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NOTAS PARA PENSAR OS SUJEITOS PERIFÉRICOS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

NOTES TO THINK ABOUT PERIPHERAL SUBJECTS IN THE HISTORY OF SCIENCE EDUCATION

NOTAS PARA PENSAR LOS SUJETOS PERIFÉRICOS EN LA HISTORIA DE LA EDUCACIÓN EN CIENCIAS

RESUMO:

O artigo interpela a inclinação historiográfica que permeia as pesquisas em História da Educação em Ciências comumente dirigidas para sujeitos históricos que circularam por espaços privilegiados de produção e socialização de conhecimentos. Amparado por um arsenal teórico-metodológico que conjuga referenciais da História, da Memória e do movimento biográfico, o texto discute a pertinência de pesquisas acerca das trajetórias sociais de atores escolares ordinários, ou seja, sujeitos periféricos, invisibilizados pela historiografia. Apostamos que estudos que tratem de entender de modo relacional sua trajetória de vida e os contextos social e cultural de seu tempo podem oferecer interessantes subsídios e potentes indícios para que outras histórias sobre a Educação em Ciências sejam produzidas, contadas e escritas a partir desse movimento. Para isso, também são problematizadas determinadas representações hegemonizadas sobre o passado das disciplinas escolares Ciências e Biologia. Com esse fim, desenvolvemos um exercício de pesquisa empírica com base na trajetória de um sujeito periférico em especial. Argumentamos que pode ser produtivo, para a ampliação do repertório de conhecimentos sócio-históricos sobre as referidas disciplinas escolares, investigar as histórias de vida de professores e professoras que atualmente se encontram em zonas de invisibilidade para a História da Educação em Ciências.

Palavras-chave:
História das disciplinas escolares; currículo; ensino de Ciências; ensino de Biologia; biografia

ABSTRACT:

This paper questions the historiographical trends that pervade the research in the history of science Education, which are usually directed to historical subjects that have occupied privileged spaces of production and socialization of knowledge. A body of combined theoretical-methodological references of history, memory and the biographical movement supports this essay. The article argues for the study of social trajectories of ordinary school actors, peripheral subjects who are made invisible by historiography. In this sense, we suggest that studies that try to understand their lives’ trajectories and the social and cultural contexts of their time, in a relational way, can offer significant subsidies to the production of alternative stories about science education. In addition, the article questions certain hegemonic representations about the past of the school subjects sciences and biology. To this, an empirical research exercise based on the trajectory of a particular peripheral subject was developed. We argue that this type of investigation - focused on the life stories of teachers who are currently in invisibility areas for the History of Science Education - can contribute to expand the repertoire of socio-historical knowledge on the aforementioned school subjects.

Keywords:
History of school subjects; curriculum; Science teaching; Biology education; biography

RESÚMEN:

El artículo interpela la inclinación historiográfica que permea investigaciones en Historia de la Educación en Ciencias y comúnmente las dirige hacia sujetos que circularon por espacios privilegiados de producción y socialización de conocimientos. En la condición de ensayo amparado por un arsenal teórico-metodológico con referenciales de la Historia, de la Memoria y del movimiento biográfico, el texto discute cómo el estudio de trayectorias sociales de actores escolares ordinários, es decir, sujetos periféricos invisibilizados por la historiografía. Apostamos a que los estudios que intentan comprender de manera relacional su trayectoria vital y los contextos sociales y culturales de su época puede ofrecer interesantes subsidios y potentes indicios para que otras historias sobre la Educación en Ciencias sean producidas, contadas y escritas. A partir de ese movimiento, son problematizadas determinadas representaciones hegemonizadas sobre el pasado de las disciplinas escolares Ciencias y Biología. Para ello, desarrollamos un ejercicio de investigación empírica a partir de la trayectoria de un sujeto periférico particular. Argumentamos que puede resultar productivo ampliar el repertorio de conocimientos sociohistóricos sobre las materias escolares mencionadas para investigar las historias de vida de los docentes que actualmente se encuentran en áreas de invisibilidad para la Educación en Historia de la Ciencia.

Palabras clave:
Historia de las disciplinas escolares; currículo; enseñanza de las Ciencias; enseñanza de la Biología; biografía

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o campo educacional no Brasil conheceu um violento acirramento de disputas, negociações e confrontos, por vezes até fratricidas, no qual a polarização política e a paulatina hegemonização de uma perspectiva autoritária, sobretudo, como prefere Foucault (2000FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000.), de fabricação e governo de corpos dóceis, ditaram ações e agências de diferentes sujeitos e instituições, inclusive na Educação em Ciências. Contudo, se o cansaço oriundo dos esforços para resistir às tentativas de cerceamento de liberdades democráticas se funde ao medo produzido pelas ameaças de censura e pelo prenúncio do extermínio daqueles que se desviam das normas e dos padrões, o estudo do passado pode nos devolver esperanças e nos dar pistas para nossas práticas futuras.

No entanto, não bastará nos debruçarmos sobre o ontem buscando utilizá-lo para explicar o hoje e prever o amanhã (SILVA; LEMOS, 2013SILVA, J. C. S.; LEMOS, D. C. A. A História da Educação e os Desafios de Investigar Outros Presentes: algumas aproximações. In: FERREIRA, M. S.; XAVIER, L. N.; CARVALHO, F. G. (org.). História do Currículo e História da Educação: interfaces e diálogos. Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ , 2013. p. 61-86.). A visão teleológica e positivista que alimentou a Historiografia durante décadas, apesar de suas importantes contribuições para a consolidação da História enquanto Ciência, provavelmente não nos ajudará a romper com o sentimento de desalento que permeia a impressão de que as lutas futuras serão em vão. Nesse sentido, podemos tecer um diálogo profícuo com a perspectiva historiográfica de Koselleck (2012KOSELLECK, R. “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”: duas categorias históricas. In: Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; EdPUC, 2012. p. 205-227.) quando este argumenta em prol da conjugação tensionada de categorias como experiência e expectativa. O autor entende tais categorias como possibilidade para a construção de conhecimentos históricos que entrelacem passado e futuro, dirigindo-os a ações sociais e políticas concretas que suscitem novas soluções para questões postas nos tempos históricos.

Nesse sentido, as reflexões de Michel de Certeau (1998CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.) são potentes para compreender cenários como os que vêm se desvelando no Brasil como interessantes conjunturas, nas quais formas plurais e criativas de subverter imposições podem ser operadas pelos sujeitos. Diante da imprevisibilidade das intermediações, assimilações e ressignificações da ordem posta, desenvolvemos neste artigo um exercício historiográfico para inspirar a pesquisa em História da Educação em Ciências3 3 Delimitar de modo hermético o campo que denominamos como sendo relativo à História da Educação em Ciências seria problemático, pois significativa parcela dos pesquisadores brasileiros que empreendem investigações com as disciplinas escolares Ciências e Biologia usualmente apresenta produções em perspectiva histórica sobre conteúdos e métodos de ensino e estas não devem ser desconsideradas. , colocando em diálogo referenciais teóricos e metodológicos acionados pelo Currículo e pela História da Educação. Para tal, mobilizamos, hibridizamos e tensionamos esses referenciais para examinar a ação de sujeitos periféricos, ou seja, sujeitos que podemos considerar como invisibilizados pela historiografia quando consideramos a ideia de saber-poder (FOUCAULT, 2001FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes , 2001.), na resistência e na invenção de novos cotidianos.

Em um primeiro momento, tecemos considerações orientadas para um debate, que julgamos pertinente, a respeito das produções que vêm sendo construídas pelo campo da História da Educação em Ciências e sua relação com os chamados sujeitos periféricos. Em seguida, propomos reflexões acerca das abordagens teórico-metodológicas utilizadas por pesquisas que discutem a História da Educação em Ciências, alertados pelo que Pollak (1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.) denomina esquecimentos e silêncios. A partir daí, trazemos algumas considerações que sugerem como o aporte teórico do movimento biográfico detém certa potência para pensarmos, incluirmos e valorizarmos tais sujeitos, personagens nem sempre presentes nas pesquisas.

Neste artigo pretendemos provocar reflexões para o campo da História da Educação em Ciências, reflexões sobre como uma parcela inteira de atores e atrizes sociais pode se manter/ser mantida apagada ante as ações que hegemonizam temas, saberes e instituições na construção histórica das disciplinas escolares Ciências e Biologia. Além disso, pensamos ser produtivo apresentar um exemplo de pesquisa empírica que temos realizado com base na trajetória de um sujeito periférico em especial. Finalizamos suscitando algumas reflexões e sugestões que talvez possam convidar para o exercício de outras abordagens teóricas e metodológicas para o campo de estudos de Educação em Ciências, as quais consideramos necessárias diante do panorama político-cultural que se anuncia no Brasil. Nosso argumento é o de que pode ser produtivo para a ampliação do repertório de conhecimentos sócio-históricos sobre as disciplinas escolares em pauta investigar as histórias de vida de professores e professoras que atualmente se encontram em zonas de invisibilidade para a História da Educação em Ciências. Como discutimos ao longo do presente texto, isso tende a ocorrer quando nos debruçamos sobre narrativas e trajetórias sociais construídas de formas não circunscritas aos focos de pesquisa privilegiados no campo, seja pelo destaque usualmente conferido aos espaços socialmente reconhecidos ou pelo acompanhamento de tradições historiográficas já consolidadas.

MOVIMENTO INADIÁVEL: O ENCONTRO COM AS PERIFERIAS E COM OS SUJEITOS PERIFÉRICOS

Michel Foucault (2000FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000.) indica a necessidade de estudos sobre a mecânica do poder, de forma capilarizada, a partir da dissecção de tramas formadas pelos diferentes sujeitos que interagem para produzir discursos, saberes e regimes de verdade. Segundo tal autor, o encantamento invisível que as relações de poder em escala micro oferecem às pessoas permeia a sociedade, impulsionando produções tecnológicas e discursivas que as legitimam. Ao mesmo tempo, tais relações bloqueiam a concretização de contradiscursos de denúncia e a aplicação dos saberes das massas. Caberia, portanto, à produção acadêmica não ocupar o lugar de quem é capaz de falar pelo povo, mas de exposição e de combate à multiplicidade de pontos naturalizados, praticamente imperceptíveis, nos quais o poder age organizado em rede e de modo opressor. Necessitaremos, portanto, como sugere Benjamin (1996BENJAMIN, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 7. ed., São Paulo: Brasiliense, 1996.), estarmos dispostos a diminuir nossa empatia por aqueles que entraram para a História coroados por louros, por mais que suas figuras sejam sedutoras, para termos a audácia de nos colocarmos ao lado dos silenciados. Teremos que caminhar rumo às margens, em sentido oposto ao daquele que nos levaria ao encontro das metanarrativas que pretensiosamente se incumbiriam de registrar, generalizar e homogeneizar a diversidade da experiência humana (DELORY-MOMBERGER, 2012aDELORY-MOMBERGER, C. Fim ou metamorfose das “grandes narrativas”? In: A condição biográfica: ensaios sobre a narrativa de si na modernidade avançada. Natal: EDUFRN, 2012a. p. 117-144.). Lá, nos limiares dos espaços socioculturais, onde os discursos triunfais são emanados, estarão outros protagonistas para nossas investigações: as mulheres, os estudantes, as crianças, os velhos, os não-brancos, os que não se encaixam nos padrões heteronormativos, os anônimos e suas respectivas produções.

Tendo a História iniciado sua abertura teórico-metodológica a esses novos personagens e objetos de estudo na primeira metade do século XX (BURKE, 1992BURKE, P. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.), aos poucos, formas alternativas de produzir conhecimentos sobre o passado foram alcançando o campo da História da Educação no Brasil (VIDAL; FARIA FILHO, 2003VIDAL, D. G.; FARIA FILHO, L. M. História da Educação no Brasil: a constituição histórica do campo e sua configuração atual. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 37-70, 2003.) e podem também auxiliar a elaboração de outros sentidos para as investigações na História da Educação em Ciências, fomentando análises interseccionais. Entretanto, pautados em Bourdieu (1990BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R.; FERNANDES, F. (org.). Pierre Bourdieu - Sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1990. p. 122-155.), podemos conjecturar que cada campo de produção do conhecimento se torna um espaço social de jogo concorrencial, dominação e conflito em torno da autoridade científica. Assim, em nosso país, dois campos distintos, mas que guardam interfaces, disputam sobre quem deve narrar a História das Disciplinas Escolares, o campo da História da Educação e o campo do Currículo, que ora se diferenciam culminando em afastamentos, ora se aproximam a ponto de serem confundidos (GABRIEL; MORAES, 2013GABRIEL, C. T.; MORAES, L. M. S. História das disciplinas e “tempo histórico”: quais narrativas em circulação no campo educacional? In: FERREIRA, M. S.; XAVIER, L. N.; CARVALHO, F. G. (org.). História do Currículo e História da Educação: interfaces e diálogos. Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ , 2013. p. 29-59.).

Buscando um caminho que fuja dessa polarização para não apelar à disputa binária, argumentamos em prol dos benefícios que a hibridização de referenciais teórico-metodológicos de ambos os campos pode disponibilizar para as pesquisas sobre a História da Educação em Ciências. Por isso, não temos aqui o intuito de delimitar exatamente a qual campo estamos nos filiando, uma vez que ambos muitas vezes se confundem e as fronteiras teórico-metodológicas de cada um são fluídas e difíceis de serem demarcadas quando convergem para a tessitura de histórias sobre disciplinas escolares. Dessa forma, nossa principal intenção reside em acionar referenciais que permitam a viabilidade de pesquisas sobre a História da Educação em Ciências, voltadas para sujeitos que têm sido pouco ouvidos ou narrados por aqueles que as produzem, o que talvez possibilite matizar algumas certezas já um tanto quanto consolidadas sobre a constituição histórica das disciplinas em foco. No entanto, é possível reconhecer que os estudos desenvolvidos dentro do campo do Currículo têm operado com escolhas teórico-metodológicas, de acordo com suas tradições, que resultam em leituras próprias sobre os processos de ensinar e de aprender do passado e os sujeitos relacionados a eles. Embora seja possível encontrar similaridades, a produção de conhecimentos e a constituição de objetos pelo campo do Currículo possuem particularidades capazes de distingui-las daquelas realizadas pela História da Educação (FERREIRA; XAVIER; CARVALHO, 2013FERREIRA, M. S.; XAVIER, L. N.; CARVALHO, F. G. Apresentação. In: História do Currículo e História da Educação: interfaces e diálogos. Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2013. p. 09-23.).

A esses argumentos há de se acrescentar outras reflexões, como a de Chervel (1990CHERVEL, A. História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990.), quando este assinala que uma história geral não pode dar conta da compreensão de cada disciplina escolar específica por dois motivos principais: primeiro porque cada disciplina atende a finalidades próprias na sua relação com a sociedade, mediada pelo papel da escola, e segundo porque há de se considerar o foco na centralidade dos conteúdos de conhecimento, que são muito diferentes entre si. Para Chervel (1990, p. 7), “excluir a pedagogia do estudo dos conteúdos é condenar-se a nada compreender do funcionamento real dos ensinos”, afirmando ainda que, “para cada uma das disciplinas, o peso específico desse conteúdo explícito constitui uma variável histórica cujo estudo deve ter um papel privilegiado na história das disciplinas escolares. É uma variável que, em geral, põe em evidência algumas grandes tendências” (p. 31, grifo nosso). Daí decorre o fato de que não são propriamente os historiadores que se dedicaram a construir objetos em história das disciplinas escolares, mas pesquisadores oriundos dos próprios campos disciplinares, com conhecimento de causa a respeito de seus conteúdos específicos.

Por outro lado, as práticas historiográficas que vêm sendo desenvolvidas nesse segundo campo têm expandido a noção de fonte histórica (NUNES; CARVALHO, 2005NUNES, C.; CARVALHO, M. M. C. Historiografia da Educação e Fontes. In: GONDRA, J. G. (org.). Pesquisa em História da Educação no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A , 2005. p. 17-62.) e alargado a validade de certas documentações e arquivos para estudos da História da Educação (MIGUEL, 2007MIGUEL, M. E. B. Os arquivos e fontes como conhecimento da história das instituições escolares. In: NASCIMENTO, M. I. M.; SALDANO, W.; LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. (org.). Instituições escolares no Brasil: conceito e reconstrução histórica. Campinas: Autores Associados, 2007. p. 31-38.; VIDAL, 2007VIDAL, D. G. Por uma ampliação da noção de documento escolar. In: NASCIMENTO, M. I. M.; SANDANO, W.; LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. (org.). Instituições escolares no Brasil: conceito e reconstrução histórica. Campinas: Autores Associados , 2007. p. 59-71.). Por isso, apesar de Ivor Goodson (1998GOODSON, I. F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes , 1998.) considerar o currículo escrito tal qual “um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da escolarização” (p. 210), a diversidade de fontes é necessária diante do nosso intuito de alcançar informações variadas sobre as trajetórias, bem como as produções, práticas e socializações de atores escolares que não vêm sendo apresentados na História da Educação, em geral, e em particular, na História da Educação em Ciências. Aliás, Goodson (1998)GOODSON, I. F. As políticas de currículo e de escolarização: abordagens históricas. Petrópolis: Vozes , 2008. argumenta em prol da diversidade de métodos de pesquisa que abranjam experiências individuais e indica a instrumentalização de informações sobre histórias de vida para “explorar a interseção entre biografia, história e estrutura em consideração especificamente no currículo” (p. 61). Assim, mesclar referenciais e práticas de pesquisa de ambos os campos poderá ser útil para nos deixar mais sensíveis para enxergar e ouvir os sujeitos que a História da Educação em Ciências elege como situados na periferia.

A propósito, inspiramo-nos em Foucault (2000FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000., 2001FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes , 2001.) e em Certeau (1998CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.) para conceituar periferia de modo relacional como o lugar4 4 Certeau (1998) diferencia os conceitos de lugar e de espaço. Os lugares são os loci de enunciação daqueles que se encontram subjugados pelos efeitos de relação de poder. Os espaços, por outro lado, são ocupados por aqueles que detêm melhores condições de apropriação dessas relações, bem como para operar a colonização e morte simbólica do outro. sociocultural, físico ou imaginário, inserido em uma arquitetura de vigilância e hierarquicamente apartado do contexto onde se produzem sistemas, tramas e dispositivos de poder e saber que inventam regimes de verdade5 5 Foucault (2001) discute que regimes de verdade não existem fora de sistemas de poder ou sem eles. A verdade, fruto de múltiplas coerções e regulações desses sistemas, produz diferentes efeitos de poder que os induzem e os reproduzem. Instrumentalizados pelas técnicas, mecanismos e instâncias de poder, os discursos sobre as verdades formam tais regimes que viabilizam o entranhamento do poder na sociedade ao produzir, distinguir e valorizar enunciados tidos como verdadeiros e sancionar os considerados falsos, gerando formas de controle e hegemonia social, econômica e cultural. e regulam as relações em uma sociedade disciplinar. Para a periferia, podem ser direcionados aqueles que não se mostraram dóceis e úteis após procedimentos de homogeneização e normalização pelo poder disciplinar. Também na periferia são contingencialmente exercitadas condições e tecnologias que produzem lógicas e efeitos de persuasão ou repressão capazes de fabricar ou condicionar sujeitos periféricos, de modo que ou eles se tornam mais obedientes e produtivos, ou terão suas existências marcadas por intensa opressão política e social.

No entanto, se de comparações e diferenciações resultam hierarquizações e exclusões dos sujeitos periféricos, que não se enquadraram ou não puderam ser apropriados pela maquinaria do poder, o uso de oportunidades para a produção de ocasionais e criativas ações em circunstâncias de conflito, as táticas (CERTEAU, 1998CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.), possibilitam desvios astutos, vulgarizações clandestinas e manipulações imprevistas dentro dos sistemas constituídos pelas relações de poder. Assim, as formas como estas relações se projetam podem oscilar de acordo com as percepções e as interferências, nem sempre conscientes, de tais sujeitos enquanto peças integrantes da maquinaria do poder. Isso implica em complexas e interessantes dimensões que nem sempre podem ser apreendidas nas análises das relações de poder recortadas e investigadas em nossas pesquisas. Se os currículos escolares têm sido cada vez mais compreendidos enquanto constructos socioculturais frutos de uma seleção de conhecimentos atravessados por questões de saber e poder (SILVA, 2010SILVA, T. T. Documentos de Identidade: Uma Introdução às Teorias de Currículo. São Paulo: Autêntica, 2010.), cabe àqueles que se debruçam sobre a História das Disciplinas Escolares Ciências e Biologia perscrutar, de modo relacional, os discursos e as lógicas que balizaram as práticas e as trajetórias dos sujeitos que as produziram. Afinal, a íntima correlação entre saber e poder deve ser minuciosamente inquirida nos detalhes, especificidades e particularidades de nossos objetos e personagens de pesquisa (FOUCAULT, 2000FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000.).

É preciso ressaltar que estudos que se filiam diretamente à História da Educação, de modo mais amplo, vêm subsidiando há muito a constituição de uma vasto arcabouço na literatura que versa sobre a trajetória dos sujeitos, das instituições e dos processos educacionais a partir de óticas plurais (CARVALHO, 2003CARVALHO, M. M. C. A configuração da historiografia educacional brasileira. In: FREITAS, M. C. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003. p. 329-354.; VIDAL; FARIA FILHO, 2003VIDAL, D. G.; FARIA FILHO, L. M. História da Educação no Brasil: a constituição histórica do campo e sua configuração atual. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 37-70, 2003.), bem como sustentam análises de práticas e de produções de educadores e educadoras enquanto intelectuais (VIEIRA, 2008VIEIRA, C. E. Intelligentsia e Intelectuais: sentidos, conceitos e possibilidades para a história intelectual.Revista Brasileira de História da Educação, n. 16, p. 63-85, 2008., 2015VIEIRA, C. E. Intelectuais e Educação. Pensar a Educação em Revista, v. 1, p. 3-21, 2015.). Desse modo, parcela significativa de trabalhos na área discute a formação e a profissão docente posicionando diferentes atores no centro de suas investigações, perspectivadas de maneiras variadas, conforme é apontado por Lopes (2013LOPES, S. M. C. N.. A profissão docente em perspectiva histórica. Revista Contemporânea de Educação, v. 8, p. 1-5, 2013.). Reconhecemos também que pesquisas como as elaboradas por Barros (2018BARROS, S. A. P. História da educação da população negra: entre silenciamento e resistência. Pensar a Educação em Revista, v. 4, p. 3-29, 2018., 2015BARROS, S. A. P. O Estado da Arte da Pesquisa em História da Educação da População Negra no Brasil. 1. ed. Vitória: SBHE/Virtual Livros, 2015. 142 p.), Fonseca e Barros (2016FONSECA, M. V.; BARROS, S. A. P. A História da Educação dos Negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016.), Fonseca e Faria Filho (2010FARIA FILHO, L. M.; FONSECA, M. V. Political culture, schooling and subaltern groups in the Brazilian Empire (1822-1850). Paedagogica Historica, v. 46, p. 525-539, 2010.), Gondra e Schueler (2008GONDRA, J. G; SCHUELER, A. M. F. Meninas e mulheres. In: Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. São Paulo, Cortez, 2008, p. 199-220.), Mendez (2017MENDEZ, N. Gênero e história das mulheres na escrita da história escolar. In: MAIOR, P.; LEITE, J. L. (org.). Flexões de gênero. História, Sensibilidades e narrativas. São Paulo: Paco Editorial, 2017. p. 193-212.), Rizzini e Schueler (2020RIZZINI, I.; SCHUELER, A. F. M. “O feminismo transborda”: docência, produção escrita e atuação política de Aurea Corrêa na cidade do Rio de Janeiro (1900-1920). Práxis Educacional, v. 16, p. 42-65, 2020.) e Vidal e Vicentini (2019VIDAL, D. G.; VICENTINI, P. (org.). Mulheres inovadoras no ensino (São Paulo, séculos XIX e XX). Belo Horizonte: Editora Fino Traço, 2019.) são exemplos de como historiadores e historiadoras da educação têm se debruçado sobre histórias de vida e agências de sujeitos que aqui categorizamos de maneira relacional enquanto periféricos para a esfera da História da Educação em Ciências.

Por outro lado, quando nos restringimos apenas ao campo da História da Educação em Ciências, ou seja, quando focalizamos especificamente a realização de estudos sócio-históricos intimamente relacionados ao ensino de Ciências e Biologia, deparamo-nos com silêncios, esquecimentos e apagamentos de trajetórias e de discussões identitárias sobre as professoras, os educadores e as educadoras não brancos, bem como daqueles e daquelas não inseridos nos padrões heteronormativos. Evidentemente, com isso não pretendemos dizer que o campo da Educação em Ciências não aborde, debata ou desenvolva hoje relevantes pesquisas sobre questões relacionadas à raça/etnia, aos gêneros e às sexualidades contextualizadas no tempo presente. No entanto, cabe ressaltar que biografias de docentes homens, que atuaram em instituições de Ensino Superior ou em escolas renomadas em nível nacional, tendem a ser mais avistadas em trabalhos históricos sobre as disciplinas escolares Ciências e Biologia, como é apontado, por exemplo, no trabalho de Shaw (2012SHAW, G. L. Investigando Culturas Escolares: a disciplina Ciências em instituições escolares de Senhor do Bonfim/BA (1951-1975). Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) - Universidade Estadual de Feira de Santana, 2012.).

Um aspecto a ser considerado ao se pensar tal problemática é trazido por Teixeira e Megid Neto (2012TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. O estado da arte da pesquisa em ensino de Biologia no Brasil: um panorama baseado na análise de dissertações e teses. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 11, p. 273-297, 2012., 2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A Produção Acadêmica em Ensino de Biologia no Brasil - 40 anos (1972-2011): Base Institucional e Tendências Temáticas e Metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 17, p. 521-549, 2017.), os quais, ao produzirem o estado da arte sobre a pesquisa em ensino de Biologia no Brasil, investigando de forma abrangente a produção de dissertações e teses em Programas de Pós-Graduação em Educação e Ensino e a atuação de grupos de pesquisa engajados nestas áreas, evidenciam a expressiva carência de estudos sobre a história das disciplinas escolares Ciências e Biologia, sejam elas filiadas à História da Educação ou perspectivadas pelo campo do Currículo. Em outro estudo, Rodrigues e Nardi (2013RODRIGUES, T. V.; NARDI, R. Ocorrência de pesquisas narrativas sobre formação de Professores de Ciências e Matemática no Brasil, de 2000 a 2010. Indagatio Didactica, v. 5, p. 22-35, 2013.) sinalizam para a escassa realização de pesquisas narrativas, na primeira década do século XXI, voltadas à formação de professores de Ciências e Biologia, tidas como relevantes para a compreensão de experiências docentes. Tais autores chegaram a essa conclusão também a partir de um levantamento realizado em dissertações e teses defendidas em Programas de Pós-Graduação na área de Ensino de Ciências e Matemática.

Uma ressalva a ser suscitada a partir dos resultados apresentados nos referidos trabalhos é que pesquisas sobre História da Educação em Ciências não são equivalentes àquelas sobre História e Filosofia das Ciências, uma vez que existe uma clara distinção entre finalidades, objetos de estudo, arcabouços teóricos e metodologias de investigação (NARDI, 2014NARDI, R.. Memórias do Ensino de Ciências no Brasil: a constituição da área segundo pesquisadores brasileiros, origens e avanços da pós-graduação. Revista do IMEA-UNILA, v. 2, p. 13-46, 2014.; TEIXEIRA; MEDIG NETO, 2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A Produção Acadêmica em Ensino de Biologia no Brasil - 40 anos (1972-2011): Base Institucional e Tendências Temáticas e Metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 17, p. 521-549, 2017.). Portanto, por mais que sejam diversos os grupos de pesquisa e os Programas de Pós-Graduação em Educação ou em Ensino que congreguem orientadores e linhas de pesquisa direcionadas a estudos sobre História e Filosofia das Ciências, seria um equívoco epistemológico relacionar suas produções ao campo da História das Disciplinas Escolares.

Para tentar conhecer de modo panorâmico as pesquisas em curso e as produções recentes sobre a história das disciplinas escolares Ciências e Biologia que focalizam personagens enquadráveis na categoria de sujeitos periféricos, realizamos o exercício de buscar artigos publicados nos últimos 10 anos em revistas qualificadas, mantidas por associações científicas que historicamente reúnem pesquisadores que transitam tanto na História da Educação quanto na Educação em Ciências. Enfatizamos que nossa proposta não foi realizar um trabalho de estado da arte, mas um levantamento exploratório.

Assim, foram pesquisados artigos que apresentassem e discutissem como temática central as trajetórias e/ou as práticas pedagógicas de docentes, em Ciências e Biologia, mulheres, negros e negras ou LGBTTQIA+ na Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica da Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica (BIOgraph), na Revista Brasileira de História da Educação da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), na Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC) e na Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio). Apenas um artigo nesse bojo foi localizado, publicado na Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (BORBA; SELLES, 2020aBORBA, R. C. N.; SELLES, S. E. Pesquisa com Histórias de Vida na Produção da História da Educação em Ciências: o Dispositivo Fotobiográfico como Recurso para a Compreensão de Experiências Sociais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 20, p. 375-402, 2020a.).

Por isso, na seção seguinte, aprofundaremos nossa reflexão nesse sentido, mirando a problemática teórico-metodológica objeto deste ensaio: como alcançar os sujeitos periféricos nem sempre privilegiados pelas pesquisas do campo de Educação em Ciências e que protagonizaram histórias interessantes para serem analisadas? Como conhecê-los, ouvi-los e operar com suas memórias e suas histórias de vida muitas vezes silenciadas?

QUANDO A PESQUISA SE APROXIMA DOS ESQUECIDOS PARA ROMPER SILÊNCIOS

Michael Pollak (1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.; 1992) evidencia que diferentes forças estruturam de forma seletiva e negociada as memórias sociais a fim de conciliar lembranças coletivas e individuais. Em sintonia com a lógica de tal autor, as memórias de sujeitos sociais que aqui categorizamos enquanto periféricos poderiam ser denominadas memórias subterrâneas, uma vez que são silenciosas e praticamente imperceptíveis mesmo que profundamente entremeadas no tecido social. Entretanto, por serem capazes de trazer à tona experiências produzidas em momentos de crise e acionarem narrativas capazes de confrontar e competir com os discursos oficiais, inquirindo a validade deles, as memórias subterrâneas (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.) seriam latentemente subversivas. Os murmúrios persistentes e incansáveis daqueles que, em face das relações de poder, pouco puderam ser ouvidos têm potencial para transgredir os acordos sociais sobre aquilo que pode e deve ser recordado por todos, acarretando batalhas de memória (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.).

Nessas batalhas de memória ocorrem negociações, concorrências e embates entre as narrativas pouco ouvidas, fruto das experiências dos sujeitos periféricos e da memória coletiva construída sob marcos generalizadores e homogeneizadores, que almejam padronizar lembranças e hegemonizar determinadas versões sobre o passado. Diante dessa reflexão, talvez caiba a nós, pesquisadores e pesquisadoras em Educação em Ciências, aproveitarmos este momento de sobressalto na realidade sociocultural brasileira para trazermos à tona outras narrativas, alicerçadas em memórias subterrâneas (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.), que possam nos oferecer outras lentes para refletirmos alternativamente sobre como a História da Educação em Ciências foi sendo erigida, dentro ou fora das salas de aula. Memórias estas que também são produções sociais e, por isso, flutuantes e mutáveis, mas que não deixam de ser relevantes elementos constituintes das identidades dos atores escolares. Identidades negociadas, de acordo com Pollak (1992POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 10, p. 200-212, 1992.), por serem produzidas pautadas em critérios de aceitabilidade, admissibilidade e credibilidade em relação aos outros.

Nos confrontos entre as memórias individuais e as memórias coletivas já consolidadas, é importante compreender quem são os sujeitos concorrentes e os valores identitários disputados, em outras palavras, quais deles essas pesquisas elegem para monumentalizar. Nesse tocante, interpretar as relações de poder que interferem nessas negociações e operam um trabalho de enquadramento da memória (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.; 1992POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 10, p. 200-212, 1992.) é um requisito para que as pesquisas em História da Educação em Ciências focalizem outros protagonistas invisibilizados ou as práticas desenvolvidas por sujeitos periféricos, situando-as dentro de um panorama que exponha até que ponto tais personagens se sujeitavam às imposições ou as driblavam, bem como os porquês e os “comos” disso.

Se pensarmos que valores identitários são também disputados e que esses outros, que servem como parâmetros identitários para o estudo dos sujeitos periféricos, podem ser encontrados nas comunidades disciplinares6 6 Comunidades disciplinares são grupos sociais heterogêneos formados por professores, pesquisadores e demais profissionais que constituem e mobilizam as disciplinas, especialmente em períodos de disputas, conflitos e negociações sobre os currículos (GOODSON, 1997). (GOODSON, 1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.), teremos então uma oportunidade profícua para criar pontes entre referenciais e perspectivas dos estudos do Currículo e da História da Educação. Isso nos permite empreender debates sócio-históricos, ainda pouco visibilizados pela literatura, que contemplem o poder criativo dos sujeitos e dos sistemas escolares que formam indivíduos e produzem culturas próprias da escola. Culturas, inclusive, capazes de se difundir pela sociedade, conforme aponta André Chervel (1990CHERVEL, A. História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990.), em seu clássico texto sobre a pesquisa com a História das Disciplinas Escolares.

Não obstante, estudos históricos preocupados com a compreensão das práticas e representações que conferem sentidos às disciplinas escolares são ainda necessários (CASSAB, 2010CASSAB, M. A produção em História das Disciplinas Escolares pela escrita de pesquisadores brasileiros. Revista Brasileira de História da Educação, v. 23, p. 225-251, 2010.; FONSECA et al., 2013FONSECA, M. V. R.; XAVIER, M. T.; VILELA, C. L.; FERREIRA, M. S. Panorama da produção brasileira em história do currículo e das disciplinas acadêmicas e escolares (2000-2010): entre a História da Educação e a Sociologia do Currículo. Revista Brasileira de História da Educação, v. 13, p. 193-225, 2013.), afinal elas permanecem sendo compreendidas como construções singulares, específicas da escola, de tal modo que entender a dinâmica cultural do sistema escolar prossegue como desafio, como indicam as referidas autoras. Ao colocar em evidência o caráter criativo de tal sistema e defender certa autonomia das instituições educativas em relação à constituição de suas matrizes curriculares, Chervel (1990CHERVEL, A. História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990.) teoriza sobre processos de produção disciplinar que são inerentes à escola e nos permitem vislumbrar que ela é também espaço de produção de saberes. Se admitirmos, como sugere o autor, que o trabalho desenvolvido na escola é produtivo, e se focalizarmos a criatividade e a inventividade dos atores escolares, em especial dos professores, para os propósitos deste ensaio, veremos que estes não obrigatoriamente se sujeitaram a todo instante às estratégias (CERTEAU, 1998CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.).

Poderemos, assim, buscar indícios das táticas que manipularam leis, de acordo com as circunstâncias, operando de forma própria e imprevisível com o que foi ofertado em termos conjunturais (CERTEAU, 1998CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.). No entanto, parece produtivo fiarmos uma experiência de microanálise histórica em um jogo de escalas7 7 Revel (1998) complexifica o debate historiográfico ao sugerir investigações que alternem as escalas das análises históricas: ora focalizando os sujeitos sociais e suas práticas, ora atentando para as estruturais sociais. Assim, os fenômenos históricos podem ser estudados de modo multidimensional, afastados de determinismos que almejam explicar todos os acontecimentos como consequências de seus respectivos contextos. (REVEL, 1998REVEL, J. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas , 1998.), que nos permita enxergar os fios e seguir os rastros (GINZBURG, 2007GINZBURG, C. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.) das vulgarizações de imposições, de metaforizações das práticas e dos usos clandestinos de representações por parte desses sujeitos. Tais movimentos, astutos, segundo Certeau (1998CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.), são capazes de provocar inversões, erosões e deslocamentos nos jogos de poder encenados no tabuleiro social, em particular na instituição escolar. Mas, acessar essas trajetórias táticas utilizando somente as metodologias e as fontes rotineiramente mobilizadas pela História da Educação em Ciências é um verdadeiro desafio.

Esse desafio é complexo e praticamente impossível de ser respondido genericamente, tendo em vista os diferentes personagens e interesses das pesquisas que são promovidas na História da Educação em Ciências, especialmente diante da já comentada variedade de referenciais e perspectivas em disputa por autoridade científica e notoriedade. Assim, mesmo passadas quase três décadas, ainda permanecem pertinentes as advertências de André Chervel (1990CHERVEL, A. História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990.) para os limites de uma história geral compreender cada disciplina escolar específica e instar os pesquisadores de campos disciplinares específicos para narrar a história das disciplinas escolares. Assim sendo, é de dentro deste lugar vivido na disciplina escolar Biologia que apostaremos na biografia como uma forma de estudo, que poderá auxiliar aqueles que se debruçam sobre personagens e temáticas imersas na História do Tempo Presente. Tal modalidade de pesquisa histórica se volta para fatos recentes e sujeitos do período histórico no qual o pesquisador está inserido, aproximando-o de seus objetos de estudo. Nela, há a presença de testemunhos protagonizados por sujeitos históricos ainda vivos e ativos, que oferecem narrativas e memórias assimiláveis como fontes para a produção do conhecimento sobre o passado próximo ao mesmo tempo em que podem vigiar e contestar o historiador (FERREIRA, 2018FERREIRA, M. M. Notas iniciais sobre a história do tempo presente e a historiografia no Brasil. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 23, p. 80-108, 2018.).

Assim, justifica-se a escolha teórica e metodológica que elege docentes que transitaram na esfera periférica de suas escolas, cuja notoriedade foi engendrada junto aos seus alunos e colegas, mas não nos registros da literatura. Tal escolha nos provoca a examinar a contribuição docente na construção histórica das disciplinas escolares, conforme argumenta Chervel (1990CHERVEL, A. História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, v. 2, p. 177-229, 1990.): “No coração do processo que transforma as finalidades em ensino, há a pessoa do docente” (p. 18). Por ser viável contemplar histórias de vida de sujeitos próximos cronologicamente à dimensão temporal presencial, os estudos com narrativas biográficas permitem permanentes atualizações e redefinições historiográficas, inclusive de acordo com as demandas sociais. Se nosso foco é oportunizar aos sujeitos periféricos espaços em nossas investigações, a pesquisa biográfica pode ser apontada como recurso fecundo para a escrita de outros registros sobre a História da Educação em Ciências, como debateremos a seguir.

A BIOGRAFIA COMO LENTE PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

A crise do paradigma estruturalista, que significativamente conduziu os procedimentos historiográficos, a partir da década de 1960, conferindo um viés quantitativo e serial aos estudos históricos, fez com que os sujeitos fossem refocalizados e, com isso, pudessem aflorar as histórias individuais por meio dos estudos de caso e da Micro-História. A aproximação da Historiografia com os métodos das Ciências Sociais, principalmente com os da Antropologia, possibilitou a exploração de problemas e o desenvolvimento de pesquisas em dimensões antes imperceptíveis ao nível das dimensões macroanalíticas (SCHIMDT, 1997SCHIMIDT, B. B. Construindo biografias... Historiadores e jornalistas: aproximações e afastamentos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 19, p. 3-21, 1997.).

Assim, pensar as trajetórias sociais dos indivíduos de modo articulado aos cenários onde elas foram se desenhando sem exacerbar nenhum dos polos, mas recuperando a permanente tensão entre o individual e o social, é um dos desafios de quem deseja trabalhar com os sujeitos periféricos na História da Educação em Ciências. Durante o exercício de microanálise histórica, no qual é apresentada e debatida a trajetória de um moleiro italiano do século XVI, condenado pela Inquisição por ter ideias sobre a origem do universo e da vida contrárias às defendidas pela Igreja Católica naquele momento, afirma Carlo Ginzburg: “alguns estudos biográficos mostraram que um indivíduo medíocre, destituído de interesse por si mesmo - e justamente por isso representativo - pode ser pesquisado como se fosse um microcosmo de um estrato social inteiro num determinado período histórico” (1987GINZBURG, C. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987., p. 27). Assim, explorar a temporalidade biográfica8 8 Para Delory-Momberger (2012a), o trabalho com biografias deve atentar para as dimensões da experiência e da existência dos sujeitos, estabelecendo reflexões sobre as ações e os pensamentos que construíram o que é narrado de acordo com a lógica e a razão apresentadas pela própria narrativa. A atividade biográfica é detentora de um caráter processual, então nem sempre os sentidos e as temporalidades apresentadas pelo/sobre o biografado convergirão com os cronologicamente esperados. , que entremeia os processos de gênese e de devir dos sujeitos, auxilia na compreensão de como as diversas realidades históricas e sociais foram produzidas. E mais: permite atribuirmos determinados sentidos às suas experiências e compreender aqueles formados ao longo de suas existências (DELORY-MOMBERGER, 2012bDELORY-MOMBERGER, C. Abordagens metodológicas na pesquisa biográfica. Revista Brasileira de Educação, v. 17, n. 51, p. 523- 536, 2012b.).

Sinergicamente, referenciais do campo do Currículo, tais como os estudos de Goodson (1992GOODSON, I. F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e seus desenvolvimentos profissionais. In: NÓVOA, A. (org.). Vidas de professores. Lisboa: Porto, 1992. p. 63-78.; 2007GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.; 2015GOODSON, I. F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes , 1998.), argumentam em prol da relevância de mobilizarmos aspectos das histórias de vida dos sujeitos que circulam e transitam pela escola ao estudarmos a História das Disciplinas Escolares. Tais trajetórias podem apontar questões-chave para as pesquisas e facilitar o estabelecimento de interligações entre os sujeitos e as estruturas sociais. Tal autor, no final do século XX, já nos desafiava a “ver o indivíduo em relação à história de seu tempo, permitindo-nos encarar a interseção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo assim escolhas, contingências e opções com que se depara o indivíduo” (GOODSON, 1992GOODSON, I. F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e seus desenvolvimentos profissionais. In: NÓVOA, A. (org.). Vidas de professores. Lisboa: Porto, 1992. p. 63-78., p. 75).

Aliás, sendo um historiador do Currículo bastante conhecido pelo desenvolvimento de estudos que miraram os currículos prescritos para a compreensão dos processos de escolarização, Ivor Goodson (2015GOODSON, I. F. Narrativas em educação: a vida e a voz dos professores. Porto: Porto Editora, 2015.; 2019GOODSON, I. F. Currículo, narrativa pessoal e futuro social. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.), há mais de duas décadas, tem se debruçado sobre as narrativas e as histórias de vida de professores como fontes para significar e conhecer os sentidos da profissão docente em diferentes realidades socioculturais. Tal deslocamento, dos estudos focados na construção social dos currículos e das disciplinas escolares para o enfoque individual e biográfico, relaciona-se ao entendimento de que se faz necessária a produção de currículos narrativos, significados a partir das experiências de educadores e educandos para que seja viabilizada a construção de um futuro social com mais liberdade, justiça, vida e paz para todos e todas. O autor entende que vivemos em um momento em que as narrativas que permeiam quem somos, nossas realidades e territórios, bem como os demais fatores que produzem nossas existências, estão assumindo maior centralidade nas relações de poder discursivamente engendradas. Ademais, ao mobilizar o capital narrativo (GOODSON, 2007GOODSON, I. F. Questionando as reformas educativas: a contribuição dos estudos biográficos a educação. Pro-posições, v. 18, n. 3, p. 17-37, 2007.), a pesquisa com histórias de vida docentes possibilita a compreensão de como aspectos contextuais e coletivos, portanto sociais e políticos, de reestruturações e reformas educacionais foram constituindo as experiências de escolarização e transformando a escola, a formação e a profissão docente em uma perspectiva relacional e sustentada por um jogo de escalas ora macro, ora meso e ora microssocial.

Em concordância com Isabel Lelis (2014LELIS, I. A. O. M. A construção social da profissão docente no Brasil: uma rede de histórias. In: TARDIF, M.; LESSARD, C. (org.). O ofício de professor: história, perspectivas e desafios internacionais. Petrópolis: Vozes , 2014. p. 54-66.), entendemos que as histórias de vida são fontes fecundas para que sejam apreendidas dimensões das trajetórias de professores e auxiliam a compreensão de suas práticas pedagógicas e de seus espaços de socialização. Ao trabalharmos com subjetividade e memória em narrativas biográficas, temos a oportunidade de ultrapassar representações assépticas sobre o que é/foi ser professor/aluno, ao passo que o desafio se torna pensar como a história de vida se comunica com outras histórias, com as experiências vividas e com os contextos que as forjaram (LELIS; NASCIMENTO, 2010LELIS, I. A. O. M.; NASCIMENTO, M. G. C. A. (2010). Trajetórias de professores: a pesquisa com histórias de vida. In: MENDONÇA, A. W. P. C. (org.). História e Educação: dialogando com as fontes. Rio de Janeiro: Forma e Ação. p. 253-272.).

Por outro lado, se nosso interesse também é trazer à baila memórias subterrâneas (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.) para examinar as práticas de sujeitos periféricos no plano histórico das disciplinas escolares e, a partir disso, explicitar e analisar as microscópicas tessituras que sustentaram tramas de saber e poder, teremos também essa oportunidade ao desenvolver, em particular, estudos biográficos. Aliás, de acordo com Goodson (1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.), as disciplinas escolares são organizadas a partir de disputas e negociações travadas no cerne de grupos heterogêneos envolvidos com lutas políticas por recursos e poder, as já mencionadas comunidades disciplinares. Assim, entender valores e interesses de sujeitos envolvidos na elaboração e na circulação de ideias relacionadas ao currículo escolar facilita a compreensão das redes de sociabilidade e de influência que estiveram ligadas à circulação de discursos que buscavam apoio ideológico e recursos materiais para a disciplina Ciências (AZEVEDO; TAVARES; SELLES, 2016AZEVEDO, M.; TAVARES, D. A. L.; SELLES, S. E. Relações entre os movimentos reformistas educacionais do ensino de ciências nos Estados Unidos e Brasil na década de 1960. Educação Em Foco (Juiz de Fora), v. 21, p. 237, 2016.; AZEVEDO, 2020AZEVEDO, M. Entre a Bancada e a Sala de Aula: A Experimentação no Período de Ouro do Ensino de Ciências. Curitiba: Appris, 2020.).

Sabemos que alguns professores, ou outros sujeitos que, em certa medida, com eles conviveram durante seu exercício docente, puderam desfrutar de legitimidade na arena de embates por hegemonia entre as variadas práticas e tradições disputadas no interior da respectiva comunidade disciplinar. Por compartilharem interesses e (re)produzirem discursos socialmente prestigiados, pode ter sido mais fácil para eles obterem reconhecimento diante de padrões forjados para o que seria o bom professor de Ciências e Biologia, mas quais foram os percursos, as ressignificações e as insubordinações operadas por aqueles que não comungavam das perspectivas e preceitos que tinham “valor como moeda no mercado da identidade social” (GOODSON, 1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997., p. 27)?

Portanto, torna-se imprescindível entender as trajetórias a partir de problematizações entre a relação indivíduo-sociedade e analisá-las de forma associada aos processos de objetivação e subjetivação que se referem, respectivamente, às posições sociais objetivas ocupadas durante a vida e aos elementos subjetivos que podem ser expressos nos relatos biográficos (DUBAR, 1998DUBAR, C. Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos. Educação & Sociedade, Campinas, v. 19, n. 62, p. 13-30, 1998.). Apesar do trabalho com biografias ser alvo de críticas, como observa Bourdieu (1996BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 183-191.)9 9 Em seu texto sobre a ilusão biográfica, Bourdieu (1996) tece críticas às abordagens subjetivistas que não consideram as condições objetivas que explicariam o curso das experiências subjetivas, contribuindo assim para uma concepção ilusória da realidade social. , pelo risco de atribuições de racionalidades às histórias de vidas, constituindo narrativas que não raro se apoiam em coerências e linearidades que não existiram efetivamente, concordamos com Loriga (1998LORIGA, S. A biografia como problema. In: REVEL, J. (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas , 1998. p. 225-249.) sobre a importância dos estudos biográficos para a produção de uma história das experiências, do cotidiano e das minorias.

Isso não significa que as investigações com narrativas de ou sobre sujeitos periféricos devam ignorar os riscos de uma epistemologia individualista, conforme adverte Macedo (2001MACEDO, E. Aspectos metodológicos em História do Currículo. In: OLIVEIRA, I. B.; ALVES, N. (org.). Pesquisa no/do cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 131-148.). Para a autora, acionar as falas e as perspectivas não hegemônicas para escrever histórias sobre o conflituoso cotidiano curricular significa captar complexidades e tecer redes de significados subjetivos sem desconsiderar os riscos de enxergar sujeitos individuais como capazes de sozinhos construírem a História. Por isso, é imprescindível que, ao se acionar narrativas biográficas para a compreensão de currículos, disciplinas e cotidianos escolares, as memórias evocadas pelos sujeitos da pesquisa sejam trianguladas juntamente com outras fontes históricas. De acordo com Goodson (2015GOODSON, I. F. Narrativas em educação: a vida e a voz dos professores. Porto: Porto Editora, 2015.), essa conduta metodológica é importante para situar o relato de vida dentro de um escopo sociocultural que permita, qualitativamente, apreensões mais amplas dos sentidos produzidos pelas experiências e pelos discursos dos entrevistados.

A propósito, para esse autor, as estórias de vida contadas pelos sujeitos que participam de suas pesquisas só se configuram em histórias de vida posteriormente e se forem realizados diálogos e os intercâmbios com outras fontes históricas que possam problematizar as narrativas dos depoentes (GOODSON, 2019GOODSON, I. F. Currículo, narrativa pessoal e futuro social. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.), ou seja, articular suas estórias ao contexto histórico, social e cultural. No entanto, sabemos que “o enigma biográfico sobrevive à escrita biográfica. A porta permanece escancarada para sempre, oferecida a todos em revisitações sempre possíveis das efrações individuais e de seus traços no tempo” (DOSSE, 2009DOSSE, F. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Editora da USP, 2009., p. 410) e, portanto, também não é possível “resgatar” em sua totalidade e de modo definitivo a história de vida de alguém. Além disso, partimos do pressuposto de que sempre é possível reconstruir objetos de pesquisa nos guiando por novas abordagens e interpelações.

Dentre as diferentes tipologias biográficas elencadas por Levi (1996LEVI, G. Usos da biografia. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 167-182.), avaliamos que a modalidade narrativa de “biografia e contexto” é a que mais se aproxima de nosso propósito de lançar outros olhares para a pesquisa em História da Educação em Ciências ao elegermos sujeitos periféricos. Nesse caso, as especificidades da biografia são preservadas, “todavia a época, o meio e a ambiência também são muito valorizados como fatores capazes de caracterizar uma atmosfera que explicaria a singularidade das trajetórias” (LEVI, 1996LEVI, G. Usos da biografia. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 167-182., p. 175). Essa perspectiva de trabalho historiográfico se aproxima daquela argumentada por Goodson (2015GOODSON, I. F. Narrativas em educação: a vida e a voz dos professores. Porto: Porto Editora, 2015.; 2019GOODSON, I. F. Currículo, narrativa pessoal e futuro social. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.) para o trabalho com as narrativas biográficas e as histórias de vidas docentes produzidas com base em suas experiências de formação e profissão. Assim, a reconstituição das conjunturas históricas e sociais pode ser acionada para facilitar a compreensão de eventos nas trajetórias dos sujeitos em foco e, simultaneamente, seus posicionamentos em relação aos processos sociais, tornando possível depreender interferências desses agentes e vice-versa, conforme defendem Goodson e Petrucci-Rosa (2020)GOODSON, I. F.; PETRUCCI-ROSA, M. I.. “Oi Iv, como vai? Boa sorte na escola!” Notas (auto)biográficas constitutivas da história de vida de um educador. Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica, v. 5, n. 13, p. 91-104, 2020..

Ademais, ao levar em conta as comunidades disciplinares (GOODSON, 1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.) da disciplina escolar Ciências em nossos estudos para identificar as relações de saber e poder, tal perspectiva biográfica se torna interessante por mirar as redes de sociabilidades nas quais as personagens de nossas investigações se inserem. Nessa modalidade narrativa, de acordo com Levi (1996LEVI, G. Usos da biografia. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 167-182.), por meio do estudo da trajetória dos sujeitos, torna-se possível mapear e interpretar as redes de relações nas quais estavam inseridos, fomentando análises a respeito do funcionamento efetivo das regras e das normas dos contextos sociais nos quais suas ações e agências foram desenvolvidas.

Reconhecemos que estudos sobre a História da Educação em Ciências podem congregar diferentes abordagens e que a pluralidade teórico-metodológica, que vislumbra uma diversidade de sujeitos, objetos, temáticas e questões de pesquisa, é bem-vinda no esforço de matizar as certezas já cristalizadas sobre o campo e as representações de seu passado. Além disso, entendemos os espaços educacionais como lugares de memória (NORA, 1993NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, v. 10, p. 07-28, 1993.), erigidos também discursivamente por meio de narrativas que selecionam e mobilizam experiências específicas, produzindo determinadas percepções do passado. No entanto, é preciso estar atento aos riscos de se monumentalizar sujeitos, instituições ou acontecimentos quando se maneja memórias. Afinal, os estudos biográficos facilmente podem caminhar para hagiografias. Nesse bojo, compreender os sentidos e os significados atribuídos às experiências narradas e interpretadas pelas óticas do movimento biográfico se tornam também uma demanda que pode nos encaminhar para aberturas teórico-metodológicas imprevisíveis, o que exige uma constante vigilância epistemológica, metodológica e ética para as histórias que são contadas a partir das óticas dos pesquisadores e das lentes teóricas de suas pesquisas. Por outro lado, memórias diversas e contrastantes abrirão possíveis caminhos capazes de nos conduzir até trajetórias sociais de sujeitos periféricos que têm sido pouco apresentadas e discutidas pela História da Educação em Ciências.

Ao assumirmos que as narrativas sobre o passado se comprometem com a produção deste passado, precisamos afirmar que não existe uma verdade a ser concretamente “resgatada” (BERTAUX, 2014BERTAUX, D. A vingança do curso de ação contra a ilusão cientificista. Civitas, v. 14, n. 2, p. 250-271, 2014.), mas sim múltiplas tramas sobre acontecimentos, passíveis de serem tecidas de acordo com o entrelaçamento dos fios das memórias. Entendemos que as subjetividades farão parte de nossas pesquisas e, inclusive, poderão enriquecê-las quando consideradas e trabalhadas. Amparados em Dubar (1998DUBAR, C. Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos. Educação & Sociedade, Campinas, v. 19, n. 62, p. 13-30, 1998.) e em Bertaux (2009BERTAUX, D. Metodologia do Relato de Vida em Sociologia. In: TAKEUTI, N. M.; NIEWIADOMSKI, C. (org.). Reinvenções do sujeito social: teorias e práticas biográficas. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 23-32.), vislumbramos que mobilizar relatos de histórias de vida e investir em uma abordagem biográfica nos auxilia a entender de que forma as trajetórias de sujeitos periféricos, que nos interessam academicamente, dialogam com outros elementos biográficos e interagem com os cenários sócio-históricos nos quais as existências e as experiências foram produzidas, e para nosso interesse específico, com a disciplina escolar em que atuaram.

LAMPEJOS DA EXPERIÊNCIA E ESTILHAÇOS DA MEMÓRIA: UM CASO DE PESQUISA COM UM SUJEITO PERIFÉRICO

Especialmente no que tange às disciplinas escolares Ciências e Biologia, as pesquisas em perspectiva histórica têm especialmente se interessado pelo período que remonta ao final dos anos 1950 e em décadas seguintes, no qual se desenvolveu o Movimento de Renovação do Ensino de Ciências. Tal Movimento emergiu da culminância de ideias e de discursos que ainda circulam pelos espaços onde são formuladas e debatidas políticas públicas voltadas para o Ensino de Ciências no país (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2017MARANDINO, M.; SELLES, S. E.; FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez Editora, 2017.). Impulsionado pelos Estados Unidos da América, que, durante a Guerra Fria, viram-se pressionados a investir altas somas na formação científica de suas juventudes e acabaram influenciando os países sob seu espectro de influência, o Movimento de Renovação buscou reformar a escola secundária ao mesmo tempo em que garantiria o prestígio social das Ciências Naturais de referência (CASSAB, 2015CASSAB, M. O movimento renovador do ensino das ciências: entre renovar a escola secundária e assegurar o prestígio social da ciência. Revista Tempos e Espaços em Educação, v. 8, p. 19-36, 2015.). No Brasil, a ascendência ideológica norte-americana instigou, no início dos anos 1960, a criação de polos para a formação continuada e a capacitação científica de professores de Ciências, Química, Física e Biologia: 6 centros de Ciências foram criados no Sul, Sudeste e Nordeste. No Rio de Janeiro, por exemplo, foi arquitetado o Centro de Ciências da Guanabara (CECIGUA), onde eram oferecidos cursos variados para a atualização de conteúdos científicos, bem como para a produção de materiais pedagógicos e experiências didáticas (VALLA et al., 2014VALLA, D. F.; ROQUETTE, D. G.; GOMES, M. M.; FERREIRA, M. S. Disciplina escolar Ciências: inovações curriculares nos anos de 1950-1970. Ciência & Educação, v. 20, 2014, p. 377-391.; BORBA; SELLES, 2020nBORBA, R. C. N.; SELLES, S. E. História da Educação, História do Currículo e o Desafio de (re)contar uma História do Ensino de Ciências e de Biologia no Rio de Janeiro (1970-1990). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 10., 2019, Belém (PA). Anais Eletrônicos do XCongresso Brasileiro de História da Educação, 2019b. p. 3180-3189.).

No CECIGUA, atuavam docentes universitários e de reconhecido prestígio acadêmico no interior da comunidade disciplinar de Educação em Ciências, tais quais alguns professores catedráticos do Colégio Pedro II (FERREIRA, 2007FERREIRA, M. S. Investigando os rumos da disciplina escolar Ciências no Colégio Pedro II (1960-1970). Educação em Revista (UFMG), v. 45, p. 127-144, 2007.). Apesar disso, como demonstramos em outro estudo (BORBA; SELLES, 2020bBORBA, R. C. N.; SELLES, S. E. O Centro de Treinamento para Professores de Ciências do Estado da Guanabara: concepções e modelos para a formação e a profissão docente (1965 - 1975). Amazônida (UFAM), v. 1, p. 59-83, 2020b.), também circulavam por esse espaço formativo outras categorias de sujeitos, que pouco foram exploradas na literatura que existe sobre o Movimento de Renovação no estado do Rio de Janeiro10 10 É justo observar que, desde o início da década passada, novas pesquisas têm se desdobrado e indagado algumas certezas até então indubitáveis sobre o Movimento de Renovação de acordo com Cassab (2015) e Azevedo (2020). No entanto, apesar dos avanços, ainda há um considerável caminho a ser percorrido para que os sujeitos periféricos se tornem personagens constantemente presentes nas histórias contadas sobre o movimento. : docentes de 1° e 2° grau11 11 Para evitarmos anacronismos, utilizamos esses termos para nos referirmos ao que, na atualidade, seriam denominados como “Ensino Fundamental” e “Ensino Médio”. das redes públicas municipais e estaduais, docentes de instituições particulares e mulheres professoras, por exemplo. Assim, trazemos para esse texto alguns estilhaços de memórias que vêm sendo produzidos em nossa pesquisa, que almeja ir ao encontro de sujeitos periféricos que participaram do Movimento de Renovação no contexto fluminense.

Optamos por trabalhar com aquilo que definimos como estilhaços de memória por compreendermos, respaldados pelos referenciais trazidos neste artigo, que a memória pressupõe escolhas narrativas, lapsos, seleções, silêncios e esquecimentos que culminam em fragmentações e em multiplicidades. Além disso, optamos por exercitar a noção de lampejo de experiência por entendermos, apoiados pelas reflexões de Walter Benjamin (1996BENJAMIN, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 7. ed., São Paulo: Brasiliense, 1996.; 2017BENJAMIN, W. Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.), que a experiência atravessa e é vivida pelos corpos tal qual um quase lugar pleno de sentido, inatingível, sendo buscada com angústia pelo narrador que se depara com a incompletude da vida vivida. Da experiência, produz-se a memória que origina e define a narrativa biográfica. Portanto, dos lampejos da experiência se formam os estilhaços de memória com os quais propomos tecer determinadas versões das histórias das disciplinas.

Operando nessa perspectiva, temos empreendido uma investigação que focaliza a história de vida e as produções curriculares de uma professora de Ciências, que atuou na rede pública municipal do Rio de Janeiro entre as décadas de 1960 e 1990: Nilza Bragança Pinheiro Vieira. A docente cursou História Natural na Universidade do Brasil na segunda metade dos anos 1950 e nas duas décadas seguintes participou ativamente do CECIGUA, inicialmente na condição de estudante e posteriormente como professora. Temos indiciado que, tanto em sua formação docente inicial quanto no período de ingresso e de estabilização na profissão, Nilza entrou em contato tanto com cientistas professores universitários, que tiverem atuações reconhecidas pelo campo da História em Educação em Ciências e de importância no Movimento de Renovação - como Oswaldo Frota-Pessoa e Newton Dias dos Santos12 12 O entomólogo Newton Dias dos Santos, além de naturalista do Museu Nacional e professor da Universidade do Estado da Guanabara, também atuou em escolas como o Instituto de Educação Carmela Dutra (MORAES, 2010). -, quanto com docentes do ensino secundário, que lecionavam em instituições escolares de prestígio - tal qual Ayrton Gonçalves da Silva - e que também figuraram como lideranças desse processo, de acordo com a bibliografia existente sobre a temática.

Ao pesquisarmos a trajetória da professora Nilza, temos acionado fontes orais, imagéticas e documentais diversas, de acervos públicos e pessoais, que têm nos auxiliado a perceber de que forma esteve inserida em uma potente rede de sociabilidade que sustentou as inovações curriculares que compuseram os novos padrões para o ensino de Ciências veiculados pelo Movimento de Renovação. Porém, as produções acadêmicas sobre o tema tendem a privilegiar narrativas sobre a atuação de professores homens, notadamente aqueles que trabalhavam em universidades ou no Colégio Pedro II, uma instituição escolar de reconhecida notoriedade para a História da Educação em nosso país. Dessa forma, educadores e educadoras que não se enquadram nessas categorias, como é o caso de Nilza Vieira, muitas vezes são encaminhados à periferia pelos estudos sócio-históricos das disciplinas escolares Ciências e Biologia. Por outro lado, o silêncio sobre a participação da professora na comunidade disciplinar e o esquecimento que paira sobre suas produções e práticas, intensamente relacionadas a aspectos históricos do Currículo de Ciências e Biologia no Rio de Janeiro, leva-nos a categorizar suas memórias como subterrâneas13 13 Durante a revisão bibliográfica, empreendida no início da pesquisa sobre a história de vida e as práticas curriculares produzidas por Nilza Vieira, encontramos apenas um trabalho que a mencionava, ainda assim de modo bastante pontual e inserindo-a em discussões que não exploraram o seu papel no Movimento de Renovação do Ensino de Ciências (SCARTON; SELLES, 2012). (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.).

Além disso, apesar de não ser o propósito deste texto trazer um debate sobre os atravessamentos interseccionais que têm deixado as mulheres de fora das pesquisas sobre a História da Educação em Ciências, especialmente daquelas sobre o Movimento de Renovação no Rio de Janeiro14 14 Em produções anteriores, realizamos algumas reflexões a respeito dessa questão (BORBA; SELLES, 2019a, 2019b). , pensamos ser importante pontuar que, se quisermos (re)contar as histórias de quem construiu cotidianamente esse fenômeno educacional, é essencial olharmos para elas. Nesse sentido, cabe ressaltar que, ao suscitar investigações sobre a história de vida de Nilza Vieira, estamos também empreendendo um esforço para ouvirmos um tipo de sujeito periférico tradicionalmente silenciado pela Historiografia e que só recentemente tem sido contemplado: as mulheres (MENDEZ, 2017MENDEZ, N. Gênero e história das mulheres na escrita da história escolar. In: MAIOR, P.; LEITE, J. L. (org.). Flexões de gênero. História, Sensibilidades e narrativas. São Paulo: Paco Editorial, 2017. p. 193-212.; PINSKY; PEDRO, 2013PINSKY, C.; PEDRO, J. (org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013.).

Ao discutir em perspectiva histórica o magistério no Rio de Janeiro em meados do século XX, Lopes (2014LOPES, S. M. C. N. Perfis docentes: prestígio e hierarquia no Instituto de Educação do Rio de Janeiro (anos 1950-60). Revista Brasileira de História da Educação, v. 14, p. 251-272, 2014.; 2016LORIGA, S. A biografia como problema. In: REVEL, J. (org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas , 1998. p. 225-249.) destaca que, dentro das instituições educacionais, poderiam ocorrer processos de hierarquização de docentes capazes de gerar indícios apreensíveis pela História. De acordo com a referida autora, durante seus percursos profissionais singulares, alguns professores puderam se tornar inesquecíveis ou notáveis por conta das disciplinas que ministraram, pelas instâncias acadêmicas e/ou político-administrativas por onde circularam e também pela repercussão de seus livros didáticos, no caso daqueles que eram autores desse tipo de obra. Contudo, se por um lado reunimos indícios que nos permitem argumentar que estamos diante de uma professora identificada como inesquecível por seus estudantes e notável junto a seus pares, por outro, o modo como o campo da História da Educação em Ciências vêm construindo certas narrativas sobre o passado - tradicionalmente se apropriando das trajetórias, discursos e práticas de educadores com outros perfis docentes (LOPES, 2014LOPES, S. M. C. N. Perfis docentes: prestígio e hierarquia no Instituto de Educação do Rio de Janeiro (anos 1950-60). Revista Brasileira de História da Educação, v. 14, p. 251-272, 2014.) - também possibilita que compreendamos Nilza Vieira enquanto um sujeito periférico. Afinal, nossas análises privilegiam aspectos relacionais quando buscamos entender os processos que hegemonizaram determinadas instituições e personagens nas escritas da História das Disciplinas Escolares Ciências e Biologia. A seguir, apresentaremos alguns elementos da biografia de Nilza para embasar esta nossa compreensão.

Graduada em História Natural e pós-graduada em Genética e Evolução pela Universidade do Brasil15 15 Nilza Vieira ingressou no curso de História Natural em 1956, formou-se em 1960. No ano de 1961, realizou um curso de pós graduação específico de Genética e Evolução. Ambos foram realizados na Universidade do Brasil, instituição denominada Universidade Federal do Rio de Janeiro a partir de 1965. , a docente ingressou no magistério público municipal após concurso em 1963 quando obteve sua primeira matrícula como professora. Assumiu sua segunda matrícula efetiva no município do Rio de Janeiro em 1974, pouco tempo após o falecimento de seu marido, o físico Cândido Oromar Figueiredo Vieira, que foi professor da Universidade do Brasil e atuou como conselheiro do CECIGUA. Durante a graduação, foi colega de classe de Walter de Mello Veiga da Silva e de Marly Cruz Veiga da Silva. Walter Veiga tornar-se-ia companheiro de trabalho de Nilza ao longo dos 32 anos em que ela permaneceu como professora regente na rede pública. Durante a maior parte desse período, ambos lecionaram na Escola Municipal Camilo Castelo Branco, situada no bairro Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Marly Veiga se tornou docente do CECIGUA na década de 1960 e professora da Universidade do Estado da Guanabara16 16 Desde 1975, a Universidade do Estado da Guanabara (UEG) é denominada como Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). na década seguinte.

No CECIGUA, Nilza Vieira realizou dois cursos em 1966: o de Biologia Moderna, com 300 horas de duração, e o de Ciências, com carga horária de 320. A proximidade com o CECIGUA certamente influenciou sua atuação docente orientada pelos princípios do Movimento de Renovação. Tal aproximação pode ser observada também no livro didático que Nilza Vieira publicou com Cândido Vieira e Walter Veiga: Iniciação à Ciência (VIEIRA et al., 1987VIEIRA, C. O. F.; VIEIRA, N. B. P.; SILVA, W. M. V. Iniciação à Ciência. 5. ed. Rio de Janeiro: FAE/MEC, 1987. 226 p.). O livro didático possuía um guia metodológico voltado aos professores, apoiado nas experiências pedagógicas de seus autores (VIEIRA et al., 1970).

De acordo com Gomes (2008GOMES, M. M. Conhecimentos ecológicos em livros didáticos de ciências: aspectos sócio-históricos de sua constituição. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.), o livro didático supracitado foi uma publicação única, sem coleção ou indicação de série em que deveria ser adotado. Apesar disso, o guia metodológico sugeria uma relação com a 5ª série do então 1° grau. A obra privilegiava uma tradição naturalista, mas ressignificada por meio dos conceitos de seleção natural e adaptação evolutiva. Esta leitura evolutiva talvez possa ser explicada por influência de Nilza, que, ao concluir seu curso de graduação, ingressou em um curso de pós-graduação lato sensu dirigido aos estudos em Genética e Evolução. Outro aspecto destacável no livro era o convite à experimentação, especialmente quando os conteúdos eram de Física e Química.

Baseado em conhecimentos de natureza científica e integrando tradições acadêmicas e pedagógicas, tanto o livro didático quanto o guia metodológico representavam um cuidado que reforçaria a importância dada aos materiais didáticos produzidos, à época da publicação, para a formação de professores e para a divulgação de práticas curriculares da Educação em Ciências. Assim, os livros Iniciação à Ciência e Cadernos MEC - Iniciação à Ciência (VIEIRA et al., 1970VIEIRA, C. O. F.; VIEIRA, N. B. P.; SILVA, W. M. V. Guia Metodológico Iniciação à Ciência. 1. ed. Rio de Janeiro: FAE/MEC, 1970. 135 p.; 1987VIEIRA, C. O. F.; VIEIRA, N. B. P.; SILVA, W. M. V. Iniciação à Ciência. 5. ed. Rio de Janeiro: FAE/MEC, 1987. 226 p.) reforçaram a idealização e a tipificação do que poderia ser considerado como bom ou adequado para a disciplina escolar Ciências, principalmente diante do intenso enfoque experimental valorizado pelo Movimento de Renovação (GOMES, 2008GOMES, M. M. Conhecimentos ecológicos em livros didáticos de ciências: aspectos sócio-históricos de sua constituição. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.). Tanto a narrativa autobiográfica de Nilza Vieira quanto as narrativas de seus ex-estudantes e estagiários, produzidas na pesquisa em curso e debatidas à luz de outras fontes, apontam que suas práticas pedagógicas convergiam, de modo rotineiro, para atividades com experimentações ou saídas de campo, indicando que suas práticas pedagógicas estavam em afinada sintonia com os padrões didáticos estabelecidos pelo Movimento de Renovação.

Se compreendermos que os currículos e as disciplinas escolares se constituem ao longo do tempo como arenas de disputas materiais, discursivas e simbólicas (GOODSON, 1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.; 2008GOODSON, I. F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes , 1998.), então localizamos a docente dentro do grupo daqueles que seriam capazes de eficientemente produzir memórias que a legitimaram como uma boa professora de Ciências e Biologia para os padrões hegemônicos da época. Assim, cabe-nos indagar os porquês de a literatura existente pouco ter abordado as ações de Nilza Vieira, o que contribui para que ela seja conduzida à periferia da história das disciplinas escolares em foco. Esta ambiguidade se torna ainda mais flagrante quando verificamos o quanto a docente era notabilizada por sua desenvoltura no Movimento de Renovação, ao ponto de ter participado da autoria de um livro didático de Ciências entre as décadas de 1960 e 1970. A obra alcançou repercussão nacional em um cenário em que esse tipo de material era escrito predominantemente por homens, como pode ser constatado a partir da pesquisa de Gomes (2008GOMES, M. M. Conhecimentos ecológicos em livros didáticos de ciências: aspectos sócio-históricos de sua constituição. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.). O contraste aumenta quando recordamos que outras professoras renomadas, que participaram ativamente da construção de inovações curriculares alinhadas ao ideário que se fortalecia para as disciplinas escolares Ciências e Biologia, não foram também autoras de livros didáticos ou tiveram essa experiência muito depois de Nilza Vieira. Por exemplo, Myriam Krasilchik não foi autora de livros didáticos de Ciências (BIZZO; KELLY, 1991BIZZO, N. M. V.; KELLY, P. J. Myriam Krasilchik: A Brazilian Science Educator. Teaching and Teacher Education, v. 3, p. 133-136, 1991.) enquanto Norma Maria Cleffi produziu esse tipo de material somente em meados da década de 1980 (BORGES; SELLES, 2010BORGES, V.; SELLES, S. E. Influência do Movimento Renovador do Ensino de Ciências na produção de uma coleção de livros didáticos nos anos 1980: reflexões sobre o currículo e a história das disciplinas escolares. Revista da SBEnBIO, v. 1, p. 756-765, 2010.).

Como nos inspira Benjamin (1996BENJAMIN, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 7. ed., São Paulo: Brasiliense, 1996.), contamos com uma série de sujeitos periféricos que poderiam ser narradores de diferentes histórias sobre outros passados apreensíveis para o ensino de Ciências e Biologia em contraposição a determinadas narrativas que se cristalizaram, consolidando-se como dominantes para apresentar e discutir os fenômenos educativos pretéritos. Essa dimensão de significação da fala do outro, que foi posicionado na periferia, permite-nos valorizar as assimetrias do poder (FOUCAULT, 2000FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000.), principalmente quando nos apropriamos de uma concepção de currículo mais como processo do que como produto, o que nos possibilita perceber que o que está e esteve em jogo são determinadas versões sobre como ensinar Ciências e Biologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto sugerimos que uma problemática de pesquisa que lança mão do dispositivo biográfico como uma escolha teórica e metodológica é potente para adensar os estudos da História da Educação em Ciências no Brasil, sobretudo quando articulam ação docente e construção da disciplina escolar. Esta escolha se ancora na defesa de que examinar trajetórias e ações de professores não visibilizados pela historiografia pode auxiliar a entender, por caminhos trilhados na periferia, a História das Disciplinas Escolares nas quais centraram sua atuação docente. Isso significa interrogar as práticas desenvolvidas pelos atores escolares relacionados à Educação em Ciências a partir das diversas dinâmicas culturais, sociais e políticas que atravessaram seus percursos biográficos, influenciando o exercício de sua profissão, a elaboração de materiais curriculares e as formas desenvolvidas para aprender e ensinar.

Nesse bojo, temos como brecha a mobilização de capitais narrativos em torno dessa disciplina escolar como artifício para empreender novos estudos históricos sobre a Educação em Ciências, estudos que questionem as formas como ela se constituiu, seus laços com as ciências de referência e com outras formas de conhecimento disseminado socialmente. Além disso, tem sido ressaltada a necessidade de mais estudos sócio-históricos no campo do Currículo, particularmente sobre as disciplinas escolares Ciências e Biologia, voltados à compreensão de trajetórias de professores de forma articulada às transformações históricas nas ciências de referência e na sociedade (AYRES; SELLES, 2012AYRES, A. C. B.; SELLES, S. E. História da Formação de Professores: Diálogos com a Disciplina Escolar Ciências no Ensino Fundamental. Ensaio. Pesquisa em Educação em Ciências, v. 14, p. 95-107, 2012.). Nesse ínterim, cabe também inquirir os impactos dos movimentos de reformas e reconfigurações curriculares nas práticas docentes (GOODSON, 2019GOODSON, I. F. Currículo, narrativa pessoal e futuro social. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.) para situar as experiências desses docentes. Todavia, se a História não retrata a realidade passada de modo fidedigno, mas apenas apresenta reflexos e representações dela (BURKE, 1992BURKE, P. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.), e se a memória é uma construção sobre o passado, atualizada e renovada no tempo presente (POLLAK, 1989POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 02, n. 03, p. 3-15, 1989.; 1992POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 10, p. 200-212, 1992.), então é preciso entender o que está em jogo durante a produção de narrativas que consolidam uma dada História da Educação em Ciências. A quem elas estão servindo e quais perspectivas seus discursos estão representando? Quem fala por meio delas?

Sabemos que os currículos detêm um caráter cambiável por serem construídos e condicionados social e historicamente pela atuação de vários grupos, o que se reflete nos padrões de estabilidade e de mudança das disciplinas escolares (GOODSON, 1997GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.). Por isso, a relação da escola e de seus sujeitos com fatores sociais em dimensões macro e microanalíticas são potentes para nossos estudos. As seleções de conteúdos e de métodos de ensino que pautaram os diferentes momentos percorridos pela Educação em Ciências foram resultado de disputas e negociações no interior das comunidades disciplinares, que envolviam relações saber e poder. Estamos dispostos a expô-las e dissecá-las? Em que medida estes estudos nos autorizariam a afirmar os docentes como sujeitos periféricos?

Doravante, faz-se inescusável despertar nossa sensibilidade acadêmica para nos tornarmos capazes de desenterrar e perscrutar memórias subterrâneas (POLLAK, 1998POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 10, p. 200-212, 1992.), investindo em construções teórico-metodológicas a partir de loci de enunciação periféricos para que nossas pesquisas permitam a escuta dos sujeitos periféricos. Entendidos como personagens um tanto quanto ausentes das narrativas mais comuns sobre a História da Educação em Ciências, mas que também ajudaram a produzi-las, faz-se necessário ouvir suas narrativas. Não pretendemos, com a partilha dessa inquietação, ignorar o valor das produções voltadas para a história das instituições e de sujeitos reconhecidos dentro de seus contextos. Porém, deixamos um convite para que a historiografia da Educação em Ciências se dirija também às histórias de professores e professoras de Ciências e Biologia aparentemente “comuns” e que foram essenciais nos seus afazeres “ordinários” para a história da sua comunidade. Isso significa reconhecê-los em nossas investigações a partir de suas narrativas e do estudo de suas biografias, produzindo relevância para seus discursos e práticas, elaborados em diferentes cotidianos educacionais.

REFERÊNCIAS

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  • 3
    Delimitar de modo hermético o campo que denominamos como sendo relativo à História da Educação em Ciências seria problemático, pois significativa parcela dos pesquisadores brasileiros que empreendem investigações com as disciplinas escolares Ciências e Biologia usualmente apresenta produções em perspectiva histórica sobre conteúdos e métodos de ensino e estas não devem ser desconsideradas.
  • 4
    Certeau (1998) diferencia os conceitos de lugar e de espaço. Os lugares são os loci de enunciação daqueles que se encontram subjugados pelos efeitos de relação de poder. Os espaços, por outro lado, são ocupados por aqueles que detêm melhores condições de apropriação dessas relações, bem como para operar a colonização e morte simbólica do outro.
  • 5
    Foucault (2001) discute que regimes de verdade não existem fora de sistemas de poder ou sem eles. A verdade, fruto de múltiplas coerções e regulações desses sistemas, produz diferentes efeitos de poder que os induzem e os reproduzem. Instrumentalizados pelas técnicas, mecanismos e instâncias de poder, os discursos sobre as verdades formam tais regimes que viabilizam o entranhamento do poder na sociedade ao produzir, distinguir e valorizar enunciados tidos como verdadeiros e sancionar os considerados falsos, gerando formas de controle e hegemonia social, econômica e cultural.
  • 6
    Comunidades disciplinares são grupos sociais heterogêneos formados por professores, pesquisadores e demais profissionais que constituem e mobilizam as disciplinas, especialmente em períodos de disputas, conflitos e negociações sobre os currículos (GOODSON, 1997).
  • 7
    Revel (1998) complexifica o debate historiográfico ao sugerir investigações que alternem as escalas das análises históricas: ora focalizando os sujeitos sociais e suas práticas, ora atentando para as estruturais sociais. Assim, os fenômenos históricos podem ser estudados de modo multidimensional, afastados de determinismos que almejam explicar todos os acontecimentos como consequências de seus respectivos contextos.
  • 8
    Para Delory-Momberger (2012a), o trabalho com biografias deve atentar para as dimensões da experiência e da existência dos sujeitos, estabelecendo reflexões sobre as ações e os pensamentos que construíram o que é narrado de acordo com a lógica e a razão apresentadas pela própria narrativa. A atividade biográfica é detentora de um caráter processual, então nem sempre os sentidos e as temporalidades apresentadas pelo/sobre o biografado convergirão com os cronologicamente esperados.
  • 9
    Em seu texto sobre a ilusão biográfica, Bourdieu (1996) tece críticas às abordagens subjetivistas que não consideram as condições objetivas que explicariam o curso das experiências subjetivas, contribuindo assim para uma concepção ilusória da realidade social.
  • 10
    É justo observar que, desde o início da década passada, novas pesquisas têm se desdobrado e indagado algumas certezas até então indubitáveis sobre o Movimento de Renovação de acordo com Cassab (2015) e Azevedo (2020). No entanto, apesar dos avanços, ainda há um considerável caminho a ser percorrido para que os sujeitos periféricos se tornem personagens constantemente presentes nas histórias contadas sobre o movimento.
  • 11
    Para evitarmos anacronismos, utilizamos esses termos para nos referirmos ao que, na atualidade, seriam denominados como “Ensino Fundamental” e “Ensino Médio”.
  • 12
    O entomólogo Newton Dias dos Santos, além de naturalista do Museu Nacional e professor da Universidade do Estado da Guanabara, também atuou em escolas como o Instituto de Educação Carmela Dutra (MORAES, 2010MORAES, C. W. Newton Dias dos Santos, os manuais pedagógicos "Práticas de Ciências" e visões de professor no contexto do movimento renovador do ensino de Ciências nas décadas de 1950-1970. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.).
  • 13
    Durante a revisão bibliográfica, empreendida no início da pesquisa sobre a história de vida e as práticas curriculares produzidas por Nilza Vieira, encontramos apenas um trabalho que a mencionava, ainda assim de modo bastante pontual e inserindo-a em discussões que não exploraram o seu papel no Movimento de Renovação do Ensino de Ciências (SCARTON; SELLES, 2012SCARTON, J. G. E.; SELLES, S. E. Narrativas docentes de práticas em educação ambiental na Escola Municipal Camilo Castelo Branco. In: Anais doVIEncontro Regional de Ensino de Biologia RJ/ES, 2012.).
  • 14
    Em produções anteriores, realizamos algumas reflexões a respeito dessa questão (BORBA; SELLES, 2019a, 2019b).
  • 15
    Nilza Vieira ingressou no curso de História Natural em 1956, formou-se em 1960. No ano de 1961, realizou um curso de pós graduação específico de Genética e Evolução. Ambos foram realizados na Universidade do Brasil, instituição denominada Universidade Federal do Rio de Janeiro a partir de 1965.
  • 16
    Desde 1975, a Universidade do Estado da Guanabara (UEG) é denominada como Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Aceito
    23 Set 2020
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