedagogia ou era silenciado ou era marginal, sendo pouco discutido e aprofundado.

O livro de Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) que aqui nos interessa se tornou conhecido e destacado justamente por posicionar a pedagogia como articuladora central dessa movimentação, promovendo um salto nas discussões que tratam da relação entre pedagogia e diversos sítios em que, segundo a autora, a cultura produz conhecimento. Ao fazer essa relação, outro ponto que chama a atenção é que Ellsworth desenvolveu suas análises sem adotar um tom de denúncia que considerasse a produção de conhecimento resultante dessa relação como algo que aliena ou oprime, o que Giroux, embasado na teoria crítica, fez recorrentemente em suas produções ao articular pedagogia e cultura. A esse respeito, será realizada uma discussão na seguinte seção deste artigo.

Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) considera que algumas condições, tais como o aprofundamento das abordagens sobre temas como mídia e tecnologia e a massiva troca global de pessoas, culturas e objetos, contribuíram para que discursos binários como virtual/real, razão/emoção, corpo/mente fossem superados. Face a isso, argumenta que agora precisamos usar os novos entendimentos sobre esses tópicos binários para criar conceitos e pedagogias capazes de tratar da aprendizagem do self6 6 Optamos por manter a expressão original em inglês, “self”, por considerá-la mais fiel à argumentação da autora. Traduzi-la por “eu”, a nosso ver, não produziria o mesmo efeito de sentido. . Ao “pensar em pedagogia não em relação ao conhecimento como uma coisa feita, mas ao conhecimento em construção”7 (ELLSWORTH, 2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005., p. 1), a autora discute como a mídia, os museus e a arquitetura acionam uma pedagogia que produz efeitos na construção do self, na “autoaprendizagem” de cada sujeito. Segundo ela, a pedagogia desses lugares provoca nos sujeitos movimentos, sensações e efeitos que fazem com que seus corpos e mentes realizem aprendizagens tanto em relação a si mesmos, quanto em relação aos outros e ao mundo.

O que move a autora em sua pesquisa que analisa distintos espaços culturais como lugares de aprendizagem é uma “curiosidade fundamental sobre coisas e processos - neste caso, elementos pedagógicos emergentes e qualidades - que nós ainda não entendemos e que nos provocam a pensar ou a imaginar novos caminhos”8 8 No original: “(Like all experiments, ours is fueled by) a fundamental curiosity about things and processes - in this instance, emergent pedagogical elements and qualities - that we do not yet understand and that provoke us to think or imagine in new ways”. (ELLSWORTH, 2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005., p. 5). Por exemplo, quando toma o Museu do Holocausto9 9 U.S. Holocaust Memorial Museum in Washington, D.C. de Washington D.C. como um sítio de análise, a autora considera-o um lugar anômalo10 10 A autora usa a expressão “anômalo” para fazer referência a lugares que ela considera irregulares ou difíceis de ser pensados como espaços de aprendizagem. Lugares que, se olhados do “centro” dos discursos e das práticas educacionais dominantes, não seriam classificados como pedagógicos. Eles só podem ser assim considerados a partir de um particular ângulo de visão (ELLSWORTH, 2005, p. 5). , que instiga novas perspectivas do olhar, que é peculiar, e cujos fenômenos pedagógicos são difíceis de classificar. Esse museu, segundo ela, é exemplar como um lugar em que mídia e arquitetura compõem uma cena particularmente poderosa em termos pedagógicos. Ele mobiliza exterioridade e interioridade de professores e estudantes para muito além dos limites de teorias e práticas pedagógicas e curriculares usualmente acionadas com vistas à compreensão das diferenças socioculturais. Esse museu do Holocausto, assim como tantos outros similares pelo mundo, desencadeia variadas questões para debate, inclusive aquela sobre quais representações são acionadas e que tipos de efeitos têm sobre as múltiplas leituras e compreensões do Holocausto. Diante das possibilidades que surgem nesses outros lugares de aprendizagem, Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) propõe que se adotem novos ângulos, novas perspectivas, que permitam vislumbrar tais espaços anômalos como espaços pedagógicos. Esse é o objetivo da autora nessa obra, já que, segundo argumenta, é difícil enxergar anomalias pedagógicas quando se olha para esses lugares a partir do “centro”, de discursos e práticas dominantes. Contudo, quando se consideram conotações múltiplas e excêntricas, a potencialidade do entendimento da experiência da autoaprendizagem como algo em construção faz com que a força pedagógica desses sítios se torne mais evidente.

Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) entende e nomeia como “força pedagógica” as qualidades pedagógicas que cada um desses lugares possui. Argumenta que, ao assistirmos a um filme, visitarmos uma exposição ou escutarmos uma música, corpo e mente entram em sintonia com o que está sendo visualizado, escutado ou sentido, e a força dessa conjunção é que resulta em aprendizagens. Sem atribuir qualquer adjetivo específico a essa forma de pedagogia (não a denominou pública, crítica ou cultural), Ellsworth chama a atenção para como se exerce a força pedagógica desses espaços. Destaca que curadores, designers, produtores midiáticos ou outras pessoas que projetam tais ambientes têm intenção educativa e inventam caminhos processuais que instigam e possibilitam aprendizagens.

Usando o conceito de espaço transicional, do pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott (198911 11 WINNICOTT, D.W. Playing and Reality. New York: Routledge, 1989. , apudELLSWORTH, 2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.), Elizabeth Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) argumenta que múltiplos lugares produzem aprendizagem porque colocam os sujeitos no espaço transicional.12 12 Conforme a autora, espaço transicional não é apenas uma metáfora criada por Winnicot para referir-se a interior/exterior ou a psique/realidade. Espaço transicional tem uma materialidade, é o espaço onde tanto as fronteiras do real e do imaginado quanto do interior/exterior são colocadas em relação (ELLSWORTH, 2005, p. 31). No original: “transitional space is the space where both real and imagined physical boundaries between the body’s inside and outside are put into play” (ELLSWORTH, 2005, p. 31-32). Ou seja, posicionam-nos em contato com novas experiências, novas sensações, que alteram aquilo que já sabiam. Introduzem os sujeitos em uma zona na qual os limites entre dentro e fora, entre o que se sabe e o que corpos e mentes estão assimilando produzem novos efeitos, novos conhecimentos. O mais interessante desse uso que a autora faz de Winnicott é que, para ela, nesse contexto, a pedagogia funciona como uma dobradiça. É a pedagogia que articula o mundo real e o imaginário, mediando esse processo e permitindo que o sujeito reorganize seu self mediante a incorporação de suas novas aprendizagens.

Então, conforme já afirmamos, toda essa argumentação desenvolvida por Ellsworth concede à pedagogia um destaque especial. Nessa obra, vemos a ampliação da ideia de lugares de aprendizagem sendo produzida a partir da centralidade da pedagogia como articuladora entre diversificados espaços culturais de aprendizagem - para além da escola - e a produção do self. A nosso ver, é essa tensão e ampliação do que pode ser entendido como pedagogia, assim como a indicação desses loci incomuns como lugares de aprendizagem, que aporta um contributo significativo para o fortalecimento do conceito de pedagogias culturais. Mesmo que a reflexão de Ellsworth seja posterior aos usos iniciais do conceito, ela nos ajuda, hoje, a compreender melhor o que seus usos permitiram que fosse pensável em educação.

Prosseguindo em nosso intento de rastrear a invenção do conceito de pedagogias culturais, parece-nos que outra condição importante para tal acontecimento foi a flexibilização e a pluralização do conceito de pedagogia. Conforme salientamos, Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.) não se preocupou em denominar, derivar ou adjetivar a pedagogia objeto de sua análise; Henry Giroux, contudo, fez isso mais de uma vez e, por isso, podemos considerar que os conceitos de pedagogia pública (GIROUX, 1999aGIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a.), pedagogia radical (GIROUX, 1983GIROUX, Henry A. Pedagogia Radical: subsídios. Tradução de Dagmar M. L. Zibas. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1983.) e pedagogia crítica (GIROUX; MCLAREN, 1995GIROUX, Henry A., MCLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 144-158.), empregados por ele, reverberam no conceito de pedagogias culturais. Nesse cenário, o legado de Giroux é indiscutível, conforme explanamos a seguir.

Pedagogia crítica e pedagogia pública: o legado de Henry Giroux

Passadas mais de duas décadas da publicação dos primeiros textos de Giroux que tratam de pedagogia em conexão com os Estudos Culturais13 13 Cf. GIROUX, 1994. , é possível avaliar o quanto suas ideias foram precursoras e estimuladoras de todo um campo de discussões que se ocupa das aproximações entre pedagogia e cultura.

Mais do que ampliar o conceito de pedagogia, dizendo que esta se dá em uma gama de lugares que não apenas a escola, esse autor parece ser um dos primeiros estudiosos que adjetiva o conceito com a intenção de pluralizar as ações pedagógicas. Foi tomando esses conceitos como ponto de partida que muitos outros estudos se tornaram possíveis e repercutiram positivamente no campo da Educação. Por exemplo, Bernstein (2001BERNSTEIN, Basil. From pedagogies to knowledges. In: MORAIS, A.; NEVES, I.; DAVIES, B.; DANIELS, H. (Org.). Towards a sociology of pedagogy: the contribution of Basil Bernstein to research. New York: Peter Lang, 2001. p. 363-368.), ao falar da pedagogização da vida diária; Pikett (2009)PYKETT, J. Pedagogical power: lessons from school spaces. Education, Citizenship and Social Justice, v. 4, n. 2, p.102-116, 2009. (Sage Journals). Disponível em: <Disponível em: http://www.cadair.aber.ac.uk/dspace/bitstream/handle/2160/4688/final_pykett%202009%20pedagogical%20power.pdf?sequence=1 >. Acesso em: 20 nov. 2016.
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, ao tratar do Estado pedagógico; Camozzato (2012CAMOZZATO, Viviane Castro. Da pedagogia às pedagogias: formas, ênfases e transformações. 2012. 203 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2012.), ao abordar a vontade de pedagogia; ou Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. ), ao discorrerem sobre o imperativo pedagógico, referem-se à produção de Giroux para desencadear suas discussões.

Em contato com essas produções que ampliam o conceito de pedagogia, que a consideram um imperativo e mencionam as pedagogias culturais - como é o caso, entre outros, dos trabalhos de Camozzato (2012CAMOZZATO, Viviane Castro. Da pedagogia às pedagogias: formas, ênfases e transformações. 2012. 203 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2012.) e Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. ) -, observamos que não apenas o conceito de pedagogia crítica serve como ponto de partida, mas também o conceito de pedagogia pública é mencionado. Isso chamou nossa atenção porque, especialmente na maior parte das pesquisas em Educação produzidas no Brasil, o conceito de pedagogia pública não aparece; já o conceito de pedagogias críticas, dada inclusive a participação do educador Paulo Freire em sua formulação e divulgação, é um conceito mais difundido e frequentemente adotado em pesquisas desenvolvidas em nosso país. Inspirado na Teoria Crítica, o conceito de pedagogias críticas é explicitado por Giroux (1994GIROUX, Henry. Doing Cultural Studies: youth and the challenge of pedagogy. Harvard Educational Review, v. 64, n. 3, p. 278-308, outono1994. Disponível em: <Disponível em: http://www.henryagiroux.com/online_articles/doing_cultural.htm >. Acesso em: 20 jun. 2016.
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) no já mencionado artigo “Doing Cultural Studies: youth and the challenge of pedagogy”. Nele, o autor esclarece que compreende as pedagogias críticas não apenas como um conjunto de técnicas e habilidades, mas como uma prática cultural, aproximando-se, assim, dos Estudos Culturais. Busca relacionar tal campo com as pedagogias críticas, pois, para ele, os Estudos Culturais oferecem uma teorização importante aos educadores, já que aportam elementos tanto para analisar a produção histórica, econômica e cultural de representações e desejos que os jovens contemporâneos absorvem, especialmente pela mídia, quanto para repensar a relação entre poder, cultura, aprendizagem e o papel dos docentes como “intelectuais públicos” (GIROUX, 1994GIROUX, Henry. Doing Cultural Studies: youth and the challenge of pedagogy. Harvard Educational Review, v. 64, n. 3, p. 278-308, outono1994. Disponível em: <Disponível em: http://www.henryagiroux.com/online_articles/doing_cultural.htm >. Acesso em: 20 jun. 2016.
http://www.henryagiroux.com/online_artic...
).

Além de promover uma aproximação entre esses dois campos, Giroux, em vários textos (GIROUX, 2008GIROUX, Henry. (1995). Memória e Pedagogia no maravilhoso Mundo da Disney. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma Introdução aos Estudos Culturais em Educação. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.{1995GIROUX, Henry A., MCLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 144-158.}14 14 O ano da primeira edição brasileira do livro que traz esse texto de Giroux é 1995. Para o presente artigo, utilizamos a edição de 2008. , 1994GIROUX, Henry. Doing Cultural Studies: youth and the challenge of pedagogy. Harvard Educational Review, v. 64, n. 3, p. 278-308, outono1994. Disponível em: <Disponível em: http://www.henryagiroux.com/online_articles/doing_cultural.htm >. Acesso em: 20 jun. 2016.
http://www.henryagiroux.com/online_artic...
, 1999aGIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a.), empenhou-se em salientar o quanto a pedagogia é importante para os Estudos Culturais e, vice-versa, o quanto os Estudos Culturais são importantes para a educação e a pedagogia. A partir da análise de diversos materiais midiáticos, como filmes hollywoodianos, filmes e desenhos animados da Disney, o autor salienta que tais artefatos, ao mesmo tempo que reforçam estereótipos de gênero e raça, dão condições para que, mediante uma pedagogia crítica, tais narrativas sejam colocadas sob suspeita e reescritas. É pela crítica das representações aí embutidas que os sujeitos podem ampliar sua compreensão sobre o contexto social e cultural em que estão inseridos e, consequentemente, a gama de estratégias para desenvolverem um senso de resistência e transformação. A pedagogia crítica dá atenção à produtividade dos artefatos da cultura e os investiga para denunciar as formas de ideologia e dominação presentes nos discursos e nas representações que produzem. Diz respeito a uma ação pedagógica politicamente engajada, que atrela fortemente o papel do educador ao processo de transformação da realidade sociocultural. Citando pesquisadores como Stuart Hall, Edward Said, Lawrence Grossberg, entre outros, Giroux (1999a)GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a. afirma que esses estudiosos redefiniram o significado de pedagogia crítica e política cultural. Segundo ele:

O novo trabalho em pedagogia tem sido encarado como uma forma de produção política e cultural profundamente envolvida na construção do conhecimento, subjetividades e relações sociais. Distanciando-se da pedagogia como prática fora do contexto histórico e não teórica, vários trabalhadores culturais têm cada vez mais tentado utilizar a prática pedagógica como uma forma de política cultural. Tanto dentro quanto fora da instituição acadêmica, isso tem implicado em uma preocupação com análises de produção e representação do significado e em como essas práticas e seus efeitos estão envolvidos na dinâmica do poder social. (GIROUX, 1999aGIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a., p. 13)

Consideramos que, pelo posicionamento assumido pelo autor sobre pedagogia, assim como pelo trabalho que faz ao analisar artefatos da cultura (como os filmes de Hollywood ou da Disney), a noção de pedagogia atuando para além da escola se torna mais visível e potente. Segundo Giroux (1999aGIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a., p. 14), como prática cultural, a pedagogia “contesta e recompõe a construção, apresentação e engajamento de diversas formas de imagens, texto, fala e ação”. Ainda de acordo com o autor, ao compreendermos que estes artefatos da cultura - publicidade, filmes, televisão, entre outros - praticam uma pedagogia, ensinam e posicionam os sujeitos, estamos entendendo como a política cultural se exerce, como os arranjos sociais são engendrados. Esse tipo de pesquisa tem implicado “uma preocupação com análises de produção e representação do significado e como essas práticas e seus efeitos estão envolvidos na dinâmica do poder social” (GIROUX, 1999aGIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a., p. 13).

Já o conceito de pedagogia pública, que aparece na produção intelectual de Giroux por volta dos anos 2000 (1999bGIROUX, Henry A. Cultural studies and the politics of public pedagogy: making the political more pedagogical. Parallax, London, v. 10, n. 2, p. 73-89, 1999b. , 2004aGIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a., 2004bGIROUX, Henry A. Cultural studies and the politics of public pedagogy: making the political more pedagogical. Parallax, London, v. 10, n. 2, p. 73-89, 1999b. , p. 74), refere-se “a um conjunto poderoso de forças ideológicas e institucionais cujo objetivo é produzir indivíduos competitivos, com interesses próprios, disputando seu próprio ganho material e ideológico”15 15 No original: “public pedagogy refers to a powerful ensemble of ideological and institutional forces whose aim is to produce competitive, self-interested individuals vying for their own material and ideological gain”. . Citando novamente não só Stuart Hall e Lawrence Grossberg, mas também autores como Meaghan Morris e Toby Miller, no texto “Cultural Studies, Public Pedagogy, and the Responsibility of Intellectuals” (Estudos Culturais, Pedagogia Pública e Responsabilidade dos Intelectuais), publicado em 2004 nos Estados Unidos, Giroux (2004b)GIROUX, Henry A. Cultural studies and the politics of public pedagogy: making the political more pedagogical. Parallax, London, v. 10, n. 2, p. 73-89, 1999b. se mostra ainda mais próximo dos Estudos Culturais, mas sempre afinado com a perspectiva da teoria crítica.

Partindo do reconhecimento da importância da produção dos Estudos Culturais para a ampliação da ideia de cultura, o autor considera a cultura como “a esfera primária onde indivíduos, grupos e instituições engajam-se na arte de traduzir as diversas e múltiplas relações que medeiam a vida privada e as questões públicas”16MARTIN-BARBERO, Jésus. “Nosotros habíamos hecho estudios culturales mucho antes que esta etiqueta apareciera”: una entrevista con Jesús Martín-Barbero (concedida a Ellen Spielmann). Dissens, Colômbia, n. 3, p. 47-53, 1997. (GIROUX, 2004bGIROUX, Henry A. Cultural studies, public pedagogy and the responsibility of intellectuals. Communication and Critical/Cultural Studies, London, v. 1, n. 1, p. 59-79, 2004b. (The online platform for Taylor & Francis Group) , p. 62). Nesse contexto, mais uma vez a pedagogia ocupa um papel central, já que, segundo ele, “a pedagogia é fundamental para qualquer noção viável de política cultural e {que} os estudos culturais são cruciais para qualquer noção viável de pedagogia” (GIROUX, 2004bGIROUX, Henry A. Cultural studies and the politics of public pedagogy: making the political more pedagogical. Parallax, London, v. 10, n. 2, p. 73-89, 1999b. , p. 62). Assim, prossegue o autor,

é precisamente no cruzamento em que diversas tradições de estudos culturais e pedagogia se informam mutuamente que existe a possibilidade de tornar o pedagógico mais político para os teóricos dos estudos culturais e a política mais pedagógica para os educadores.17MOREIRAS, Alberto. A exaustão da diferença: a política dos estudos culturais latino-americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. (GIROUX, 2004bGIROUX, Henry A. Cultural studies, public pedagogy and the responsibility of intellectuals. Communication and Critical/Cultural Studies, London, v. 1, n. 1, p. 59-79, 2004b. (The online platform for Taylor & Francis Group) , p. 62)

Na esteira dessa argumentação, o autor esclarece que seu interesse nos Estudos Culturais vai na direção de mostrar

{...} como os processos de aprendizagem constituem os mecanismos políticos através dos quais as identidades são formadas e os desejos mobilizados, e como as experiências assumem formas e significados dentro e através de condições coletivas e de forças maiores que constituem o reino do social.18 18 No original: “how the very processes of learning constitute the political mechanisms through which identities are shaped and desires mobilized, and how experiences take on form and meaning within and through collective conditions and those larger forces that constitute the realm of the social”. (GIROUX, 2004bGIROUX, Henry A. Cultural studies, public pedagogy and the responsibility of intellectuals. Communication and Critical/Cultural Studies, London, v. 1, n. 1, p. 59-79, 2004b. (The online platform for Taylor & Francis Group) , p. 62-63)

Como se pode perceber, o desenvolvimento do conceito de pedagogia pública assenta-se na visão de que a cultura opera de forma pedagógica. Todavia, para que esse traço seja politicamente efetivo, o autor considera que cabe aos educadores atuarem como intelectuais ideologicamente engajados nas lutas políticas embutidas no que chama de política cultural. Isso justifica o porquê de Giroux insistir que devemos enxergar a pedagogia para além da escola, já que é só prestando atenção e analisando o contexto sociocultural que os educadores podem ter condições de melhor compreender as forças políticas e culturais que o formam.

Ainda que conceito de pedagogia pública se assemelhe ao que poderia ser considerado o conceito de pedagogia crítica atualizado, aproximando-se ainda um pouco mais dos Estudos Culturais, em ambos os conceitos vemos a preocupação de Giroux com questões que envolvem ideologia, cultura e o papel do professor. Nos usos que encontramos para o conceito de pedagogias culturais no Brasil, não vemos essas marcas de modo tão evidente, seja no tom de denúncia, seja no de engajamento, e raramente encontramos o conceito associado à escola e aos professores. Entretanto, parece decorrer da produção de Giroux o embasamento do conceito de pedagogias culturais para operar em diferentes contextos culturais. É em sua produção que adjetivar a pedagogia tornou-se algo usual, e é especialmente Giroux, como afirmam Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. ), que inscreveu a pedagogia como um assunto importante na pauta dos Estudos Culturais. Enfim, como se percebe, essa linha do mapa que passa por Giroux implicou e continua a reverberar muitas heranças vinculadas à invenção do conceito de pedagogias culturais.

A invenção da expressão pedagogias culturais

Buscar rastros do conceito de pedagogias culturais e tentar localizar algumas condições que permitiram a emergência de uma noção utilizada em muitos países, especialmente nos de língua inglesa, mas não apenas nesses, não é uma tarefa simples. Todavia, as facilidades dos tempos de globalização digital foram favoráveis a esse empreendimento, levando-nos ao livro Cultural Pedagogy: arts, education, politics, do norte-americano David Trend, publicado em 1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992..

A obra integra a coleção “Critical Studies in Education and Cultural Series”, coordenada por Henry Giroux e Paulo Freire, e tem o próprio Giroux como autor do prefácio. Tal fato já torna fácil a percepção de que, dada a coleção de que faz parte, as pessoas que a coordenam e o período em que a obra foi escrita, essa é uma produção vinculada à teoria crítica da educação. Conforme Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. , p. 13), “o livro de Trend usa a estrutura da pedagogia crítica para analisar a educação artística e o trabalho cultural, dando centralidade para as discussões sobre participação e democracia”19 19 No original: “Trend’s book uses a critical pedagogy framework to analyse arts education and cultural work, giving centre stage to arguments about participation and democracy”. .

Nessa obra, Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.) traz à discussão diferentes argumentos para mostrar que, a partir da centralidade da cultura e do que entende como expansão da pedagogia para diferentes espaços, a relação entre arte e política adquire novos matizes. Nesse contexto, o papel da pedagogia é destacado, pois, ao considerá-la “como um instrumento através do qual as pessoas se localizam, analisam seus ambientes e formulam planos para o futuro” (TREND, 1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992., p. 7), a pedagogia funciona como uma “ação profundamente política”.20 20 No original: “Here pedagogy is regarded as an instrument through which people locate themselves, analyze their environments, and formulate plans for the future. It is a method for reaching beyond individualism, competition, and consumption - and is therefore a profoundly political gesture”.

Conforme Trend, essas características da pedagogia são essenciais para a relação entre arte e educação no cenário social que contextualiza sua obra (início dos anos 90). Assim, mantendo o tom de denúncia próprio da teoria crítica, o autor aproxima pedagogia e cultura para mostrar que, quando colocadas em relação, ambas trazem benefícios teóricos tanto para artistas, quanto para professores.

Tal aproximação acontece no primeiro capítulo da obra, e, por isso, esse é o que mais chama a atenção. É nele que Trend faz uma revisão crítica, abarcando desde reconhecidos autores de tendência marxista até aqueles dos Estudos Culturais, para evidenciar o modo como tópicos sobre pedagogia e cultura têm influenciado o pensamento de teóricos contemporâneos. Trend (1992)TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992. aponta que a importância da cultura no campo social e educacional começa a ser discutida com mais afinco no decorrer do século XX pelos neomarxistas da Escola de Frankfurt. Em tempos de expansão dos meios de comunicação, a crítica feita pelos pensadores frankfurtianos era de que a indústria cultural, a serviço do sistema capitalista, estaria mercantilizando a cultura e, com isso, apagando a arte erudita e a cultura popular. Para aqueles pensadores, tal movimento demonstrava o quanto o sistema estaria orientado para o consumo, de modo que os sujeitos não conseguiam apresentar qualquer forma de resistência, tampouco escapar dos ditames da indústria cultural.

Mesmo concordando que os comentários de Max Horkheimer e Theodor Adorno, na década de 1930, tivessem sido significativos para mostrar que a indústria cultural capturava as massas e as incentivava ao consumo, Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.) considera que não conferiam à cultura a merecida importância e que,

{...} embora útil no amplo mapeamento de reprodução ideológica, esta posição totalizante recusa atribuir qualquer autonomia aos produtores ou às audiências. Ela também foi descaradamente elitista em seus pontos de vista em relação ‘às massas’. 21 21 No original: Although useful in the broad mapping of ideological reproduction, this totalizing position refused to grant makers or audiences any autonomy whatsoever. It also was unabashedly elitist in its views of “the masses”. (TREND, 1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992., p. 11)

Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.) argumenta que novos modos de olhar para a cultura foram produzidos a partir das ideias de Althusser - como a de que entre os aparelhos repressores do Estado e a consciência do indivíduo há um espaço que se refere ao papel da cultura na complexa relação dialética com o mercado -; assim como a partir dos estudos do também marxista Hans Magnus Enzenberger, na década de 70, que apontou terem seus antecessores de esquerda um entendimento equivocado sobre o modo como a cultura funciona. Quando Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992., p. 12) fala sobre Enzenberger, ele menciona que, para este, “em vez de enganar as massas em uma rede de falsos desejos, a mídia realmente encontrou maneiras de satisfazer reais (mas muitas vezes inconscientes) desejos”22 22 No original: Instead of tricking the masses into a web of false desires, media actually found ways of satisfying real (but often unconscious) desires. . Ainda de acordo com Trend (1992)TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992., tal constatação vai em direção à assertiva elaborada posteriormente por marxistas pós-estruturalistas, como Frederic Jameson e Roland Barthes, ao afirmarem serem negociáveis as possibilidades de significação, já que os significados são “flutuantes” e, portanto, os signos culturais poderiam ser interpretados de diferentes formas. Defende Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992., p. 12) que

A partir da compreensão da contingência do significado, evoluiu um discurso complexo sobre as muitas forças em luta para influenciá-lo. A própria maneira de ver o mundo torna-se uma questão de estratégia. Por esta razão, as questões de “leitura” e “escrita” culturais são explicitamente preocupações pedagógicas.23 23 No original: From an understanding of the contingency of meaning has evolved a complex discourse on the many forces that struggle to influence it. The very way we see the world becomes a matter of strategy. For this reason issues of cultural “reading” and “writing” are explicitly pedagogical concerns.

Entendendo que os significados são também questão de interpretação, o autor aponta que muitos construtos importantes para o marxismo, como poder, formação social e luta de classes, passaram a ser vistos com novas lentes. O autor ainda declara que, com esse entendimento, a questão da disputa política do significado no terreno cultural se tornou ainda mais contundente e o papel crítico dos profissionais de educação ainda maior, já que tal proposição convida os educadores a pensarem sobre as estruturas institucionais discursivas em que estão inseridos.

Ademais, com as lutas sociais travadas após a Segunda Guerra Mundial, outros estudos que contribuem para se pensar a relação da pedagogia com a cultura emergiram. Conforme Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.), os escritos de Gramsci, divulgados depois de sua morte, são exemplos disso. Gramsci, percebendo as mudanças sociais como processos de aprendizagem, teria argumentado, diferentemente de Marx, que toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação educativa. Para Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992., p. 24):

Neste contexto ele {Gramsci} não estava simplesmente se referindo às formas de ensino que comumente estão associadas à sala de aula. Gramsci estava descrevendo o profundo processo político através do qual os cidadãos são socializados para reconhecer e validar o poder do Estado. Este processo permeia todos os componentes do aparato social: o escritório, a igreja, o museu, e em particular a escola. Se pensarmos essas situações como locais de potencial persuasão ideológica, então a teoria da educação de Gramsci torna-se significativa. Obviamente, estamos quase sempre em um processo de aprendizagem. Portanto as pedagogias podem abranger atividades tão diversas tais como a educação dada pelos pais, o cinema, a arquitetura e o contar histórias.24 24 No original: “In this context he was not simply referring to the forms of teaching that one commonly associates with the classroom. Gramsci was describing the profundly political process through which citizens are socialized to recognize and validate state power. This process infuses all components of the social apparatus: the office, the church the museum, and particularly the school. If we think of these situations as sites of potential ideological persuasion, then Gramsci’s theory of education becomes significant. Obviously we are nearly always in process of learning. Therefore pedagogies can encompass such diverse activities as pareting, filmmaking, architecture, and storytelling”.

Pierre Bourdieu, por sua vez, conforme Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.), já não concebia a escola como espaço produtor de um processo político. Ao contrário, Bourdieu foi um dos pensadores do período pós-guerras que defendia que a escola reproduzia em nível micro as relações que se davam no macrossistema. Ou seja, de acordo com Bourdieu, não estaríamos em processo de aprendizagem, mas de reprodução, de dominação e subjugação. A teoria de Bourdieu trouxe avanços ao ampliar o papel da cultura, mas recebeu críticas porque, mais uma vez, o papel das instituições ficou em primeiro plano.

Posteriormente, com o surgimento dos Estudos Culturais e com o declínio da polaridade entre alta e baixa cultura, abriu-se um novo campo de discussões. Para Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.), com os Estudos Culturais sendo definidos como um campo de embates de ideias que fornecem novas respostas a questões sociais e políticas, temas envolvendo poder, identidade e representação entram em cena, o que permite que a pedagogia possa ser percebida como uma estratégia política.

A partir desses desdobramentos, que intensificaram a aproximação entre pedagogia e cultura, nos capítulos seguintes de seu livro, Trend chama a atenção para questões políticas que fazem com que o acesso à arte passe a ser objeto de preocupação de trabalhadores culturais. Alegando que a crise econômica dos Estados Unidos favoreceu a comodificação da arte ao comercializá-la em galerias e considerando preocupantes as taxas de abandono escolar no sistema educacional norte-americano, o autor destaca que novas políticas públicas são necessárias para não haver risco de novas cisões entre alta e baixa cultura. Para isso, sugere a reinvenção da esfera pública, que a comunidade busque novas formas de integração e que, com isso, a pedagogia atue em favor da cidadania, com trabalhadores culturais como ativistas educacionais. Ou seja, que uma pedagogia cultural preocupada com a arte, com políticas públicas e cidadania seja acionada por trabalhadores culturais em geral.

Como se pode perceber, David Trend introduz o conceito de pedagogias culturais para tratar de questões específicas, mais particularmente preocupadas com arte e educação. A importância da linha que adota segue em três direções: a primeira refere-se à introdução da própria expressão pedagogias culturais; a segunda, à aproximação do autor com o campo dos Estudos Culturais; a terceira trata da importante relação entre os conceitos de cultura e pedagogia. Sob nosso ponto de vista, isso sinaliza que, mesmo tendo ele inventado o conceito para tratar de uma questão específica, estava ciente da cultura como recurso pedagógico e da pedagogia como instrumento que pode alterar as formas culturais. Nas palavras de Giroux (2004bGIROUX, Henry A. Cultural studies, public pedagogy and the responsibility of intellectuals. Communication and Critical/Cultural Studies, London, v. 1, n. 1, p. 59-79, 2004b. (The online platform for Taylor & Francis Group) , p. 61), Trend integra um conjunto de pensadores que

{...} expandiu o significado da pedagogia como uma prática política e moral, estendeu sua aplicação para além da sala de aula, tentando ao mesmo tempo combinar o cultural e o pedagógico como parte de uma noção mais ampla de educação política e estudos culturais.25 25 No original: “David Trend, and others have expanded the meaning of pedagogy as a political and moral practice and extended its application far beyond the classroom while also attempting to combine the cultural and the pedagogical as part of a broader notion of political education and cultural studies”.

Expansão e visibilidade do conceito de pedagogias culturais

Com pesquisas voltadas à análise da produtividade de artefatos midiáticos na produção de sujeitos consumidores, especialmente crianças, os estadunidenses Shirley Steinberg e Joe Kincheloe são considerados por nós como os principais responsáveis por dar visibilidade, nos limiares do ano 2000, no Brasil, ao conceito de pedagogias culturais. Também vinculados à perspectiva crítica da Educação,26 26 Paulo Freire é recorrentemente lembrado como o maior expoente da Pedagogia Crítica. Vale lembrar ainda que, nos dias de hoje, Shirley Steinberg e Henry Giroux, entre outros, integram uma comunidade internacional que promove investigações críticas cujo objetivo é a justiça social em vários contextos culturais. Não por acaso, o projeto se chama “The Paulo and Nita Freire International Project for Critical Pedagogy”. A esse respeito, ver o site: <http://www.freireproject.org/>. os autores realizam suas análises na vertente crítica dos Estudos Culturais.

Em 1997, Steinberg e Kincheloe, inspirados nos escritos de Giroux sobre pedagogia e mídia e também influenciados pelas teorizações da pedagogia crítica, publicaram nos Estados Unidos o livro Kinderculture: The Corporate construction of childhood27 27 Traduzido e publicado no Brasil em 2001 com o título Cultura infantil: a construção corporativa da infância. Para o presente estudo, utilizamos a segunda edição brasileira da obra, de 2004. . Nessa obra, junto com vários autores, entre eles Henry Giroux e Douglas Kellner, discutem a produtividade da mídia na construção corporativa da infância, uma infância pautada por e para o consumo. Empregam o conceito de pedagogias culturais para aludir à formatação das crianças pelos diversos artefatos midiáticos, uma infância que denominam de pré-fabricada - a infância construída por grandes corporações como Mattel, Disney e McDonald’s.

Nesse sentido, considerando pedagogia cultural como um tipo de pedagogia produzido especialmente pelos artefatos midiáticos, Steinberg (1997STEINBERG, Shirley R. Kindercultura: a construção da infância pelas grandes corporações. In: SILVA, Luiz Heron da; AZEVEDO, José Clóvis de; SANTOS, Edmilson Santos dos (Org.). Identidade Social e a Construção do Conhecimento. Porto Alegre: SMED, 1997. p. 98-145.) assim a ela se refere:

{...} a pedagogia cultural está estruturada pela dinâmica comercial, por forças que se impõem a todos os aspectos de nossas vidas privadas e das vidas de nossos/as filhos/as. Os padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial fortalecem as instituições comerciais como os professores do nosso milênio. (STEINBERG 1997STEINBERG, Shirley R. Kindercultura: a construção da infância pelas grandes corporações. In: SILVA, Luiz Heron da; AZEVEDO, José Clóvis de; SANTOS, Edmilson Santos dos (Org.). Identidade Social e a Construção do Conhecimento. Porto Alegre: SMED, 1997. p. 98-145., p. 102)

De acordo com Steinberg e Kincheloe (2004)STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe (Org.). (2001). Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo Japiassú Brício. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004., tal manifestação é própria de uma sociedade capitalista pautada pelo consumo, em cujos sujeitos a mídia deve constantemente produzir novos desejos, que deverão ser materializados em atos de consumo. Segundo os autores:

Padrões de consumo moldados pelo conjunto de propagandas das empresas capacitam as instituições comerciais como professoras do novo milênio. A pedagogia cultural corporativa “fez seu dever de casa” - produziu formas educacionais de um incontrolável sucesso quando julgadas com base em seu intento capitalista. (STEINBERG; KINCHELOE, 2004STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe (Org.). (2001). Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo Japiassú Brício. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004., p. 14, grifo dos autores)

Assim, ao chamarem a atenção para a repercussão dos artefatos da indústria cultural contemporânea na formação das crianças, os autores atribuem sua produtividade ao fato de os conglomerados midiáticos disseminarem seus padrões de consumo em diferentes espaços, transformando em pedagógicos os incontáveis lugares habitados por crianças. Steinberg e Kincheloe (2004STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe (Org.). (2001). Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo Japiassú Brício. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004., p. 14) argumentam que a expressão pedagogia cultural

{...} enquadra a educação em uma variedade de áreas sociais, incluindo mas não se limitando à escolar. Áreas pedagógicas são aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido, incluindo-se bibliotecas, TV, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, propagandas, videogames, livros, esportes, etc.

Posteriormente, no livro Sign of the burger, the Mcdonald’s and the culture of Power28 28 Obra sem tradução no Brasil. O título em português seria Marca do burger: o McDonald’s e a cultura do poder. (2002), Joe Kincheloe aciona mais uma vez o conceito de pedagogias culturais. Interessado em investigar a história e as estratégias da empresa mundialmente conhecida pelos seus arcos dourados, Kincheloe parte de outras pesquisas que têm como objeto o McDonald’s para mostrar que os arcos dourados deste, como um significante cultural global, produzem impacto na vida das pessoas.

Assumindo novamente como referencial a perspectiva crítica dos Estudos Culturais, Kincheloe busca destacar a dinâmica de poder que atravessa o tão famoso logo. Assim, todo o livro é permeado pela discussão educacional, em capítulos que tratam seja da marca como ícone pós-moderno, em que o fast-food é a saída rápida para as mulheres que estão no mercado de trabalho e não mais na cozinha de suas residências, seja da orientação para o consumo que o Mcdonald’s realiza, conectado com o ideário neoliberal, por meio de diversas estratégias - como criativos anúncios publicitários que colocam em circulação um padrão de vida americano desejável.

Kincheloe (2002KINCHELOE, Joe. The sign of the burger: McDonald’s and the culture of power. Philadephia: Temple University Press, 2002.) usa tais focos temáticos para mostrar o papel educativo que a empresa vem exercendo, especialmente com seu público mais jovem. O conceito de pedagogia cultural é empregado para investigar e explicitar o caráter educativo das estratégias da empresa, que ensina uma ideologia mercantil voltada para o consumo a partir da celebração de padrões de vida desejados pela clientela norte-americana. Contudo, conforme Hickey-Moody, Savage e Windle (2010)HICKEY-MOODY, Anna; SAVAGE, Glenn C.; WINDLE, Joel. Pedagogy writ large: public, popular and cultural pedagogies in motion. Critical Studies in Education, London, v. 51, n. 3, p. 227- 236, 2010., ao acionar o conceito, Kincheloe o faz para denunciar a ideologia subjacente aos arcos dourados, os efeitos negativos da corporação McDonald’s, o que aponta para um uso do conceito semelhante ao adotado por Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.). Assim, de acordo com esses autores: “pedagogias culturais, nesse sentido, podem representar uma das muitas alternativas possíveis para considerar as influências educativas informais em uma era de expansão da globalização e mercantilização”29 29 No original: “Cultural pedagogies, in this sense, may represent one of many possible alternatives for considering informal educative influences in an era of expanding globalization and corporatization”. (HICKEY-MOODY; SAVAGE; WINDLE, 2010HICKEY-MOODY, Anna; SAVAGE, Glenn C.; WINDLE, Joel. Pedagogy writ large: public, popular and cultural pedagogies in motion. Critical Studies in Education, London, v. 51, n. 3, p. 227- 236, 2010., p. 231).

Conclusão

Durante o processo investigativo das pesquisas a que se vincula este artigo, um dos principais avanços que acreditamos ter feito até este momento foi amadurecer a ideia de que, dadas as condições de emergência e invenção do conceito de pedagogias culturais, e dadas suas vinculações teóricas e seus usos, qualquer tentativa de circunscrever o conceito, de capturá-lo em uma definição estreita e demasiadamente demarcada seguiria na contramão de sua flexibilidade e das possibilidades que têm instaurado. Parece-nos que, mais produtivo do que cercar o conceito para afirmar o que são “mesmo” essas tais pedagogias culturais, seria investigar suas condições de possibilidade e os significados denotativos que a articulação dessas condições oferecem ao conceito.

Assim, pensamos que a potência de cada condição, da mesma forma como uma linha que compõe um mapa, está na especificidade de cada uma delas, e apenas quando agrupamos essas linhas em um mesmo quadro é que podemos compreender o que torna o conceito de pedagogias culturais tão atraente, flexível e produtivo para indicar processos educativos em marcha nas sociedades de hoje.

Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. ) argumentam também nessa direção. Consideram, por exemplo, que a exploração da materialidade da pedagogia em diferentes lugares de aprendizagem, feita por Ellsworth (2005ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.), especialmente a partir do uso da ideia de espaço transicional, é um fecundo campo de exploração. Contudo, para a pedagogia, tais análises ainda deixam em suspenso importantes questões, a saber, “que a pedagogia como um particular conjunto de práticas e relações situadas não é elaborada em tantos detalhes quanto necessita”30 30 No original: “That pedagogy as a particular set of situated practices and relations is not elaborated in as much detail as it needs”. (WATKINS; NOBLE; DRISCOLL, 2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. , p. 11).

O legado de Giroux também não passa despercebido por Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. ). Como concordam os autores, a ampliação que Giroux propõe à pedagogia é de grande importância para o campo, mas, por outro lado, a ênfase negativa dada às qualidades pedagógicas dos espaços culturais restringe o leque de análises possíveis. Os autores consideram que, apesar de Giroux ter “deslocado a pedagogia para além da sala de aula”, em certo sentido, ele “pressupõe que a pedagogia deva ser sempre ‘intencional’ e parte integrante de um processo político através do qual as pessoas são ‘incitadas’ a adquirir um ‘caráter moral’ particular”31 31 No original: “Despite having moved pedagogy beyond the classroom, in one sense Giroux thus presumes that pedagogy must always be ‘deliberate’ and frames this as a political process through which people are ‘incited’ to acquire a particular ‘moral character’”. (WATKINS; NOBLE; DRISCOLL, 2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. , p. 13, grifos dos autores). Além disso, sem querer descartar a importância dos trabalhos em pedagogias críticas e pedagogia pública, os autores consideram que a produção de Giroux não faz o tipo de trabalho empírico e teórico necessário para explorar as qualidades pedagógicas da vida social. Dessa forma, segundo eles, “pedagogia torna-se menos uma ferramenta para analisar as práticas específicas e mais uma ‘caixa preta’ através da qual algo é feito, sem explicar como é feito”32 32 No original: “Pedagogy becomes less a tool to analyse particular practices and more of a ‘black box’ through which something is done, without explaining how it is done”. (WATKINS; NOBLE; DRISCOLL, 2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. , p. 10, grifos dos autores).

Do mesmo modo, apesar de ser igualmente muito significativa a contribuição de Trend (1992TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.) - que nossas pesquisas indicaram ser o autor que inaugurou a utilização da expressão pedagogias culturais -, consideramos que, hoje, o conceito é produtivo para pensar uma gama muito mais ampla de relações do que apenas aquelas entre pedagogia, arte e democracia, como ele fez. Além disso, como David Trend também se ancora no referencial dos estudos críticos, isso implica as limitações já mencionadas por Watkins, Noble e Driscoll (2015WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015. ).

As críticas para Steinberg e Kincheloe (2004)STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe (Org.). (2001). Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo Japiassú Brício. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. seguem na mesma direção. Suas contribuições no que tange à visibilidade e à disseminação do conceito são muito importantes, particularmente para as pesquisas brasileiras que lançam mão do conceito como ferramenta teórica, pois foi por intermédio da produção teórica desses autores que tal noção se tornou conhecida no Brasil, inicialmente nos estudos realizados na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, expandindo-se, posteriormente, para outros espaços acadêmicos de investigação. Contudo, como esses autores também se filiam à vertente crítica da Educação e produziram suas investigações tendo como mote o contexto social, cultural e econômico norte-americano, não podemos afirmar que o uso que fazemos do conceito seja similar ao deles. Uma análise de aproximações e distinções nas apropriações desse conceito nas pesquisas brasileiras dos Estudos Culturais em Educação ainda está por ser feita.

Como viemos argumentando neste artigo, é especialmente pertinente para o entendimento de emergência, produtividade e usos do conceito de pedagogias culturais rastreamento, mapeamento e compreensão das múltiplas linhas/condições que o (re)inventam.

Com isso, para que o conceito de pedagogias culturais possa continuar sendo “um conceito aberto e exploratório” (HICKEY-MOODY; SAVAGE; WINDLE, 2010HICKEY-MOODY, Anna; SAVAGE, Glenn C.; WINDLE, Joel. Pedagogy writ large: public, popular and cultural pedagogies in motion. Critical Studies in Education, London, v. 51, n. 3, p. 227- 236, 2010.), avaliamos que conhecer suas possibilidades, analisá-lo e discuti-lo constitui movimento primordial para que este persista como uma ferramenta teórica consistente nas pesquisas que o acionam. Trazer novos elementos para esse processo a partir da discussão de sua “invenção” é o que este breve artigo procurou fazer.

  • ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru-SP: EDUSC, 2007.
  • BERNSTEIN, Basil. From pedagogies to knowledges. In: MORAIS, A.; NEVES, I.; DAVIES, B.; DANIELS, H. (Org.). Towards a sociology of pedagogy: the contribution of Basil Bernstein to research. New York: Peter Lang, 2001. p. 363-368.
  • CAMOZZATO, Viviane Castro. Da pedagogia às pedagogias: formas, ênfases e transformações. 2012. 203 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2012.
  • ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também. In: SILVA, Tomaz T. (Org.). Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
  • ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture and pedagogy. New York: Routledge, 2005.
  • GIROUX, Henry A. Pedagogia Radical: subsídios. Tradução de Dagmar M. L. Zibas. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1983.
  • GIROUX, Henry. Doing Cultural Studies: youth and the challenge of pedagogy. Harvard Educational Review, v. 64, n. 3, p. 278-308, outono1994. Disponível em: <Disponível em: http://www.henryagiroux.com/online_articles/doing_cultural.htm >. Acesso em: 20 jun. 2016.
    » http://www.henryagiroux.com/online_articles/doing_cultural.htm
  • GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999a.
  • GIROUX, Henry A. Cultural studies and the politics of public pedagogy: making the political more pedagogical. Parallax, London, v. 10, n. 2, p. 73-89, 1999b.
  • GIROUX, Henry A. The terror of neoliberalism: authoritarianism and the eclipse of democracy. Boulder-CO: Paradigm, 2004a.
  • GIROUX, Henry A. Cultural studies, public pedagogy and the responsibility of intellectuals. Communication and Critical/Cultural Studies, London, v. 1, n. 1, p. 59-79, 2004b. (The online platform for Taylor & Francis Group)
  • GIROUX, Henry. (1995). Memória e Pedagogia no maravilhoso Mundo da Disney. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma Introdução aos Estudos Culturais em Educação. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
  • GIROUX, Henry A., MCLAREN, Peter. Por uma pedagogia crítica da representação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 144-158.
  • HICKEY-MOODY, Anna; SAVAGE, Glenn C.; WINDLE, Joel. Pedagogy writ large: public, popular and cultural pedagogies in motion. Critical Studies in Education, London, v. 51, n. 3, p. 227- 236, 2010.
  • KINCHELOE, Joe. The sign of the burger: McDonald’s and the culture of power. Philadephia: Temple University Press, 2002.
  • MARTIN-BARBERO, Jésus. “Nosotros habíamos hecho estudios culturales mucho antes que esta etiqueta apareciera”: una entrevista con Jesús Martín-Barbero (concedida a Ellen Spielmann). Dissens, Colômbia, n. 3, p. 47-53, 1997.
  • MOREIRAS, Alberto. A exaustão da diferença: a política dos estudos culturais latino-americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
  • PYKETT, J. Pedagogical power: lessons from school spaces. Education, Citizenship and Social Justice, v. 4, n. 2, p.102-116, 2009. (Sage Journals). Disponível em: <Disponível em: http://www.cadair.aber.ac.uk/dspace/bitstream/handle/2160/4688/final_pykett%202009%20pedagogical%20power.pdf?sequence=1 >. Acesso em: 20 nov. 2016.
    » http://www.cadair.aber.ac.uk/dspace/bitstream/handle/2160/4688/final_pykett%202009%20pedagogical%20power.pdf?sequence=1
  • STEINBERG, Shirley R. Kindercultura: a construção da infância pelas grandes corporações. In: SILVA, Luiz Heron da; AZEVEDO, José Clóvis de; SANTOS, Edmilson Santos dos (Org.). Identidade Social e a Construção do Conhecimento. Porto Alegre: SMED, 1997. p. 98-145.
  • STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe (Org.). (2001). Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo Japiassú Brício. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
  • TREND, David. Cultural Pedagogy: art, education, politics. New York: Bergin & Garvey, 1992.
  • WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine. Pedagogy - the unsaid of socio-cultural theory. In: WATKINS, Megan; NOBLE, Greg; DRISCOLL, Catherine (Org.). Cultural Pedagogy and Human Conduct. London: Routledge, 2015.
  • WILLIAMS, Raymond. Communications. 2. ed. Barnes & Noble: New York, 1968.
  • WORTMANN, Maria Lúcia; COSTA, Marisa Vorraber; SILVEIRA, Rosa Hessel. Sobre a emergência e a expansão dos Estudos Culturais em Educação no Brasil. Educação, PUC-RS, Porto Alegre, v. 38, n. 1, p. 32-48, jan./abr., 2015.
  • 1
    Neste artigo, utilizamos iniciais maiúsculas ao nos referirmos aos Estudos Culturais ou aos Estudos Culturais em Educação porque estamos nos referindo a esses estudos como um campo de conhecimento. Embora se caracterize como um campo multi, trans, inter ou até mesmo anti ou pós-disciplinar, os estudos que com ele se identificam têm peculiaridades que os distinguem de outros estudos sobre cultura.
  • 2
    A respeito da entrada e da expansão dos Estudos Culturais em Educação no Brasil, ver Wortmann, Costa e Silveira (2015).
  • 3
    Exemplo de contestação sobre a emergência dos Estudos Culturais são as discussões levadas a cabo pelos chamados Estudos Culturais Latino-Americanos. Ver a esse respeito, entre outros, Martin-Barbero (1997) e Moreiras (2001).
  • 4
    Obra sem tradução para a língua portuguesa até o momento.
  • 5
    Obra também sem tradução para a língua portuguesa até o momento.
  • 6
    Optamos por manter a expressão original em inglês, “self”, por considerá-la mais fiel à argumentação da autora. Traduzi-la por “eu”, a nosso ver, não produziria o mesmo efeito de sentido.
  • 7
    No presente artigo, todas as traduções do inglês para a língua portuguesa são nossas. Nesta passagem, no original temos: “Places of Learning explores what it might mean to think of pedagogy not in relation to knowledge as a thing made but to knowledge in the making.”
  • 8
    No original: “(Like all experiments, ours is fueled by) a fundamental curiosity about things and processes - in this instance, emergent pedagogical elements and qualities - that we do not yet understand and that provoke us to think or imagine in new ways”.
  • 9
    U.S. Holocaust Memorial Museum in Washington, D.C.
  • 10
    A autora usa a expressão “anômalo” para fazer referência a lugares que ela considera irregulares ou difíceis de ser pensados como espaços de aprendizagem. Lugares que, se olhados do “centro” dos discursos e das práticas educacionais dominantes, não seriam classificados como pedagógicos. Eles só podem ser assim considerados a partir de um particular ângulo de visão (ELLSWORTH, 2005, p. 5).
  • 11
    WINNICOTT, D.W. Playing and Reality. New York: Routledge, 1989.
  • 12
    Conforme a autora, espaço transicional não é apenas uma metáfora criada por Winnicot para referir-se a interior/exterior ou a psique/realidade. Espaço transicional tem uma materialidade, é o espaço onde tanto as fronteiras do real e do imaginado quanto do interior/exterior são colocadas em relação (ELLSWORTH, 2005, p. 31). No original: “transitional space is the space where both real and imagined physical boundaries between the body’s inside and outside are put into play” (ELLSWORTH, 2005, p. 31-32).
  • 13
    Cf. GIROUX, 1994.
  • 14
    O ano da primeira edição brasileira do livro que traz esse texto de Giroux é 1995. Para o presente artigo, utilizamos a edição de 2008.
  • 15
    No original: “public pedagogy refers to a powerful ensemble of ideological and institutional forces whose aim is to produce competitive, self-interested individuals vying for their own material and ideological gain”.
  • 1
    No original: “the primary sphere in which individuals, groups, and institutions engage in the art of translating the diverse and multiple relations that mediate between private life and public concerns”.
  • 17
    No original: “In what follows, I want to argue that pedagogy is central to any viable notion of cultural politics and that cultural studies is crucial to any viable notion of pedagogy. Moreover, it is precisely at the intersection at which diverse traditions in cultural studies and pedagogy mutually inform each other that the possibility exists of making the pedagogical more political for cultural studies theorists and the political more pedagogical for educators”.
  • 18
    No original: “how the very processes of learning constitute the political mechanisms through which identities are shaped and desires mobilized, and how experiences take on form and meaning within and through collective conditions and those larger forces that constitute the realm of the social”.
  • 19
    No original: “Trend’s book uses a critical pedagogy framework to analyse arts education and cultural work, giving centre stage to arguments about participation and democracy”.
  • 20
    No original: “Here pedagogy is regarded as an instrument through which people locate themselves, analyze their environments, and formulate plans for the future. It is a method for reaching beyond individualism, competition, and consumption - and is therefore a profoundly political gesture”.
  • 21
    No original: Although useful in the broad mapping of ideological reproduction, this totalizing position refused to grant makers or audiences any autonomy whatsoever. It also was unabashedly elitist in its views of “the masses”.
  • 22
    No original: Instead of tricking the masses into a web of false desires, media actually found ways of satisfying real (but often unconscious) desires.
  • 23
    No original: From an understanding of the contingency of meaning has evolved a complex discourse on the many forces that struggle to influence it. The very way we see the world becomes a matter of strategy. For this reason issues of cultural “reading” and “writing” are explicitly pedagogical concerns.
  • 24
    No original: “In this context he was not simply referring to the forms of teaching that one commonly associates with the classroom. Gramsci was describing the profundly political process through which citizens are socialized to recognize and validate state power. This process infuses all components of the social apparatus: the office, the church the museum, and particularly the school. If we think of these situations as sites of potential ideological persuasion, then Gramsci’s theory of education becomes significant. Obviously we are nearly always in process of learning. Therefore pedagogies can encompass such diverse activities as pareting, filmmaking, architecture, and storytelling”.
  • 25
    No original: “David Trend, and others have expanded the meaning of pedagogy as a political and moral practice and extended its application far beyond the classroom while also attempting to combine the cultural and the pedagogical as part of a broader notion of political education and cultural studies”.
  • 26
    Paulo Freire é recorrentemente lembrado como o maior expoente da Pedagogia Crítica. Vale lembrar ainda que, nos dias de hoje, Shirley Steinberg e Henry Giroux, entre outros, integram uma comunidade internacional que promove investigações críticas cujo objetivo é a justiça social em vários contextos culturais. Não por acaso, o projeto se chama “The Paulo and Nita Freire International Project for Critical Pedagogy”. A esse respeito, ver o site: <http://www.freireproject.org/>.
  • 27
    Traduzido e publicado no Brasil em 2001 com o título Cultura infantil: a construção corporativa da infância. Para o presente estudo, utilizamos a segunda edição brasileira da obra, de 2004.
  • 28
    Obra sem tradução no Brasil. O título em português seria Marca do burger: o McDonald’s e a cultura do poder.
  • 29
    No original: “Cultural pedagogies, in this sense, may represent one of many possible alternatives for considering informal educative influences in an era of expanding globalization and corporatization”.
  • 30
    No original: “That pedagogy as a particular set of situated practices and relations is not elaborated in as much detail as it needs”.
  • 31
    No original: “Despite having moved pedagogy beyond the classroom, in one sense Giroux thus presumes that pedagogy must always be ‘deliberate’ and frames this as a political process through which people are ‘incited’ to acquire a particular ‘moral character’”.
  • 32
    No original: “Pedagogy becomes less a tool to analyse particular practices and more of a ‘black box’ through which something is done, without explaining how it is done”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2015
  • Aceito
    19 Maio 2016
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