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EDUCAÇÃO NAS SOCIEDADES DO CONHECIMENTO: O USO DE RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS PARA O DESENVOLVIMENTO DE CAPACIDADES DE AÇÃO EMANCIPATÓRIAS

EDUCACIÓN EN SOCIEDADES DEL CONOCIMIENTO: EL USO DE RECURSOS EDUCATIVOS ABIERTOS PARA EL DESATROLLO DE CAPACIDADES DE ACCIÓN EMANCIPATORIAS

RESUMO:

Com o intuito de ampliar as discussões sobre a adoção dos Recursos Educacionais Abertos (REA) e o seu potencial emancipatório, o presente artigo aprofunda a reflexão teórica e filosófica sobre o que são os REA e sobre suas implicações sociais. A discussão é feita em três etapas: i) a relação dos REA com outros movimentos de código aberto; ii) a associação entre REA e os preceitos de uma educação emancipatória de Paulo Freire; iii) a projeção desses resultados na Teoria das Sociedades do Conhecimento de Nico Stehr. Como resultado dessa discussão, o artigo propõe o conceito de Capacidade de Ação Emancipatória, entendida como os conhecimentos, saberes e práticas que precisam ser mobilizados para indivíduos, ou grupos, se emanciparem. Assim, deseja-se contribuir para a defesa de que a superação das injustiças sociais passa pela incorporação, em especial na educação, das práticas e filosofias dos REA, incluindo a cultura livre, as tecnologias livres e a ciência aberta.

Palavras-chave:
Recursos educacionais abertos; Educação emancipatória; Sociedade do conhecimento; Hiperobjeto; Capacidade de Ação Emancipatória

RESUMEN:

Para ampliar las discusiones sobre la adopción de los Recursos Educativos Abiertos (REA) y su potencial emancipatorio, este artículo profundiza la reflexión teórica y filosófica sobre qué son los REA y sus implicaciones sociales. La discusión tiene lugar en tres etapas: 1. la relación de REA con otros movimientos de código abierto; 2. la asociación entre REA y los preceptos de educación emancipadora de Paulo Freire; 3. la proyección de estos resultados en la teoría de las sociedades del conocimiento de Nico Stehr. Como resultado de esta discusión, el artículo propone el concepto de Capacidad de Acción Emancipadora, entendido como el conocimiento, saberes y prácticas que necesita ser movilizado para que los individuos o grupos puedan emanciparse. Por lo tanto, se pretende contribuir a la defensa de que la superación de las injusticias sociales implica la incorporación, especialmente en la educación, de prácticas y filosofías de REA, incluida la cultura libre, las tecnologías libres y la ciencia abierta.

Palabras clave:
Recursos educativos abiertos; Educación emancipadora; Sociedad del conocimiento; Hiperobjeto; Capacidad de Acción Emancipadora

ABSTRACT:

Aiming to broaden the discussion on the use of Open Educational Resources (OER) and its emancipatory potential, this article deepens the theoretical and philosophical reflection on what OER are and their social implications. The discussion takes place in three stages: i) the relationship of OER with others open-source movements; ii) the association between OER and Paulo Freire's emancipatory education precepts; iii) the projection of these results in Nico Stehr's Theory of Knowledge Societies. Based on this discussion, the article proposes the concept of Emancipatory Capacity to Act, understood as the knowledge and practices that need to be mobilized for the emancipation of individuals or groups. Thus, we intend to contribute to the idea that overcoming social injustices involves the incorporation, especially in education, of OER practices and philosophies, including free culture, open-source technologies, and open science.

Keywords:
Open educational resources; Emancipatory education; Knowledge society; Hyperobject; Emancipatory Capacity to Act

INTRODUÇÃO

Querem nos fazer crer que a pilar moral de compartilhar tem mais a ver com saquear um navio do que acender uma vela com outra.

Alexandre Oliva (apud Pretto, 2012Pretto, N. D. L. (2012). Professores-autores em rede. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba ; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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, p. 102)

A recente eclosão da pandemia de COVID-19 levou pessoas ao redor de todo o mundo a reinventarem a forma como se relacionam umas com as outras e consigo mesmas. Nosso alto estágio de globalização, com intenso fluxo de pessoas viajando entre países, fez com que apertos de mão em Wuhan, na China, tenham levado ao isolamento milhares de pessoas ao redor do mundo (Han, 2020Han, B.-C. (2020, março 22). O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, segundo o filósofo Byung-Chul Han. EL PAÍS. https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html
https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-...
). A situação de calamidade levou países a intensificarem seus sistemas de controle sobre os cidadãos, da Coreia do Sul ao Brasil (Dieb & Gomes, 2020Dieb, D., & Gomes, H. S. (2020, abril 2). Governo vai monitorar celular para controlar aglomeração na pandemia. tilt. https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/04/02/para-combater-a-covid-19-o-governo-federal-vai-monitorar-o-seu-celular.htm
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/red...
; Kim, 2020Kim, N. (2020, março 6). “More scary than coronavirus”: South Korea’s health alerts expose private lives. The Guardian. https://www.theguardian.com/world/2020/mar/06/more-scary-than-coronavirus-south-koreas-health-alerts-expose-private-lives
https://www.theguardian.com/world/2020/m...
; Magenta, 2020Magenta, M. (2020, abril 3). Coronavírus: Governo brasileiro vai monitorar celulares para conter pandemia. BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52154128
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52...
), trazendo novamente à tona discussões quanto aos riscos do sistema de vigilância e privacidade, em governo autoritário, como a China, ou em governos com fracas leis de proteção de dados, como o Brasil, e comparando o fenômeno ao aquecimento global (Affonso, 2020Affonso, C. (2020, janeiro 27). Reconhecimento facial é o novo aquecimento global? Tecfront. https://tecfront.blogosfera.uol.com.br/2020/01/27/reconhecimento-facial-e-o-novo-aquecimento-global/
https://tecfront.blogosfera.uol.com.br/2...
; Biddle, 2020Biddle, S. (2020, abril 6). O risco à privacidade digital em tempos de coronavírus. The Intercept Brasil. https://theintercept.com/2020/04/06/coronavirus-covid-19-vigilancia-privacidade/
https://theintercept.com/2020/04/06/coro...
; Campagnucci, 2020Campagnucci, F. (2020, março 19). Pandemia exige mais transparência e mais controle social |. Open Knowledge Brasil. https://www.ok.org.br/noticia/pandemia-exige-mais-transparencia-e-mais-controle-social/
https://www.ok.org.br/noticia/pandemia-e...
).

O estado de isolamento constante e de duração indeterminada tem oportunizado o crescimento de soluções para o ensino remoto, principalmente de softwares de videoconferência (Bandeira & Pasti, 2020Bandeira, O., & Pasti, A. (2020, abril 3). Como o ensino a distância pode agravar as desigualdades agora. Nexo Jornal. https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/Como-o-ensino-a-dist%C3%A2ncia-pode-agravar-as-desigualdades-agora
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). Muitas dessas soluções são proprietárias, ou seja, envolvem tecnologias, processos e obras que pertencem, via leis de propriedade intelectual, a indivíduos, empresas ou instituições. O uso indiscriminado delas demanda a autorização prévia de seus proprietários e, no início de 2020, já alcançava 65% das universidades públicas e secretariais estaduais de educação do Brasil. Compulsoriamente, elas expõem estudantes e trabalhadores a questionáveis práticas de vigilância e a crimes cibernéticos (IEA, 2020IEA, I. E. A. (2020, março). Mapeamento inédito mostra exposição da educação brasileira ao “capitalismo de vigilância”. Iniciativa EA. https://aberta.org.br/mapeamento/
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). O Google Suite (GSuite)4 4 Disponível em: <https://gsuite.google.com.br/intl/pt-BR>. Acesso em: 16 abr. 2020. , por exemplo, um pacote de soluções de software de conectividade, de criação colaborativa, de compartilhamento de arquivos e de controle oferecido pela Google para empresas e Instituições de Ensino (IE), tem sido amplamente adotado por IE, da educação básica ao ensino superior (Parra et al., 2018Parra, H., Cruz, L., Amiel, T., & Machado, J. (2018). Infraestruturas, economia e política informacional: O caso do google suite for education. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 23(1), 63.).

A despeito dos escândalos sobre vigilância massiva de pessoas em que a Google esteve envolvida, como o do programa PRISM, que tinha como objetivo usar os dados da empresa para vigiar indivíduos dentro e fora dos EUA (Greenwald & MacAskill, 2013Greenwald, G., MacAskill, E., Poitras, L., Ackerman, S., & Rushe, D. (2013, julho 12). Microsoft handed the NSA access to encrypted messages. The Guardian. https://www.theguardian.com/world/2013/jul/11/microsoft-nsa-collaboration-user-data
https://www.theguardian.com/world/2013/j...
), e a participação em projetos militares, como o Maven - que previa o uso de inteligência artificial e aprendizado de máquina da empresa na análise de imagens obtidas com drones (Gibbs, 2018Gibbs, S. (2018, março 7). Google’s AI is being used by US military drone programme. The Guardian. https://www.theguardian.com/technology/2018/mar/07/google-ai-us-department-of-defense-military-drone-project-maven-tensorflow
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) -, IE, públicas e privadas, têm adotado o pacote GSuite como solução para vários de seus problemas, alegando maior eficiência e baixo custo. Ao neglicenciar as consequências dessa adoção, conduzem os estudantes a, compulsoriamente, se submeter a questionáveis e confusos termos de uso, que alimentam sistemas de vigilância e controle, para terem acesso ao direito da Educação (Parra et al., 2018Parra, H., Cruz, L., Amiel, T., & Machado, J. (2018). Infraestruturas, economia e política informacional: O caso do google suite for education. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 23(1), 63.). O mesmo decorre do uso dos serviços oferecidos pela Microsoft5 5 Disponível em: <https://www.microsoft.com/pt-br>. Acesso em set. 2020. , também envolvida no projeto PRISM (Greenwald et al., 2013Greenwald, G., MacAskill, E., Poitras, L., Ackerman, S., & Rushe, D. (2013, julho 12). Microsoft handed the NSA access to encrypted messages. The Guardian. https://www.theguardian.com/world/2013/jul/11/microsoft-nsa-collaboration-user-data
https://www.theguardian.com/world/2013/j...
; Greenwald & MacAskill, 2013Greenwald, G., & MacAskill, E. (2013, junho 7). NSA Prism program taps in to user data of Apple, Google and others. The Guardian. https://www.theguardian.com/world/2013/jun/06/us-tech-giants-nsa-data
https://www.theguardian.com/world/2013/j...
). Apesar das questionáveis práticas de segurança, universidades, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), insistem em fechar acordos que, como denunciado por servidores, professores e estudantes6 6 Denunciado no podcast da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS, disponível em: https://open.spotify.com/episode/1RYvkjQ9yEtj6Oy6fMHIsg?si=4JOfvWI-Rwu0TXjpCHFoRw. Acesso em: set. 2020. , trocam, obrigatoriamente, seus dados por serviços.

O problema não se reduz, porém, apenas à espionagem. A perda de autonomia tecnológica e comunicacional amplificada também pelo uso de outras tecnologias da GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft) e softwares proprietários de engenharia, ciência e audiovisual (e.g. Autodesk, Solidworks, SPSS Statistics e Adobe Photoshop) limita as formas de educação, de comunicação, de expressão, de pensar, de inovar, de criar e até mesmo de agir (Parra et al., 2018Parra, H., Cruz, L., Amiel, T., & Machado, J. (2018). Infraestruturas, economia e política informacional: O caso do google suite for education. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 23(1), 63.).

Desse modo, do ensino fundamental ao superior, o uso de soluções proprietárias treina estudantes a usarem exclusivamente o design presente na interface dessas tecnologias, unificando a forma de pensar e organizar as ideias e alimentando uma dependência individual e coletiva dessas ferramentas. Promovem também uma lógica em que estudantes, professores, gestores e demais profissionais são apenas usuários passivos do que empresas internacionais lhes oferecem. Sem voz para opinar, nem meios para modificar as ferramentas, em vez de terem nas tecnologias digitais ferramentas para multiplicar as possibilidades de ensino e comunicação, se veem limitados ao que sua prestadora de serviços deseja. A adoção acrítica leva também à dificuldade do surgimento de competidoras nacionais, livres ou proprietárias, aprofundando, assim, a dependência social e econômica dessas empresas. Destarte, a inovação das ferramentas didáticas, limitada à inclusão de tecnologias digitais no ensino, não é suficiente para que a educação, de maneira geral, supere seu caráter bancário.

No entanto, na busca por quebrar o paradigma proprietário, movimentos como o de tecnologias livres - que abrangem software, hardware e soluções biológicas - de ciência aberta e de educação aberta surgem como alternativas que ampliam o acesso à educação, ciência e tecnologias e promovem o desenvolvimento científico-tecnológico colaborativo (Albagli et al., 2014Albagli, S., Clinio, A., & Raychtock, S. (2014). Ciência Aberta: Correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, 10, 17.). Possibilitam também que a cultura e o conhecimento se desenvolvam de maneira mais orgânica, menos sujeitos aos interesses e vontades de grandes corporações e governos e mais alinhados aos interesses das comunidades que os produzem ou/e que por ele são afetados (Lessig, 2004Lessig, L. (2004). Free Culture. The Penguin Press.).

Destaca-se, na área da Educação, os Recursos Educacionais Abertos (REA), movimento comumente associado à disponibilização de materiais didáticos disponíveis gratuitamente e à robótica educacional de baixo custo. Defendida pela UNESCO como essencial para a democratização da educação e inserida dentro do movimento open source e em defesa do conhecimento livre, a filosofia dos REA preconiza recursos educacionais que são, por natureza, passíveis de ser transformados e adaptados (UNESCO, 2012UNESCO, O. das N. U. para a E., a Ciência e a Cultura. (2012). Declaração REA de Paris em 2012. Congresso Mundial sobre REA.). Assim, a descentralização da sua criação, associada à disponibilização dos códigos-fonte e esquemáticos que os compõem, pode quebrar o ciclo de dependência que o uso de tecnologias proprietárias impõe. Quando associadas a seus princípios filosóficos, elas têm o potencial de fomentar a percepção de que estudantes e professores podem modificar as ferramentas e recursos e o mundo que os rodeiam (Pretto, 2012Pretto, N. D. L. (2012). Professores-autores em rede. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba ; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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, 2017Pretto, N. D. L. (2017). Educações, Culturas e Hackers: Escritos e reflexões. EDUFBA.).

Ainda que o uso dos REA venha sendo incentivado em diversos contextos, não são raros os casos em que o uso de tais recursos é realizado de forma acrítica, sendo justificado por elementos circunstanciais, como pela sua qualidade ou por sua gratuidade, sem reflexões sobre as implicações desse uso. Como argumentado, a defesa de REA é pautada por ideias profundas que vão muito além de aspectos técnicos. É importante para a área educacional que o uso desses recursos seja acompanhado de reflexões sobre as implicações da abertura do conhecimento, como a citada desconstrução de relações de dependência. Portanto, é importante também que novas reflexões sejam propostas para fundamentar políticas públicas7 7 Tais políticas de incentivo, na área da educação, passam pela criação de condições materiais para a implementação dos REA, como a compra de computadores ou a adequada formação de professores e técnicos; mas também, como apontado mais adiante no texto, por políticas em áreas como a cultura, ciência e indústria, criando um ecossistema favorável a essa filosofia (Pretto, 2012). e/ou práticas educacionais alinhadas com a filosofia dos REA, promovendo criticidade às ações de professores e instituições.

Assim, pode-se construir um aprofundamento dessas reflexões ao compreender o conhecimento como uma capacidade de agir, e ao considerar que ele é o principal recurso das economias modernas, como proposto por Nico Stehr (2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.). Ainda que não discuta as implicações da sua teoria para casos específicos, ignorando os diferentes efeitos da Sociedade do Conhecimento em países com distintas características econômicas e sociais, em especial os países periféricos (Freitas et al., 2020Freitas, M. de, Albuquerque Heidemann, L., & Solano Araujo, I. (2020). Educação em Ciências na Perspectiva da Teoria da Sociedade do Conhecimento de Nico Stehr. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências.), o autor apresenta um modelo sociológico no qual desigualdades sociais são moldadas - para além das tradicionais hierarquias de poder - pelo conjunto de conhecimentos que cada indivíduo possui (Stehr, 2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.). Assim, ao se considerar as sociedades modernas como Sociedades do Conhecimento, entende-se que a ampla adoção de REA tem o potencial de diminuir as barreiras ao conhecimento e fortalecer a produção descentralizada, mas local e contextual, de conhecimento.

Portanto, uma educação baseada nas práticas e filosofias dos REA tem o potencial de contribuir com uma educação emancipatória, libertadora e esperançosa, nos moldes defendidos por Paulo Freire (1974Freire, P. (1974). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra.). Com o intuito de contribuir para as reflexões que pautam a defesa do uso de REA, o presente artigo tem como objetivo expor uma reflexão sobre como o uso de REA pode contribuir para a promoção de uma educação emancipatória no contexto das sociedades modernas, entendidas como sociedades do conhecimento, na acepção de Stehr. Ao longo do trabalho será discutido: i) uma percepção de REA ampla e profunda, articulada com os demais movimentos de código aberto; ii) a associação entre REA e os preceitos de uma educação emancipatória, de Paulo Freire; iii) a projeção desses resultados na Teoria das Sociedades do Conhecimento, de Nico Stehr. Como resultado da articulação dessas teorias, propomos o conceito de Capacidade de Ação Emancipatória, definido como: o conjunto contextual de conhecimentos necessários para que o indivíduo (ou grupo) desconstrua, de forma autônoma e consciente, dependências cognitivas e materiais decorrentes de injustiças sociais. Assim, espera-se justificar por que, fazendo uma analogia com a frase de Oliva exposta no início desta seção, acreditamos que uma educação baseada na filosofia open source é como acender velas de conhecimento, e não saquear o capital acumulado em navios.

SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

A Teoria da Sociedade do Conhecimento (TSC), de acordo com a perspectiva de Nico Stehr e colaboradores, trata das discussões contemporâneas sobre o conceito sociológico de conhecimento e sobre seu papel na sociedade moderna (Adolf & Stehr, 2017Adolf, M. T., & Stehr, N. (2017). Knowledge: Is knowledge power?(2°). Routledge, Taylor & Francis Group.). Em todas as sociedades ao longo da história, o conhecimento teve importante papel nas atividades humanas, sendo essencial para as atividades sociais e culturais e base para a estratificação social. Na atualidade, o conhecimento e a informação assumiram um papel econômico e social de destaque. Assim, segundo os autores, o conhecimento se apresenta como principal recurso dos processos produtivos, o que o faz central no desenvolvimento econômico das sociedades, dando a elas o nome de Sociedades do Conhecimento. Não se trata, portanto, de estratégias para a democratização do conhecimento, como o projeto da UNESCO “Construindo Sociedades do Conhecimento” (UNESCO, 2013UNESCO, O. das N. U. para a E., a Ciência e a Cultura. (2012). Declaração REA de Paris em 2012. Congresso Mundial sobre REA.), nem de uma relação de superioridade entre as sociedades, como propostos por documentos do Banco Mundial8 8 A teoria de Stehr e colaboradores não se enquadra em diversas das críticas geralmente atribuídas as teorias de sociedades do conhecimento, justamente por apresentarem uma abordagem diversa (Freitas et al., no prelo). (Ruser, 2018Ruser, A. (2018). Nico Stehr, Sociology, Knowledge and the Sociology of Knowledge: An Introduction. In M. T. Adolf, Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge (Vol. 16). Springer.).

Mas o que diferencia conhecimento e informação? Para os autores, o conhecimento é capacidade de ação (Adolf & Stehr, 2017Adolf, M. T., & Stehr, N. (2017). Knowledge: Is knowledge power?(2°). Routledge, Taylor & Francis Group., p. 1). Desse entendimento, conhecimento é o que permite, facilita, viabiliza uma ação de natureza qualquer, individual ou coletiva, seja falar, projetar um edifício, serrar uma tábua, se organizar democraticamente ou plantar uma semente. É uma capacidade, pois não representa a ação em si nem é uma garantia da sua realização. Outras forças influenciam, possibilitando ou impedindo a realização da ação: desde forças políticas e institucionais até limitações físicas ou de acesso a recursos e ferramentas. Portanto, conhecimento, nessa interpretação, não representa um tipo específico de saber, nem reflete uma verdade objetiva. Não é necessariamente prático, nem científico, nem classifica suas consequências como positivas ou negativas. A informação, por outro lado, é aquilo que pode ser quantificada e expressa na forma de textos, tabelas, mapas, calendários, gráficos, etc., mas que, sem o uso de ferramentas e habilidades intelectuais específicas para sua interpretação, não representa uma capacidade de ação (Ibid. 2017).

Em sociedades distintas, que não do conhecimento, o acesso aos meios de produção ou a produção agrícola, por exemplo, influenciavam mais a vida dos indivíduos do que o conhecimento. Nas sociedades modernas, ao contrário, as oportunidades de vida são moldadas principalmente pelo acesso ao conhecimento (Ibid., 2017).

Apesar de o nome ser “Sociedade do Conhecimento”, isso não significa que todas as pessoas têm igual acesso ao conhecimento. A maior difusão do conhecimento possibilitou que parcelas da sociedade se oponham às configurações de poder e que assegurem parte de seus interesses. Porém, o alto nível de complexidade científico-tecnológica dos sistemas que estruturam e organizam a sociedade dificulta a reflexão pública quanto às transformações sociais e culturais da sua própria realidade (Stehr, 2008Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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). A popularização do acesso à internet promoveu a ilusão de que o conhecimento é igualmente produzido, que é disponibilizado democraticamente e que todo o conhecimento representa um benefício para a sociedade. Contudo, o desenvolvimento de conhecimento é desigual e depende de várias condições epistemológicas, indicadores sociais, ambições humanas, necessidades e desejos (Adolf & Stehr, 2017Adolf, M. T., & Stehr, N. (2017). Knowledge: Is knowledge power?(2°). Routledge, Taylor & Francis Group.).

O conhecimento tem características peculiares: é intangível e, portanto, um bem não rival; não pode ser transferido instantaneamente e seu aprendizado não é controlável, pois depende do intermédio de habilidades cognitivas que podem alterá-lo. Ainda que inalterado, o aprendizado de um saber não necessariamente incorpora a capacidade cognitiva de gerá-lo (Stehr, 2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.). Por esses motivos, é extremamente complicado classificá-lo como uma propriedade privada. Adicionalmente, apesar da pressão econômica para sua privatização, sua relevância social pressiona que seja um bem comum (Adolf & Stehr, 2017Adolf, M. T., & Stehr, N. (2017). Knowledge: Is knowledge power?(2°). Routledge, Taylor & Francis Group.; Stehr, 2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.).

Segundo Adolf e Stehr, o conhecimento não é, por natureza, um bem escasso, mas pode ser realizado escasso em duas situações. Primeiro, o acesso ao conhecimento incremental é restrito e é mais difícil de ser obtido do que as demais partes do conhecimento. O conhecimento incremental é uma unidade de conhecimento acrescentada ao conjunto de conhecimentos gerais. Essa unidade marginal de conhecimento representa uma vantagem econômica, política, etc., daqueles que o tem em relação aos que não o tem (Adolf & Stehr, 2017Adolf, M. T., & Stehr, N. (2017). Knowledge: Is knowledge power?(2°). Routledge, Taylor & Francis Group.; Stehr, 2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.). O conhecimento incremental é escasso, pois, além de possivelmente estar protegido por leis de propriedade intelectual, costuma estar pouco materializado em artigos científicos de língua inglesa e de acesso pago, ou em espaço de acesso restrito como trabalhos apresentados em congressos elitizados ou em registros de patente.

A segunda situação em que o conhecimento pode ser realizado escasso ocorre quando a habilidade cognitiva de gerar conhecimento é restringida (Stehr, 2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.). A necessidade de que a informação, para que possa ser compreendida, seja interpretada por meio de habilidades cognitivas individuais, faz com que, quanto mais complexa a habilidade necessária para a compreensão de um conhecimento, maior sua escassez. Assim, conhecimentos complexos serão escassos mesmo que materiais sobre ele, livros, vídeos, etc., sejam largamente distribuídos, dificultando, com isso, a disseminação do conhecimento para aqueles que não possuem conjuntos específicos de habilidades, ou então se encontram atrelados ao próprio fazer técnico, de forma que estão intrinsecamente associados aos especialistas que produzem, ou que reproduzem, essas técnicas (Adolf & Stehr, 2017Adolf, M. T., & Stehr, N. (2017). Knowledge: Is knowledge power?(2°). Routledge, Taylor & Francis Group.).

Conforme Lessig (2004Lessig, L. (2004). Free Culture. The Penguin Press.), a privatização do conhecimento, garantida pelos direitos de propriedade intelectual, conduziram a um esvaziamento do conhecimento e cultura em domínio público9 9 A propriedade intelectual (PI), dividida entre os direitos autorais e a propriedade industrial (patente) são mecanismos jurídicos para a garantia do direito de propriedade sobre a criação de obras e ideia (artísticas, científicas ou tecnológicas). As obras e invenções que não estou sob a PI estão em domínio público, não possuindo assim, dono. No direito norte-americano, o uso justo limita os direitos dos autores e inventores, permitindo o uso não autorizado em situações especiais (Fundação Getúlio Vargas, 2011). . A extensa duração dos direitos autorais, somada ao indiscriminado registro de patentes e ao enfraquecimento do “uso justo”, fortalece os monopólios de conhecimento e cultura, fazendo com que todos os recursos para a criação sejam, por direito, das grandes corporações da indústria e da mídia (Lessig, 2004). Como consequência, o autor indica que o desenvolvimento da ciência e da cultura está subordinado às grandes indústrias, únicas com poder financeiro e político, para comprar ou burlar os direitos de propriedade intelectual. Corroborando com a linguagem de Stehr, a propriedade intelectual cria uma escassez artificial de conhecimento. É artificial, pois, não representa a ausência de recursos, e sim o impedimento do acesso ao conhecimento, ou um bloqueio das ações que ele capacita. Por exemplo, uma equipe de cientistas pode ter acesso a artigos científicos sobre a eficácia de determinado fármaco no combate a uma doença, vencendo, assim, a escassez do conhecimento incremental, e ter plenas capacidades de compreender os artigos e de replicar seus estudos, porém é legalmente impedida de conduzir pesquisas sobre o assunto, ou ainda de fabricar um remédio baseado nele. Por isso, a escassez se apresenta como um esvaziamento artificial das capacidades de ação possíveis.

Na análise de Stehr, à medida que as sociedades industriais se transformaram em sociedades do conhecimento, também as teorias sobre desigualdade social deveriam ser reformuladas para abarcar as transformações da realidade econômica e social (Stehr, 2000Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg., 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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). Para o autor, à medida que houve um estabelecimento de um pacote de direitos de cidadania e bem-estar social, garantidos ao indivíduo e seus coletivos, houve uma diminuição da subordinação direta às suas condições materiais. Por essa razão, as desigualdades sociais estão mais relacionadas aos conhecimentos que o indivíduo é capaz de mobilizar, suas competências sociais, do que sua posição ocupacional (Stehr, 2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
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, 2018Ruser, A. (2018). Nico Stehr, Sociology, Knowledge and the Sociology of Knowledge: An Introduction. In M. T. Adolf, Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge (Vol. 16). Springer.).

Paralelamente, as sociedades modernas passam por um processo de descentramento, onde elas perderam os centros de autoridade fixos e os padrões de conduta exemplares e rigidamente limitantes (Ibid., 2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
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, 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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). Assim, o que se vê é a multiplicação de partidos políticos, padrões familiares, estruturas de gênero, disciplinas científicas, grupos étnicos, comunidades, cidades, estratos sociais, etc. Esse processo provoca a formação de estruturas maleáveis que, em consequência, podem reconstruir as regras que moldam os padrões (Ibid., 2000, 2018). É nesse contexto que a estratificação social do indivíduo deixa de ser baseada unicamente em variáveis fixas, como a posição ocupacional, educação e renda do indivíduo, e passa a ser marcada pelas competências sociais que ele é capaz de mobilizar. Como resultado, as desigualdades sociais nas sociedades do conhecimento são menos visíveis e óbvias e a delimitação das classes se torna mais difusa do que nas sociedades industriais. Desse modo, a identificação de uma “consciência de classe” se torna igualmente difusa, sendo necessário investigar as condições cognitivas, para além das materiais, a fim de poder compreendê-la (Ibid., 2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
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, 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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).

As competências sociais são o conjunto de conhecimentos que dão aos indivíduos controle sobre sua própria vida. Dessa forma, o conhecimento que o indivíduo é capaz de mobilizar gera vantagens e desvantagens sociais, diretas e indiretas, na forma de poder e autoridade. Tais competências são aquelas capazes de proteger e isolar os indivíduos e seus coletivos, de maneira imediata, das oscilações e demandas do mercado e da coerção, são os conhecimentos que os fazem ficar menos vulneráveis. Por isso, são elas que moldam as classes sociais. A estratificação social sofre também influência das condições materiais do indivíduo, como seu acesso à seguridade social, a serviços sociais, a recursos de lazer e ao desigual tratamento devido a características imputadas (como gênero, raça e etnia); e seus resultados continuam relacionados a antigas hierarquias de poder tradicionais (Ibid., 2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
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, 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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). Porém, a flexibilidade e maleabilidade das novas realidades têm como consequência uma inversão na relação entre bem-estar material e conhecimento: é o conhecimento quem passa a comandar o bem-estar material (Stehr, 2018Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.).

As competências sociais possibilitam ao indivíduo controle sobre sua vida, seja por conseguir se organizar financeiramente; por evitar linhas de créditos abusivas; por poder exigir que seus direitos sejam respeitados, ao saber recorrer às ferramentas públicas de garantia dos seus direitos; ou ainda por saber evitar situações de vulnerabilidade ambiental e de saúde, sabendo diferenciar recomendações técnicas de organizações de saúde de recomendações políticas de autoridades mal-intencionadas. Como principais competências sociais que esculpem a desigualdade social, Stehr (2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
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, 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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) cita as cinco que seguem: a capacidade de extrair vantagens dos regulamentos legais que governam a conduta social, como, por exemplo, a capacidade do indivíduo obter vantagens no campo de tributos, investimentos e escolaridade. Similarmente, a facilidade para organizar recursos de proteção do patrimônio a saúde que protegem o indivíduo e sua família contra crises familiares, locais ou globais. A autoridade para falar, determinada pela competência do indivíduo de se expressar, possibilita, por exemplo, que leigos contestem especialistas e, como consequência, disputem “a verdade” (Ibid., 2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
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, 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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). A capacidade de se preparar para desafios está relacionada à possibilidade de se organizar e se proteger para além do indicado, ou permitido, por especialistas e pelo Estado, incluindo a sua capacidade de burlar os esquemas de vigilância e fiscalização. Por último, a capacidade de evitação e exclusão é composta pela capacidade de construir vias alternativas para evitar situações de risco, como a exposição a conflitos, violência e situações de risco à saúde (Stehr, 2000Stehr, N. (2000). Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(42), 101-112. https://doi.org/10.1590/S0102-69092000000100007
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200000...
, 2018Stehr, N. (2008). Liberdade é filha do conhecimento? (J. Canêdo, Trad.). Tempo Social, 20(2), 221-234. https://doi.org/10.1590/S0103-20702008000200011
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).

A TSC não desenvolve em que medida estruturas de dominação e opressão baseadas em características como raça, etnia, gênero, capacidades físicas e origem influenciam as desigualdades sociais. O autor alega que, ao evitar abordar os temas de poder e dominação e voltar-se para a capacidade de agência do indivíduo, foi possível construir uma teoria flexível e otimista. Como consequência, porém, ignora como diferentes grupos exercem poder uns sobre os outros e como a manutenção desse poder estrutura as desigualdades sociais e se sobrepõe à capacidade de agir. Por isso, é crucial, para uma análise mais completa, que tais fatores sejam considerados. Do mesmo modo, é preciso que as discussões sejam também elaboradas no contexto de países da América Latina (Freitas et al., 2020Freitas, M. de, Albuquerque Heidemann, L., & Solano Araujo, I. (2020). Educação em Ciências na Perspectiva da Teoria da Sociedade do Conhecimento de Nico Stehr. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências.).

A seguir, será realizado um aprofundamento sobre a noção de REA e sobre a pedagogia de Freire. Após essas seções, a visão da TSC será retomada e articulada a elas.

RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS PARA ALÉM DAS DEFINIÇÕES

O termo “Recursos Educacionais Abertos” (REA) surgiu no Fórum de Paris da UNESCO em 2002 (UNESCOUNESCO, O. das N. U. para a E., a Ciência e a Cultura. ([s.d.]). Open Educational Resources[Building Knowledge Societies]. Recuperado10 de janeiro de 2020, de Recuperado10 de janeiro de 2020, de https://en.unesco.org/themes/building-knowledge-societies/oer
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, [s.d.]), encontro que deu início às discussões sobre o assunto. Em 2012, no World Open Educational Resources Congress, também realizado pela UNESCO, foi proposta a declaração Paris Open Educational Resources Declaration (UNESCO, 2012UNESCO, O. das N. U. para a E., a Ciência e a Cultura. (2012). Declaração REA de Paris em 2012. Congresso Mundial sobre REA.). Nela, foi estabelecido que:

REA são materiais de ensino, aprendizagem e investigação em quaisquer suportes, digitais ou outros, que se situem no domínio público ou que tenham sido divulgados sob licença aberta que permite acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por terceiros, mediante nenhuma restrição ou poucas restrições (Ibid, 2012, p. 1).

Similar ao REA, o movimento de Educação Aberta abrange, além dos materiais didáticos, as tecnologias de ensino, a partilha de saberes e práticas entre os educadores e novas abordagens de avaliação, acreditação e de aprendizagem colaborativa (Baguma et al., 2007Baguma, G., Baraniuk, R., Bezuidenhout, K., Bissell, A., Bowlin, R., Browne, D., Cuplinskas, D., Dalziel, J., Ford, H., Gray, E., Hagemann, M., Horner, M., Hudson, J., King, H., Lesperance, J., Levy, P., Lipszyc, J., Petrides, L., Rens, A., … Wiley, D. (2007). Declaração de Cidade do Cabo para Educação Aberta: Abrindo a promessa de Recursos Educativos Abertos. https://www.capetowndeclaration.org/translations/portuguese-translation
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). Porém, o termo é também comumente associado a ambientes, práticas e recursos educacionais centrados no estudante, flexíveis, voltados para a colaboração, com recursos disponíveis gratuitamente, mesmo que nem sempre disponíveis sob licenças permissivas (Inamorato dos Santos, 2012Inamorato dos Santos, A. (2012). Educação aberta: Histórico, práticas e o contexto dos recursos educacionais abertos. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto(Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas (1o ed, p. 246). Salvador: Edufba; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
https://aberta.org.br/...
). Por ser um termo ainda em disputa, optou-se por centrar as discussões nos REA.

Fundamentada na educação como um direito de todos, e respaldada em diversas outras declarações sobre direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, a Declaração de Paris, além de defender a adoção de outras iniciativas de código aberto, como Ciência Aberta, o Acesso Aberto e o Software de Código Aberto, incentiva a ampla adoção e promoção de REA, por indivíduos, instituições e Estados, como uma forma direta de ampliar o acesso à informação e conhecimento e fomentar práticas colaborativas de produção e compartilhamento (UNESCO, 2012UNESCO, O. das N. U. para a E., a Ciência e a Cultura. (2012). Declaração REA de Paris em 2012. Congresso Mundial sobre REA., 2013Zancanaro, A., & Amiel, T. (2017). The academic production on open educational resources in Portuguese / La producción académica en portugués sobre recursos educativos en abierto. RIED. Revista Iberoamericana de Educación a Distancia, 20(1), 81. https://doi.org/10.5944/ried.20.1.16332
https://doi.org/10.5944/ried.20.1.16332...
).

No Brasil, os REA têm sido incorporados a políticas públicas estaduais de educação, como no caso dos estados do Paraná, São Paulo e no Distrito Federal, e políticas federais, como o Plano Nacional da Educação, e em leis acerca da contratação e licenciamento de obras (Sebriam & Gonsales, 2016Sebriam, D., & Gonsales, P. (2016). Inovação Aberta em Educação - Conceitos e modelos de Negócios. CIEB - Centro de Inovação para a educação Brasileira.). Em 2016, foram adotados pela CAPES como padrão para o Sistema de Universidade Aberta do Brasil (CAPES, 2017CL, C. L. (2020, +6). Anvisa bloqueia app Zoom por “falhas gravíssimas de segurança”. Catraca Livre. https://catracalivre.com.br/cidadania/anvisa-bloqueia-app-zoom-por-falhas-gravissimas-de-seguranca/
https://catracalivre.com.br/cidadania/an...
). Destaca-se também, no país, a organização do REA Brasil, rede de educadores e cientistas que pesquisam e desenvolvem REA10 10 Mais informações em seu site oficial: http://www.rea.net.br/. Acesso em: set. 2020. (Rossini, 2010Rossini, C. A. A. (2010). Green- Paper: The State and Challenges of OER in Brazil: From Readers to Writers? (SSRN Scholarly Paper ID 1549922). Social Science Research Network. https://papers.ssrn.com/abstract=1549922
https://papers.ssrn.com/abstract=1549922...
).

A discussão nacional amplia as fronteiras sobre o assunto. Para Nelson Pretto (2012Pretto, N. D. L. (2012). Professores-autores em rede. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba ; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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), os REA não podem ser resumidos apenas aos materiais didáticos, devem ser expandidos para outras tecnologias educacionais, como softwares e hardwares livres, e não devem ser limitados apenas à disponibilização gratuita de conteúdos. O caráter de abertura dos REA permite que os recursos usados sejam fontes para novos recursos e serviços, possibilitando a professores e estudantes se apropriarem dos serviços e recursos, principalmente das tecnologias digitais produzidas de forma centralizada e que produzam suas próprias culturas e conhecimento. Assim, os REA são a “possibilidade emancipatória de cada indivíduo, nação ou cultura” (Ibid., 2012, p. 106). Além disso, a adoção dos REA não pode ser resumida a ações voltadas apenas para a educação, deve ser um movimento coletivo de políticas públicas que envolvam a cultura, as mídias, a ciência, a tecnologia e a indústria, mas que também envolvam professores e estudantes com suas problemáticas locais (Pretto, 2012). No entendimento de Rossini & Gonzalez (2012Rossini, C., & Gonzalez, C. (2012). REA: o debate em política pública e as oportunidades para o mercado. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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), os recursos educacionais são bens comuns e públicos e as iniciativas dos REA têm como objetivo “disponibilizar e compartilhar várias partes ou unidades do saber, que podem ser remixadas, traduzidas e adaptadas para finalidades educacionais” (Rossini & Gonzalez, 2012Rossini, C., & Gonzalez, C. (2012). REA: o debate em política pública e as oportunidades para o mercado. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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, p. 39).

Pezzi (2015Pezzi, R. P. (2015). Ciência aberta: Dos hipertextos aos hiperobjetos. In S. Albagli, M. L. Maciel, & A. H. Abdo(Orgs.), Ciência Aberta, questões abertas(1o ed). IBICT, UNIRIO.) amplia a discussão e a apresenta na perspectiva da ecologia cognitiva de Pierre Lévy, que defende que o meio ecológico no qual a informação, o conhecimento e as representações se propagam é constituído a partir das mentes humanas e das redes técnicas de armazenamento, transformação e transmissão das representações, como um idioma em comum, por exemplo. O autor aponta que o surgimento do movimento de código aberto11 11 A expressão “código aberto”, tradução da expressão “open source”, se refere a todos os movimentos e ideias que defendem a disponibilização online de obras e ferramentas sob licenças abertas. Exemplos são os movimentos de software livre, de acesso aberto e dos REA. e a cultura de colaboratividade online, representadas, por exemplo, pelo surgimento da World Wide Web (WWW) e do Wikipédia12 12 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipédia. Acesso em: 16 de abril de 2020. , inauguram novos e revolucionários meios ecológicos cognitivos de armazenamento, transformação e transmissão do conhecimento e da informação (Ibid., 2015).

Da disseminação da filosofia das práticas dos movimentos de código aberto para além da internet, Pezzi defende ser possível nascer uma ecologia cognitiva mais nova, baseada não apenas nas tecnologias de informação, mas também nos conhecimentos acerca dos objetos em si. Em analogia aos hipertextos, o autor chama essas estruturas de hiperobjetos, que são uma idealização de objeto que conecta os conteúdos acerca do objeto, os dados que produz, as ferramentas, teorias e dados que o fundamentam, etc.: são “objetos ao qual se agregam ações e/ou conjuntos de informação” (Ibid., 2015, p. 178). Enquanto os hiperlinks permitem que o indivíduo navegue pela informação sobre um conceito, os hiperobjetos são um canal para que o indivíduo navegue pela informação sobre o objeto. Por isso, são objetos que têm associados a si algum “hiperlink” que os conecta aos conhecimentos associados a eles - informações sobre modelo, instruções de uso, modelos teóricos e matemáticos associados, aplicações, esquemáticos técnicos, códigos, firmwares, etc. Nesse sentido, são necessários também elementos técnicos legais, tais como licenças permissivas, que permitam legalmente a navegação nesses conteúdos, mas também que aceitem que sejam usados, estudados, modificados e distribuídos (Pezzi, 2015Pezzi, R. P. (2015). Ciência aberta: Dos hipertextos aos hiperobjetos. In S. Albagli, M. L. Maciel, & A. H. Abdo(Orgs.), Ciência Aberta, questões abertas(1o ed). IBICT, UNIRIO.).

Assim, o hiperobjeto permite a ampliação das possibilidades de difusão e recriação de si mesmo, bem como do surgimento de ramificações que expandem suas potenciais aplicações e formas de uso. Por isso, entende-se que as potencialidades dos REA são ampliadas quando eles são entendidos como hiperobjetos, ou seja, como recursos que têm sua rede de saberes, ferramentas, práticas e dados disponíveis publicamente para serem usados e transformados. Para fins práticos, isso significa maximizar o uso de tecnologias livres, práticas de código aberto e ciência aberta na construção e disponibilização dos REA.

Se os REA forem livros didáticos, por exemplo, deve-se priorizar que os softwares usados na sua idealização, no processo de escrita e no seu armazenamento e disponibilização sejam livres. Se, por exemplo, os REA forem um experimento de sala de aula, deve-se priorizar que o hardware usado seja aberto e livre, assim como os softwares de desenho das peças e dos esquemáticos de circuitos, de cálculo, de coleta de dados e de compartilhamento dos resultados. Em ambos os exemplos, pode-se destacar que não só as ferramentas usadas são livres, mas as práticas de desenvolvimento e uso desses recursos também seguem a filosofia de compartilhamento. Por isso, são importantes as boas práticas de documentação, organização e disponibilização do conteúdo para que, de fato, o conhecimento se propague. Igualmente, os dados produzidos, bem como artigos e conteúdos derivados, também devem ser publicados em acesso aberto (Ibid., 2015).

Ao se considerar os aspectos dinâmicos e colaborativos da ciência e a importância do acesso ao conhecimento para a educação, os hiperobjetos científicos e educacionais se apresentam como ideias alternativas para as práticas científicas e educacionais. Um hiperobjeto pode apontar não só para seus manuais e guias de fabricação, mas para todo o conjunto de teorias, artigos, bases de dados, resultados experimentais, práticas didáticas ou protocolos científicos associados a eles. Ao integrar o virtual com o não virtual, os hiperobjetos científicos e educacionais são uma ponte entre o conhecimento e o indivíduo (Ibid., 2015).

Para que os REA sejam hiperobjetos e, com isso, sejam pontes que ligam os indivíduos ao conhecimento, mas também para que sejam ferramentas para que criem novos conhecimentos, a filosofia dos REA deve incorporar, sempre que possível, as filosofias e práticas de outros movimentos de código aberto, como os descritos a seguir. Os movimentos de software livre e de código aberto e de hardware aberto e livre, respectivamente, defendem que todo o código, desenho e esquemático da ferramenta associado a uma tecnologia, bem como sua documentação e guias de uso, devem estar disponibilizados publicamente sob licenças permissivas, de tal forma que qualquer um possa usar, estudar, modificar, fabricar e distribuir sem restrições financeiras, tecnológicas e sociais (FSF, s.dFSF, F. S. F. (s.d.). O que é software livre?(R. Beraldo & R. Fontenelle, Trads.). http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.html
http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.ht...
.; OSHWA, 2012OSHWA, O. S. H. A. (2012, maio 26). Open Source Hardawre Definition. Open Source Hardware Association. https://www.oshwa.org/definition/
https://www.oshwa.org/definition/...
). Enquanto o Acesso Aberto advoga pela disponibilização ampla, gratuita e pública dos resultados de investigação científica, o movimento de Dados Abertos promove a publicação aberta de dados de interesse público no geral, como dados governamentais, geográficos, climáticos, culturais e resultados de pesquisas científicas (Albagli et al., 2014Albagli, S., Clinio, A., & Raychtock, S. (2014). Ciência Aberta: Correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, 10, 17.). Acrescentam-se também os recentes movimentos de biohacking e biofabricação, que incorporam a manipulação de fungos, bactérias e até mesmo genomas a filosofia hacker e open source (Palacios & Jara, 2019Palacios, A. F., & Jara, S. R. (Orgs.). (2019). Manual de Biofabricación con hongos. Laboratório de Biofabricación - FADEU.).

Partindo do entendimento de REA como hiperobjetos, a adoção deles pode democratizar a educação em diversos espectros. Em primeira instância, a disponibilização gratuita dos recursos online, ou a disponibilização de tutoriais para sua fabricação, aumenta o acesso a conteúdos e ferramentas educacionais. A busca por disponibilizar em redes abertas, como o Wikipédia, e repositórios públicos, ou seja, sem a necessidade de login, facilita o acesso a indivíduos e grupos específicos, além de dificultar a vigilância de sistemas de controle virtual. A possibilidade de transformá-los permite que os REA sejam adaptados às diferentes perspectivas pedagógicas, que sejam traduzidos ou alterados para ser alinhados com determinadas realidades locais, regionais, ou de contexto histórico e social (Amiel, 2012Amiel, T. (2012). Educação aberta: Configurando ambientes, práticas e recursos educacionais. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto(Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas (1o ed, p. 246). Salvador: Edufba; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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; Pretto, 2012Pretto, N. D. L. (2012). Professores-autores em rede. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba ; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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). A permissão da sua distribuição e comercialização viabiliza que conteúdos digitais e objetos materiais sejam produzidos e distribuídos também àqueles que não têm acesso à internet.

Assim, entende-se que o uso de REA, associado à filosofia descrita, possibilita que os estudantes e professores possam se libertar do papel de usuário e passar a ser transformadores, hackers, da sua realidade, iniciando pela contribuição em páginas do Wikipédia, até a transformação do próprio espaço escolar. Como exemplo podemos citar o caso de um grupo de estudantes do ensino médio do Colégio de Aplicação da UFRGS que, imersos em um grupo de desenvolvimento de hardware aberto e livre e envolvidos com discussões técnicas e filosóficas das implicações sociais de tecnologias livres, construíram a sirene da própria escola (Ometto et al., 2018Ometto, A. R., Bertassini, A. C., Radüns, C. D., Lima, C. A. de A., Gonçalves, H. H. A. B. Q., R, J. P. R., Torres, J. B., Reimbold, M. P., Freitas, M. de, Schonardie, M. F., Rodrigues, M. F., & Silva, R. B. da. (2018). Gestão do ensino de engenharia para a cultura da inovação e sustentabilidade. In A. M. Tonini & T. R. D. S. Pereira (Orgs.), Desafios da educação em engenharia: Inovação e Sustentabilidade, Aprendizagem Ativa e Mulheres na Engenharia. ABENGE.; Pezzi et al., 2017Pretto, N. D. L. (2012). Professores-autores em rede. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba ; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
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).

A sirene, como dispositivo, pouco mudou a dinâmica da escola, mas o processo que levou a sua produção concentra maior potencial de transformação. Primeiro, porque os estudantes saíram de sua posição de “consumidores” da escola para a de “produtores” dela - de maneira similar a quando são feitas hortas coletivas ou quando toda comunidade escolar é envolvida na pintura dos muros da escola. Segundo, porque, ao contrário destas, não é uma ação pontual, mas contínua e não restrita. Por ter sido um desenvolvimento baseado nas práticas e cultura de código aberto, essa ação possibilita que esse e outros espaços sejam transformados, já que outros estudantes poderão consertar e replicar o projeto. Assim, o potencial de transformação propulsionado pelo uso de REA trata da forma como os estudantes se relacionam com o espaço da escola e do fato de que as possibilidades de crescimento do projeto não se limitam ao tempo e local da ação13 13 Nesse exemplo, a ação foi limitada ao espaço físico e às possíveis transformações subjetivas dos envolvidos, direta e indiretamente, no projeto; uma transformação mais profunda seria o envolvimento desses estudantes não só no desenvolvimento técnico, mas na reflexão crítica sobre a finalidade da sirene, seu objetivo, seu significado, na tomada de decisões sobre o controle dos horários, etc. Ainda assim, dado o baixo nível de ação dos estudantes nas escolas, esse projeto exemplifica o potencial transformador de espaços de ensino baseados em tecnologias livres, pois eles possibilitam ações mais concretas e diretas. .

Nesse sentido, entende-se que os REA contribuam para o desenvolvimento de autonomias, do acesso ao conhecimento, passando pelas práticas e técnicas e se fundamentando na consciência da possibilidade de transformação. Em longo prazo, e em larga escala, acredita-se que a difusão do seu uso e filosofia promova a autonomia tecnológica. Não se fala, porém, em um individualismo tecnológico, onde o indivíduo autossuficiente é capaz de reproduzir cada minúcia dos seus dispositivos; trata-se de um saber coletivo, fortalecido numa rede de confiança, em que - assim como em comunidades científicas e em redes de produtores agroecológicos - não é necessário que cada indivíduo tenha amplo domínio dos conhecimentos, mas que esteja inserido em uma rede que compartilhe o saber (Padilla, 2017Padilla, M. (2017). Soberanía tecnológica ¿De qué estamos hablando?In Soberanía tecnológica Vol. 2. Descontrol.). Portanto, os REA não se reduzem a potencializar uma autonomia tecnológica individual, e sim autonomias coletivas.

Portanto, o uso de REA, nessa perspectiva, possibilita que escolas, universidades, estados, organizações não-governamentais, comunidades de bairro, movimentos sociais, etc., conquistem suas autonomias, não que se tornem autossuficientes, mas que, por meio das pessoas que as compõem, se emancipem em âmbitos específicos. Como exemplo, pode-se citar o caso Safecast: em 2011, após a explosão da usina nuclear de Fukushima, no Japão, frente ao perigo de exposição à radiação a que considerável parte da população foi exposta e da extrema dificuldade do governo japonês em oferecer informações atualizadas sobre aos níveis de radiação nas áreas atingidas, um grupo de pessoas se reuniu e montou um detector de radiação Gayger simples (Brown et al., 2016Brown, A., Franken, P., Bonner, S, & Nick Dolezal. (2016). Safecast successful citizen-science for radiation measurement and communication after Fukushima.pdf. Journal of Radiological Protection, 36. https://doi.org/10.1088/0952-4746/36/2/S82
https://doi.org/10.1088/0952-4746/36/2/S...
). Por ser de código aberto e de baixo custo, o equipamento logo se difundiu e uma enorme rede de pessoas passou a. espontaneamente. medir a radiação pelas estradas e cidades e alimentar a plataforma aberta de armazenamento dos dados (Brown et al., 2016Brown, A., Franken, P., Bonner, S, & Nick Dolezal. (2016). Safecast successful citizen-science for radiation measurement and communication after Fukushima.pdf. Journal of Radiological Protection, 36. https://doi.org/10.1088/0952-4746/36/2/S82
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). Ao final, o projeto disponibilizava o nível de radiação por metro cúbico com aproximadamente oito vezes mais medidas do que as organizações governamentais (Bonner, 2016Bonner, S. (2016). SAFECAST: Open Science Hardware FTW. Gathering For Open Science Hardware. https://www.slideshare.net/safecast/gosh-at-cern-2016
https://www.slideshare.net/safecast/gosh...
) e inserindo o projeto no cenário mundial de pesquisas sobre proteção à radiação (Brown, 2014Brown, A. (2014, fevereiro 17). Safecasting the IAEA. Safecast. https://safecast.org/2014/02/safecasting-the-iaea/
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, 2018Burtet, C. G. (2019). (Re)Pensando a inovação e o conceito de invação inclusiva: Um estudo do movimento maker no Brasil à luz da teoria ator-rede [Tese]. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.). De maneira coletiva, a parcela da população japonesa com acesso a essas ferramentas se tornou autônoma na decisão de quais regiões monitorar, não estando subjugadas a instituições privadas nem públicas e, com isso, podendo tomar decisões sobre suas vidas com maior embasamento científico.

Pesquisadores da área (Amiel, 2012Amiel, T. (2012). Educação aberta: Configurando ambientes, práticas e recursos educacionais. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto(Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas (1o ed, p. 246). Salvador: Edufba; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
https://aberta.org.br/...
; Amiel et al., 2017Amiel, T., Duran, M. R. da C., & Costa, C. J. da. (2017). Construindo Políticas de Abertura a partir dos Recursos Educacionais Abertos: Uma Análise do Sistema Universidade Aberta do Brasil / Building Open Policy through Open Educational Resources: An analysis of the Open University of Brazil System. RELATEC- Revista Latinoamericana de Tecnología Educativa, V. 16, 161-176. https://doi.org/10.17398/1695-288X.16.2.161
https://doi.org/10.17398/1695-288X.16.2....
) destacam que, para que a contribuição dos REA seja amplificada e consolidada, é crucial que sua adoção em instituições de ensino ocorra com apoio de políticas públicas e institucionais voltadas para o assunto. Pretto (2012Pretto, N. D. L. (2012). Professores-autores em rede. In Bianca Santana, C. Rossini, & N. D. L. Pretto (Orgs.), Recursos Educacionais Abertos: Práticas colaborativas e políticas públicas(1o ed, p. 246). Salvador: Edufba ; São Paulo: Casa da Cultura Digital. https://aberta.org.br/
https://aberta.org.br/...
) ressalta que é necessário pensar os REA para além da educação, incorporando a filosofia open source em políticas públicas também da cultura, da telecomunicação, da indústria, da ciência e da tecnologia.

Portanto, os REA não devem ser vistos como isolados do restante da sociedade. São parte de um amplo movimento de cultura livre que se inicia ao licenciar os recursos com licenças permissivas, mas que se estende para todas as esferas da sociedade. Têm como objetivo perpetuar culturas e práticas que permitam que o conhecimento possa fluir livremente por entre as pessoas, grupos e épocas - e que possa ser organicamente modificado, transformado e adaptado.

Discutimos até o momento tipos de recursos educacionais e reflexões filosóficas sobre suas implicações sociais, mas, ao se considerar o contexto educacional, qual seria a pedagogia dos REA? Knox (2013Knox, J. (2013). Five critiques of the open educational resources movement. Teaching in Higher Education, 18(8), 821-832. https://doi.org/10.1080/13562517.2013.774354
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) apontou que a literatura sobre REA, sobretudo em língua inglesa, ao se fundamentar na aprendizagem autodirigida do estudante, ignora o importante papel pedagógico do professor na condução da aprendizagem. Busca relembrar a comunidade dos REA que uma educação unicamente baseada em recursos gratuitos não está livre do discurso de mercantilização da educação e nem da normatização dos discursos e comportamentos aceitáveis. Portanto, o autor reafirma que o uso de REA, por si só, não é garantia de maior autonomia, podendo, inclusive, reforçar as estruturas de poder e dominação. Apesar desse não ser o cenário do debate brasileiro, como exemplificado pelas discussões levantadas em uma das principais obras da área no país, o livro REA: práticas colaborativas e políticas públicas (Zancanaro & Amiel, 2017Zancanaro, A., & Amiel, T. (2017). The academic production on open educational resources in Portuguese / La producción académica en portugués sobre recursos educativos en abierto. RIED. Revista Iberoamericana de Educación a Distancia, 20(1), 81. https://doi.org/10.5944/ried.20.1.16332
https://doi.org/10.5944/ried.20.1.16332...
), entendemos ser necessário refletir sobre os fundamentos pedagógicos e educacionais em que se pretende construir a perspectiva de REA apresentada neste artigo. Por isso, será discutido a perspectiva da educação emancipatória de Paulo Freire e seu reflexo nos REA.

A EDUCAÇÃO PARA A CONSCIÊNCIA E A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE

Em suas obras, Freire firma a educação à sua missão libertadora. A educação não é centrada no educador, nem no educando, nem nas ferramentas de ensino, os elementos mais importantes são as relações entre educandos e educadores e seu objetivo genuíno de libertação das situações de injustiça (Freire, 1974Biddle, S. (2020, abril 6). O risco à privacidade digital em tempos de coronavírus. The Intercept Brasil. https://theintercept.com/2020/04/06/coronavirus-covid-19-vigilancia-privacidade/
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; 1996Bonner, S. (2016). SAFECAST: Open Science Hardware FTW. Gathering For Open Science Hardware. https://www.slideshare.net/safecast/gosh-at-cern-2016
https://www.slideshare.net/safecast/gosh...
). Com honestidade intelectual e com a “boniteza de pensar”, o educador dialoga com os educandos, trazendo à tona os contextos de cada um e construindo um espaço de aprendizagem para todos (Freire, 1996Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra.). O educador é também educando e este, educador, pois se aprende ensinando e se ensina aprendendo. Para isso, o professor deve sair de sua posição de detentor do saber que deposita nos estudantes o conhecimento e desestimula o pensar autêntico e passar a trocar e cultivar conhecimentos com eles, dando protagonismo para seus contextos histórico-sociais e desmistificando verdades absolutas (Freire, 1996Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra.).

Nesse contexto, a educação problematizadora é uma educação como prática da liberdade. O indivíduo, ao se entender como um ser humano inacabado, situado no mundo, compreende também que pode - e, por vezes, deve - se transformar e transformá-lo. Nessa relação, educando e educador se entendem, então, com fazedores e refazedores das suas próprias realidades (Freire, 1974Freire, P. (1974). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra.).

Nessa pedagogia, a ação e a reflexão andam juntas. Sem a palavra, a educação reduzida à prática é uma domesticação; sem a ação, a educação reduzida à palavra é doutrinação. Por isso, a palavra, o conteúdo, e a ação, a prática, se complementam num ensinar permanente, inquieto, inventivo, mas também esperançoso, pois traz, com a tomada de consciência, a vontade de emancipação e a consciência do seu poder de criar e recriar a sua realidade (Freire, 1974Freire, P. (1974). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra.).

Freire (1974Freire, P. (1974). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra.) descreve também o que chamou de “situações-limite”, que servem como barreiras que limitam as ações das pessoas - por serem analisadas de uma perspectiva fatalista e desesperançosa, o que leva as pessoas à crença de que são intransponíveis. Como exemplo, Freire cita o subdesenvolvimento, a dependência - econômica, tecnológica, política, etc. -, como uma situação-limite à qual os países de “terceiro mundo” estão submetidos. Além dessa, cada sociedade tem suas próprias situações específicas.

Os temas geradores, base da metodologia de Freire, envolvem e são envolvidos por essas situações. Por isso, identificá-las, torná-las visíveis e analisá-las de forma crítica e esperançosa é parte da educação emancipatória. A partir desse olhar, as pessoas passam a reconhecer que é possível sua superação, percebem que as situações-limite não são fronteiras entre o ser e o nada, mas entre o ser e o ser mais. São, portanto, essenciais para a humanização das pessoas. Sem esse reconhecimento, não é possível superar essas barreiras. A consciência da situação de opressão é crucial para a emancipação (Freire, 1974Freire, P. (1974). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra.).

Ao projetar a pedagogia emancipatória de Paulo Freire na prática e filosofia dos REA, identificamos como elas podem se complementar na construção de autonomias. Ambas discutem o direito e a importância da possibilidade de remixar a realidade e seus componentes. O caráter aberto e livre do REA possibilita, e incentiva, que eles sejam modificados, possibilitando a adaptação para os contextos locais e facilitando que os tópicos e práticas mais relevantes para determinados grupos sejam destacados. Como exemplo, o material pode ser traduzido para o dialeto local, ou para considerar necessidades diferenciadas de algum indivíduo ou coletivo. Favorece também que o ensino seja inventivo e permeie todos os espaços, para além do conteúdo específico ensinado.

Como discutido, a ação e a reflexão são essenciais para o engajamento na própria emancipação. Por isso, o uso de REA deve estar associado a sua filosofia. Se a prática é o uso de REA, a reflexão é suscitada pela incorporação da sua filosofia, entendida aqui como a que engloba a filosofia open source e as ideias subjacentes aos hiperobjetos. Então, enquanto o uso acrítico de REA pode não levar os indivíduos a abandonarem seus papéis de usuários domesticados, a reflexão, por si só, pode produzir ativistas vazios, desconectados da realidade prática.

Nesse diálogo, os REA adaptados não devem ser descartados, mas compartilhados, engrandecendo a rede de REA disponíveis. Adaptações que, inicialmente, visam resolver um problema local. Ao serem compartilhados, contribuem para que outros grupos possam usá-los. Nessa filosofia, há um comprometimento de que os usuários sejam, também, contribuidores, de maneira que não apenas consumam REA, mas os produzam e compartilhem.

A prática com o uso de REA possibilita o desenvolvimento de habilidades técnicas diversas que permitem que os indivíduos e coletivos façam pequenas alterações no mundo. Por exemplo, pode-se pensar nas contribuições no Wikipédia, pequenas correções nos materiais didáticos, reformulação de experimentos, produção de material audiovisual, construção de sites simples, alterações no sistema operacional do computador. Permite também que grandes alterações sejam feitas, como grandes contribuições no Wikipédia, a reformulação completa de materiais didáticos, o desenvolvimento de equipamentos científicos - como estações meteorológicas e detectores de radiação -, as tecnologias de informação, de comunicação, de mobilidade e até de abastecimento de cidades.

A união de todas as potencialidades discutidas compõe o combustível para o fortalecimento da esperança de que a realidade, do individual ao coletivo, pode ser transformada. É também semente para a tomada de consciência sobre o lugar no mundo de cada indivíduo e coletivo. Como exemplo, as discussões levantadas por Lessig (2004Lessig, L. (2004). Free Culture. The Penguin Press.) sobre as implicações negativas da idolatria da propriedade intelectual no desenvolvimento social, econômico e cultural podem suscitar profundas reflexões sobre nosso lugar no mundo e nossa ação sobre as injustiças alimentadas pelo mercado de patentes e direitos autorais. O questionamento da propriedade intelectual, reflexão primeira da filosofia open source, e o conhecimento de que existem alternativas à produção e desenvolvimento de conhecimentos e tecnologias hegemônicas, são, por si sós, sementes para a tomada de consciência mencionada. Essas reflexões podem igualmente levar à percepção de como a cultura dominante impõe ao indivíduo comum o lugar de usuário-consumidor, limitando suas autonomias de criação, ação e reflexão. Um aprofundamento dessa discussão leva ao questionamento sobre como as instituições públicas e federais têm trabalhado a favor dos lobbys de editoras de livros didáticos, de revistas científicas, de softwares educacionais e de engenharia e de corporações e indústrias, e não a favor da ampliação do protagonismo popular no acesso, produção e distribuição de conhecimento científico-tecnológico, artístico e histórico.

Ressalta-se também que a disponibilização de material didático abertamente na internet não deve significar a eliminação do papel do educador. Mesmo com videoaulas, livros, resolução de exercícios e tutoriais de uso de softwares e hardwares, o papel do educador é essencial para que ocorra a dialogicidade entre a ação e a palavra, entre o conteúdo e a prática, entre o educando e o material didático, independentemente do tipo de material e ferramenta de apoio. Portanto, não se propõe que os indivíduos sejam capazes de aprender sozinhos, pois, como afirma Freire, “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1974, p. 79). Assim, educação, por ser “mediatizada pelo mundo”, é influenciada pelas culturas e pelas ferramentas que mediam esse processo, bem como pela pedagogia adotada pelos educadores.

Tampouco a defesa pela autonomia indica que as pessoas devam agir sozinhas no mundo, pois “a autossuficiência é incompatível com o diálogo” (Freire, 1974Freire, P. (1974). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra., p. 95). Busca-se, não o desenvolvimento de autonomias individuais, egoístas e com uma falsa desconexão social, mas possibilitar que grupos, conjuntos de pessoas mais ou menos conectadas, possam desenvolver autonomias coletivas, dialógicas, que as permitam agir no mundo, seja por estarem mais conscientes de suas situações, seja por desenvolverem as capacidades necessárias para a ação.

Ainda que ações individuais possam repercutir em torno do indivíduo, ou para pessoas que não estão diretamente associadas a ele, a contribuição dos REA para a educação emancipatória está também no cultivo da colaboração e da formação de redes de agentes transformadores - que fundamentam as “autonomias coletivas”. Por possibilitarem maior ação para mais pessoas, possibilitam também mais formas e oportunidades de transformação, envolvendo mais pessoas e comunidades.

A alteração de códigos e publicação de conteúdo são alterações no mundo material, mas não são o suficiente para a superação das situações-limite. É preciso que essas ações sejam feitas como atos-limite, ou seja, com a intenção de romper as falsas barreiras das situações-limites. Desse modo, o uso isolado de REA não é garantia de libertação: é preciso que haja a consciência da opressão. Contribuem, nesse sentido, quando há o reconhecimento das situações-limite que afastam os indivíduos do “ser mais” e que perpetuam a dominação. Por isso a importância de que a educação baseada em REA seja também crítica e problematizadora.

Destarte, a contribuição dessa pedagogia ao REA vai além do aumento da quantidade de materiais disponíveis. Traz para o movimento a dialogicidade necessária para a produção e aplicação desses recursos de acordo com a realidade de vida (cultural, econômica, etc.) em que educandos e educadores estão imersos. Por ser dialógicos, ao mesmo tempo em que os REA contribuem como ferramenta e conteúdo, educandos e educadores contribuem com os REA, acrescentando novas abordagens e visões sobre um mesmo assunto e, assim, diversificando os REA disponíveis e possibilitando que os já existentes sejam repensados sob diferentes epistemologias.

Além disso, a defesa dos REA costuma se basear na democratização do acesso ao conhecimento na esperança de que isso, por si, leve à democratização da produção de conhecimento e ao fortalecimento da democracia de maneira geral (UNESCO, 2013Stehr, N. (2018). Nico Stehr: Pioneer in the theory of society and knowledge. Springer Berlin Heidelberg.). Ao serem pensados pela ótica dialógica e libertária de Freire, os REA, como movimento social, têm a oportunidade de apontar suas ações para além do acesso a conteúdos, indicando caminhos para a superação das injustiças.

Até o momento, discutiu-se aspectos técnicos, práticos, filosóficos e pedagógicos dos REA e suas implicações sociais. Para melhor compreender esses impactos, e o que eles podem representar nas sociedades modernas, os REA, entendidos como alinhados com uma perspectiva freireana, serão analisados do ponto de vista da Teoria da Sociedade do Conhecimento de Stehr (Freitas et al., 2020Freitas, M. de, Albuquerque Heidemann, L., & Solano Araujo, I. (2020). Educação em Ciências na Perspectiva da Teoria da Sociedade do Conhecimento de Nico Stehr. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências.).

DA SUPERAÇÃO DAS SITUAÇÕES DE INJUSTIÇA

Ao analisar o processo de desigualdades, e não apenas seus resultados, espera-se compreender quais são as competências necessárias para que um indivíduo melhore suas condições de vida. De uma perspectiva transformadora, que tenha como objetivo combater as desigualdades sociais, é importante compreender essas competências a fim de que possam ser projetadas ações diretas para evitar a ampliação das distâncias entre diferentes classes e grupos sociais, bem como para o desenvolvimento de proposições capazes de superá-las. Estando sujeitas a outras formas de opressão e dominação, não se acredita que somente a ampliação das competências sociais é suficiente para que se alcance a justiça social. Porém, entende-se que a ampliação desses conhecimentos instrumentaliza o indivíduo para que ele fique menos vulnerável e tenha mais controle e domínio sobre suas oportunidades de vida.

A educação emancipatória, na perspectiva dos REA, nesse cenário, é aquela que desenvolve competências sociais que, para além da proteção e da evitação, possibilitam também a criação e a transformação, ambas na direção da humanização e da libertação. Por esse motivo, é uma educação que desenvolve o que será chamado de capacidade de ação emancipatória. Esses conhecimentos são emancipatórios na medida em que, uma vez internalizados, aprendidos pelos indivíduos e grupos, podem ser mobilizados para que eles se emancipem, ou seja, se libertem das situações-limite que freiam e restringem suas ações.

Enquanto as competências sociais apresentadas por Stehr moldam as classes sociais a partir da capacidade dos indivíduos de se protegerem das flutuações do mercado e de evitarem situações de vulnerabilidade, as capacidades de ação emancipatórias são competências sociais que têm como objetivo ampliar o domínio dos indivíduos sobre as oportunidades e opções de vida. No entanto, não eliminam por completo as situações-limite, mas colaboram para que limitações geradas pela subjugação a elas sejam dribladas, ou, pelo menos, momentaneamente, localmente, superadas. De maneira objetiva, define-se as capacidades de ação emancipatórias como o conjunto contextual de conhecimentos, entendidos como capacidades de ação, necessários para que o indivíduo (ou grupo) desconstrua, de forma autônoma e consciente, dependências cognitivas e materiais decorrentes de injustiças sociais.

Ressalta-se que elas envolvem o desenvolvimento das suas próprias maneiras de criar novos conhecimentos, práticas e tecnologias, assim como a capacidade de se apropriar dos conhecimentos, práticas e tecnologias hegemônicos, principalmente aqueles associados à ciência e tecnologias modernas. É, então, a capacidade do indivíduo de mobilizar conhecimentos que o façam depender menos de grandes corporações, instituições e governos - e também que o tornam menos vulnerável a dominação destes. Se emancipar, portanto: é ser capaz de solucionar problemas usando ferramentas e saberes tradicionais e hegemônicos, mas também de criar e perpetuar soluções não convencionais; é entender o contexto em que se vive e ser capaz de tomar decisões baseado nisso; é saber relacionar cultura, práticas e teorias para identificar a origem das suas limitações e poder se libertar delas. A emancipação permite que indivíduo e grupos ajam sobre o seu mundo, modificando-o de forma ativa, consciente e autônoma, transformando não só a sua realidade, mas a do seu entorno.

As capacidades de ação emancipatórias são autônomas, mas não individualistas. A mobilização de recursos materiais, por exemplo, frequentemente exige a mediação de outras pessoas responsáveis pela extração ou produção desses recursos. A capacidade de ação emancipatória oferece ao indivíduo maior capacidade de buscar recursos abundantes em sua região, ou que necessitam de menos atravessadores, soluções que necessitem o mínimo possível de infraestruturas energéticas e computacional que fogem do seu controle (por serem de responsabilidade/domínio de grupos internacionais/externos que não participam das mesmas comunidades do indivíduo). Assim, essa competência inclui a capacidade de se emancipar por meio da organização coletiva. Por exemplo, a capacidade de ter gerência sobre a própria rede de internet, ou de servidores, ou sobre a produção de energia e alimento.

Dessa forma, os conhecimentos, sendo capacidades de ação, incluem todo tipo de saber e prática, seja ciência, poesia, tecnologia, ou saberes populares. Eles podem ser práticas legalizadas ou ilegais, saberes formalizados em livros, coletivos, como a ciência, ou empíricos, da vivência individual. São, contudo, todo tipo de conhecimento que, a partir do contexto de cada indivíduo ou grupo, permita que ele se liberte, conjuntamente com sua comunidade, de uma dependência indesejada, de uma injustiça, de uma exploração, ou seja, de uma situação-limite, passando para uma situação mais protegida e com maior domínio sobre sua(s) vida(s).

A competência emancipatória é a capacidade de sobreviver e de criar, apesar da escassez de conhecimento, mas é também a base para a abundância de conhecimento. Ao ser encorpada com as filosofias e práticas dos REA, amplia as capacidades de ação disponíveis para serem aprendidas e desenvolvidas e minimiza a quantidade de situações em que o conhecimento é escasso. Ao se basear no uso de licenças permissivas, negando a privatização do conhecimento, a escassez artificial tende a ser eliminada. Mesmo em casos em que a autoria deve ser respeitada, como é predominante nos artigos científicos, o conteúdo pode ser acessado, usado, modificado e distribuído sem restrições legais.

Quanto à escassez causada pelas habilidades cognitivas, os REA exercem um papel crucial na sua diminuição. No âmbito individual, a disseminação de tutoriais, materiais didáticos, videoaulas e ferramentas educacionais sobre os mais variados assuntos favorecem que mais pessoas tenham a possibilidade de desenvolver, por conta própria, suas habilidades. Assim, mesmo pessoas que não têm acesso a espaços formais de educação, como escolas e universidades, mas com acesso à internet, têm a possibilidade de aprender conteúdos diversos, formalmente negados a elas. A possibilidade de distribuição, com ou sem fins comerciais, facilita também que a informação alcance espaços sem acesso à internet.

Do ponto de vista escolar, a disponibilidade de conteúdos gratuitos de boa qualidade facilita que os educadores acessem ferramentas educacionais diferenciadas, que as adaptem para sua realidade ou as reorientem para novos fins, pois, numa educação emancipatória, quando o indivíduo está consciente da sua situação de injustiça e engajado em transformá-la, os REA permitem que a própria ferramenta, o próprio saber, seja transformado, refeito. Nesse sentido, é evidente como eles oferecem maior liberdade de criar e construir. Um ensino baseado no uso dessas ferramentas, mas que também traz à tona as filosofias nas quais elas se baseiam, tem o potencial de fortalecer, nos estudantes, a percepção, a esperança, de que eles são capazes e têm os meios de transformar o mundo ao seu redor.

Dessa forma, uma formação baseada em REA promove a autonomia, pois viabiliza que a ação seja possível, independentemente de qualquer vínculo institucional. É comum que universidades comprem a licença de uso de softwares profissionais e liberem o acesso a estudantes matriculados. Softwares proprietários como o Adobe Photoshop e o AutoCAD exercem tamanho domínio sobre o mercado que cursos de design e engenharia, por exemplo, oferecem disciplinas voltadas para o seu exclusivo uso. Porém, ao encerrarem o vínculo com as universidades, perdem o acesso a essas ferramentas e, por somente terem sido ensinados a operar softwares proprietários, se veem compelidos a pagar caras licenças de uso, ou a obtê-los ilegalmente. Ao contrário, quando o ensino é baseado em ferramentas livres, as capacidades de agir desenvolvidas pelos indivíduos não perdem sua força quando eles se desvinculam das instituições de ensino, pois permanecem tendo acesso a ferramentas cruciais para sua profissão. Autonomia, portanto, não se resume ao saber realizar tarefas, mas, também, a saber mobilizar conhecimentos, recursos e redes que possibilitem que as ações sejam realizadas - tanto do ponto de vista técnico quanto do político.

Assim, a título de exemplo, o projeto Baobáxia tem mostrado como a incorporação do uso e da filosofia das tecnologias livres pode permitir a construção de novas formas de integração, para além das permitidas pelas tecnologias proprietárias e seus donos. O projeto foi desenvolvido por, e para, comunidades indígenas e quilombolas com conexões de internet instáveis, para servir como “repositório multimídia projetado para operar em comunidades rurais com nenhuma ou pouca internet” (NPDD/Baobáxia, 2020NPDD/Baobáxia. (2020). In Wiki Rede Mocambos. https://wiki.mocambos.net/index.php/NPDD/Baob%C3%A1xia
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). Ele é uma infraestrutura digital fixa ou móvel para que essas comunidades urbanas ou remotas possam compartilhar e preservar suas memórias e criações culturais14 14 Projetada e mantida pela rede de quilombos Rede Mocambos (mais informações em http://mocambos.net/), o projeto traz consigo também uma renovação na nomenclatura da infraestrutura de internet, abandonando o padrão colonial escravocrata e adotando palavras e signos próprios para designar cada parte desse sistema. Seu nome, “Baobáxia”, é a mistura das palavras “Baobá” e “galáxia”. Baobá é o nome de uma árvore que representa, na cultura afro-brasileira, a memória coletiva de um território, por isso a rede de Macucos é uma galáxia e faz parte de uma galáxia de Baobás. Macucos, os frutos dos Baobás, são o que geralmente se chama de “servidores de internet”, as máquinas que armazenam os sites e códigos da internet. Mais informações em https://baobaxia.mocambos.net. Acesso em Setembro de 2020. . O projeto adota “como princípios básicos e metodologia de trabalho os fundamentos do software livre, tanto na gestão das equipes de trabalho, quanto nas soluções tecnológicas que utilizará” (NPDD/Baobáxia, 2020NPDD/Baobáxia. (2020). In Wiki Rede Mocambos. https://wiki.mocambos.net/index.php/NPDD/Baob%C3%A1xia
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).

A grande extensão de conhecimentos abertos sobre o assunto produzido e a cultura do código aberto são elementos centrais - além de outros importantíssimos fatores culturais e contextuais que não serão abordados - para que a solução fosse produzida pelas pessoas que fazem uso dela e com o envolvimento de técnicos integrantes ou parceiros da comunidade, afinal, como anunciado na documentação do projeto, “não basta usar tecnologias de informação já existentes - precisamos moldar o próprio desenvolvimento para que atenda às demandas da sociedade” (NPDD/Baobáxia, 2020NPDD/Baobáxia. (2020). In Wiki Rede Mocambos. https://wiki.mocambos.net/index.php/NPDD/Baob%C3%A1xia
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). Em outras palavras, as tecnologias livres, como cultura de produção de conhecimento tecnológico, são importantes chaves que ampliam as formas de participação social, em especial no protagonismo do desenvolvimento de tecnologias adequadas para as necessidades e interesses específicos e não hegemônicos. Nesse sentido, as capacidades de ação emancipatórias mobilizadas favorecem que conhecimentos científicos e tecnologias existentes sejam apropriados para novos fins, ou que novos conhecimentos sejam engendrados, criando mecanismos mais emancipados de participação social na coleta de dados de interesse geral, de pressão social, ou, ainda, de construção de soluções para problemas comunitários15 15 A importância das tecnologias livres nesse processo não representa uma desresponsabilização de instituições e governos do compromisso de criarem espaços e oportunidades para maior participação popular na formulação de políticas públicas, das agendas de pesquisa, ou na tomada de decisões sociotécnicas. Tampouco busca transferir para os ombros das comunidades afetadas e de cientistas e engenheiros não profissionais a incumbência de desenvolverem soluções para as suas problemáticas. O objetivo é, ao contrário, construir alterativas autônomas e colaborativas que deem protagonismo e soberania a forças populares para que não estejam completamente submetidas ao controle e domínio de governos e corporações, e também que sirvam elas próprias de mecanismos de pressão política. .

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E O SEU PAPEL EMANCIPATÓRIO

As sociedades modernas são altamente dependentes de complexos sistemas computacionais, redes de internet, técnicas de medicina avançadas, fármacos de difícil produção, sistemas de geração de energia de grande complexidade, etc. Esses conhecimentos, derivados da ciência e da engenharia avançadas, compõem o contexto e a história de qualquer indivíduo em diferentes níveis, estando eles cientes ou não disso. Na busca de se compreender o lugar de indivíduos e grupos no mundo, é preciso entender esses elementos. Geralmente protegidos por patentes e segredos industriais, quando não são conhecimentos incrementais - materializados apenas em livros e revistas científicas caras e com pouca distribuição -, requerem refinadas e complexas habilidades cognitivas para ser interpretados e compreendidos. São, portanto, escassos.

Assim, compreender o mundo moderno passa, entre outras coisas, por compreender a ciência e a engenharia. Seja para se emancipar e libertar de visões científicas limitadas, seja para se apropriar delas e se libertar de forças políticas e religiosas mal-intencionadas, o ensino de ciências e tecnologias possibilita que o indivíduo se aproprie dos conhecimentos sobre o seu mundo, dos seres biológicos aos sistemas digitais, da sociologia à neurociência.

No âmbito da educação, independente de qual o conhecimento for privilegiado, eles não devem ser escassos. Ainda, mesmo que dotados das capacidades de ação para (re)construir conhecimentos, tecnologias e soluções, caso o acesso material às ferramentas necessárias para essa ação for limitada, a capacidade de se emancipar também será. Portanto, ao se pensar nos conhecimentos emancipatórios, entende-se que o conhecimento a ser trabalhado deve estar o mais acessível possível, mas também que não haja impedimentos para que ele seja usado e modificado. Dessa reflexão, naturalmente emergem as práticas de ciência aberta e de tecnologias livres, que, usadas também como REA, têm em sua essência a diminuição das barreiras para a disseminação e crescimento do conhecimento. O uso de REA apresenta ainda uma possibilidade em especial: permite que professores e estudantes se apropriem de tecnologias e técnicas profissionais de engenharia, ciência e produção de conteúdo audiovisual. Ao aprenderem a usar ferramentas “reais”, aumentam sua capacidade de ação sobre o mundo, pois podem modificá-lo para além do digital, ampliando seu poder de ação para o mundo analógico, mecânico e biológico.

No exemplo a seguir, discute-se como as práticas, conteúdos e técnicas convencionais de cursos de engenharia, associados à consciência da situação de violência e engajamento na própria emancipação, podem ser cruciais para que a realidade de injustiça seja, em certa medida, superada.

O projeto Afro Engenharia iniciou em 2015, no Rio de Janeiro, por um então estudante de engenharia da computação também envolvido com a produção de audiovisual. Os equipamentos de audiovisual tradicionais são caros e todos pretos, com a justificativa de não distrair os atores. Além da dificuldade financeira de obtê-los, os equipamentos escuros, conduzidos por corpos pretos, podem facilmente ser confundidos com armas e, seus operadores, sendo confundidos com bandidos, às vezes são vítimas de assassinato “acidental”16 16 Seu receio se baseia em fatos: segundo levantamento do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, 78% das pessoas mortas em 2019 em intervenções policiais, no estado do Rio de Janeiro, são pretos e pardos (Rodrigues & Coelho, 2020). Entre os mortos estão pessoas que não estavam diretamente envolvidas no conflito, mas que foram vítimas do racismo policial; são exemplos Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, assassinado por ter seu guarda-chuva confundido com uma arma (e.g. Moura, 2018), e João Victor Dias Braga, de 22 anos, que foi assassinado por ter sua furadeira confundida com um revólver (e.g. Notícia Preta, 2019). Em ambos os casos os objetos segurados pelas pessoas foram motivação e justificação para encobrir as ações racistas. . Na busca por evitar situações de violência, dos conhecimentos desenvolvidos na universidade, esse estudante alterou aspectos tecnológicos e estéticos de seus produtos, fazendo-os coloridos, estampados e de baixo custo (Burtet, 2019Burtet, C. G. (2019). (Re)Pensando a inovação e o conceito de invação inclusiva: Um estudo do movimento maker no Brasil à luz da teoria ator-rede [Tese]. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.).

Fazendo uma leitura dos relatos e discussões apresentadas por Burtet (2019Burtet, C. G. (2019). (Re)Pensando a inovação e o conceito de invação inclusiva: Um estudo do movimento maker no Brasil à luz da teoria ator-rede [Tese]. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.), a partir dos referenciais deste trabalho, as seguintes interpretações surgem. O projeto envolveu conhecimentos técnicos e práticos em modelagem e impressão 3D, mecânica, eletrônica embarcada e programação, bem como a consciência do racismo. As capacidades técnicas e práticas o permitiram agir na construção de soluções que o direcionam a uma emancipação, ou seja, as capacidades técnicas foram reificadas como capacidades de ação emancipatórias, indicando que os conteúdos escolares e universitários, importantes para a formação técnica e profissional dos estudantes, não estão limitados à reprodução da ideologia dominante, pois têm importante papel na ampliação das formas de intervenção no mundo. Eles são, portanto, mesclados às tomadas de consciência. Ao criar um equipamento de baixo custo e mais seguro, o estudante transformou a realidade das pessoas ao seu redor, criando novas possibilidades de intervenção por meio, por exemplo, da produção cultural.

A produção de conhecimento, para ser contextual, deve partir da compreensão do que constitui o contexto, ou seja, do que o condiciona. A consciência de ser condicionado, identificada por Burtet (2019Burtet, C. G. (2019). (Re)Pensando a inovação e o conceito de invação inclusiva: Um estudo do movimento maker no Brasil à luz da teoria ator-rede [Tese]. Universidade do Vale do Rio dos Sinos.), é também uma capacidade de ação e permitiu ao jovem entender que aspectos sociais, históricos, culturais e biológicos limitam sua ação. Entretanto, sendo esperançoso, ele acreditou ser capaz de intervir no mundo de forma a mudá-lo, construindo maior autonomia para, nesse caso, a produção de conteúdo audiovisual17 17 Como expõem o estudante (Burtet, 2019), a motivação do projeto não foi unicamente a vontade de produzir conteúdo, mas a consciência de que há pouco conteúdo produzido sobre a favela, com pouco protagonismo preto, e majoritariamente produzido por pessoas brancas e não moradoras da favela. A motivação, portanto, se origina da vontade de se emancipar de situações que perpetuam estruturas racistas e aporofóbicas de opressão. A vontade de se libertar dessas situações é justamente o engajamento com a própria emancipação; o engajamento é então uma ação capacitada pela tomada de consciência das situações-limite a que se encontra sujeito. .

Portanto, as capacidades de ação emancipatórias têm o potencial de promover autonomias, de construir novas possibilidades de transformar o mundo, visando a superação das situações de injustiça. Estando sujeitas a outras formas de opressão e dominação, não se acredita que a ampliação das competências sociais, por si sós, são o suficiente para que se alcance a justiça social18 18 O projeto Afro Engenharia possibilitou novas autonomias, mas não tornou aqueles envolvidos nele emancipados do capitalismo nem do racismo. As capacidades de ação emancipatórias mencionadas contribuíram para que eles se emancipassem da dependência e subjugação a esses sistemas, nessas situações. Se constituem em mais um passo na direção do protagonismo de moradores da favela na produção de conteúdo audiovisual sobre a própria favela. . Porém, entende-se que a ampliação desses conhecimentos instrumentaliza o indivíduo para que fique menos vulnerável e tenha maior controle e domínio sobre suas oportunidades de vida, tendo maior autonomia.

Os exemplos do Afro Engenharia e das Baobáxias são exemplos da práxis, da ação e da reflexão simultâneas na produção e uso de tecnologias. Nenhum deles é produto direto de um espaço educacional, apesar de envolver habilidades e conhecimentos desenvolvidos em espaços formais de educação. Na formação de capacidades de ação emancipatória, a dialogicidade entre a realidade dos educandos e os conteúdos ensinados deve sempre buscar, ela própria, trabalhar a conscientização e superação das situações-limites. Mesmo não sendo sempre possível uma ação direta e imediata na área de ciências e tecnologia, a emancipação não deve ser apenas cognitiva, de habilidades desenvolvidas, mas, também, a libertação do fatalismo que impede um olhar para além das situações-limite.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este artigo, buscou-se contribuir para as reflexões em defesa dos REA. Como discutido, os REA contribuem para uma educação emancipatória na medida em que envolvem e promovem o aprendizado de competências sociais (conhecimentos) emancipatórios. Seu caráter aberto e livre amplia as possibilidades de modificações no mundo, enquanto sua filosofia defende e incentiva que essas modificações ocorram de forma ativa, consciente e autônoma. Os REA podem levar os indivíduos (e grupos) ao desenvolvimento das suas próprias maneiras de criar novos conhecimentos, práticas e tecnologias, assim como à capacidade de se apropriar dos conhecimentos, práticas e tecnologias hegemônicas.

Sendo de extrema relevância para a educação emancipatória, o conjunto de capacidades de ação promovidas pelos REA fortalece a esperança e, por que não, a certeza de que a realidade, do individual ao coletivo, pode ser transformada. Por promoverem conhecimentos emancipatórios, fortalecem as competências necessárias para que o indivíduo (ou grupo) desconstrua, de forma autônoma e consciente, dependências indesejáveis. Dessa forma, a busca pela emancipação fortalece, nos indivíduos, competências sociais que também os protegem, em diferentes níveis, dos efeitos das desigualdades sociais.

Assim, é possível atribuir maior contribuição na libertação aos conteúdos e técnicas ensinadas, já que estes têm influência direta e indireta nas oportunidades e formas de vida das pessoas. Isso não significa o abandono do olhar transformativo, esperançoso, curioso e inacabado. Pelo contrário, as capacidades de ação emancipatórias requerem tais características. Desse modo, os conteúdos a serem ensinados não são apenas uma tarefa burocrática a ser seguida, mas parte do processo de emancipação, são competências sociais de proteção e de evitação e, também, de criação e de transformação.

Os REA são recursos usados com fins educacionais que têm sua rede de saberes, ferramentas, práticas e dados disponíveis publicamente para serem usados e transformados. Ainda que distantes da realidade em que todos os REA são hiperobjetos, o conceito foi adotado como princípio orientador. Por isso, entende-se que são recursos que compõem toda a gama de movimentos em defesa do conhecimento livre e da cultura livre - como as tecnologias livres (software, hardware, biológicas, etc.) e a ciência aberta (da publicação de artigos e dados ao uso de protocolos, processos e equipamentos científicos abertos). Igualmente, devem se estender para todas as esferas da sociedade, com expectativa de perpetuar culturas e práticas que permitam que o conhecimento possa fluir livremente por entre as pessoas, grupos e épocas, e que possa, também, ser organicamente modificado, transformado e adaptado.

Portanto, sendo os REA entendidos como hiperobjetos que conectam as capacidades físicas e materiais às intelectuais, não devem ser tratados apenas como ferramentas, dissociados da filosofia de código aberto que os embasam. Como discutido por Freire, a ação e a reflexão são essenciais para o engajamento na própria emancipação. Por isso, trabalhar as duas questões em conjunto favorece a capacidade, em cada indivíduo e coletivo, da tomada de consciência sobre seu lugar no mundo e do engajamento na própria emancipação.

Além disso, a defesa dos REA se baseia na abundância de conhecimento que geram. Alinhado com a natureza intangível do conhecimento, o uso de licenças permissivas nega sua privatização sem, com isso, deixar desassistidos inventores e criadores responsáveis pela sua composição. O acesso facilitado a ferramentas, técnicas e conteúdos contribui também para que o conhecimento flua entre pessoas, diminuindo assim as barreiras causadas pelas habilidades cognitivas e pelos conhecimentos incrementais. Seu potencial de formar redes fortalece a criação de comunidades autônomas que, coletivamente, podem, em diferentes níveis, recriar suas realidades, descartando a ideia de que autonomia significa autossuficiência.

Do ponto de vista escolar, a disponibilidade de conteúdos gratuitos de boa qualidade oportuniza que os educadores e educandos acessem ferramentas educacionais diferenciadas e que as adaptem para suas realidades ou as reorientem para novos fins. Além disso, contribui para a percepção de que eles são capazes e têm os meios de transformar o mundo ao seu redor. Uma maior discussão deve ser realizada sobre de quais dependências a escola quer, e deve, se libertar e libertar seus estudantes e, com isso, descobrir quais conhecimentos podem ser emancipatórios e quais redes autônomas podem ser formadas para apoiar sua difusão.

O ensino de ciências e tecnologias nesse contexto é essencial para a tomada de consciência e emancipação nas sociedades modernas, já que estas são altamente dependentes de complexos sistemas tecnológicos e científicos, como sistemas computacionais, produção de fármacos, etc. Os REA viabilizam que estudantes, professores e gestores se apropriem de tecnologias e técnicas profissionais de engenharia, ciência e produção audiovisual, de maneira a aumentar sua capacidade de ação sobre o mundo, seja ele artístico, cultural ou científico.

Para a compreensão dos impactos das capacidades de ação emancipatórias na sociedade, baseou-se na Teoria da Sociedade do Conhecimento e nos três principais pontos da teoria: a compreensão de conhecimento como capacidade de ação; os fatores que fazem o conhecimento um bem escasso; a importante influência de um conjunto de conhecimentos, as competências sociais, nas estruturas das desigualdades sociais. Permanece em aberto para discussão, na teoria, o quanto a ampliação das competências sociais, principalmente das emancipatórias, podem reduzir as desigualdades sociais e o quanto podem modificar suas estruturas. Igualmente necessário é o aprofundamento da teoria sobre qual o nível de influência que fatores como origem, características imputadas e posição ocupacional têm na perpetuação das desigualdades sociais e até que ponto as competências sociais podem contribuir com a superação dessas desigualdades. É preciso, também, considerar aspectos da economia, cultura e sociedade brasileira na teoria, para que melhor se possa pensar e propor ações concretas (Freitas et al., 2020Freitas, M. de, Albuquerque Heidemann, L., & Solano Araujo, I. (2020). Educação em Ciências na Perspectiva da Teoria da Sociedade do Conhecimento de Nico Stehr. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências.).

Conclui-se que a associação de REA à educação emancipatória, ao ensino de conhecimentos emancipatórios, busca superar as injustiças sociais. Como defende Boaventura de Sousa Santos, a justiça social global só será alcançada com a justiça cognitiva, sendo que esta é cultivada pelas ecologias de saberes (fundamentada no reconhecimento da própria pluralidade do conhecimento e das epistemologias), enquanto as injustiças cognitivas são cultivadas pela monocultura de saberes (científicos, culturais, etc.) (Santos, 2007Santos, Boaventura de S. (2007, outubro). Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, 3-46.). Assim, ao entendermos que a educação se aproxima mais do acender, do incendiar, de velas no compartilhamento de saberes, e não do acúmulo privado e exclusivo de conhecimento, a incorporação à educação das práticas e filosofias dos REA, incluindo as culturas livres, as tecnologias livres e a ciência aberta, é parte essencial de uma educação emancipatória.

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    Disponível em: <https://www.microsoft.com/pt-br>. Acesso em set. 2020.
  • 6
    Denunciado no podcast da Seção Sindical do ANDES-SN na UFRGS, disponível em: https://open.spotify.com/episode/1RYvkjQ9yEtj6Oy6fMHIsg?si=4JOfvWI-Rwu0TXjpCHFoRw. Acesso em: set. 2020.
  • 7
    Tais políticas de incentivo, na área da educação, passam pela criação de condições materiais para a implementação dos REA, como a compra de computadores ou a adequada formação de professores e técnicos; mas também, como apontado mais adiante no texto, por políticas em áreas como a cultura, ciência e indústria, criando um ecossistema favorável a essa filosofia (Pretto, 2012).
  • 8
    A teoria de Stehr e colaboradores não se enquadra em diversas das críticas geralmente atribuídas as teorias de sociedades do conhecimento, justamente por apresentarem uma abordagem diversa (Freitas et al., no prelo).
  • 9
    A propriedade intelectual (PI), dividida entre os direitos autorais e a propriedade industrial (patente) são mecanismos jurídicos para a garantia do direito de propriedade sobre a criação de obras e ideia (artísticas, científicas ou tecnológicas). As obras e invenções que não estou sob a PI estão em domínio público, não possuindo assim, dono. No direito norte-americano, o uso justo limita os direitos dos autores e inventores, permitindo o uso não autorizado em situações especiais (Fundação Getúlio Vargas, 2011Fundação Getúlio Vargas. (2011). Direitos autorais em reforma. Fundação Getúlio Vargas.).
  • 10
    Mais informações em seu site oficial: http://www.rea.net.br/. Acesso em: set. 2020.
  • 11
    A expressão “código aberto”, tradução da expressão “open source”, se refere a todos os movimentos e ideias que defendem a disponibilização online de obras e ferramentas sob licenças abertas. Exemplos são os movimentos de software livre, de acesso aberto e dos REA.
  • 12
    Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipédia. Acesso em: 16 de abril de 2020.
  • 13
    Nesse exemplo, a ação foi limitada ao espaço físico e às possíveis transformações subjetivas dos envolvidos, direta e indiretamente, no projeto; uma transformação mais profunda seria o envolvimento desses estudantes não só no desenvolvimento técnico, mas na reflexão crítica sobre a finalidade da sirene, seu objetivo, seu significado, na tomada de decisões sobre o controle dos horários, etc. Ainda assim, dado o baixo nível de ação dos estudantes nas escolas, esse projeto exemplifica o potencial transformador de espaços de ensino baseados em tecnologias livres, pois eles possibilitam ações mais concretas e diretas.
  • 14
    Projetada e mantida pela rede de quilombos Rede Mocambos (mais informações em http://mocambos.net/), o projeto traz consigo também uma renovação na nomenclatura da infraestrutura de internet, abandonando o padrão colonial escravocrata e adotando palavras e signos próprios para designar cada parte desse sistema. Seu nome, “Baobáxia”, é a mistura das palavras “Baobá” e “galáxia”. Baobá é o nome de uma árvore que representa, na cultura afro-brasileira, a memória coletiva de um território, por isso a rede de Macucos é uma galáxia e faz parte de uma galáxia de Baobás. Macucos, os frutos dos Baobás, são o que geralmente se chama de “servidores de internet”, as máquinas que armazenam os sites e códigos da internet. Mais informações em https://baobaxia.mocambos.net. Acesso em Setembro de 2020.
  • 15
    A importância das tecnologias livres nesse processo não representa uma desresponsabilização de instituições e governos do compromisso de criarem espaços e oportunidades para maior participação popular na formulação de políticas públicas, das agendas de pesquisa, ou na tomada de decisões sociotécnicas. Tampouco busca transferir para os ombros das comunidades afetadas e de cientistas e engenheiros não profissionais a incumbência de desenvolverem soluções para as suas problemáticas. O objetivo é, ao contrário, construir alterativas autônomas e colaborativas que deem protagonismo e soberania a forças populares para que não estejam completamente submetidas ao controle e domínio de governos e corporações, e também que sirvam elas próprias de mecanismos de pressão política.
  • 16
    Seu receio se baseia em fatos: segundo levantamento do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, 78% das pessoas mortas em 2019 em intervenções policiais, no estado do Rio de Janeiro, são pretos e pardos (Rodrigues & Coelho, 2020). Entre os mortos estão pessoas que não estavam diretamente envolvidas no conflito, mas que foram vítimas do racismo policial; são exemplos Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, assassinado por ter seu guarda-chuva confundido com uma arma (e.g. Moura, 2018), e João Victor Dias Braga, de 22 anos, que foi assassinado por ter sua furadeira confundida com um revólver (e.g. Notícia Preta, 2019). Em ambos os casos os objetos segurados pelas pessoas foram motivação e justificação para encobrir as ações racistas.
  • 17
    Como expõem o estudante (Burtet, 2019), a motivação do projeto não foi unicamente a vontade de produzir conteúdo, mas a consciência de que há pouco conteúdo produzido sobre a favela, com pouco protagonismo preto, e majoritariamente produzido por pessoas brancas e não moradoras da favela. A motivação, portanto, se origina da vontade de se emancipar de situações que perpetuam estruturas racistas e aporofóbicas de opressão. A vontade de se libertar dessas situações é justamente o engajamento com a própria emancipação; o engajamento é então uma ação capacitada pela tomada de consciência das situações-limite a que se encontra sujeito.
  • 18
    O projeto Afro Engenharia possibilitou novas autonomias, mas não tornou aqueles envolvidos nele emancipados do capitalismo nem do racismo. As capacidades de ação emancipatórias mencionadas contribuíram para que eles se emancipassem da dependência e subjugação a esses sistemas, nessas situações. Se constituem em mais um passo na direção do protagonismo de moradores da favela na produção de conteúdo audiovisual sobre a própria favela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2020
  • Aceito
    12 Nov 2020
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