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“PALAVRÃO É O QUE NÃO TEM NO CORPO DE DEUS”: UM ESTUDO DO OBSCENO INFANTIL

"PALABROTAS ES LO QUE NO HAY EN EL CUERPO DE DIOS": Un estudio de lo obsceno infantil

RESUMO:

Este artigo contempla o chamado obsceno infantil, um conjunto de brincadeiras, rimas, desenhos, palavras e gestos compartilhados pelas crianças que pode ser qualificado como obsceno, constituindo uma das expressões da cultura infantil. A partir do levantamento da produção bibliográfica sobre a temática, no campo do folclore infantil, da sociologia da infância e de estudos psicolinguísticos, busca-se apreender as manifestações do obsceno infantil, através de observação, em uma sala de aula, de crianças entre 6 e 7 anos, numa escola particular de classe média urbana. Nesse contexto, verificou-se uma presença rarefeita do obsceno infantil, expresso num diálogo desenvolvido pelas crianças e mediado pela professora, sobre os significados do palavrão, analisado neste trabalho. O diálogo demonstrou que, a partir de seus fragmentos, as crianças buscaram compreender o que define o palavrão, seus usos e as razões de sua interdição. Evidenciou-se também a singularidade do olhar das crianças observadas sobre o tema, definida pelo pertencimento sociocultural desse grupo.

Palavras-chave:
cultura infantil; folclore infantil; obsceno infantil

RESÚMEN:

Este artículo contempla lo que llamamos obsceno infantil, un conjunto de juegos, rimas, dibujos, palabras y gestos compartidos por los niños, que se pueden catalogar como obscenos, constituyendo una de las expresiones de la cultura infantil. A partir de un levantamiento de la producción bibliográfica sobre el tema, en el ámbito del folclore infantil, de la sociología infantil y de los estudios psicolingüísticos, buscamos aprehender sus manifestaciones, a través de la observación en una clase de niños entre 6 y 7 años de un colegio privado de clase media urbana. Ha sido rara la presencia de lo obsceno infantil, expresado en un diálogo, desarrollado por los niños y mediado por la maestra, sobre los significados de las palabrotas, analizado en este artículo. El diálogo demostró que, a partir de los fragmentos, los niños buscaron entender lo que define una palabrota, sus usos y las razones de su prohibición. También ha sido evidente la singularidad de los niños observados teniendo en cuenta el grupo sociocultural a que pertenecen.

Palabras clave:
cultura infantil; folclore infantil; obsceno infantil

ABSTRACT:

This paper discuss the obscene childhood, one of childhood culture expression, consisting on different jokes, riddles, rhymes, drawings shared between children pair groups, that adults understands being obscene. In the dialogue with academic production about the theme on childhood folklore, sociology of childhood and psycholinguist studies, the research consisted on an observation on classroom daily life of a group of children between 6 and 7 years old in a private school. It was possible to identify that the theme did not take place on school daily life, only being developed in a schooling situation, conducted by the teacher. On that occasion, using adults’ fragments, children tried to understand bad words meanings, uses and the causes of its interdiction. It was possible to identify the singularity of the group perspective, related to their socio-cultural background.

Keywords:
childhood culture; childhood folklore; obscene childhood

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem-se constituído uma consistente e original produção interdisciplinar sobre a criança, configurando o campo dos novos estudos da infância, ou new childhood studies (QVROUTRUP, 2009QVROUTRUP, Jens. Childhood as a Structural Form. In: QVROUTRUP, Jens; CORSARO, William(org.). The Palgrave Handbook of Childhood Studies. London: Palgrave, 2009. p. 21-33.). Tal produção tem contemplado os mais diversos temas, como os espaços e estratégias de participação da criança na vida social, a produção cultural da e para a criança, a singularidade de suas linguagens, as relações inter e intrageracionais, dentre outros.

Observa-se que, se alguns temas adquiririam visibilidade, enriquecendo o conhecimento sobre a infância, algumas de suas manifestações continuam inexploradas. Para além dos esforços de valorização das múltiplas linguagens da criança, o estudo de expressões “clandestinas” dos sujeitos de pouca idade permanece lacunar. Especialmente, as manifestações escatológicas são tomadas como expressões de mau gosto ou vulgaridade (FACTOR, 2001FACTOR, Jane. Three myths about childrens folklore. In: BISHOP, Julia; CURTIS, Marvin (org.). Play day in primary school playground: life, learning and creativity. London: Open University Press, 2001. p. 24-36.), embora sejam facilmente observadas em piadas, parlendas, músicas, jogos gráficos, constituindo um tema ausente nos chamados novos estudos da infância.

Tais expressões foram objeto de análise do folclorista francês Gaignebet (2002GAIGNEBET, Claude. Le folklore obscène des enfants (1974). Paris: Maisonneuve et Larose, 2002.), que as denominou “folclore obsceno das crianças”, ou seja, “um certo número de textos, falas e gestos compartilhados no interior de suas sociedades infantis, que podem ser qualificadas de obscenos, [...] porque ofendem o pudor e a decência” (GAIGNEBET, 2002GAIGNEBET, Claude. Le folklore obscène des enfants (1974). Paris: Maisonneuve et Larose, 2002., p. 32).

Ao mesmo tempo velado e evidente, o folclore obsceno infantil é de existência óbvia, pois mesmo quem não convive com crianças pode acessá-lo pela lembrança. Sabe-se que ele existe, mas se sabe também que não vem a público facilmente. Da ordem do recalcado social, o obsceno conta com o véu do esquecimento e do recato. No folclore infantil, ele se manifesta através de alguns recursos, como jogos de linguagem, gestos, gírias, dentre outros, que expressam sua presença/ausência, como exemplifica uma parlenda muito conhecida das crianças brasileiras: “Vaca amarela, pulou da janela, quem falar primeiro come tudo dela”.

Faz-se necessário, portanto, conferir visibilidade a essa expressão infantil silenciada, que, tal como sugere a etimologia da palavra “obsceno”3 3 De etimologia obscura, a palavra parece ser derivada do latim obscenus, referente a “maus presságios”. No entanto, alguns dicionários (ver, por exemplo, Breal & Bailly, s/d.) supõem que a variação obscaenus sugira haver um intermediário, entre o modelo grego e o latino, referente a scena, obs-cena, “fora de cena”. , se situa por detrás da vida social. Desse modo, tem-se como objeto de análise, neste texto, a investigação do obsceno infantil, buscando resgatar suas manifestações. Para tal, será situada, historicamente, a emergência da interdição da criança a manifestações tidas como obscenas, assim como seus deslocamentos posteriores. Num segundo momento, serão resgatadas as referências ao obsceno infantil nos estudos folclóricos e psicolinguísticos. Posteriormente, será apresentado um estudo de caso sobre o tema, desenvolvido junto a crianças de classe média urbana de uma escola particular de Belo Horizonte, realizado como pesquisa de mestrado (CARVALHO, 2013CARVALHO, Cibele. A reprodução interpretativa do obsceno infantil na cultura de pares. 114págs. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, UFMG. Belo Horizonte, 2013.), no qual se buscou resgatar as expressões e compreender as indagações das crianças sobre o obsceno infantil. Por fim, serão analisados os condicionantes dos resultados da pesquisa, que indicaram uma baixa incidência dessas manifestações. Observou-se que as crianças manifestaram um desconhecimento de expressões do obsceno infantil, centrando-se num diálogo marcadamente escolarizado sobre os significados do palavrão. Entende-se que o pertencimento sociocultural das crianças do grupo investigado e as estratégias metodológicas centradas na observação da escola informaram a pouca presença do obsceno, fazendo-se necessários outros estudos sobre o tema.

O OBSCENO INFANTIL E A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO DO ADULTO

A interdição do obsceno infantil constitui um fenômeno histórico, como analisa Norbert Elias (2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.) em seu estudo sobre o processo civilizador europeu. Para o autor, um dos elementos culturais que caracterizariam a construção histórica da Modernidade e da civilização (esta última entendida como expressão da cultura europeia) seria a separação entre universo infantil e universo adulto, em que algumas manifestações da cultura se tornaram interditas às crianças.

A hipótese de Elias (2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.) se funda na análise dos chamados tratados de civilidade, destacadamente na obra: A civilidade pueril, de Erasmo de Roterdã, publicada em 1531. Esse importante filósofo escreveu um tratado de civilidade voltado para a instrução dos pais das elites sobre a educação da infância. Nessa obra, buscou-se estabelecer os comportamentos próprios à criança, distintos daqueles do adulto. Dentre outras condutas, o autor afirmava: “Uma criança de boa educação não deve conspurcar a língua com palavras obscenas, nem lhes prestar atenção. O nome das coisas que conspurca o olhar, também contamina a boca” (ROTERDÃ, 1978ROTERDÃ, Erasmo de. A civilidade pueril (1531). Tradução de Luiz Feracine. São Paulo: Escala, 1978., p. 102).

Para Elias (2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.), o tratado de civilidade de Erasmo de Roterdã, fartamente divulgado e reproduzido nos séculos subsequentes, é indicativo da emergência da distinção e separação entre o universo adulto e o infantil, especialmente no que se refere à sexualidade e à linguagem.

Caracteristicamente, ao longo do século XIX, afirma-se a radicalidade dessa separação e interdição de elementos da cultura aos sujeitos de pouca idade. Para Elias (2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.), esse seria um dos traços do ideário civilizatório, próprio dos países europeus, sedimentado naquele momento. Em suas palavras: “O medo e a vergonha com que a área sexual da vida instintiva, como muitas outras, é cercada, desde os primeiros anos, a ‘conspiração do silêncio’ observada no discurso social a respeito destes assuntos, está praticamente completa” (ELIAS, 2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011., p. 176). Nesse sentido, a representação da criança como caracterizada pela ingenuidade e pureza se afirmou como ideário de formação de um adulto civilizado naquele período histórico.

Tal questão é também discutida por Ariès (2006ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família (1975). Rio de Janeiro: LTC, 2006., p. 74), que afirma de forma peremptória: “[...] uma das leis não escritas de nossa moral contemporânea, a mais imperiosa e a mais respeitada de todas, exige que, diante de crianças, os adultos se abstenham de qualquer alusão, sobretudo jocosa, a assuntos sexuais”. Para o historiador, tal interdito não se fazia presente nas sociedades medievais europeias, em que o hábito de brincar com o sexo das crianças e a liberdade linguística no tratamento do tema constituíam uma tradição, fazendo-se, ainda hoje, presentes nas sociedades muçulmanas. Ariès (2006)ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família (1975). Rio de Janeiro: LTC, 2006. destaca ainda o caráter histórico cultural da interdição dessas brincadeiras e jogos de linguagem, relacionando-a à emergência, na Europa, da grande “reforma moral”, a partir do século XVII e XVIII.

Tal reforma, de origem cristã e posteriormente laica, teria se desenvolvido por força da ação de educadores e moralistas, em que se afirma uma representação da criança como caracterizada pela inocência e recato, a ser protegida do universo sexualizado do adulto, através da interdição do acesso dela a essas manifestações.

No entanto, a separação entre o universo adulto e o infantil, bem como a interdição do “obsceno”, constituía mais uma obsessão dos adultos que uma realidade. Peter Gay (1988GAY, Peter. A educação dos sentidos: a experiência burguesa. São Paulo: Companhia das letras, 1988.), ao analisar a interdição característica da sociedade vitoriana, aponta como ela era incompleta. Como demonstra o autor, crianças e jovens compartilhavam informações sobre sexualidade e jogos de linguagem tidos como obscenos, numa sociedade que, ao mesmo tempo que pregava o recato, era pródiga na circulação de tais conteúdos. No dizer do autor (GAY, 1988GAY, Peter. A educação dos sentidos: a experiência burguesa. São Paulo: Companhia das letras, 1988., p. 243): “[...] quaisquer que fossem os muros que pedagogos ansiosos ou mães extremosas tentassem levantar entre a criança e o mundo, esse permanecia muito próximo dela”.

Nesse contexto, Freud (1977FREUD, Sigmund. Os chistes e as espécies do cômico (1905). In: FREUD, Sigmund. Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros Trabalhos (1901-1905). Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 207-265. (Edições Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume VII).), analista perspicaz das contradições da moral burguesa, chama atenção para os chistes infantis, considerando-os expressão da presença de uma linguagem “obscena” entre as crianças e denominando-os de cômico infantil. O autor afirma que o cômico infantil se caracterizaria por uma falsa ingenuidade, pois, muitas vezes, as crianças se representariam como ingênuas, para desfrutar uma liberdade que, de outra forma, não lhes seria permitida. Freud (1977, p. 253) indica uma identidade própria do cômico infantil, expondo que “certos motivos de prazer das crianças parecem perdidos para nós adultos”. Embora recalcitrante no aprofundamento da questão, afirma que “as coisas cômicas são aquelas impróprias para um adulto” (FREUD, 1977FREUD, Sigmund. Os chistes e as espécies do cômico (1905). In: FREUD, Sigmund. Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros Trabalhos (1901-1905). Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 207-265. (Edições Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume VII)., p. 255).

Além de incompleto, o projeto de interdição do obsceno à criança não é linear. Elias (2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.) observa, ao longo do século XX, um afrouxamento das interdições e separações entre o mundo infantil e o adulto, embora certos temas continuem sendo alvos dessa “conspiração de silêncio”, configurando-se como tabus. O mesmo é apontado por Sohn (2008)SOHN, Anne-Marie. O corpo sexuado. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean Jacques; VIGARELLO, Georges (org.) História do corpo vol. 3. As mutações do olhar. Petrópolis: Vozes, 2018. p. 109-154., que observa, desde o início do século XX, a liberação da palavra, dos gestos e a suspensão de tabus. Para a autora, ainda assim, até os anos 1960, “a autocensura floresce, ainda que muito se exprimisse, através de linguagens cifradas, porém transparentes” (SOHN, 2008SOHN, Anne-Marie. O corpo sexuado. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean Jacques; VIGARELLO, Georges (org.) História do corpo vol. 3. As mutações do olhar. Petrópolis: Vozes, 2018. p. 109-154., p. 113).

Para Factor (2001FACTOR, Jane. Three myths about childrens folklore. In: BISHOP, Julia; CURTIS, Marvin (org.). Play day in primary school playground: life, learning and creativity. London: Open University Press, 2001. p. 24-36.), as profundas mudanças culturais e comportamentais experimentadas nas sociedades ocidentais, a partir da década de 19604 4 Para uma discussão sobre o tema, ver: Vincent (2004, p. 137-282). , redundaram num relaxamento dos costumes e das interdições sociais (especialmente quanto ao uso e exposição do corpo), repercutindo na relação dos adultos com as crianças e impactando especialmente a literatura infantil5 5 Para análise do impacto na literatura infantil e na produção cultural para as crianças, ver: Heywood (2018). .Observa-se, na produção cultural dirigida à criança, a emergência de obras, como livros e filmes, que tematizam questões anteriormente interditas, dentre as quais está o chamado obsceno infantil, fragilizando a conspiração do silêncio referida por Elias (2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador (1939). v. I. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.). Autores e editores de livros dirigidos à criança, anteriormente relutantes e temerosos da resistência dos adultos, passaram a publicar obras com referências escatológicas e sexuais. Tal produção se faz, hoje, presente numa diversidade de títulos, sendo o tema abordado também em filmes e produções televisivas.

Isso não implica a inexistência de interdições e tabus em relação ao mundo infantil, interdições essas, muitas vezes, implícitas e subjetivas, como os silêncios na conversação adulta diante de crianças. Essas interdições podem também se configurar de forma explícita e objetiva, como na Classificação Indicativa no Brasil (BRASIL, 2011BRASIL. Portaria no 796, de 8 de setembro de 2000. Dispõe sobre a classificação indicativa de diversões e espetáculos públicos e os programas para emissão de televisão. Ministério do Turismo, 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/ancine/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/portarias-externas/portaria-no-796-de-8-de-setembro-de-2000 . Acesso em: 2 dez. 2020.
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), que estabelece critérios precisos para a sugestão de adequação etária dos produtos culturais. Três conteúdos são especialmente vetados ao público infantil nesse texto normativo: drogas, sexo e violência.

Se as produções culturais para a criança contêm temas anteriormente interditos, estes se mostram quase ausentes na produção dos novos estudos da infância. As investigações desse campo de estudo vêm se debruçando sistematicamente sobre expressões as quais Corsaro (2011CORSARO, Willian. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.) denomina “cultura infantil”, como as brincadeiras, parlendas, jogos, histórias e produções visuais, desconsiderando as manifestações do obsceno. No entanto, o obsceno infantil se faz presente nos estudos do folclore e da linguagem, o que será analisado a seguir6 6 A psicanálise tem sido pródiga no desenvolvimento de estudos sobre o tema. No entanto, dada a especificidade e complexidade do referencial teórico, tal perspectiva não será aqui contemplada. .

O OBSCENO NO FOLCLORE INFANTIL E NOS ESTUDOS PSICOLINGUÍSTICOS

O estudo das manifestações infantis no campo do folclore configura uma produção com identidade própria: o folclore infantil, tendo sido criada, em 1977, uma sessão dedicada à temática pela American Folklore Society (vide: https://childrensfolklore.org/)7 7 Para conhecimento da produção mais importante do campo, ver: Bibliography: essential texts for childrens folklore studie. Disponível em: https://www.afsnet.org/page/BiblioChildren. Acesso em: 03/02/2019) , que edita o periódico Childrens folklore review. Tal produção redundou no livro Childrens Folklore: a handbook (TUCKER, 2012TUCKER, Elizabeth. Changing concepts of childhood: childrens folklore scholarship since the nineteen century. Journal of American Folklore, Virginia, v. 125, n. 498, p. 32-53, fall2012.), que historiciza e sistematiza o campo do folclore infantil.

Na verdade, desde a criação do termo “folclore”, em 1846, por Ambroise Merton (pseudônimo de William Thoms), entendido como estudo da literatura e do patrimônio do povo, faz-se presente a referência à produção infantil. O criador do termo lançou mão de exemplos de costumes tradicionais infantis para ilustrar o conceito (FACTOR, 2001FACTOR, Jane. Three myths about childrens folklore. In: BISHOP, Julia; CURTIS, Marvin (org.). Play day in primary school playground: life, learning and creativity. London: Open University Press, 2001. p. 24-36.).

A partir de uma perspectiva evolucionista, característica do século XIX, que associava a criança aos “povos primitivos”, ou às camadas iletradas, a recolha do patrimônio cultural infantil marcou os estudos nesse campo. William Wells Newell publicou, em 1883, Games and songs of american children, seguido pela publicação, na Inglaterra, da obra que se afirmou clássica: The traditional games of England, Scotland and Ireland (1894, 1898), da autora de Lady Alice Bertle Gomme. Tal autora, em 2 volumes, registrou cerca de 800 jogos infantis, recolhidos majoritariamente através de entrevistas com adultos de camadas superiores da sociedade. Em nenhum desses jogos havia referência ao que definimos como obsceno.

Dando sequência aos estudos do folclore infantil, Alexander Chamberlain (1896CHAMBERLAIN, Alexander Francis. The Child and Childhood in Folk-Thought. Studies of the Activities and Influences of the Child Among Primitive Peoples, Their Analogues and Survivals in the Civilization of To-Day. New Delhi: Prabhat Prakashan, 1896., p. 25 apudTUCKER, 2012TUCKER, Elizabeth. Changing concepts of childhood: childrens folklore scholarship since the nineteen century. Journal of American Folklore, Virginia, v. 125, n. 498, p. 32-53, fall2012., p. 45) publicou, em 1896, The child and childhood in folk-thought, tendo observado que, em sua coleta de expressões infantis, não registrou uma única manifestação de linguagem ou rima vulgar.

Depois desse, seguiram-se estudos esparsos na primeira metade do século XX. Factor (2001FACTOR, Jane. Three myths about childrens folklore. In: BISHOP, Julia; CURTIS, Marvin (org.). Play day in primary school playground: life, learning and creativity. London: Open University Press, 2001. p. 24-36.) observou uma mudança teórico-metodológica no campo do folclore infantil de um viés evolucionista, centrado no inventário da produção, para uma perspectiva fundada na observação das crianças. Essa perspectiva conferiu destaque aos processos de transmissão e aprendizagem característicos desse grupo geracional, nas interações entre seus pares.

Destaca-se o paradigmático estudo de Opies e Opies (1959OPIES, I.; OPIES, P. The lore and language of school chldren. London: Oxford University Press, 1959.): The lore and language of school children, que teve profundo impacto não apenas no campo do folclore, mas também no da antropologia, sendo creditado como um dos primeiros estudos em antropologia da infância. Nessa extensa obra, o casal de autores faz um rigoroso levantamento dos jogos e folguedos infantis. Porém, observa-se a ausência de brincadeiras ou jogos de linguagem com expressões obscenas. Embora os autores houvessem inicialmente incluído um significativo repertório sobre o tema, por exigência da Editora Oxford, este foi retirado da versão final do livro (vide: SUTTON-SMITH, 1978SUTTON-SMITH, Brian; ABRAMS, David M. Psychosexual material in the stories told by children: The Fucker. Archives of Sexual Behavior, New York, v. 7, n. 6, p. 521-543, nov. 1978.).

Tucker (2012TUCKER, Elizabeth. Changing concepts of childhood: childrens folklore scholarship since the nineteen century. Journal of American Folklore, Virginia, v. 125, n. 498, p. 32-53, fall2012.), em seu levantamento historiográfico do folclore infantil, destaca, a partir da década de 1960, a construção de uma representação de criança transgressora de tabus (taboo-braking child), quando o chamado obsceno infantil adquire visibilidade nos estudos desse campo. Para a autora, só após o relaxamento dos costumes, experimentado naquele período histórico, foi possível falar sobre o tema sem ameaçar os prováveis leitores (TUCKER, 2012TUCKER, Elizabeth. Changing concepts of childhood: childrens folklore scholarship since the nineteen century. Journal of American Folklore, Virginia, v. 125, n. 498, p. 32-53, fall2012.).

Assim é que, em 1968, Gershon Legman, ancorado numa perspectiva psicanalítica, publicou o estudo Rationale of dirty Joe, que contempla expressões escatológicas e sexuais das crianças. Entre outros registros, Legman (1968)LEGMAN, Gershon.Rationale of the dirty joke: An analysis of sexual humor. Londres: Jonathan Cape, 1969. recorre ao material inédito levantado pelos autores Opies e Opies (1959OPIES, I.; OPIES, P. The lore and language of school chldren. London: Oxford University Press, 1959.), os quais o cederam ao autor (SUTTON-SMITH, 1978SUTTON-SMITH, Brian; ABRAMS, David M. Psychosexual material in the stories told by children: The Fucker. Archives of Sexual Behavior, New York, v. 7, n. 6, p. 521-543, nov. 1978.). A obra não apenas apresenta as expressões do obsceno infantil, mas também as categoriza de acordo com manifestações da sexualidade: escatologia, manipulação, masturbação e atos sexuais.

Tucker (2012TUCKER, Elizabeth. Changing concepts of childhood: childrens folklore scholarship since the nineteen century. Journal of American Folklore, Virginia, v. 125, n. 498, p. 32-53, fall2012.) considera que a publicação, em 1974, da tese de doutorado do folclorista Claude Gaignebet, Le folklore obscene des enfants, constitui a primeira produção sistemática do campo que contempla o obsceno infantil8 8 A tese de Gaignebet (1974) foi orientada pelo sociólogo Roger Bastide, na Universidade de Sorbonne (contando com o psicanalista Jacques Lacan como avaliador). Cabe lembrar que o orientador integrou anteriormente o grupo de jovens intelectuais (dentre os quais Levi Strauss e Fernand Braudel) que atuou na formação em ciências humanas da recém-criada Universidade de São Paulo, na década de 1920. Durante sua estadia no Brasil, Roger Bastide orientou a monografia de Florestan Fernandes: As “Trocinhas” do Bom Retiro, em 1936, e permaneceu no país até a década de 50, quando retornou à França. . Gaignebet (1974)GAIGNEBET, Claude. Le folklore obscène des enfants (1974). Paris: Maisonneuve et Larose, 2002. pretendia, inicialmente, desenvolver um estudo psicogenético, ancorado nos referenciais piagetianos. No entanto, a partir da análise de obras literárias, manuscritos e entrevistas com crianças e adultos, o autor demonstrou que tal produção remetia a uma tradição oral, presente na França desde o século XVI (especialmente em Rabelais)9 9 Sobre as relações entre a literatura oral obscena adulta e a literatura oral obscena infantil, ver: Carvalho (2020). . Nesse sentido, as manifestações contemporâneas do obsceno infantil seriam expressões de uma cultura popular de transmissão oral.

Cabe observar a permanência de interdições no tratamento do tema. Sullivan (2008-2009SULLIVAN, Cornelius Willians. Children oral poetry: identity and obscenity. In: SULLIVAN, Cornelius Willians (ed.). Childrens folklore review. Binghamton University: Childrens Folklore Section of American Folklore Society, 2008-2009. p. 67-78.) revela, como editor do periódico Childrens folklore review, que foi criticado por ter publicado um artigo sobre o obsceno (o que o fez temer, inclusive, a perda de um posto acadêmico numa universidade). Para o editor, isso revela a permanência de uma representação de infância, nesse campo de estudo, caracterizada pela pureza e inocência. As tensões em torno do obsceno infantil se mostram presentes também na produção cultural para as crianças. Buckingham (2018BUCKINGHAM, David. Children of the revolution? The counter-culture, the idea of childhood and the case of Schoolkids Oz. Stranae[On-line], n. 13, maio2018. DOI: https://doi.org/10.4000/strenae. 1808. Disponível em: Disponível em: http://journals.openedition.org/strenae/1808 . Acesso em:3 jun. 2018.
http://journals.openedition.org/strenae/...
) comenta sobre a condenação de autores de uma publicação dirigida a crianças e jovens na Inglaterra, em 1972, por atentado ao pudor e divulgação da pornografia10 10 No Brasil, a publicação do livro O menino e o pinto do menino (1975), de Wander Piroli, provocou não apenas elogios, pelo tratamento realista da criança, mas também críticas, pelo título, que, na verdade, fazia referência à relação do menino com um pequeno galináceo. .

Estudos psicolinguísticos também abordaram o obsceno infantil, tendo, porém, como objeto a evolução da compreensão e do uso de palavrões, ou tabus linguísticos (ORSI, 2011ORSI, Vivian. Tabu e preconceito linguístico. ReVEL, São Paulo , v. 9, n. 17, p. 334-348, ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122427 . Acesso em: 19 jul. 2018.
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). Winslow (1969WINSLOW, D. J. Children’s derogatory epithets. Journal of American Folklore, Virgínia, v. 82, n. 325, p. 255-263, 1969 apud JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter 2013.apudJAY; JAY, 2013JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter2013.) registrou o uso de palavrões pelas crianças desde que estas adquirem a linguagem, mesmo sem domínio de seu significado. Para o pesquisador, as crianças fazem uso de palavrão de forma ofensiva, ridicularizando os nomes dos colegas, seu pertencimento étnico-racial e sua aparência.

Em 1978, os psicólogos Brian Sutton-Smith e David M. Abrams, no interior de um projeto de análise das narrativas infantis, publicaram um breve artigo no qual estudaram 25 textos com manifestações obscenas de crianças de 5 a 11 anos, todas escritas por meninos (dentre 150 textos escritos por crianças de ambos os sexos). Os autores analisaram as diferentes expressões do obsceno, tentando avaliar se, nos textos das crianças mais velhas, se observaria uma complexificação das narrativas e uma referência mais indireta às situações ou expressões obscenas, fruto de um maior controle e repressão sexual. Os autores consideram que, em termos narrativos, as escritas adquirem maior densidade e complexidade, havendo uma mudança no uso de expressões obscenas, de acordo com o desenvolvimento da linguagem emocional da criança, com uma maior contenção no uso de termos tabus.

Sullivan (2008-2009) apresenta um estudo do que denomina “poesia oral infantil”, analisando as expressões de obscenidade nela presentes. Para o autor, a criança descobre, através da troca de rimas e brincadeiras de linguagem sobre o tema, algo que as diferencia do mundo adulto. Também a partir de uma perspectiva desenvolvimentista, observa que as referências à coprofilia (interesse pelas fezes) são características das crianças pequenas. À medida que o tema da excreção corporal ganha destaque, o corpo se torna objeto do obsceno infantil, deslocando-se para as áreas genitais e para a compreensão da sexualidade. No entanto, diferentemente das manifestações do obsceno no adolescente, a criança não teria intenção de ser erótica. Para Sullivan (2008-2009), o desejo de independência do mundo adulto e a construção de uma linguagem secreta voltada para compreensão da sexualidade seriam características das expressões do obsceno entre crianças.

Jay e Jay (2013JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter2013.) desenvolvem investigações sobre o tema, desde a década de 1990. Em estudo mais recente, os autores apresentam uma investigação quantitativa e comparativa do uso de palavrões por crianças e adultos. Jay e Jay (2013) observam as diferenças de gênero e idade, em que crianças menores fazem emprego distinto do palavrão. À medida que crescem a compreensão e o uso dos palavrões, elas se aproximam do adulto, resultado das interações sociais. Já com relação ao gênero, o uso de palavrões por meninas tende a diminuir com a idade, também fruto das interações repressoras dos adultos.

Também nos estudos sobre folclore infantil no Brasil, um quase silêncio se manifesta sobre o tema. Nos três trabalhos de Florestan Fernandes sobre o folclore infantil: Folclore e grupos infantis (1942), Educação e cultura infantil (1943) e As trocinhas do Bom Retiro (1944), percebe-se o desenvolvimento de um referencial próprio da análise do folclore (FERNANDES, 2004FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 2004.a, 2004bFERNANDES, Florestan. Educação e cultura infantil (1943). In: FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 2004b., 2004cFERNANDES, Florestan. As “trocinhas” do Bom Retiro (1944). In: FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes , 2004c.). Para Florestan (2004bFERNANDES, Florestan. Educação e cultura infantil (1943). In: FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 2004b., 2004cFERNANDES, Florestan. As “trocinhas” do Bom Retiro (1944). In: FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes , 2004c.), os grupos infantis constituiriam um grupo de iniciação, fornecendo a base do processo de socialização e transmissão, no qual as expressões folclóricas se fariam especialmente presentes. O autor não trata do obsceno, apenas menciona, de passagem, duas versões de pegas infantis, jogos de pulha ou caçadas - como preferem chamar as crianças pesquisadas pelo autor, no bairro do Bom Retiro - (FERNANDES, 2004cFERNANDES, Florestan. As “trocinhas” do Bom Retiro (1944). In: FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes , 2004c. p 306). Segue abaixo, uma das duas versões:

- Tudo que eu falar, você fala guei?

- Falo.

- Pulei um muro.

- Muroguei.

- Pulei uma casa.

- Casaguei.

- Pulei um tanque.

- Tanqueguei.

[...]

- Pulei uma jaca.

- Jacaguei.

Posteriormente, Veríssimo de Melo (1985MELO, Veríssimo de. Folclore infantil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985.) publicou a obra Folclore infantil, em que faz um levantamento e uma categorização do repertório das crianças. Embora em sua caracterização não inclua o obsceno, de forma acanhada e pedindo desculpas ao leitor, o autor registra:

Se é tão importante, nos nossos estudos, citar o maior número possível de variantes de uma única região, como preconizava o prof. Kaarle Khohn, então nos permitam finalizar essas notas com uma variante tão feia, mas tão viva na boca dos meninos e moleques da cidade. - Amanhã é domingo! O gato cag... Você engolindo! (responde o ofendido) - E você de besta aparando os pingos! (MELO, 1985MELO, Veríssimo de. Folclore infantil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985., p. 123).

Chama atenção como o tema foi objeto de estudos esparsos de folcloristas, psicolinguistas e estudiosos da literatura infantil, mas se fez ausente no campo do new childhood studies. Não se conseguiu localizar nenhum estudo em língua inglesa que contemplasse essa temática, o que revela a permanência de uma opacidade no seu tratamento.

Na produção brasileira, Antonio Luis Silva publicou, em 1991, um estudo sobre o uso de palavrão entre crianças da cidade de Catingueira, Paraíba, no estádio de futebol local. Silva (2014)SILVA, Antonio Luiz. Jogando pelas beiradas: Sobre o vivido de meninos e homens num estádio de futebol em Catingueira-PB. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 22, n. 22, p. 103-117, maio2014. desenvolveu uma investigação etnográfica, no diálogo com a produção dos estudos da infância, compreendendo que, nas relações intergeracionais ocorridas dentro do campo de futebol, as crianças, ao fazerem uso do palavrão, construíam uma reprodução interpretativa da cultura adulta masculina e suas manifestações. Ao mesmo tempo, observou que o emprego do palavrão pelas crianças se diferenciava do seu uso pelo adulto. Por exemplo, entre as crianças, a referência materna constituía um tabu.

É interessante observar que as crianças que dominam as habilidades linguísticas e sociais do folclore obsceno costumam ser líderes de seus grupos (GAIGNEBET, 2002GAIGNEBET, Claude. Le folklore obscène des enfants (1974). Paris: Maisonneuve et Larose, 2002.; FERNANDES, 2004FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 2004.), fazendo com que essa literatura oral, aparentemente marginalizada e marginalizadora, possa ter também uma função integrativa e de marca linguística de identidade do grupo (PEREA, 2011PEREA, François. Les gros mot, paradoxes entre subversion et integration. Revue de l'enfance et de l'adolescence, Paris, n. 1, p. 83-84, jan./jun.2011.). Os saberes valorizados entre os pares nem sempre o são na relação com os adultos da família e da escola, o que demonstra a singularidade das relações entre os pares, na cultura infantil.

Certamente, as dificuldades metodológicas no desenvolvimento de pesquisas sobre o tema constituem um desafio para sua realização. Tendo essa questão em mente, foi feita uma investigação empírica sobre as manifestações do obsceno entre crianças, no diálogo com os referenciais dos novos estudos da infância, da psicolinguística e da antropologia. Nesse sentido, à semelhança de Silva (2014SILVA, Antonio Luiz. Jogando pelas beiradas: Sobre o vivido de meninos e homens num estádio de futebol em Catingueira-PB. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 22, n. 22, p. 103-117, maio2014.), entende-se que tais manifestações constituem expressão de uma reprodução interpretativa da cultura adulta, em que as crianças tentam atribuir significado ao obsceno, reproduzindo-o. Entende-se que as recorrências temáticas e estruturais não são passivamente assimiladas, mas, ao contrário, interpretadas ativamente pelos sujeitos. De acordo com essa perspectiva, considerou-se que as crianças não apenas reproduzem estruturas e temas (Joãozinho foi pra escola, Joãozinho leva um recado, Papagaio que falava palavrão etc.), mas também os criam e reinterpretam.

Esta pesquisa foi mobilizada por algumas questões: como as crianças compartilham o obsceno infantil em contextos de interações entre seus pares?; quais suas manifestações?; que significados atribuem a expressões consideradas obscenas?.

“PALAVRÃO É...”: INVESTIGAÇÕES INFANTIS SOBRE O OBSCENO

Diante dessas questões, a definição das estratégias metodológicas constituiu um desafio para a realização da investigação empírica, sendo os resultados tributários da escolha do grupo social e do local da observação.

Dada a dificuldade no tratamento empírico do tema, optou-se por observar a interação entre crianças de classe média de extratos sociais intelectualizados e liberais nos costumes11 11 Foi avaliado que seria mais difícil obter a autorização da realização da pesquisa por pais de camadas populares, em escolas públicas, dada a maior religiosidade nesse grupo. Ver, dentre outros estudos sobre a religiosidade e o tradicionalismo nos costumes entre as camadas populares urbanas: Yaccoub (2011). . O passo seguinte foi a definição da escola como espaço do trabalho de campo, considerando que tais crianças de classe média urbana interagem mais frequentemente com seus pares nas instituições de educação do que noutros espaços sociais12 12 Dentre outros, ver: Lansky, Gouvea e Gomes (2014); Carvalho (2018). . A observação foi realizada em uma escola que atende famílias provenientes de frações intelectualizadas das classes médias, caracterizadas por uma perspectiva crítica da chamada educação tradicional, que comumente se autodefinem como alternativas e politizadas13 13 Ver: Nogueira (1995). . A escolha desse perfil de escola se deu à medida que imaginávamos que o tema teria ali um menor impacto dos valores morais, essa mesma escolha foi feita por Sutton-Smith (1978)SUTTON-SMITH, Brian; ABRAMS, David M. Psychosexual material in the stories told by children: The Fucker. Archives of Sexual Behavior, New York, v. 7, n. 6, p. 521-543, nov. 1978., em sua pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos. Outro fator que informou a escolha do grupo social e da escola foi a aproximação anterior de uma das pesquisadoras com ambos os extratos da pesquisa.

Além da observação em sala de aula, buscou-se resgatar as possíveis manifestações do obsceno infantil produzidas pelas crianças na escola, como grafitos e escritos em banheiros ou carteiras. Buscou-se também ampliar os dados empíricos, recorrendo a entrevistas orais com oito adultos, de ambos os sexos, desse mesmo grupo social, de forma a resgatar a memória do obsceno infantil em suas vivências. Porém, neste artigo, restringir-se-á ao estudo desenvolvido com as crianças, em que se buscou perceber as estratégias e as ocorrências de compartilhamento do obsceno infantil pelo grupo de pares.

O trabalho de campo foi realizado durante todo o segundo semestre de 2012, com uma turma correspondente ao Primeiro Ano do Primeiro Ciclo, que somava 18 alunos entre 6 e 7 anos. Do total de crianças, apenas duas eram meninas e 16 eram meninos, configurando uma turma predominantemente masculina. As crianças eram oriundas de proles reduzidas, sendo, quase a metade (oito), filhos únicos.

A observação das interações das crianças ocorreu desde o momento da entrada delas no recinto escolar, incluindo os períodos das aulas com a professora regente, das aulas extraclasse, do lanche e recreio. As manifestações do obsceno infantil registradas na escola foram raríssimas. Nessa escola, confirmou-se a hipótese de uma fraca incidência do obsceno infantil em sua forma folclórica, tanto em relação a piadas quanto em relação aos grafitos (BELTRÃO, 1980BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação. São Paulo: Cortez, 1980., p. 221) em banheiro e carteiras escolares. O que se observou foi um compartilhamento do obsceno infantil através de uma investigação coletiva bastante escolarizada e mediada pela professora sobre os usos e significados dos palavrões.

A definição do universo sociocultural investigado certamente impactou os resultados. Desde o início, questionou-se a possibilidade de se encontrar o obsceno infantil, sobretudo em sua forma folclórica, entre crianças de classe média, submetidas a forte controle familiar no cotidiano, que tinham uma convivência restrita com outras crianças, fora de espaços institucionalizados, como se pôde verificar nas entrevistas com a professora e nos contatos informais com os pais. Assim, neste artigo, foi trazido para a análise um recorte da pesquisa de campo, quando a questão foi tematizada.

Trata-se do primeiro encontro de uma das pesquisadoras com a turma. Estavam todos sentados em roda, atividade que faz parte da rotina diária da escola. A pesquisadora foi muito habilmente apresentada aos alunos pela professora, como alguém que iria aprender com as crianças. É importante ainda notar que, nesse momento, os termos de consentimento não tinham sido distribuídos e que, portanto, as crianças ainda não conheciam o tema da pesquisa. Ao que tudo indica, o assunto apareceu espontaneamente, uma vez que foi relatado pela professora a inexistência de menção ao tema antes da chegada da pesquisadora. Aqui, será apresentado todo o diálogo, porém, dada sua extensão, optou-se por apresentá-lo em duas partes distintas, que ocorreram sequencialmente, para favorecer as análises14 14 Os nomes da professora (Lilli) e das crianças são fictícios a fim de garantir os parâmetros éticos da pesquisa. :

Luiz: Ô, Lili, o fulano tá falando palavrão.

Lili: Que palavrão?

Luiz: Ele falou “larga do meu pé”.

André: Palavrão é puta que pariu.

Lili: E “larga do meu pé” é palavrão? O que é palavrão?

Luiz: É alguma coisa que a gente fala e o amigo não gosta.

Carlos: É uma palavra grande.

Lili: Grande, igual a paralelepípedo? A palavra que a Laurinha [coordenadora] contou pra gente outro dia?

Guilherme: É uma palavra feia!

Marcelo: Porque é igual a puta merda.

Leo: Palavrão é tipo assim “abacaxi”...Uma pessoa não sabe, mas a outra sabe.

Lili: Como assim?

Leo: É uma coisa que uma pessoa sabe o que significa e a outra não.

Lili: E como vocês sabem se uma palavra é ou não palavrão?

Marcelo: Se for uma palavra tipo de bunda ou vai tomar no cu é palavrão.

Socialmente, o uso do palavrão se constitui um tabu, o que parece ser percebido pelas crianças. O termo tabu evoca, em sua etimologia, seu caráter ambíguo. Segundo Augras (1989AUGRAS, Monique. O que é tabu. São Paulo: Brasiliense, 1989.apudORSI, 2011ORSI, Vivian. Tabu e preconceito linguístico. ReVEL, São Paulo , v. 9, n. 17, p. 334-348, ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122427 . Acesso em: 19 jul. 2018.
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, p. 335), essa palavra teria sido atribuída, pelo navegante inglês James Cook (1728-1779), ao comportamento chamado Tapu dos nativos das ilhas Tonga, que designava tanto o que era sagrado quanto proibido. Tais dimensões do termo se mostram presentes também nas sociedades ocidentais, como analisado por Rodrigues (2006RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.). Segundo o autor, o tabu isola tudo que é sagrado, inquietante, proibido, impuro, estabelecendo-se reservas e punições para sua manifestação na vida social.

No caso dessas crianças, elas buscam compreender o tabu a partir de sua manifestação linguística: o palavrão. No seu estudo sobre o tema, Orsi (2011ORSI, Vivian. Tabu e preconceito linguístico. ReVEL, São Paulo , v. 9, n. 17, p. 334-348, ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122427 . Acesso em: 19 jul. 2018.
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, p. 336) define palavrão como um tabu linguístico:

Em geral, a lexia erótico-obscena pode ser considerada um palavrão, pois ambos podem ser utilizados pelos falantes para expressar insulto, manifestar sentimentos ou para mascarar o nome de algum órgão sexual a fim de evitar a terminologia oficial. Os palavrões são unidades léxicas disparadas, são projéteis verbais, de acordo Tartamella (2006). Eles são vistos também como elemento catártico para aliviar a tensão social.

A compreensão do palavrão pelas crianças observadas se relaciona tanto à dimensão antropológica quanto à sociolinguística e psicológica. Elas se referem a algo que é socialmente transgressor, dado seu caráter impuro, devendo, portanto, ser objeto de interdição quanto ao seu uso. Por outro lado, os alunos deixam transparecer que, ainda assim, o palavrão se faz presente diante de uma situação de tensão na interação social, que se expressa na linguagem como um insulto. Por fim, ressaltam a dimensão de inacessibilidade semântica, em que alguns (provavelmente adultos) dominam seu significado e dele fazem uso, enquanto outros (provavelmente crianças) não. Nesse sentido, os investigados deixam entender seu sentimento de confusão e incompreensão diante da ambiguidade das regras sociais do mundo adulto.

As crianças compreendem a dimensão aparentemente contraditória do uso do palavrão. O palavrão, mesmo sendo interdito, é frequentemente utilizado pelos adultos, como também pelas crianças, num ato de transgressão. Nesse sentido, fazer uso do palavrão parece ser, para o grupo investigado, uma forma de transgredir a ordem adulta, mesmo que não compreenda o significado do léxico.

O palavrão envolve um segredo na apreensão de seu significado, parecendo ser este desconhecido para as crianças observadas. Se os significados e sentidos de uma palavra são apropriados na interação com os adultos, diante de um palavrão, as crianças se deparam com a negativa do adulto, quer em partilhar seu significado, quer em permitir seu uso. Isso é expresso por Leo ao dizer: “[...] é tipo assim ‘abacaxi’...Uma pessoa não sabe, mas a outra sabe”.

Foucault (1988FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988., p. 36) comenta que “o que é próprio das sociedades modernas não é terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como o segredo”. Essa questão é vivida pelas crianças observadas. Numa época de afrouxamento dos costumes, em que o uso do palavrão nas camadas médias não é mais considerado um comportamento tão reprovável nem um objeto de punição na educação das crianças (SUTTON-SMITH, 1978SUTTON-SMITH, Brian; ABRAMS, David M. Psychosexual material in the stories told by children: The Fucker. Archives of Sexual Behavior, New York, v. 7, n. 6, p. 521-543, nov. 1978.; JAY; JAY, 2013JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter2013.; ORSI, 2011ORSI, Vivian. Tabu e preconceito linguístico. ReVEL, São Paulo , v. 9, n. 17, p. 334-348, ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122427 . Acesso em: 19 jul. 2018.
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), o grupo observado demonstra ter um repertório de palavrões (puta que pariu, puta merda, tomar no cu, bosta, termos que aparecem no diálogo), compreendendo-o como um segredo da cultura adulta, esforçando-se para apreendê-lo a partir da interpretação dos poucos elementos disponíveis.

Outra dimensão importante a ser destacada é a relação entre o palavrão e a economia dos afetos infantis. As crianças entendem que o palavrão é um tabu, não apenas porque se refere ao profano, mas também porque é ofensivo ao outro, como expresso por uma das crianças investigadas: “É alguma coisa que a gente fala e o amigo não gosta”. Considerando a demanda infantil por afeto e seu temor à rejeição, o uso do palavrão se constitui um elemento disruptivo nas interações sociais, que poderia ter como consequência a perda da amizade.

Jay e Jay (2013JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter2013.) observaram, em sua pesquisa empírica, que as crianças fazem uso de palavrões desde os 2 anos de idade. Porém, os autores destacam que não apenas o repertório de palavrões é distinto, mas também seu significado entre as crianças pequenas se diferencia daquele entre os adultos, o que veremos na continuidade do diálogo, a seguir:

Segurando o riso, André ergue o dedo do meio (pai de todos) para pedir a vez de falar.

Olha para a pesquisadora e ri.

Fábio: Sabe, por exemplo, eu vi um vídeo que tem um cara, aí aparece uma formiga que fala um palavrão.

Lili: Tá, mas como vocês sabem que isso [aponta para o gesto com o dedo] é feio?

Luiz: Não sei, só sei que para saber você tem que saber que isso é feio.

Luan: Será que a gente vai levar de Para Casa essa pergunta?

Lili: Talvez...vocês podem perguntar para os pais de vocês o que é palavrão.

André: Palavrão é quando a gente fala tipo uma coisa que não é boa de falar.

Lili: Se não é boa de falar, por que falam?

André: Falam porque sentem uma raiva, para liberar isso.

Leo: Por exemplo, uma pessoa só no mundo inventou os palavrões: Deus.

Luiz: Claro que não foi ele quem inventou! Ah...se fosse ele... [pensando] ...se fosse ele...

Leo: Peraí, eu não acabei. Eu acho, eu acho, né, não sei... onze pessoas inventaram onze palavrões... [se dirigindo à professora] Vou ter que falar um palavrão pra explicar...

Lili: Tá...

Leo: Tipo...Capeta...alguém fala palavrão, as pessoas decidem que vai ser um palavrão e que vai significar uma coisa: Deus do mal.

Luan: Sabe como a gente sabe? Alguém inventa a palavra, inventa que é feia e quando a gente fala puta que pariu, a gente lembra da pessoa que falou pra outra pessoa, que falou pra outra pessoa, que falou pra outra pessoa, que falou pra gente.

André: Como a gente sabe se a palavra é grande, como paralelepípedo e quando é palavrão?

Luan: André, você acabou de falar que uma palavra pequena é palavrão e não é... senão, meu nome ia ser um palavrão!!!

Lili: Ele disse que poooode ser.

André: Mas bosta é pequeno e é palavrão. As pessoas falam sem saber o que é.

[conversas sobrepostas inaudíveis]

Tomás: A gente sabe que é feio porque as pessoas contam pra gente que é feio.

João: É uma coisa que não é educada...

Marcelo: Eu sei porque vai tomar no cu é palavrão...é que cu é uma parte do... [aponta pro próprio ventre]...mas e dedo? [aponta pro próprio dedo] Por que dedo [se referindo ao gesto com o dedo do meio] é palavrão?

André: Quando Deus nasceu ele não tinha o dedo do meio. E ele inventou que ninguém ia ter o dedo do meio. Então, tudo o que ele não tem é palavrão.

Nessa sequência do diálogo, as crianças continuam a expressar sua perplexidade diante do conceito de palavrão e de sua origem e interdição. Ao mesmo tempo que indagam seriamente, brincam com a transgressão, por exemplo, quando André levanta o dedo do meio, rindo para a pesquisadora, indicando saber que esse gesto tem um significado obsceno, embora não o domine.

As crianças também compreendem a dimensão social do palavrão e da proibição do seu uso: “A gente sabe que é feio porque as pessoas contam pra gente que é feio” (Tomás). Assim, os adultos são tanto aqueles que dominam o significado dos palavrões e o transmitem às crianças na interação social (SILVA, 2014SILVA, Antonio Luiz. Jogando pelas beiradas: Sobre o vivido de meninos e homens num estádio de futebol em Catingueira-PB. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 22, n. 22, p. 103-117, maio2014.), como aqueles que ensinam que tais palavras não devem ser utilizadas por serem “feias” e expressarem má educação.

Diante dessa perplexidade, as crianças do grupo recorrem às relações entre o sagrado e o profano para compreenderem a origem do palavrão, lançando mão de um ethos religioso. Se Deus criou todas as coisas, teria também criado o palavrão?, parecem pensar. Mas, se o palavrão é algo ruim, como Deus o criou? Nesse momento, elas retomam a referência ao dedo do meio, conjecturando: se palavrão não veio de Deus e o dedo do meio em riste é palavrão, Deus não tem esse dedo. Portanto, de acordo com elas, o palavrão é tudo que Deus não tem (em seu corpo).

Com isso, pode-se inferir que as crianças reproduzem uma oposição entre o sagrado e o profano, em que o palavrão remete a algo ausente no corpo divino. Mary Douglas (1976DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 1976.), em seu estudo clássico sobre os sentidos de pureza/impureza, comenta que a raiz etimológica do termo “santidade” é aquilo que é colocado separadamente. Nessa direção, Rodrigues (2006RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006., p. 23) observa: “[...] o ser sagrado é o ser proibido que não pode ser violado, do qual não ousamos nos aproximar, porque ele não pode ser tocado. Está permanentemente protegido desse contato pelas interdições que o isolam e o protegem do profano”. Nesse sentido, o dedo do meio profano se faz ausente no corpo divino, mantendo-o puro.

Destaca-se também a centralidade do corpo na formulação do conceito de palavrão. À semelhança dos adultos (ORSI, 2011ORSI, Vivian. Tabu e preconceito linguístico. ReVEL, São Paulo , v. 9, n. 17, p. 334-348, ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/122427 . Acesso em: 19 jul. 2018.
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), que utilizam no palavrão a referência a partes do corpo para expressar a sexualidade, as crianças tomam o corpo como referência para discutir o conceito de palavrão (o dedo do meio). Ainda que compreendam essa relação, elas parecem não apreender a dimensão sexual presente nesse gesto (quando fazem referência ao dedo do meio), indicando não dominarem as metáforas utilizadas pela cultura adulta para fazer referência a órgãos sexuais. Assim, não é possível afirmar que as crianças estabeleçam uma relação entre corpo e sexualidade. Porém, podemos dialogar com a antropóloga Mary Douglas (1976DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 1976., p. 149), quando ela afirma que “o simbolismo do corpo faz parte do estoque comum de símbolos, profundamente emotivo, em virtude da experiência humano do indivíduos”. O corpo, portanto, constitui uma potente referência simbólica para a construção da noção de palavrão, considerando que as crianças, desde pequenas, lidam com as interdições na exposição e manipulação de alguns de seus órgãos.

Como destacado por Jay e Jay (2013JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter2013.), o significado do palavrão é muito distinto entre as crianças pequenas e os adultos. À medida que os adultos fazem menor uso do palavrão diante das crianças, elas lançam mão de interpretações originais para compreendê-lo. Tais interpretações, como na cena acima, são algo peculiar à cultura infantil, não acessível ao adulto. Freud (1977FREUD, Sigmund. Os chistes e as espécies do cômico (1905). In: FREUD, Sigmund. Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros Trabalhos (1901-1905). Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 207-265. (Edições Standard Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume VII).), no ensaio sobre o cômico infantil, já chamava atenção para essa dimensão interpretativa, ao afirmar que os prazeres infantis são incompreensíveis para os adultos. Assim é que, se o uso do palavrão envolve um segredo dos adultos, relativo ao domínio profano, as crianças constroem também um universo cultural próprio, com significados inacessíveis aos adultos: o cômico infantil. Podemos compreender, no diálogo com Corsaro (2011CORSARO, Willian. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.), que o cômico infantil pode ser entendido como uma reprodução interpretativa do mundo adulto, como apontou Silva (2014SILVA, Antonio Luiz. Jogando pelas beiradas: Sobre o vivido de meninos e homens num estádio de futebol em Catingueira-PB. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 22, n. 22, p. 103-117, maio2014.) em seu estudo sobre os significados atribuídos por crianças de camadas populares ao palavrão.

A professora do grupo investigado conduziu a conversa com naturalidade, ouvindo o que as crianças tinham a dizer, sem lhes oferecer uma resposta acabada, nem dar muita atenção às piadas que surgiram, inevitavelmente, com o assunto. Algumas crianças aproveitaram do gozo de poder dizer o que pensavam e se divertiram falando o que não poderia ser explicitado em outras ocasiões. Outras crianças trouxeram para essa discussão as posturas de pesquisa e habilidades escolares que já vinham sendo desenvolvidas com a professora, em outros projetos - propuseram uma pesquisa formal e sugeriram levar para casa as questões ali levantadas. Em uma roda de piadas observada, uma criança propôs que elaborassem um livro de anedotas da turma, mostrando o quanto levaram a sério a investigação ali proposta. Elas se empenharam na construção coletiva de um saber sobre a obscenidade e chegaram a elaborar, também conjuntamente, conceitos de palavrão. Dessa maneira, para as crianças dessa turma, um palavrão é: “algo que o amigo não gosta”; “algo que uma pessoa sabe o que significa e outra pessoa não”; “uma coisa que a gente fala”; “uma palavra feia”; “uma palavra que não é boa de falar, mas que falamos porque sentimos raiva, pra liberar isso”; “uma palavra que alguém inventou e decidiu que era feia”; “que uma pessoa conta pra outra que é feia e que a gente lembra de quem ensinou pra gente que era feia”; “partes sexuais”; “uma coisa que não é educada”; “uma coisa que Deus não tem”.

Em resumo, no conceito construído coletivamente por essas crianças, implicadas junto a seus pares numa investigação sexual infantil, um palavrão é uma palavra arbitrariamente inventada e interdita por um outro (por Deus ou pela cultura), que elas não sabem o que significa (embora algumas desconfiem que se refira à realidade de seus corpos), mas que alguém decide que é feia. Para elas, a seleção das palavras feias é comunicada às crianças como num segredo compartilhado. Prosseguem entendendo que tais palavras não devem ser faladas, porque são feias e falá-las consistiria em má educação, ou possuem potencial para ofender alguém. Apesar de ser feio falar palavrão, consideram que é bom falar para desabafar alguma raiva. O conceito de palavrão dessas crianças, que não pode ser generalizado para outros grupos infantis, confirma sua dimensão de tabu a ser interdito em função do seu caráter agressivo ou injurioso.

Chama atenção como as crianças utilizam estratégias escolares comuns naquele contexto para ter acesso ao segredo adulto do universo obsceno. Tendo como estratégia uma dialogia própria dos processos de aprendizagem naquela escola, elas levantam hipóteses e formulam teorias mediadas pela professora, numa atividade de investigação intelectual, sem qualquer experimentação ou uso de palavrões, quer na situação observada, quer em situações posteriores.

Após esse início promissor, as crianças não retornaram ao tema, nem fizeram uso de palavrões, quer na sala de aula, quer nos momentos de recreio e lazer. Por outro lado, não se fez presente, em qualquer situação, a transmissão oral do chamado folclore obsceno infantil, isto é, um conteúdo obsceno com alguma permanência estrutural ou temática. Cabe analisar tal ausência tanto refletindo sobre a característica do grupo investigado quanto sobre os limites metodológicos da pesquisa.

Essas crianças, como destacado anteriormente, eram, em sua maioria, filhos únicos. Moradoras de uma metrópole onde a convivência intergeracional e entre classes sociais se faz pouco presente entre as crianças das camadas média e alta da sociedade (LANSKY; GOUVEA; GOMES, 2014LANSKY, Samy; GOUVEA, Maria Cristina; GOMES, Ana Maria. Cartografia das infâncias em regiões de fronteira em Belo Horizonte. Educação & Sociedade, Belo Horizonte, v. 35, n. 128, p. 717-740, jul./set. 2014.; CARVALHO, 2018CARVALHO, Cibele. Nascer em berço de ouro: os quartos infantis como instância de socialização de crianças pertencentes a estratos sociais favorecidos. 2018. 189 f.Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.), as crianças observadas, em seu cotidiano fora da escola, apresentavam pouca interação com outros grupos sociais ou geracionais, para além da família e dos vizinhos. Nenhuma delas fez referência a amigos ou colegas como fonte de informação, mas apenas a adultos, os quais controlavam seu acesso aos outros lugares da cidade. Acredita-se que o estudo de caso desenvolvido constitui uma expressão da relação de crianças desse grupo social com o chamado obsceno infantil, em que o maior controle e acompanhamento dos pais dificulta o acesso ao repertório do folclore infantil, especialmente de suas manifestações obscenas.

Muito diferente foi o uso dos palavrões no estudo de Silva (2014SILVA, Antonio Luiz. Jogando pelas beiradas: Sobre o vivido de meninos e homens num estádio de futebol em Catingueira-PB. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 22, n. 22, p. 103-117, maio2014.), desenvolvido noutro contexto cultural e com um grupo social bastante distinto. Na observação do campo de futebol, as crianças se apropriavam do palavrão através de uma reprodução interpretativa de um contexto adultocêntrico (SILVA, 2014SILVA, Antonio Luiz. Jogando pelas beiradas: Sobre o vivido de meninos e homens num estádio de futebol em Catingueira-PB. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 22, n. 22, p. 103-117, maio2014.). Observou-se uma forte interação inter e intrageracional com crianças de idades distintas, partilhando com adultos os tabus linguísticos. Tais adultos, naquele contexto cultural, marcado por um ethos masculino, eram permissivos em relação ao uso do palavrão pelas crianças, as quais se apropriavam dos espaços sociais de uso dos tabus linguísticos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Por se tratar de um estudo de caso, credor das especificidades do grupo de crianças em questão, as conclusões da pesquisa não poderão ser universalizadas, tampouco se esgotam as possibilidades de existência de outros modos de compartilhamento do obsceno infantil. Permanece, portanto, a pertinência de outras investigações, em outros espaços de socialização, com crianças de faixas etárias diferentes, ou em instituições escolares de outras camadas sociais, como já chamavam atenção Jay e Jay (2013JAY, Kristin; JAY, Timothy. A Child's Garden of Curses: A Gender, Historical, and Age-Related Evaluation of the Taboo Lexicon. The American Journal of Psychology, v. 126, n. 4, p. 459-475, Winter2013.), no seu levantamento quantitativo. Esses autores observam que a maioria dos estudos sobre a utilização do palavrão pelas crianças se centra na análise de sua evolução. Poucas são as investigações que contemplam sua emergência, de forma a apreender a singularidade do uso do palavrão pelas crianças.

Nesse sentido, chama-nos atenção a necessidade de investigações ancoradas nos referenciais teórico-metodológicos dos estudos da infância, que possibilitem tanto resgatar a singularidade das expressões do obsceno infantil, em suas diferentes manifestações, como situar as condições socioculturais que informam seu uso.

No caso da investigação aqui desenvolvida, entende-se que o compartilhamento do obsceno pelas crianças necessita de algumas condições. Além das questões metodológicas já apontadas, talvez a baixa incidência da temática no grupo observado se deva à idade daquelas crianças, que, encerrando a primeira infância, “desenvolvem sentimentos de vergonha e de repugnância que então se alçam contra os prazeres perversos da primeira infância, como efeitos da coerção educativa ou de uma evolução determinada biologicamente [...]” (MILLOT, 1987MILLOT, Caterine. Freud antipedagogo. Rio de Janeiro: Zahar, 1987., p. 25).

Ademais, a forte proteção familiar característica desse grupo social possivelmente restringiu o acesso das crianças ao obsceno. A assepsia dos programas infantis e as precauções diante dos potenciais riscos contemporâneos (traumas, sexualidade precoce, assédio, bullying) fazem com que as crianças urbanas das camadas sociais médias lidem com assuntos considerados adultos de forma significativamente mediada, até porque convivem pouco com crianças de outras idades e de realidade social diversa.

Observa-se também a tensão contemporânea quanto às manifestações do obsceno infantil com impactos diretos sobre a escola. Se existe uma fértil produção cultural dirigida à criança, em que algumas expressões do folclore obsceno infantil se mostram presentes, nos últimos anos, no Brasil, a interdição da circulação e do acesso a produções culturais e informações sobre temas considerados tabus por grupos político-religiosos tem sido crescente e poderosa. Tal tensão demonstra que, mais uma vez, a criança é objeto de discursos e práticas de controle do acesso ao conhecimento e à cultura, em nome de uma representação de pureza e inocência ainda presentes.

Ainda assim, a resistência infantil ao controle adulto persiste no recurso ao cômico e ao segredo. Recuperando uma piada do Joaozinho: “A professora pede a Joãozinho que formule uma frase com a palavra ‘urubu’. Ele cria uma (esperada) rima obscena e é repreendido por isso. Diante da proibição, ele retifica: - Urubu tem pena no pé, só não tem em outro lugar, porque a professora não quer”.

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  • VINCENT, Gerard. Uma história do segredo?In: VINCENT, Gerard; PROUT, A. (org.). História da vida privada n. 5. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 137-365.
  • 3
    De etimologia obscura, a palavra parece ser derivada do latim obscenus, referente a “maus presságios”. No entanto, alguns dicionários (ver, por exemplo, Breal & Bailly, s/d.) supõem que a variação obscaenus sugira haver um intermediário, entre o modelo grego e o latino, referente a scena, obs-cena, “fora de cena”.
  • 4
    Para uma discussão sobre o tema, ver: Vincent (2004VINCENT, Gerard. Uma história do segredo?In: VINCENT, Gerard; PROUT, A. (org.). História da vida privada. n. 5. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 137-365., p. 137-282).
  • 5
    Para análise do impacto na literatura infantil e na produção cultural para as crianças, ver: Heywood (2018)HEYWOOD, Sophie. Le ‘68 des enfants: introduction. Traduction de Cécile Boulaire et Laurent Gerbier. Strenæ [En ligne], n. 13, mai2018. DOI: https://doi.org/10.4000/strenae.1999. Disponível em: Disponível em: http://journals.openedition.org/strenae/1999 . Acesso em: 2 dez. 2020.
    http://journals.openedition.org/strenae/...
    .
  • 6
    A psicanálise tem sido pródiga no desenvolvimento de estudos sobre o tema. No entanto, dada a especificidade e complexidade do referencial teórico, tal perspectiva não será aqui contemplada.
  • 7
    Para conhecimento da produção mais importante do campo, ver: Bibliography: essential texts for childrens folklore studie. Disponível em: https://www.afsnet.org/page/BiblioChildren. Acesso em: 03/02/2019)
  • 8
    A tese de Gaignebet (1974) foi orientada pelo sociólogo Roger Bastide, na Universidade de Sorbonne (contando com o psicanalista Jacques Lacan como avaliador). Cabe lembrar que o orientador integrou anteriormente o grupo de jovens intelectuais (dentre os quais Levi Strauss e Fernand Braudel) que atuou na formação em ciências humanas da recém-criada Universidade de São Paulo, na década de 1920. Durante sua estadia no Brasil, Roger Bastide orientou a monografia de Florestan Fernandes: As “Trocinhas” do Bom Retiro, em 1936, e permaneceu no país até a década de 50, quando retornou à França.
  • 9
    Sobre as relações entre a literatura oral obscena adulta e a literatura oral obscena infantil, ver: Carvalho (2020)CARVALHO, Cibele. A literatura obscena das crianças. In: MARTINS, Ricardo. RIBEIRO, Anderson e ZUCCHI, Vanessa. Erotismo e Literatura: o efeito obsceno. São Paulo: Editora Paco Editorial, 2020. p. 67-82..
  • 10
    No Brasil, a publicação do livro O menino e o pinto do menino (1975), de Wander Piroli, provocou não apenas elogios, pelo tratamento realista da criança, mas também críticas, pelo título, que, na verdade, fazia referência à relação do menino com um pequeno galináceo.
  • 11
    Foi avaliado que seria mais difícil obter a autorização da realização da pesquisa por pais de camadas populares, em escolas públicas, dada a maior religiosidade nesse grupo. Ver, dentre outros estudos sobre a religiosidade e o tradicionalismo nos costumes entre as camadas populares urbanas: Yaccoub (2011)YACCOUB, Hilaine. A chamada “nova classe média”: cultura material, inclusão e distinção social. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 17, n. 36, p. 197-231, dez. 2011. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-71832011000200009. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832011000200009&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 2 dez. 2020
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    .
  • 12
    Dentre outros, ver: Lansky, Gouvea e Gomes (2014); Carvalho (2018).
  • 13
    Ver: Nogueira (1995)NOGUEIRA, Maria Alice: Famílias de classe média e escola: bases preliminares para um objeto em construção. Educação e realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 10-25, jan./jun. 1995..
  • 14
    Os nomes da professora (Lilli) e das crianças são fictícios a fim de garantir os parâmetros éticos da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2019
  • Aceito
    04 Abr 2019
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