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AUTOVALORAÇÃO DE COMPETÊNCIAS GENÉRICAS EM EGRESSOS DE UM BACHARELADO INTERDISCIPLINAR BRASILEIRO

AUTOEVALUACIÓN DE HABILIDADES GENÉRICAS EN GRADUADOS DE UNA LICENCIATURA INTERDISCIPLINARIA BRASILEÑA

RESUMO:

As competências profissionais representam uma combinação de atributos (conhecimentos, habilidades e atitudes) que descrevem o grau em que a pessoa é capaz de desempenhá-los, podendo ser classificadas como: específicas (relacionadas diretamente com a profissão), e genéricas (transferíveis a múltiplas funções e tarefas). O estudo apresenta autoavaliações de competências genéricas feitas por egressos do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar, da Universidade Federal de São Paulo. Participaram da pesquisa 180 egressos formados de 2015 a 2018. Das 19 competências genéricas autovaloradas com maior desenvolvimento durante o curso, destacam-se Capacidade de trabalhar em equipe e Compromisso ético. Motivação para o trabalho, Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática e Motivação para alcançar metas foram as menos valoradas. Para os egressos que estavam trabalhando, as competências tidas como mais importantes para o trabalho foram: Compromisso ético, Responsabilidade no trabalho e Capacidade de trabalhar em equipe. Conhecimentos básicos da profissão, Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática e Motivação para o trabalho foram valoradas como menos importantes. Houve discrepâncias na valoração de competências entre o desenvolvido no curso e o praticado no trabalho, apontando um descompasso entre o desenvolvimento dessas competências na Universidade e o que é demandado no mercado profissional.

Palavras-chave:
Competências genéricas; egressos; bacharelado interdisciplinar; ciência e tecnologia do mar; empregabilidade

RESÚMEN:

Las habilidades profesionales representan una combinación de atributos (conocimientos, habilidades y actitudes) que describen el grado en que la persona puede realizarlas, que se pueden clasificar en: específicas (directamente relacionadas con la profesión) y genéricas (transferibles a múltiples funciones y tareas). El estudio presenta autoevaluaciones de habilidades genéricas realizadas por graduados de la Licenciatura Interdisciplinaria en Ciencias y Tecnología del Mar, de la Universidade Federal de São Paulo. Participaron en la investigación 180 egressados dentre 2015 y 2018. De las 19 habilidades genéricas autovaloradas con un mayor desarrollo durante el curso, se destacan la capacidad de trabajar en equipo y el compromiso ético. La motivación para el trabajo, la capacidad de aplicar el conocimiento a la práctica y la motivación para lograr los objetivos fueron las menos valoradas. Para los graduados que estaban trabajando, las habilidades consideradas más importantes para el trabajo fueron: compromiso ético, responsabilidad en el trabajo y capacidad para trabajar en equipo. El conocimiento básico de la profesión, la capacidad de aplicar el conocimiento a la práctica y la motivación para el trabajo se valoraron como menos importantes. Hubo discrepancias en la valoración de las habilidades entre lo que se desarrolló en el curso y lo que se practicó en el trabajo, lo que indica un desajuste entre el desarrollo de estas habilidades en la Universidad y lo que se requiere en el mercado profesional.

Palabras clave:
Habilidades genéricas; graduados bachillerato interdisciplinario; ciencia y tecnología del mar; empleabilidad

ABSTRACT:

Professional competences represent a combination of attributes (knowledge, skills, and attitudes) that describe to how extent the person may perform them. In general, the professional competences are classified as specific (directly related to the professional activities), and generic (interchangeable with multiple life functions and tasks). This paper analyses the development of generic competences by graduate students of Interdisciplinary Baccalaureate in Sea Science, at the Universidade Federal de São Paulo. One hundred and eighty graduating between 2015 and 2018 answered an online survey. Among the 19 generic self-valued competences, Ability to work as a team and Ethical commitment got the highest scores. Motivation for work, Ability to apply knowledge to practice, and Motivation to achieve goals got the lowest scores. The alumni who were working pointed out that Ethical commitment, Responsibility at work, and Teamwork as the most relevant competences for the labor market. Basic knowledge of the profession, Ability to apply knowledge to practice, and Motivation for work were valued as less important. There were discrepancies in the competences scores attributed to development along the university course and demanded by the labor market. Such discrepancies indicate a mismatch between the competence development at the university and the request of the professional market.

Keywords:
Generic competences; graduate; interdisciplinary undergraduate course; sea science and technology; employability

INTRODUÇÃO

Enquanto aspecto central e constituinte da vida humana, o trabalho sofre mudanças à medida que a sociedade se transforma, por estarem, trabalho e sociedade, em intrínseca e contínua interação. Para Klaus Schwab (2016Schwab, K. (2016). A quarta revolução industrial. Edipro.), vive-se hoje a Quarta Revolução Industrial (do Inglês, Fourth Industrial Revolution [4IR]). A 4IR tem acontecido desde a virada do século e é resultado da integração e composição de tecnologias como inteligência artificial, biotecnologia e uso de nanomaterias (Penprase, 2018Penprase, B. E. (2018). The fourth industrial revolution and Higher Education. In N. W. Gleason (Ed.), Higher Education in the era of fourth industrial revolution. Singapore: Palgrave Macmillan .; Schwab, 2016Schwab, K. (2016). A quarta revolução industrial. Edipro.). Nesse cenário, emergiram velozes interações com campos interdisciplinares de estudo, nos quais novas habilidades e saberes passaram a ter grande importância, como a adaptabilidade, a capacidade de aprender e pensar sozinho (autonomamente), e o trabalho em equipe (Penprase, 2018; Xing & Marwala, 2017Xing, B. & Marwala, T. (2017). Implications of the Fourth Industrial age for Higher Education. The Thinker, 3, 10-15. https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1703/1703.09643.pdf
https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1703/...
). Segundo Chui et al. (2016Chui, M., Manyika, J., & Miremadi, M. (2016). Where machines could replace humans - and where they can’t (yet). McKinsey Quarterly, 6. https://www.mckinsey.com/business-functions/digital-mckinsey/our-insights/where-machines-could-replace-humans-and-where-they-cant-yet
https://www.mckinsey.com/business-functi...
), esses saberes e habilidades ainda não podem ser substituídos pelas máquinas - e por isso se tornam valiosos no contexto atual.

Em 1998, com intuito de promover um ajuste mais eficaz entre a formação educacional e novas demandas do mundo do trabalho (em busca de melhores recursos para o desenvolvimento socioeconômico), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) realizou a “Conferência Mundial sobre Educação Superior”, discutindo o tema de competências gerais a serem adquiridas no ensino superior, consideradas como competências-chave para a capacitação do estudante universitário. Essas competências incluiriam: habilidades sociais e de comunicação, trabalho em equipe, criatividade, manejo da diversidade cultural e capacidade de assumir responsabilidades e riscos; estas poderiam ajudar no desenvolvimento pessoal, na cidadania, na inclusão social e na inserção no mercado de trabalho (Cheetam & Chivers, 2000; Jones, 1996Jones, L. K. (1996). Job skills for the 21st century: A guide for students. The Oryx Press.). Dessa forma, aumentou-se a relevância dada ao conceito de “competências ligadas à empregabilidade” ou “competências genéricas”, como aquelas associadas à gestão de conhecimentos, liderança, capacidade de resolver problemas e motivação para o trabalho - as mesmas que já estavam sendo estudadas e levadas em consideração em alguns países (Fleury, 2002Fleury, M. T. L. (2002). As pessoas na organização. Gente.; Freire Seoane & Salcines Cristal, 2010Freire Seoane, M. J, & Salcines Cristal, J. V. (2010). Análisis de las competencias profesionales de los titulados universitarios españoles - La visión de los egresados. Perfiles Educativos, 32(130), 103-120. http://www.scielo.org.mx/pdf/peredu/v32n130/v32n130a7.pdf
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; McClelland, 1973McClelland, D. C. (1973). Testing for competence rather than for intelligence. American Psychologist, 28. https://www.therapiebreve.be/documents/mcclelland-1973.pdf
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).

A menção privilegiada da conexão com competências na esfera da educação universitária já era presente desde os anos de 1970, na França, com o surgimento do inventário de competência, o bilan de competénces (Fleury, 2002Fleury, M. T. L. (2002). As pessoas na organização. Gente.), associadas a um “saber agir” entre educação e trabalho, diploma e emprego. Nessa mesma época, nos Estados Unidos da América (EUA) foi publicado o artigo de McClelland (1973McClelland, D. C. (1973). Testing for competence rather than for intelligence. American Psychologist, 28. https://www.therapiebreve.be/documents/mcclelland-1973.pdf
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) intitulado Testing for Competence rather than for Intelligence, no qual o termo competência era utilizado para designar o comportamento frente ao desempenho na realização de uma determinada tarefa. Duas décadas depois, Prahalad e Hamel (1990Prahalad, C. K. & Hamel, G. (1990). The core competence of corporate of the corporation. Harvard Business Review, 68(3), 79-91. http://www.cfmt.it/sites/default/files/af/materiali/The_Core_Competence_of_the_Corporation.pdf.
http://www.cfmt.it/sites/default/files/a...
) publicaram The core competence of corporation, em Harvard, afirmando que a competência era essencialmente a capacidade de combinar, misturar e integrar recursos em produtos/serviços no mercado.

Vale dizer, no entanto, que as competências genéricas também disputaram e ainda disputam espaço com outras conceituações e classificações, com ligeiras diferenças - baseadas no que seriam seus objetivos e sua lógica de funcionamento (Beneitone & Bartolomé, 2014Beneitone, P. & Bartolomé, E. (2014). Global generic competences with local ownership: A comparative study from the perspective of graduates in four world regions. Tuning Journal for Higher Education, 1(2), 303-334. https://doi.org/10.18543/tjhe-1(2)-2014pp303-334
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; Braun & Brachem, 2015Braun, E. M. P. & Brachem, J. C. (2015). Requirements Higher Education graduates meet on the labor market. Peabody Journal of Education, 90(4), 574-595. https://doi.org/10.1080/0161956X.2015.1068086
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; Stênico & Adam, 2017Stênico, J. A. G., Adam, J. M. (2017). Da qualificação às competências: O papel atribuído à educação na formação do trabalhador. Textura, 19(40), 237-251. http://dx.doi.org/10.17648/textura-2358-0801-19-40-2305
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; Van der Klink & Boon, 2003Van der Klink, M. R. & Boon, J. (2003). Competencies: The triumph of a fuzzy concept. International Journal of Human Resources, Development and Management, 3(2), 125-137. http://dx.doi.org/10.1504/IJHRDM.2003.002415
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). A exemplo das diferentes conceituações, Van der Klink e Boon (2003) citam o uso de palavras diferentes para denominar e conceituar “competência”: nos EUA era utilizado o termo competency para denominar competências, que se referiam a um conjunto de habilidades para uma performance excelente; no Reino Unido, a palavra competence era usada para padrões de desempenho coletivamente aceitos; e na Alemanha, kompetenz referia-se à capacidade de um indivíduo de realizar diversas tarefas em sua profissão, em diferentes contextos laborais.

Na Europa, diante da necessidade de aumentar a empregabilidade dos graduados, padronizar os currículos entre os países (permitindo assim o intercâmbio acadêmico) e fortalecer a competividade e atratividade dos cursos de graduação e pós-graduação europeus (Bologna Beyond 2010Bologna beyond 2010 - Report on the development of the European Higher Education Area. (2009). Ministerial Conference Leuven/Louvain-la-Neuve. http://www.ehea.info/media.ehea.info/file/2009_Leuven_Louvain-la-Neuve/91/8/Beyond_2010_report_FINAL_594918.pdf
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, 2009Van der Klink, M. R. & Boon, J. (2003). Competencies: The triumph of a fuzzy concept. International Journal of Human Resources, Development and Management, 3(2), 125-137. http://dx.doi.org/10.1504/IJHRDM.2003.002415
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), a União Europeia promoveu grandes transformações no ensino superior nas últimas três décadas. A Declaração de Bolonha, assinada por 29 países em 1999, marcou o início dessas transformações quando os signatários concordaram em criar uma visão comum para a educação superior (The Bologna Process Revisited, 2015The Bologna Process revisited - The Future of the European Higher Education Area (2015). Ministerial Conference Yerevan. http://media.ehea.info/file/2015_Yerevan/71/1/Bologna_Process_Revisited_Future_of_the_EHEA_Final_613711.pdf
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). A partir de então, surgiu a European Higher Education Area que, em 2015, contava com 48 países membros, e atualmente tem como pilares uma estrutura comum (que inclui sistema de créditos, princípios para o desenvolvimento do ensino centrado no aluno, metodologias e metas sustentáveis) e as mesmas ferramentas de avaliação (The Bologna Process Revisited, 2015The Bologna Process revisited - The Future of the European Higher Education Area (2015). Ministerial Conference Yerevan. http://media.ehea.info/file/2015_Yerevan/71/1/Bologna_Process_Revisited_Future_of_the_EHEA_Final_613711.pdf
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).

Nesse contexto europeu, o desenvolvimento do ensino centrado no aluno deveria ser baseado no desenvolvimento de competências profissionais genéricas, aquelas que podem ser transferíveis para outras áreas e que são facilitadoras do intercâmbio acadêmico (The Bologna Process Revisited, 2015The Bologna Process revisited - The Future of the European Higher Education Area (2015). Ministerial Conference Yerevan. http://media.ehea.info/file/2015_Yerevan/71/1/Bologna_Process_Revisited_Future_of_the_EHEA_Final_613711.pdf
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; Palmer Pol et al., 2009Palmer Pol A. , Montaño Moreno, J., & Palou Oliver, M. (2009). Las competencias genéricas en la educación superior. Estudio comparativo entre la opinión de empleadores y académicos. Psicothema, 21(3), 433-438. https://www.redalyc.org/pdf/727/72711821015.pdf
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). Ainda na Europa, para entender quais competências seriam interessantes incluir nos programas dos cursos, foi criado o Projeto Tuning Europa, que definiu e mapeou, em sua primeira fase, as competências genéricas exigidas pelos empregadores, acadêmicos e estudantes (Beneitone & Yarosh, 2015Beneitone, P. & Yarosh, M. (2015). Tuning impact in Latin America: is there implementation beyond design? Tuning Journal of Higher Education, 3(1), 187-216. https://doi.org/10.18543/tjhe-3(1)-2015pp187-216
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; Gonzáles & Wagenaar, 2003Gonzáles, J. & Wagenaar, R. (Eds) (2003). Tuning Educational Structures in Europe - Final Report: Phase One. Bilbao: Universidad de Deusto. Recuperado de http://tuningacademy.org/wp-content/uploads/2014/02/TuningEUI_Final-Report_EN.pdf.
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; Wagenaar, 2014Jones, L. K. (1996). Job skills for the 21st century: A guide for students. The Oryx Press.). Expandindo as fronteiras europeias, o Projeto Tuning avaliou também competências em outras regiões do planeta, como Rússia, América Latina e África (Beneitone & Bartolomé, 2014Beneitone, P. & Bartolomé, E. (2014). Global generic competences with local ownership: A comparative study from the perspective of graduates in four world regions. Tuning Journal for Higher Education, 1(2), 303-334. https://doi.org/10.18543/tjhe-1(2)-2014pp303-334
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).

Diante da diversidade de conceituações e definições, Van der Klink et al. (2007Van der Klink, M. R., Boon, J., & Schlusmans, K. (2007). Competências e ensino superior profissional: Presente e futuro. Revista Europeia de Formação Profissional, (40). http://www.academia.edu/10121789/Compet%C3%AAncias_e_ensino_superior_profissional_presente_e_futuro
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) sugerem que, ao se tratar de competências, seja esclarecido qual conceito será utilizado. Portanto, por conta do instrumento que será mobilizado na presente pesquisa que é derivado diretamente do Projeto Tuning, a conceituação e classificação de competência estará também alinhada ao que foi desenvolvido para tal contexto, compreendidas como a integração entre conhecimento e entendimento (knowing and understanding, conhecimento teórico de um tema e capacidade para conhecer e entender) e conhecimento para ser (knowing how to be, tendo como base os valores para viver com e perceber os outros, em um contexto social) (Gonzáles & Wagenaar, 2003Gonzáles, J. & Wagenaar, R. (Eds) (2003). Tuning Educational Structures in Europe - Final Report: Phase One. Bilbao: Universidad de Deusto. Recuperado de http://tuningacademy.org/wp-content/uploads/2014/02/TuningEUI_Final-Report_EN.pdf.
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). Competências representam uma combinação de atributos (como conhecimentos e suas aplicações, atitudes, habilidades e responsabilidades) que descrevem o nível ou grau em que a pessoa é capaz de desempenhá-los (Gonzáles & Wagenaar, 2003Gonzáles, J. & Wagenaar, R. (Eds) (2003). Tuning Educational Structures in Europe - Final Report: Phase One. Bilbao: Universidad de Deusto. Recuperado de http://tuningacademy.org/wp-content/uploads/2014/02/TuningEUI_Final-Report_EN.pdf.
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). Competências profissionais podem ainda ser classificadas em “genéricas”, que são transferíveis a múltiplas funções e tarefas, e “específicas”, que são aquelas relacionadas diretamente com a profissão (Freire Seoane et al., 2013Freire Seoane, M J.; Teijeiro Álvarez, M & Pais Montes, C. (2013). La adecuación entre las competencias adquiridas por los graduados y las requeridas por los empresários. Revista de Educación, 362. http://dx.doi.org/10.4438/1988-592X-RE-2011-362-151
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).

Em suma, sob o ponto de vista do Processo de Bolonha, a empregabilidade dos graduados está diretamente relacionada com as competências que devem desenvolver para que se tornem competitivos e adaptados às transformações no trabalho contemporâneo. Os profissionais formados no modelo centrado no aluno seriam “mais competentes”, mais adaptados às necessidades do mercado de trabalho atual e, portanto mais valiosos para seu empregador, e assim, aumentando seu potencial de empregabilidade (Kallioinen, 2010Kallioinen, O. (2010). Defining and comparing generic competences in Higher Education. European Educational Research Journal, 9(1), 56-68. https://doi.org/10.2304%2Feerj.2010.9.1.56
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).

Também para autores que estudam a 4IR, a aquisição e o desenvolvimento de competências são necessários para a adaptação ao novo modelo de trabalho (Aires et al., 2017Aires, R. W. A., Moreira, F. K., & Freire, P. S. (2017). Indústria 4.0: competências requeridas aos profissionais da Quarta Revolução Industrial. International Congress of Knowledge And Innovation - Ciki, 1(1). http://proceeding.ciki.ufsc.br/index.php/ciki/article/view/314
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; Gleason, 2018Gleason, N. W. (Ed.) (2018). Higher Education in the era of fourth industrial revolution. Singapore: Palgrave Macmillan.; Penprase, 2018Penprase, B. E. (2018). The fourth industrial revolution and Higher Education. In N. W. Gleason (Ed.), Higher Education in the era of fourth industrial revolution. Singapore: Palgrave Macmillan .). E mais além, conforme destaca Penprase (2018), mudanças na sociedade e os impactos da tecnologia na Educação levam tempo para ser plenamente realizados, mas são necessários para que haja adaptação aos novos modelos existentes. Fica como tarefa das universidades se tornarem mais permeáveis às necessidades sociais e do mundo do trabalho, oferecendo aos alunos oportunidades para o desenvolvimento das competências genéricas (Palmer Pol et al., 2009Palmer Pol A. , Montaño Moreno, J., & Palou Oliver, M. (2009). Las competencias genéricas en la educación superior. Estudio comparativo entre la opinión de empleadores y académicos. Psicothema, 21(3), 433-438. https://www.redalyc.org/pdf/727/72711821015.pdf
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). A interação entre universidades (que ensinam) e empresas (que empregam e colocam em prática) deve acontecer para que a empregabilidade dos graduados aumente, levando em conta a realidade do mundo laboral (Freire Seoane et al., 2013Freire Seoane, M J.; Teijeiro Álvarez, M & Pais Montes, C. (2013). La adecuación entre las competencias adquiridas por los graduados y las requeridas por los empresários. Revista de Educación, 362. http://dx.doi.org/10.4438/1988-592X-RE-2011-362-151
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; Gleason, 2018Gleason, N. W. (Ed.) (2018). Higher Education in the era of fourth industrial revolution. Singapore: Palgrave Macmillan.; Van der Klink et al., 2007Van der Klink, M. R., Boon, J., & Schlusmans, K. (2007). Competências e ensino superior profissional: Presente e futuro. Revista Europeia de Formação Profissional, (40). http://www.academia.edu/10121789/Compet%C3%AAncias_e_ensino_superior_profissional_presente_e_futuro
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).

Focando-se agora a realidade educacional brasileira para o ensino superior, foi na década de 1970 a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, 1996Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996, 23 de dezembro). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf
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), que estabelecia diretrizes gerais para a elaboração de currículos dos cursos de graduação no ensino superior. A proposta era aliar currículos ao mundo do trabalho, tornando-os mais flexíveis em contraposição a modelos anteriores, aqueles dos chamados currículos mínimos. Dessa forma, discussões sobre a formação de perfis profissionais passaram a ser inseridas no âmbito dos debates sobre currículos de graduação. Ideias como flexibilidade e dinamicidade na organização curricular, adaptação às demandas do mercado de trabalho, integração entre graduação e pós-graduação, ênfase na formação geral e definição e desenvolvimento de competências e habilidades gerais, passaram a ser referências de princípios para currículos de graduação.

Na década de 1990, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) passou a implementar algumas mudanças curriculares, justificadas pelas transformações advindas da globalização e do crescente avanço tecnológico que impactava o mercado de trabalho. À época, considerava-se que não bastava apenas a capacitação de estudantes para habilitações específicas tradicionais, mas sim um avanço no processo formativo com foco na aquisição e desenvolvimento de competências e saberes requeridos pelo mercado de trabalho para os profissionais, incluindo habilidades para utilizar novas tecnologias e o uso de novas modalidades de comunicação (Secretaria de Educação Fundamental, 1997Secretaria de Educação Fundamental (1997). Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
). Em 2015, o artigo 7º da Resolução nº 2, do Conselho Nacional de Educação (CNE) do Brasil (Resolução CNE nº 2, 2015Resolução CNE nº 2, de 1º de julho de 2015 (2015, 2 de julho). Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília. http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file
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) fixou objetivos e metas para o ensino superior, e conferiu maior autonomia às Instituições de Ensino Superior para a elaboração dos currículos de seus cursos com base em competências e habilidades a serem desenvolvidas, utilizando-se um modelo pedagógico que se adaptasse às demandas da sociedade.

Diante do exposto, apresenta-se um estudo voltado para a autovaloração de competências genéricas em graduados de um bacharelado interdisciplinar (BI) de uma universidade pública brasileira, o Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar (BICT Mar) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a respeito do nível de desenvolvimento dessas competências durante o curso e o nível de importância delas para o trabalho diário dos egressos.

MÉTODO

Participantes

Os participantes da pesquisa foram egressos, formados de 2015 a 2018 do BICT Mar da Unifesp, universidade pública brasileira com campus situado na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), que abarca nove municípios. Dentre as atividades econômicas na RMBS, destacam-se atividades de prestação de serviços com forte interação com atividades portuárias (por conta da presença do Porto de Santos, maior porto da América Latina), o turismo baseado em sua longa extensão de costa e nas áreas de proteção ambiental marinhas e costeiras (Rede urbana e regionalização do Estado de São Paulo, 2011Rede urbana e regionalização do Estado de São Paulo (2011). São Paulo: EMPLASA. http://produtos.seade.gov.br/produtos/publicacoes/pub_RedeUrbanaRegionalizacaoESP_2011.pdf
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).

Os cursos BIs, regulamentados a partir do programa Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) implementado pelo MEC em 2007, estão em acordo com os ideais da Universidade Nova (Teixeira, 2005Teixeira, A. (2005). Ensino Superior no Brasil. Análise e interpretação de sua evolução no Brasil. Editora UFRJ.), que preconiza a formação interdisciplinar e integral em contraposição ao formato compartimentalizado das escolas europeias do final do século XIX. Os BIs propõem-se a formar graduados aptos a atuar nos setores públicos e privados e também no terceiro setor (órgãos não-governamentais). A característica interdisciplinar dos cursos está presente na articulação e na inter-relação entre as unidades curriculares e áreas do conhecimento, conforme preconizado nos referenciais orientadores do MEC (Parecer CNE/CES nº 266, 2011Parecer CNE/CES nº 266, de 5 de julho de 2011 (2011, 14 de outubro). Referenciais orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares das Universidades Federais. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=8907-pces266-11&category_slug=setembro-2011-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). Espera-se que o profissional Bacharel de formação interdisciplinar possua uma visão autônoma da própria aprendizagem, pelo desenvolvimento de competências teóricas e práticas, específicas e genéricas, para melhor inserção no mercado de trabalho e melhor desenvolvimento pessoal.

Instrumento

Para avaliação das competências genéricas, foi utilizada a Escala de Competências Genéricas para Egressos (ECGE), escala do tipo likert de sete pontos, composta por 19 competências. Para cada competência, os respondentes deveriam avaliar o quanto essa foi desenvolvida no seu curso de graduação e também a importância no desempenho de suas atividades profissionais. A mesma escala foi empregada por Freire Seoane et al. (2013Freire Seoane, M J.; Teijeiro Álvarez, M & Pais Montes, C. (2013). La adecuación entre las competencias adquiridas por los graduados y las requeridas por los empresários. Revista de Educación, 362. http://dx.doi.org/10.4438/1988-592X-RE-2011-362-151
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) na Universidade da Corunha (Espanha).

Procedimentos

A pesquisa relatada neste artigo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp (parecer nº 3.588.535). A pesquisa utilizou de informações de banco de dados coletados de forma online (com uso da ECGE, entre outros instrumentais) para avaliação da percepção da experiência no curso e inserção laboral dos egressos. A coleta de dados foi conduzida pela coordenação do curso entre os meses de agosto a outubro de 2019. Os egressos foram contatados por e-mail e telefone e convidados a responderem ao questionário online. A presente pesquisa teve acesso a dados sobre idade, sexo, inserção laboral e acadêmica e relativas às competências genéricas (ECGE) dos egressos.

As respostas dos egressos referentes às competências genéricas foram avaliadas por análise estatística descritiva, considerando duas perspectivas: 1) nível de desenvolvimento de cada competência durante o curso (médias para cada competência, calculadas para todos os respondentes); 2) importância de cada competência nas atividades profissionais desenvolvidas pelos egressos em atuação no mercado de trabalho. Todos os egressos foram convidados a participar da coleta de dados na perspectiva 1 e, apenas egressos com atuação no mercado de trabalho participaram da coleta de dados na perspectiva 2.

O estudo avaliou também, para cada competência, a diferença entre o nível de desenvolvimento alcançado na graduação (perspectiva 1) e a importância para o trabalho (perspectiva 2), a qual denominaremos “discrepância Graduação-Profissional”. Para essa variável são apresentados valores médios, considerando apenas os egressos com atuação no mercado de trabalho.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 180 participantes (o que correspondia a 60,8% do total de egressos do BICT Mar), sendo 74 homens (41,1%) e 106 mulheres (58,9%). A idade média dos participantes foi de 24,8 anos, variando de 21 a 44 anos, sendo 71,7% dos participantes com até 25 anos. A respeito da situação laboral e acadêmica do egresso (Tabela 1, Figura 1), 92,8% não possuíam graduação anterior (tendo essa sido sua primeira graduação), 53,9% não estavam trabalhando e 76,7% estavam dando continuidade aos estudos (em segundo ciclo de formação em nível superior, oferecido pela mesma Universidade, ou um curso de pós-graduação como mestrado, especialização, entre outros).

Tabela 1
Situação laboral e acadêmica dos egressos

Figura 1
Amostra segundo sexo, situação acadêmica e laboral

Na avaliação que fizeram sobre a qualidade da formação recebida na Universidade (Tabela 2, Figura 2), 51,7% dos egressos a considerou “adequada”, seguido de 31,1% que a considerou “muito ou muitíssimo adequada”. Sobre o potencial de empregabilidade do egresso, a maioria (70%) dos investigados o avaliaram como “muito baixo” (33,3%) ou “baixo” (36,7%).

Tabela 2
Avaliação da formação na Universidade

Figura 2
Amostra segundo avaliação da formação recebida

A Tabela 3 apresenta os resultados do nível de desenvolvimento das 19 competências genéricas ao longo do curso de graduação no BICT Mar. As competências que apresentaram os valores médios mais elevados foram C5 (Capacidade de trabalhar em equipe; média = 5,84), C8 (Capacidade de aprender; média = 5,83) e C6 (Compromisso ético; média = 5,79). As menores médias, de forma crescente, foram para C9 (Motivação para o trabalho; média = 3,93); C11 (Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática; média = 4,09) e C12 (Motivação para alcançar metas; média = 4,27).

Tabela 3
Resultados de competências genéricas segundo nível de desenvolvimento no curso para toda amostra

Resultados médios dos níveis de desenvolvimento no BICT Mar, importância das competências para exercício de suas atividades no trabalho e a discrepância Graduação-Profissional estão apresentados na Tabela 4, Figura 3 e 4. Para esses resultados foram considerados apenas os participantes que relataram estar em alguma ocupação laboral (n = 83). A respeito da importância para o trabalho, as competências indicadas como mais importantes, de forma decrescente, foram C6 (Compromisso ético; média= 6,23), C7 (Responsabilidade no trabalho; média = 6,23) e C5 (Capacidade de trabalhar em equipe; média = 6,14); as competências menos importantes, de forma crescente, foram C1 (Conhecimentos básicos da profissão; média = 3,75), C11 (Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática; média = 5,04) e C9 (Motivação para o trabalho; média = 5,27).

O índice de discrepância Graduação-Profissional apresentou intervalos negativos para a maioria das competências (17 de 19), apontando para um desenvolvimento das competências na graduação menores que suas importâncias no mercado de trabalho. Dentre estas competências, as maiores discrepâncias foram para C12 (Motivação para alcançar metas; média = -1,4), C9 (Motivação para o trabalho; média = -1,11) e C11 (Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática; média = -1). As menores discrepâncias, e os únicos valores positivos da amostra, foram para C1 (Conhecimentos básicos da profissão; média = 0,67) e C16 (Capacidade de análise e de síntese; média = 0,05). Estes resultados indicam que as competências C1 e C16 desenvolvidas ao longo da graduação atenderam à demanda que os egressos informaram encontrar para o cotidiano de suas atividades profissionais. Principais resultados da pesquisa estão resumidos no Quadro 1.

Tabela 4
Resultados de competências genéricas segundo nível de desenvolvimento durante o curso, importância para o trabalho e a discrepância Graduação-Profissional, para os egressos que estão trabalhando

Figura 3
Resultados de competências genéricas segundo nível de desenvolvimento durante o curso e importância para o trabalho, para os egressos que estão trabalhando

Figura 4
Comparação entre os valores de importância atribuídos pelos egressos do BI para as competências desenvolvidas na graduação e utilizadas na carreira profissional

Quadro 1
Resumo dos principais resultados da pesquisa

DISCUSSÃO

Sobre o desenvolvimento de competências no BI

Há estudos com dados a serem comparados a este, alguns inclusive com uso do mesmo instrumento de pesquisa, escala likert de 7 pontos com 19 competências genéricas sujeitas a valoração dos participantes. No entanto, os resultados aqui encontrados serão comparados também com os de pesquisas que utilizaram outros instrumentos para avaliação das competências (considerando, portanto, outras competências para além das 19 elencadas) e que podem contribuir de alguma maneira para o cenário dos egressos, com foco na relação do que foi desenvolvido na graduação e o exigido pelo trabalho. Comparação entre os resultados encontrados na presente pesquisa e os encontrados em outras investigações citadas, a respeito do nível de desenvolvimento das competências no curso de graduação, está apresentada no Quadro 2.

Das investigações que utilizaram a ECGE, por exemplo, Freire Seone e Salcines Cristal (2010), em uma investigação com intuito de aprofundar o conhecimento sobre as competências dos egressos da Universidade da Corunha (Espanha), avaliaram 697 egressos da referida Universidade. Obtiveram como resultados que as competências Capacidade de aprender (C8, média = 5,441), Habilidades interpessoais (C17, média = 5,020) e Capacidade de trabalhar em equipe (C5, média = 5,057) foram as mais assinaladas pelos graduados como desenvolvidas na graduação. As competências menos desenvolvidas foram Tomada de decisões (C14, mėdia = 4,317), Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática (C11, média = 4,351) e Resolução de problemas (C3, média = 4,398). Em outra investigação sobre as competências genéricas, com uso do mesmo instrumento e também na província de Corunha, Freire Seoane et al. (2013Freire Seoane, M J.; Teijeiro Álvarez, M & Pais Montes, C. (2013). La adecuación entre las competencias adquiridas por los graduados y las requeridas por los empresários. Revista de Educación, 362. http://dx.doi.org/10.4438/1988-592X-RE-2011-362-151
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) avaliaram 1.052 egressos e obtiveram resultados semelhantes aos da investigação de 2010. Se comparados aos egressos da Corunha, os estudantes do BI brasileiro destacam-se no desenvolvimento da competência Compromisso ético.

No Brasil, Carvalho et al. (2021Carvalho, P. L., Araújo, F. R., Scachetti, R. E., Seoane, M. J. F., & Oliveira-Monteiro, N. R. (2021) Competências genéricas auto referidas por universitários brasileiros. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 29, 14. https://doi.org/10.14507/epaa.29.5315
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) avaliaram 1.001 universitários de ensino privado noturno que estavam cursando o terceiro ano da graduação, de duas universidades da RMBS. A maior valoração na amostra global foi atribuída à competência Responsabilidade no trabalho (C7, média = 6,15), seguida pela competência Compromisso ético (C6, média = 6,05) e, em terceiro lugar, pela Capacidade de aprender (C8, média = 5,89). No outro extremo, de menor valoração, ficaram Capacidade de organização e planejamento (C4, média = 5,13), Habilidade de gestão da informação (C15, média = 5,13) e Resolução de problemas (C3, média = 4,88).

Quadro 2
Comparação do nível de desenvolvimento de competências segundo autovaloração dos estudantes/egressos em diferentes pesquisas

Com objetivo de comparar e classificar competências genéricas apuradas em quatro regiões em que o Projeto Tuning ocorreu (Europa, América Latina, Rússia e África), Beneitone e Bartolomé (2014Beneitone, P. & Bartolomé, E. (2014). Global generic competences with local ownership: A comparative study from the perspective of graduates in four world regions. Tuning Journal for Higher Education, 1(2), 303-334. https://doi.org/10.18543/tjhe-1(2)-2014pp303-334
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) chegaram ao resultado de 16 competências similares nas quatro regiões, consideradas pelos autores como “competências globais”. Em resultados apenas para a América Latina de Beneitone e Bartolomé (2014), a competência Compromisso ético aparece em 1º lugar (em autoreferência de aquisição pelos estudantes durante a graduação). Trabalho em equipe (2º lugar) e Preocupação por qualidade (3º lugar) também foram bastante referidas como tendo sido adquiridas durante o curso de graduação. Na investigação, os menores níveis de aquisição dos egressos da América Latina ficaram para Compromisso com a conservação do meio ambiente (16º), Habilidades computacionais (15º) e Criatividade (14º) - nenhuma dessas competências tendo sido avaliada pelo questionário utilizado na presente pesquisa. Quando comparados com os resultados dos graduados das outras regiões, as 16 competências globais, mesmo que semelhantes semanticamente, diferiam quanto ao nível de aquisição no curso universitário. Em uma análise fatorial de variância, os agrupamentos formados para cada região também diferiram drasticamente. Os autores Beneitone e Bartolomé (2014) creditam essas diferenças às características culturais e regionais de cada local investigado, o que, mesmo em um contexto laboral globalizado e com semelhanças, possibilita a emergência das características de grupos específicos.

Sobre importância para o trabalho

Nas pesquisas conduzidas com egressos da Universidade da Corunha aqui já citadas (Freire Seoane & Salcines Cristal, 2010Freire Seoane, M. J, & Salcines Cristal, J. V. (2010). Análisis de las competencias profesionales de los titulados universitarios españoles - La visión de los egresados. Perfiles Educativos, 32(130), 103-120. http://www.scielo.org.mx/pdf/peredu/v32n130/v32n130a7.pdf
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; Freire Seoane et al., 2013), as competências mais importantes para o trabalho dos egressos foram Responsabilidade no trabalho (C7, mais valorada nas duas investigações), Capacidade de aprender (C8, 2º lugar) e Habilidades interpessoais (C17, 3º lugar). Competências com menores importâncias foram Capacidade de análise e síntese (C16, antepenúltima), Capacidade de gerar novas ideias (C19, penúltima competência) e Conhecimentos básicos da profissão (C1, a menos valorada de todas as 19 competências). Comparação entre os resultados encontrados na presente pesquisa e os encontrados em outras investigações citadas, a respeito da importância das competências para o trabalho cotidiano dos egressos, está apresentada no Quadro 3.

Quadro 3
Comparação do nível da importância das competências segundo autovaloração dos egressos em diferentes pesquisas

Resultados globais de Beneitone e Bartolomé (2014Beneitone, P. & Bartolomé, E. (2014). Global generic competences with local ownership: A comparative study from the perspective of graduates in four world regions. Tuning Journal for Higher Education, 1(2), 303-334. https://doi.org/10.18543/tjhe-1(2)-2014pp303-334
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) indicaram as competências Resolução de problemas e Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática como as mais importantes nas quatro regiões avaliadas. Aqui chama a atenção a baixa valoração da importância para o trabalho da competência Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática: um possível baixo desenvolvimento nos cursos é um dado até certo ponto esperado, pois muitas vezes é essa a crítica corrente realizada pelos estudantes. Entretanto, sua baixa valoração no trabalho mereceria mais investigação, no intuito de se buscar compreender melhor tanto as formações oferecidas (neste caso, um BI) quanto as dinâmicas laborais contemporâneas, que, talvez, funcionem em ritmo tão acelerado a ponto de fazer perder sentido essa imagem comum de transposição dos conhecimentos aprendidos anteriormente à uma prática profissional previsível. Em suma, é como se em nível global pesquisas apontassem para a importância de uma educação que ensine o que fazer na prática profissional, enquanto nesta amostra brasileira os resultados indicam pouca relevância disso no conjunto de competências apresentadas.

As competências com menores médias para importância, ainda segundo Beneitone e Bartolomé (2014Beneitone, P. & Bartolomé, E. (2014). Global generic competences with local ownership: A comparative study from the perspective of graduates in four world regions. Tuning Journal for Higher Education, 1(2), 303-334. https://doi.org/10.18543/tjhe-1(2)-2014pp303-334
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), foram Compromisso com a conservação do meio ambiente e Habilidades de crítica e auto-critica - ambas não avaliadas pelo questionário utilizado na presente pesquisa. Em resultados apenas da América Latina, as competências avaliadas como mais importantes foram Preocupação por qualidade (1º lugar), Compromisso ético (2º lugar) e Resolução de problemas (3º lugar); enquanto as menos importantes foram Compromisso com a conservação do meio ambiente (16º lugar), Habilidades interpessoais (15º lugar) e Habilidade para trabalhar autonomamente (14º lugar). Novamente, Compromisso ético parece fazer parte de um contexto da América Latina e Brasil, diferente do que foi valorado pelos egressos espanhóis, por exemplo.

Considerando-se o estudo teórico de Pereira e Rodrigues (2013Pereira, L. A. & Rodrigues, A. C. (2013). Competências transversais dos recém-diplomados do ensino superior no mercado global. IV Conferência Investigação e Intervenção em Recursos Humanos - Os Novos Contextos da Gestão de Recursos Humanos. Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal. https://www.researchgate.net/publication/320714558_Competencias_transversais_dos_recem-diplomados_do_ensino_superior_no_mercado_global
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) revisando, a partir de um recenseamento de pesquisas, o quadro de competências requeridas por continente e em termos globais sob a ótica de estudantes e empregadores, é possível verificar que os dados deste estudo com estudantes brasileiros também convergem nas Américas para as competências Compromisso ético e Trabalho em equipe. Nesse estudo, entretanto, os autores apenas citam as competências mais frequentes, e, portanto, não há como avaliar se as menos frequentes entre os estudantes brasileiros aqui inquiridos também apresentariam alguma convergência, para além daquela apresentada para a competência Conhecimentos básicos da profissão com o estudo de Freire Seoane e Salcines Cristal (2010Freire Seoane, M. J, & Salcines Cristal, J. V. (2010). Análisis de las competencias profesionales de los titulados universitarios españoles - La visión de los egresados. Perfiles Educativos, 32(130), 103-120. http://www.scielo.org.mx/pdf/peredu/v32n130/v32n130a7.pdf
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) e Freire Seoane et al. (2013).

Sobre discrepância graduação-profissional

De forma geral, o resultado apresentado graficamente para a Discrepância Graduação-Profissional (Figura 4) indica que o desenvolvimento das competências pelos egressos avaliados na presente pesquisa durante o curso de graduação apresenta consistência com as demandas do mercado de trabalho, mas também aponta em que competências há uma necessidade mais acentuada para aprimoramento do projeto pedagógico do curso. Comparação entre os resultados encontrados na presente pesquisa e os encontrados em outras investigações citadas, a respeito da discrepância graduação-profissional das competências segundo autovaloraçãos egressos, está apresentada no Quadro 4.

Quadro 4
Comparação da discrepência graduação-profissional de competências segundo autovaloração egressos em diferentes pesquisas

Na mesma pesquisa aqui já citada, de Freire Seoane e Salcines Cristal (2010Freire Seoane, M. J, & Salcines Cristal, J. V. (2010). Análisis de las competencias profesionales de los titulados universitarios españoles - La visión de los egresados. Perfiles Educativos, 32(130), 103-120. http://www.scielo.org.mx/pdf/peredu/v32n130/v32n130a7.pdf
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), também foi avaliada a diferença entre o desenvolvido na graduação e o importante para o trabalho (o que eles denominaram “diferencial”, e aqui denominamos “discrepância graduação-profissional”). As competências com maior diferencial, e, portanto, maior importância no trabalho do que o que foi desenvolvido na graduação, foram Tomada de decisões (C14, diferencial = 1,374), Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática (C11, diferencial = 1,255) e Responsabilidade no trabalho (C7, diferencial = 1,213). As menores diferenças foram para as competências Capacidade de análise e síntese (C16, diferencial = 0,456), Capacidade de aprender (C8, diferencial = 0,427) e Conhecimentos básicos da profissão (C1, diferencial = 0,109). Resultados de egressos espanhóis assemelham-se aos da presente investigação quanto ao maior diferencial para Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática (C11), e menores diferenciais para Capacidade de análise e síntese (C16) e Conhecimentos básicos da profissão (C1).

Beneitone e Bartolomé (2014Beneitone, P. & Bartolomé, E. (2014). Global generic competences with local ownership: A comparative study from the perspective of graduates in four world regions. Tuning Journal for Higher Education, 1(2), 303-334. https://doi.org/10.18543/tjhe-1(2)-2014pp303-334
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) fizeram avaliação semelhante entre o adquirido no curso de graduação e o importante para o trabalho de egressos de quatro regiões do mundo (o que denominaram “gap”). Os maiores gaps para toda a amostra avaliada foram para as competências Habilidade de aplicar os conhecimentos à prática, Criatividade e Tomada de decisões. Na América Latina, os maiores gaps foram para Habilidades computacionais (1º lugar, maior gap), Tomada de decisões (2º lugar) e Habilidade de aplicar os conhecimentos à prática (3º lugar). Os menores gaps foram para Trabalho em equipe (16º lugar, menor gap), Compromisso ético (15º lugar) e Preocupação por qualidade (14º lugar). A lacuna entre o adquirido/desenvolvido e o que é exigido no trabalho diário de egressos no que diz respeito à competência Habilidade de aplicar os conhecimentos à prática (na presente pesquisa formulada como C11, Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática), não é característica exclusiva da amostra brasileira de um BI, mas possui representação em diversas regiões do planeta - ainda que em outros contextos essa competência que apresenta alta discrepância seja bastante valorizada, diferente do caso brasileiro de egressos de um BI em que ela foi pouco valorizada.

A esse ponto específico que pode ter, dentre outros fatores, impacto na empregabilidade, deve-se acrescentar um dado relevante desta pesquisa: 46,1% dos egressos está trabalhando, enquanto 76,7% está dando continuidade aos estudos. O fato de que a maioria dos egressos siga estudando é um dado esperado, na medida em que é característica dos BIs a oferta de um segundo ciclo de estudos. Para fins de comparação, ainda diante dos achados de Freire Seoane e Salcines Cristal (2010Freire Seoane, M. J, & Salcines Cristal, J. V. (2010). Análisis de las competencias profesionales de los titulados universitarios españoles - La visión de los egresados. Perfiles Educativos, 32(130), 103-120. http://www.scielo.org.mx/pdf/peredu/v32n130/v32n130a7.pdf
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), a taxa de ocupação (ou seja, o fato de estar empregado) da amostra de estudantes espanhóis estava em 72,67% contra 46,1% no caso dos brasileiros, considerando-se, na Espanha, diversas áreas de formação (em especial, diversas subáreas das engenharias, mas também esportes, saúde e biblioteconomia) e com o período máximo de cinco anos após a integralização dos cursos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão dos resultados demonstra que há convergência desta pesquisa com os dados de outros estudos do mesmo universo. Aqui se investigaram estudantes de graduação, de modalidade Bacharelado Interdisciplinar, formados entre 2015 e 2019. 76,7% deles estão dando continuidade aos estudos e 46,1% estão inseridos no mercado de trabalho.

A maior importância atribuída à Capacidade de trabalhar em equipe e à Capacidade de aprender está alinhada a outros estudos de âmbito global, ainda que existam diferenças em termos de aquisição. No caso da competência que envolve Compromisso ético, há alinhamento com os resultados para a América Latina dos estudos que ocorreram na esteira do projeto Tuning. Ao mesmo tempo, a menor importância atribuída à competência Conhecimentos básicos da profissão também converge com outros estudos, demonstrando não ser exclusividade de cursos mais generalistas um foco menor nas fronteiras disciplinares. Na verdade, a reorganização do ensino, em especial europeu, a partir do Tratado de Bolonha, tinha esse olhar especial para a adaptabilidade e flexibilização. Isso tudo tende a ser explicado também pela própria dinâmica do mundo do trabalho contemporâneo, que passou a priorizar as competências genéricas, que possam ser transferidas para diversos contextos de atuação. Não por acaso, a menor distância ou discrepância entre a visão dos estudantes no curso e aquela requerida quando já se está no mercado ocorre, em mais de um estudo, também para Conhecimentos básicos da profissão. Em ambos os contextos, a valoração costuma ser baixa para esses conhecimentos específicos/instrumentais. O próprio universo do trabalho apontaria, assim, para um profissional mais apto a transpor fronteiras fixas de atuação, as antigas ocupações ou profissões.

Como especificidade dos resultados, verificou-se a baixa valoração de importância para o trabalho da competência Capacidade de aplicar os conhecimentos à prática, o que chama a atenção e convida a mais estudos tanto sobre as formações oferecidas quanto sobre as dinâmicas laborais contemporâneas.

Como limitações deste estudo, deve-se frisar que, como amostra, tratou-se de apenas uma universidade brasileira com curso do tipo BI, o BICT Mar, que é um modelo ainda recente no país. Ainda sim, esperou-se, aqui, embasar possíveis ações de gestão no campo da educação superior, e, sem dúvida, novos estudos devem ser realizados para que se avance no sentido de uma compreensão mais fina das interações entre formação e trabalho, projetos pedagógicos e empregabilidade, em especial com foco nos novos perfis de graduação, como os BIs, que buscam adaptação aos novos contextos laborais globais.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2020
  • Aceito
    06 Dez 2021
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