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AS NARRATIVAS DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: SCOPING REVIEW DA LITERATURA CIENTÍFICA BRASILEIRA NAS CIÊNCIAS DA SAÚDE

NARRATIVAS DE GÉNERO EN LA EDUCACIÓN FÍSICA ESCOLAR: SCOPING REVIEW DE LA LITERATURA CIENTÍFICA BRASILEÑA EN CIENCIAS DE LA SALUD

RESUMO:

Este estudo tem como objetivo compreender quais as narrativas de gênero presentes na produção científica brasileira nas ciências da saúde no que diz respeito à Educação Física escolar. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa. A metodologia utilizada foi a scoping review, e foram incluídos nesta pesquisa artigos científicos encontrados na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Chegou-se a 16 artigos, os quais consistiram na amostra deste estudo e foram lidos na íntegra. Como resultado, pode-se afirmar que: as publicações envolvem instituições públicas em sua maioria e a maior parte delas aconteceu na década de 2010; o Ensino Fundamental foi o nível educacional mais presente e os(as) estudantes tiveram participação importante nessas pesquisas; os trabalhos se mostraram, majoritariamente, qualitativos, sendo a observação e o questionário os instrumentos de coleta mais utilizados. Em relação ao conceito de gênero, a análise evidenciou que todos os trabalhos que tratavam dessas relações entendem gênero como uma construção social e histórica. Nesse sentido, pode-se concluir que a produção científica brasileira no campo das Ciências da Saúde que se debruçou sobre as relações de gênero na Educação Física escolar esteve delineada pela busca de melhor compreensão de um cenário excludente, sexista, que estimula de maneiras diferentes as vivências corporais de meninos e meninas e que reproduz estereótipos relacionados às feminilidades e masculinidades e, assim, ao longo da história, colocou as meninas num plano inferior e desigual na educação básica.

Palavras-chave:
educação escolar; sexismo; cultura corporal; publicações periódicas como assunto; literatura de revisão como assunto

RESUMEN:

El objetivo es comprender qué narrativas de género están presentes en la producción científica brasileña en ciencias de la salud con respecto a la Educación Física escolar. La metodología fue la revisión de alcance y se incluyeron en esta investigación 16 artículos científicos que se encuentran en la Biblioteca Virtual en Salud. Como resultado, se puede decir que: la mayoría de las publicaciones involucran a instituciones públicas, y la mayoría de ellas tuvieron lugar en la década de 2010; La Enseñanza Primaria fue el nivel educativo más presente y los estudiantes tuvieron una participación importante en estas encuestas; los trabajos fueron en su mayoría cualitativos, siendo la observación y el cuestionario los instrumentos de recolección más utilizados. En cuanto al concepto de género, el análisis mostró que todos los trabajos que abordaron estas relaciones entienden el género como una construcción social e histórica. En ese sentido, se puede concluir que la producción científica brasileña en el campo de las Ciencias de la Salud que se centró en las relaciones de género en la educación física escolar estuvo delineada por la búsqueda de una mejor comprensión de un escenario excluyente, sexista, que estimula de diversas formas la vivencias corporales de niños y niñas y que reproduce estereotipos relacionados con la feminidad y la masculinidad y así, a lo largo de la historia, ha situado a las niñas en un nivel inferior y desigual en la educación básica.

Palabras clave:
educación escolar; sexismo; cultura corporal; publicaciones periódicas como asunto; literatura de revisión como asunto

ABSTRACT:

This study seeks to understand which gender narratives are present in the Brazilian scientific production regarding school Physical Education in health sciences. This is an exploratory study with a qualitative approach. The methodology used was the scoping review, and scientific articles in the Virtual Health Library were included. The sample of this study consisted of 16 articles, which were read entirely. As a result, it can be stated that: publications involve mostly public institutions, most of which happened in the decade of 2010. Elementary School was the most present educational level, and students had an important participation in these studies; the researches were mostly qualitative, being observations and questionnaires the most used collection tools. As to the concept of gender, the analysis made evident that all the studies that dealt with these relations understand gender as a social and historical construction. In this sense, we can conclude that the Brazilian scientific production in the field of Health Sciences that focused on gender relations in school Physical Education was outlined by searching for a better understanding of an excluding, sexist scenario, which stimulates in different ways the corporal experiences of boys and girls and reproduces stereotypes related to femininity and masculinity and, thus, throughout history, has placed girls in an inferior and unequal plan in basic education.

Keywords:
school education; sexism; body culture; periodicals as subject; review literature as a subject

INTRODUÇÃO

Para Bracht (1999BRACHT, Valter. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. Cadernos CEDES, v. 19, n. 48, p. 69-88, 1999.), a Educação Física nasceu com a função de construir corpos saudáveis e dóceis, com uma educação estética, sendo, além disso, fundamentada pelo conhecimento médico-científico desse corpo. Segundo o autor, a partir da década de 1940, a Educação Física passa por um processo de esportivização, o que influenciou seu ensino na escola, na qual alguns esportes, como futsal, voleibol, basquete e handebol se tornaram seus únicos conteúdos. Já na década de 1980, o autor afirma que esse processo passa a ser problematizado no Brasil, surgindo, assim, novas propostas teórico-metodológicas que defendiam a diversidade de conhecimento nas aulas, as formas de desenvolvê-las e a ressignificação do esporte.

Daolio (1996DAOLIO, Jocimar. Educação física escolar: em busca da pluralidade.Revista Paulista de Educação Física, supl. 2, p. 40-42, 1996.) considera a Educação Física como parte da cultura humana, ou seja, é uma área do conhecimento a qual estuda e se dá em um grupo de práticas relacionadas ao corpo e ao movimento, produzidas pelo próprio ser humano durante sua existência. Por isso, segundo o autor, se fala em uma cultura corporal ou cultura de movimento, que são os jogos, a ginástica, a dança, as lutas, o esporte de uma forma geral, já sistematizada em outras publicações, tais como: Coletivo de Autores (1992COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.), Daolio (1996DAOLIO, Jocimar. Educação física escolar: em busca da pluralidade.Revista Paulista de Educação Física, supl. 2, p. 40-42, 1996.) e Kunz (1994KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.).

Tal sistematização é corroborada e está expressa pela Base Nacional Comum Curricular ou BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2018.), que, em relação à Educação Física escolar, afirma se desenvolver a partir de seis unidades temáticas: brincadeiras e jogos, esportes, ginásticas, danças, lutas e práticas corporais de aventura. Segundo a BNCC, todas essas práticas podem ser vivenciadas em qualquer fase e modalidade de ensino, desde que respeitem os critérios de progressão do conhecimento, levando-se em consideração as singularidades dos sujeitos e o contexto no qual vivem.

Para isso, o papel da Educação Física na escola, segundo a BNCC (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2018.), é aprimorar as vivências de crianças, adolescentes e adultos na Educação Básica, promovendo acesso a um amplo universo cultural de saberes que se inscrevem, porém não se limitam, à racionalidade característica dos saberes científicos que, geralmente, guiam as práticas pedagógicas na escola. Além disso, uma das competências da Educação Física escolar é a capacidade de experimentar e explorar as diversas formas de expressão do corpo (BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2018., p. 213).

No entanto, essa não é a realidade que se encontra na literatura, já que, segundo Altmann (2015ALTMANN, Helena.Educação física escolar: relações de gênero em jogo. São Paulo: Cortez Editora, 2015.), além de meninos entenderem as aulas de Educação Física como sinônimo de futebol, há um nítido quadro de exclusão que envolve as relações de gênero e o nível de habilidade dos(as) estudantes. Além disso, para Jacó (2012JACÓ, Juliana F.Educação física escolar e gênero: diferentes maneiras de participar da aula. 2012. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2012.), as distintas formas de participação nas aulas promovem aprendizagens diferentes e desiguais, o que traz limitações para que aqueles que não participam das aulas de forma efetiva possam adquirir novos conhecimentos e habilidades corporais.

Segundo Goellner (2010GOELLNER, Silvana V. A educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades e o reconhecimento da diversidade.Cadernos de Formação RBCE, v. 1, n. 2, p. 71-83, 2010.), os corpos são capazes de revelar o tempo no qual foram educados e produzidos; assim, simultaneamente há tantas diferenças e tantas semelhanças entre os indivíduos, porém os constrangimentos corporais são diversos. Goellner (2010)GOELLNER, Silvana V. A educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades e o reconhecimento da diversidade.Cadernos de Formação RBCE, v. 1, n. 2, p. 71-83, 2010. entende que a construção de gênero envolve uma série de processos que marcam os corpos, afirmando que, se os corpos são distintos, os gêneros e as sexualidades também o são e constroem a identidade do sujeito.

Louro (2019LOURO, Guacira L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.) afirma que a instituição escolar, desde sempre, desempenhou um papel específico, encarregando-se de separar os sujeitos, já que se constituiu diferente para ricos e pobres, meninos e meninas. Além disso, para a autora, os movimentos e os sentidos que são produzidos na escola e incorporados por meninos e meninas se transformam em parte de seus corpos. É fundamental que se reconheça que a escola, além de reproduzir as percepções de gênero e sexualidade que a sociedade propaga, produz, ela mesma, tais percepções. Assim, segundo a autora, a observação e a censura da sexualidade são conduzidas, fundamentalmente, pela obtenção da “normalidade”.

Grande parte das discussões de gênero na sociedade, segundo Connel e Pearse (2015CONNEL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. São Paulo: Versos, 2015., p. 46), destacam uma dicotomia, e, assim, partindo de uma divisão biológica entre homens e mulheres, gênero é definido como “[...] diferenças sociais e psicológicas que correspondem a essa divisão, sendo construídas sobre ela ou causadas por ela.” Embora as imagens que temos sobre gênero sejam, na maior parte das vezes, dicotômicas, a realidade não o é. Goellner (2010GOELLNER, Silvana V. A educação dos corpos, dos gêneros e das sexualidades e o reconhecimento da diversidade.Cadernos de Formação RBCE, v. 1, n. 2, p. 71-83, 2010., p. 75) questiona essa dicotomia: “O que é mesmo masculino e feminino? Será que podemos referirmos a esses termos no singular ou não poderíamos pensar que existem diferentes formas de viver as masculinidades e as feminilidades? Será que há formas fixas de assim ser e parecer?”

Portanto, Connel e Pearse (2015CONNEL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. São Paulo: Versos, 2015.) sugerem que todos esses padrões criados são parte de um esforço social de direcionar o comportamento das pessoas e, com isso, ideias de que existem comportamentos apropriados para cada gênero tendem a aparecer constantemente. Dessa forma, para as autoras, a mídia, a escola, as famílias e as instituições religiosas favorecem a criação dessas diferenças quando manifestam masculinidades e feminilidades exemplares.

Para Scott (1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995., p. 96), a definição de gênero dá-se por uma relação entre duas ideias: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” Louro (2008LOURO, Guacira L. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Revista Pro-posições, Campinas, v. 19, n. 2, p. 17-23, 2008.) entende que, quando se trata do âmbito cultural, há uma luta para atribuir significados, estes produzidos em meio a relações de poder. Além disso, Scott (1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995., p. 89) ainda afirma que a categoria gênero “[...] fornece um meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana.”

Para Prado e Ribeiro (2010PRADO, Vagner M.; RIBEIRO, Arilda I. M. Gêneros, sexualidades e educação física escolar: um início de conversa.Motriz: Revista de Educação Física, v. 16, n. 2, p. 402-413, 2010.), as práticas corporais e esportivas produzem marcas relacionadas aos gêneros e às sexualidades, educando os corpos para além de suas performances, beleza e saúde. No entanto, segundo os autores, em várias circunstâncias, essas marcas tentam, de certa forma, limitar os sujeitos a uma representação que é preestabelecida e reconhecida pela sociedade como apropriada, não permitindo as infinitas possibilidades da vida humana.

Assim, há um sentido naturalizado de gênero que, segundo Fernandes (2010FERNANDES, Simone. C. “Cadê a bola, Dona?" ou Sobre os significados de gênero nas aulas de educação física. Educação física escolar: Olhares a partir da cultura. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 101-120.), é aquele no qual há uma composição binária de corpo que compõe homem/masculino e mulher/feminino, sendo que os corpos que são considerados diferentes desses estabelecidos se colocam em um campo de patologias, precisando ser reparados, silenciados e/ou ocultados. No ambiente escolar, esse sentido está bastante presente e associa, o tempo todo, sexo a gênero, estabelecendo assim lugares socioculturais desiguais às crianças.

Como descrito por Prado e Ribeiro (2010PRADO, Vagner M.; RIBEIRO, Arilda I. M. Gêneros, sexualidades e educação física escolar: um início de conversa.Motriz: Revista de Educação Física, v. 16, n. 2, p. 402-413, 2010.), ao notar a Educação Física como um artefato cultural, entende-se que, assim como suas práticas, seus discursos também carregam um traço formativo e que compõem sujeitos com corpos, gêneros e sexualidades específicos.

Nesse sentido, a problemática deste estudo é: quais as narrativas de gênero presentes na produção científica brasileira nas ciências da saúde no que diz respeito à Educação Física escolar? Portanto, o objetivo deste estudo consiste em compreender quais as narrativas de gênero presentes na produção científica brasileira nas Ciências da Saúde no que diz respeito à Educação Física escolar.

Assim, espera-se que este estudo possa fornecer um panorama da ciência brasileira no campo das Ciências da Saúde em torno da temática gênero, Educação Física e escola, que, num primeiro momento, apresenta uma relação marcada por exclusões, inferiorizações e desigualdade de oportunidades.

O manuscrito aqui apresentado é fruto dos principais dados de uma dissertação de mestrado defendida em 2021.

MÉTODO DE PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, que, segundo Minayo (2009MINAYO, Maria C. S. Trabalho de Campo: contexto de observação, interação e descoberta. In: MINAYO, Maria C. S (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 28. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 61-77.), é caracterizada por atuar com fenômenos humanos (significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes), que são considerados como parte da realidade social, já que o ser humano se diferencia entre si pelos seus pensamentos e por suas ações de acordo com a realidade vivida e compartilhada.

Para o presente estudo, a metodologia utilizada foi a scoping review, que, segundo Arksey e O’Malley (2005ARKSEY, Hilary; O'MALLEY, Lisa. Scoping studies: towards a methodological framework.International journal of social research methodology, v. 8, n. 1, p. 19-32, 2005.), visa mapear os principais conceitos de uma determinada área de estudo, suas principais fontes, tipos de evidências e/ou mostrar suas limitações conceituais.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob parecer nº 4160120520.

Coleta de dados

O protocolo Joanna Briggs (PETERS et al., 2020PETERS, Micah D. J. et al. Scoping Reviews (2020 version). In: AROMATARIS, Edoardo; MUNN, Zachary (Eds). The Joanna Briggs Institute Reviewers' Manual. Adelaide: The Joanna Briggs Institute, 2020. p. 407-452.) sugere uma estratégia para criar uma pergunta eficaz, sendo ele a utilização do acrônimo PCC (População, Conceito e Contexto); com isso, no quadro que se seguirá, são indicados os elementos de estudo que serão considerados nesta revisão:

  • População: comunidade escolar (professores, alunos, mães/pais/responsáveis);

  • Conceito: relações de gênero;

  • Contexto: Educação Física Escolar brasileira.

Nesse sentido, a pergunta norteadora do presente contexto consiste em desvendar quais são as narrativas de gênero na Educação Física escolar brasileira, no campo das ciências da saúde.

Para tanto, foram incluídos nesta pesquisa artigos científicos encontrados no Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) a partir das seguintes bases de dados: Lilacs, Medline, Index Psicologia, Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, HISA - História da Saúde e Repositório RHS. A busca incluiu manuscritos publicados em português, espanhol e inglês, com os seguintes termos: “gênero e educação física”, “gender and physical education” e “género and educación física”. O intuito em abranger os três idiomas se deve, respectivamente, à sua abrangência local (Brasil), continental (América Latina) e mundial (outros continentes).

Os critérios de inclusão foram:

  • estudos publicados de 1980 a 2020: considerando o período de reabertura democrática do Brasil e o impacto das recentes pós-graduações stricto sensu em Educação Física iniciadas no País (Universidade de São Paulo em 1977, e Universidade Federal de Santa Maria, 1979) (SILVA, 2005SILVA, Rossana V. S. O CBCE e a produção de conhecimento em Educação Física em perspectiva. In: FERREIRA NETO, Amarílio (Org.). Leituras da natureza científica do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 45-69.);

  • política de acesso livre;

  • ser uma publicação de pesquisadores brasileiros no contexto de escolas brasileiras.

Após a busca, os títulos, os resumos e as palavras-chave foram lidos a fim de se identificarem os estudos elegíveis para análise a partir dos seguintes critérios de exclusão:

  • estudos de matriz teórico-metodológica calcada nas Ciências Naturais;

  • estudos desenvolvidos em contextos não escolares;

  • estudos de revisão de literatura sistemática, integrativa, narrativa e/ou scoping review;

  • resenhas;

  • editoriais de revista;

  • ensaios;

  • cartas ao(à) editor(a);

  • publicações de anais de evento em números especiais de periódicos;

  • artigos não circunscritos à Educação Física como componente curricular, na perspectiva de Souza Júnior (2001)SOUZA JÚNIOR, Marcílio. O saber e o fazer pedagógicos da educação física na cultura escolar: o que é um componente curricular? In: CAPARRÓZ, Francisco E. (Org.). Educação física escolar: política, formação e intervenção. Vitória: Proteoria, 2001. p. 81-92.. Para o autor, um componente curricular é:

[...] um elemento da organização curricular da escola que, em sua especificidade de conteúdos, traz uma seleção de conhecimentos que, organizados e sistematizados, devem proporcionar ao aluno uma reflexão acerca de uma dimensão da cultura e que, aliado a outros elementos dessa organização curricular, visa a contribuir com a formação cultural do aluno (SOUZA JÚNIOR, 2001SOUZA JÚNIOR, Marcílio. O saber e o fazer pedagógicos da educação física na cultura escolar: o que é um componente curricular? In: CAPARRÓZ, Francisco E. (Org.). Educação física escolar: política, formação e intervenção. Vitória: Proteoria, 2001. p. 81-92., p. 83).

  • artigos que não tenham em seu objetivo as relações de gênero na Educação Física escolar como objeto de estudo.

A busca foi feita no dia 24 de maio de 2020, e 1.282 artigos foram encontrados no total; após a exclusão de trabalhos repetidos, restaram 674. Os critérios de exclusão foram aplicados, e, com isso, 16 artigos consistiram na amostra do estudo e foram lidos na íntegra. O intuito foi que se obtivesse um material produzido por pesquisa empírica desenvolvida no cotidiano escolar.

Análise de dados

Segundo Thomas, Nelson e Silverman (2012THOMAS, Jerry R.; NELSON, Jack K.; SILVERMAN, Stephen J. Método de pesquisa em atividade física. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.), toda pesquisa qualitativa em sua fase de interpretação de dados oferta ao(à) leitor(a) uma narrativa analítica, buscando formar um quadro holístico do fenômeno estudado. Para os autores, a narrativa analítica é uma “[...] descrição curta e interpretativa de um evento ou situação” (p. 381) - no caso deste estudo, as narrativas de gênero na Educação Física escolar. Para tanto, foram analisados os objetivos dos trabalhos e os respectivos conceitos de gênero1 1 No estudo original, analisaram-se ainda: periódicos, ano de publicação e sua respectiva avaliação no sistema Qualis Capes (área Interdisciplinar); autoria e instituições envolvidas; nível educacional envolvido na coleta de dados: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio ou Ensino Médio Tecnológico; população estudada; método da pesquisa; instrumentos de coleta de dados. Entretanto, pelos limites impostos a um texto como este, não foi possível incorporá-los. .

RESULTADOS

O Quadro 1 mostra o objetivo dos estudos selecionados e o conceito de gênero que os autores e as autoras apresentaram no decorrer de seus textos. Assim, nota-se que esses trabalhos visaram ampliar a compreensão da participação, da diversidade, da sexualidade e das exclusões presentes na Educação Física escolar.

Quadro 1
Objetivo(s) e conceito de gênero nos estudos selecionados

Quadro 1
continuação

O Quadro 1 demonstra ainda que o conceito de gênero nos trabalhos avaliados se deu na perspectiva de construção social e histórica. No entanto, dois artigos que também tinham como objeto de estudo as relações de gênero na Educação Física escolar, sendo eles Uchoga e Altmann (2015UCHOGA, Liane A. R; ALTMANN, Helena. Educação física escolar e relações de gênero: diferentes modos de participar e arriscar-se nos conteúdos de aula.Rev. Bras. Ciênc. Esporte, v. 38, n. 2, p. 163-170, 2015.) e Cardoso, Felipe e Hedegaard (2005CARDOSO, Fernando L; FELIPE, Maura L.; HEDEGAARD, Claus. Gender divergence in physical education classes.Psicologia: teoria e Pesquisa, v. 21, n. 3, p. 349-357, 2005.), não apresentaram uma definição descrita em seu texto, ainda que discutissem essa questão, deixando implícito o conceito de gênero que tomaram como base, permitindo uma interpretação do leitor ou leitora.

Uchoga e Altmann (2015UCHOGA, Liane A. R; ALTMANN, Helena. Educação física escolar e relações de gênero: diferentes modos de participar e arriscar-se nos conteúdos de aula.Rev. Bras. Ciênc. Esporte, v. 38, n. 2, p. 163-170, 2015., p. 164), por exemplo, quando falam sobre a separação de meninos e meninas nas aulas de Educação Física, destacam que “[...] a separação ocorre e se justifica em nome de determinadas concepções das possibilidades do corpo diante o movimento, percebidas como distintas para homens e mulheres”, o que corrobora com a ideia de que o gênero é construído pela sociedade e dá diferentes oportunidades aos corpos femininos e masculinos.

Da mesma forma, a partir de entrevistas com professores e/ou professoras de Educação Física, Cardoso, Felipe e Hedegaard (2005CARDOSO, Fernando L; FELIPE, Maura L.; HEDEGAARD, Claus. Gender divergence in physical education classes.Psicologia: teoria e Pesquisa, v. 21, n. 3, p. 349-357, 2005., p. 356) entendem que há uma confusão entre divergência de gênero e um comportamento motor descoordenado e, além disso, concluem que a aparência e as habilidades motoras têm um papel importante quando os professores e/ou professoras vão classificar seus alunos. Com isso, fica subentendido que os autores compreendem a construção social do gênero e os estereótipos que carregam, já que os alunos e alunas entrevistados neste trabalho são julgados como divergentes por seus professores e/ou professoras a partir de suas expressões de gênero, que não são esperadas ou desejáveis dentro da sociedade.

Frente ao exposto, o conjunto dos 16 artigos analisados nos permitiu identificar duas narrativas de gênero2 2 É importante ressaltar que um mesmo artigo pode ter permeado ambas as narrativas. , a saber: 1) Feminilidades, Masculinidades, Corpo e Cultura (SILVA; DAOLIO, 2003SILVA, Alan M; DAOLIO, Jocimar. Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos significados.Movimento, v. 13, n. 1, p. 13-36, 2003.; CARDOSO; FELIPE; HEDEGAARD, 2005CARDOSO, Fernando L; FELIPE, Maura L.; HEDEGAARD, Claus. Gender divergence in physical education classes.Psicologia: teoria e Pesquisa, v. 21, n. 3, p. 349-357, 2005.; JESUS; DEVIDE, 2006JESUS, Mauro L.; DEVIDE, Fabiano P. Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes.Movimento, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006.; CRUZ; PALMEIRA, 2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009.; SANTOS, 2010SANTOS, Vilma C. Indícios de sentidos e significados de feminilidade e de masculinidade em aulas de Educação Física.Motriz, v. 16, n. 4, p. 841-852, 2010.; ALTMANN; MARIANO; UCHOGA, 2012ALTMANN, Helena; MARIANO, Marina; UCHOGA, Liane A. R. Corpo e movimento: produzindo diferenças de gênero na educação infantil.Pensar a Prática, v. 15, n. 2, p. 285-301, 2012.; DORNELES, 2012DORNELLES, Priscila G. Do corpo que distingue meninos e meninas na educação física escolar.Cad. CEDES, v. 32, n. 87, p. 187-198, 2012.; BRITO; SANTOS, 2013BRITO, Leandro T.; SANTOS, Mônica P. Masculinidades na Educação Física escolar: um estudo sobre os processos de inclusão/exclusão.Revista brasileira de educação física e esporte, v. 27, n. 2, p. 235-246, 2013.; KLEINUBING; SARAIVA; FRANCISCHI, 2013KLEINUBING, Neusa D.; SARAIVA, Maria; FRANCISCHI, Vanesssa G. A dança no ensino médio: reflexões sobre estereótipos de gênero e movimento.Journal of Physical Education, v. 24, n. 1, p. 71-82, 2013.; SAMPAIO et al., 2014SAMPAIO, Tânia M. V. et al. O debate ainda pertinente-sobre as relações de gênero na educação física.Educación Física y Deporte, v. 33, n. 1, p. 73, 2014.; FRANCO, 2016FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis: vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros.Motrivivência, v. 28, n. 47, p. 47-66, 2016.; SILVA; ÁVILA, 2018SILVA, André L. S.; ÁVILA, Richard S. A inserção de homens professores de educação física na educação infantil: entre o medo das sexualidades desviantes e a (re)produção de um currículo heteronormativo.Pensar a Prática, v. 21, n. 2, p. 433-443, 2018.); e 2) A Escola, a Prática Pedagógica e as Experiências Corporais (SILVA; DAOLIO, 2003SILVA, Alan M; DAOLIO, Jocimar. Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos significados.Movimento, v. 13, n. 1, p. 13-36, 2003.; JESUS; DEVIDE, 2006JESUS, Mauro L.; DEVIDE, Fabiano P. Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes.Movimento, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006.; DUARTE; MOURÃO, 2007DUARTE, Cátia P.; MOURÃO, Ludmila. Representações de adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para a participação em aulas mistas de educação física.Movimento, v. 13, n. 1, p. 37-56, 2007.; CRUZ; PALMEIRA, 2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009.; ALTMANN; MARIANO; UCHOGA, 2012ALTMANN, Helena; MARIANO, Marina; UCHOGA, Liane A. R. Corpo e movimento: produzindo diferenças de gênero na educação infantil.Pensar a Prática, v. 15, n. 2, p. 285-301, 2012.; BRITO; SANTOS, 2013BRITO, Leandro T.; SANTOS, Mônica P. Masculinidades na Educação Física escolar: um estudo sobre os processos de inclusão/exclusão.Revista brasileira de educação física e esporte, v. 27, n. 2, p. 235-246, 2013.; KLEINUBING; SARAIVA; FRANCISCHI, 2013KLEINUBING, Neusa D.; SARAIVA, Maria; FRANCISCHI, Vanesssa G. A dança no ensino médio: reflexões sobre estereótipos de gênero e movimento.Journal of Physical Education, v. 24, n. 1, p. 71-82, 2013.; UCHOGA; ALTMANN, 2015ALTMANN, Helena.Educação física escolar: relações de gênero em jogo. São Paulo: Cortez Editora, 2015.; FRANCO, 2016FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis: vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros.Motrivivência, v. 28, n. 47, p. 47-66, 2016.; GARCIA; BRITO, 2018GARCIA, Rafael M.; BRITO, Leandro T. Performatizações queer na educação física escolar.Movimento, v. 24, n. 4, p. 1321-1334, 2018.; SILVA; ÁVILA, 2018SILVA, André L. S.; ÁVILA, Richard S. A inserção de homens professores de educação física na educação infantil: entre o medo das sexualidades desviantes e a (re)produção de um currículo heteronormativo.Pensar a Prática, v. 21, n. 2, p. 433-443, 2018.; SO; MARTINS; BETTI, 2018SO, Marcos R.; MARTINS, Mariana Z.; BETTI, Mauro. As relações das meninas com os saberes das lutas nas aulas de Educação Física.Motrivivência, v. 30, n. 56, p. 29-48, 2018.).

AS NARRATIVAS DE GÊNERO

Feminilidades, Masculinidades, Corpo e Cultura

Para Prado e Ribeiro (2010PRADO, Vagner M.; RIBEIRO, Arilda I. M. Gêneros, sexualidades e educação física escolar: um início de conversa.Motriz: Revista de Educação Física, v. 16, n. 2, p. 402-413, 2010.), existem maneiras plurais de viver e experimentar as masculinidades e feminilidades, e o conceito de gênero possibilita pluralizar as representações de masculino e feminino, dissociando a homogeneidade do que é ser homem ou mulher. Além disso:

[...] feminilidade e masculinidade estão em permanente transformação, não sendo determinações fixas, e possuem uma multiplicidade de formas de ser homem ou mulher em nossa sociedade, multiplicidade esta em que afloram inúmeras tensões, conflitos e cenários (SANTOS, 2010SANTOS, Vilma C. Indícios de sentidos e significados de feminilidade e de masculinidade em aulas de Educação Física.Motriz, v. 16, n. 4, p. 841-852, 2010., p. 842).

Nessa mesma linha de pensamento, Sampaio et al. (2014SAMPAIO, Tânia M. V. et al. O debate ainda pertinente-sobre as relações de gênero na educação física.Educación Física y Deporte, v. 33, n. 1, p. 73, 2014.) também afirmam que as diferenças de gênero se baseiam nas feminilidades e masculinidades que são consideradas fixas e em oposição, reforçando, assim, estereótipos e gerando exclusão, o que dificulta o desenvolvimento integral de meninos e meninas.

Além disso, a Educação Física escolar, segundo Santos (2010SANTOS, Vilma C. Indícios de sentidos e significados de feminilidade e de masculinidade em aulas de Educação Física.Motriz, v. 16, n. 4, p. 841-852, 2010.), é um ambiente no qual acontece a construção das subjetividades mediante as produções e reproduções de masculinidades e feminilidades, o que se reflete nos modos de participação nas aulas. A autora ainda reitera que as construções das feminilidades e masculinidades dos sujeitos também acontece de forma corporal, uma vez que “[...] cada ser humano aprende gestos, movimentos e falas a ele disseminados pela cultura” (SANTOS, 2010SANTOS, Vilma C. Indícios de sentidos e significados de feminilidade e de masculinidade em aulas de Educação Física.Motriz, v. 16, n. 4, p. 841-852, 2010., p. 843).

Assim, segundo Brito e Santos (2013BRITO, Leandro T.; SANTOS, Mônica P. Masculinidades na Educação Física escolar: um estudo sobre os processos de inclusão/exclusão.Revista brasileira de educação física e esporte, v. 27, n. 2, p. 235-246, 2013.), os meninos são educados para serem superiores e as meninas são educadas para serem emocionais e sentimentais; além disso, há uma vigilância, por parte da família e da escola, para que os meninos mantenham sua masculinidade. Somado a isso, na visão de Sampaio et al. (2014SAMPAIO, Tânia M. V. et al. O debate ainda pertinente-sobre as relações de gênero na educação física.Educación Física y Deporte, v. 33, n. 1, p. 73, 2014.), durante a infância, os brinquedos e as brincadeiras que são estimulados ou proibidos estão tomados por estereótipos de gêneros construídos histórica e culturalmente.

Na mesma esteira, Cruz e Palmeira (2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009., p. 121) afirmam que “[...] as diferenças de gênero não são produtos das diferenças biológicas, mas consequência das estruturas sociais e culturais que enaltecem o masculino e desvalorizam o feminino.” Inclusive, como destacam os autores, na Educação Física escolar, a prática esportiva se torna mais uma ferramenta que permite a manutenção da crença de uma inferioridade feminina.

Já a escola, para Silva e Ávila (2018SILVA, André L. S.; ÁVILA, Richard S. A inserção de homens professores de educação física na educação infantil: entre o medo das sexualidades desviantes e a (re)produção de um currículo heteronormativo.Pensar a Prática, v. 21, n. 2, p. 433-443, 2018.), estabelece limites no que significa ser menino e ser menina, uma vez que, nesse espaço, as meninas devem ser comedidas, puras, recatadas e doces, enquanto os meninos devem se mostrar agressivos, competitivos e viris. Com isso, para os autores, há a construção de identidades desejáveis e outras que são rejeitadas. Assim:

A concepção de virilidade, força, atitude e agressividade inerente ao masculino traduziu esse gênero como predominante nas relações de poder. Em razão de concepções biológicas primeiramente descritas na Antiguidade, mulheres sofrem historicamente atribuições como sendo seres incompletos (perspectiva falocêntrica), atribuindo a seus corpos pertenças relacionadas à fragilidade, delicadeza, passividade e, sobretudo, submissão ao gênero prioritário (FRANCO, 2016FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis: vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros.Motrivivência, v. 28, n. 47, p. 47-66, 2016., p. 57).

Portanto, o espaço do jogo, como a quadra poliesportiva, por exemplo, segundo Jesus e Devide (2006JESUS, Mauro L.; DEVIDE, Fabiano P. Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes.Movimento, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006.), transforma-se em um campo reservado para a expressão da virilidade e para a construção da masculinidade, o que provoca a exclusão das meninas do jogo.

Da mesma forma, do ponto de vista de Silva e Daolio (2003SILVA, Alan M; DAOLIO, Jocimar. Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos significados.Movimento, v. 13, n. 1, p. 13-36, 2003.), há um “jogo” de poder quando se fala na utilização dos espaços escolares por meninas e meninos; assim, enquanto o palco tem um pertencimento feminino, o pátio tem um pertencimento masculino. Os autores ainda afirmam que, para que isso se concretize, as crianças usam de artifícios para admitir ou não a presença do “outro”, do “diferente” na brincadeira, que é repleta de significados característicos de um grupo específico. No caso da dança:

Também há consenso de que são as meninas que recebem, mais precocemente, o estímulo para realizar e envolverem-se em atividades que trabalham com a expressividade, já que no imaginário social a dança representa uma ação ou comportamento ligados ao universo feminino (KLEINUBING; SARAIVA; FRANCISCHI, 2013KLEINUBING, Neusa D.; SARAIVA, Maria; FRANCISCHI, Vanesssa G. A dança no ensino médio: reflexões sobre estereótipos de gênero e movimento.Journal of Physical Education, v. 24, n. 1, p. 71-82, 2013., p. 71).

Além disso, as autoras afirmam que as representações de masculino e feminino se dão a partir da produção de discursos produzidos pela articulação entre corpo e gênero. Exemplo disso surge no estudo de Cardoso, Felipe e Hedegaard (2005CARDOSO, Fernando L; FELIPE, Maura L.; HEDEGAARD, Claus. Gender divergence in physical education classes.Psicologia: teoria e Pesquisa, v. 21, n. 3, p. 349-357, 2005.), quando, para professores e professoras, estudantes que apresentavam divergência de gênero eram meninos que se mostravam afeminados ou estranhos; em adição a isso, as meninas consideradas masculinas eram mais bem aceitas do que meninos com características femininas.

Em relação aos corpos, Franco (2016FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis: vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros.Motrivivência, v. 28, n. 47, p. 47-66, 2016.) entende que o corpo ultrapassa sua definição exclusivamente biológica, mas se define também pelos significados sociais e culturais nos quais ele está inserido. Assim, cada corpo, segundo Cruz e Palmeira (2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009.), revela partes da sociedade na qual está inserido; por isso, como afirmam Altmann, Mariano e Uchoga (2012ALTMANN, Helena; MARIANO, Marina; UCHOGA, Liane A. R. Corpo e movimento: produzindo diferenças de gênero na educação infantil.Pensar a Prática, v. 15, n. 2, p. 285-301, 2012.), é preciso pensar o corpo como uma produção da cultura porque, quando ele é desnaturalizado, surge a ideia de que o corpo é histórico, já que, para Silva e Daolio (2003SILVA, Alan M; DAOLIO, Jocimar. Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos significados.Movimento, v. 13, n. 1, p. 13-36, 2003.), os gêneros são inscritos nos corpos dentro de um contexto cultural, carregando em si as marcas dessa cultura.

Dorneles (2012DORNELLES, Priscila G. Do corpo que distingue meninos e meninas na educação física escolar.Cad. CEDES, v. 32, n. 87, p. 187-198, 2012., p. 189) explica que “O corpo é, sempre, um resultado provisório e inacabado”, já que as categorias sociais atravessam a construção dos corpos. Da mesma forma, Santos (2010SANTOS, Vilma C. Indícios de sentidos e significados de feminilidade e de masculinidade em aulas de Educação Física.Motriz, v. 16, n. 4, p. 841-852, 2010.) também argumenta que os corpos são sempre passíveis de transformação, uma vez que vivem em uma sociedade, que tem sua própria cultura e história, bem como o corpo é também uma consequência dos discursos que buscam fixar identidades, sejam elas sexuais ou de gênero.

Por isso, Santos (2010SANTOS, Vilma C. Indícios de sentidos e significados de feminilidade e de masculinidade em aulas de Educação Física.Motriz, v. 16, n. 4, p. 841-852, 2010.) entende que as aulas de Educação Física são um importante espaço no qual o corpo é convertido em um campo onde múltiplos significados irão se inscrever - desse modo, trabalhar com corpos significa atuar na sociedade em que esse corpo está inserido.

Sendo assim, além das questões relacionadas às feminilidades, masculinidades e ao corpo, é preciso compreender também como a escola, a prática pedagógica e as experiências corporais influenciam as relações de gênero nas aulas de Educação Física, o que será tratado a seguir.

A escola, a prática pedagógica e as experiências corporais

Silva e Daolio (2003SILVA, Alan M; DAOLIO, Jocimar. Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos significados.Movimento, v. 13, n. 1, p. 13-36, 2003.) acreditam que a sociedade, suas inúmeras instituições, seus discursos, práticas e simbolismos participam da construção do gênero, e a escola é uma dessas instituições, sendo produtora e formadora de sujeitos.

A escola e a família, para Cruz e Palmeira (2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009.), “[...] são consideradas as principais responsáveis pela construção e/ou reprodução de conceitos equivocados, ou melhor, valores estereotipados acerca das questões de gênero.” Nessa perspectiva, Prado e Ribeiro (2010PRADO, Vagner M.; RIBEIRO, Arilda I. M. Gêneros, sexualidades e educação física escolar: um início de conversa.Motriz: Revista de Educação Física, v. 16, n. 2, p. 402-413, 2010.) afirmam que a Educação Física escolar deve entender seu papel formativo, político e social e deve intervir de modo a apreciar a diversidade, já que forma sujeitos com corpos, gêneros e sexualidades específicos. Dessa forma, Cruz e Palmeira (2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009., p. 119) sustentam que “As diferentes formas de tratar meninos e meninas no âmbito escolar fazem com que estes assumam determinadas posturas frente a sociedade”, já que os corpos são inscritos com as marcas da escolarização.

Assim, segundo Duarte e Mourão (2007DUARTE, Cátia P.; MOURÃO, Ludmila. Representações de adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para a participação em aulas mistas de educação física.Movimento, v. 13, n. 1, p. 37-56, 2007.), a escola orienta-se com práticas que têm como objetivo fixar e moldar os corpos desde a infância, visto que a Educação Física escolar reproduz um comportamento normalizador. Portanto, para Franco (2016FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis: vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros.Motrivivência, v. 28, n. 47, p. 47-66, 2016.), o espaço escolar reproduz o preconceito e a discriminação presentes na sociedade. A escola também surge como um espaço normativo, reproduzindo e reiterando conceitos negativos a respeito da não heterossexualidade (SILVA; ÁVILA, 2018SILVA, André L. S.; ÁVILA, Richard S. A inserção de homens professores de educação física na educação infantil: entre o medo das sexualidades desviantes e a (re)produção de um currículo heteronormativo.Pensar a Prática, v. 21, n. 2, p. 433-443, 2018.).

Com isso, Garcia e Brito (2018GARCIA, Rafael M.; BRITO, Leandro T. Performatizações queer na educação física escolar.Movimento, v. 24, n. 4, p. 1321-1334, 2018.) declaram que é no do ambiente escolar que os corpos são generificados e é neste espaço que meninos e meninas são educados e aprendem de formas distintas, já que as pedagogias escolares se mostram heteronormatizadoras e excludentes.

Para Cruz e Palmeira (2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009.), o(a) docente deve entender seu papel de educador e ser social que contribui para a elaboração de uma cultura escolar, que vai influenciar diretamente nas maneiras de pensar e agir dos alunos e alunas. Portanto, é importante que os professores e as professoras consigam olhar as diferenças e enxergá-las como um assunto essencial a ser discutido e problematizado, com a intenção de promover igualdade de oportunidades para todos os alunos e alunas. Para tanto:

A intervenção pedagógica do docente torna-se fundamental para a desconstrução de alguns estereótipos e a minimização da separação dos sexos nas aulas de EFe, incentivando a prática de alunos e alunas nas mesmas atividades corporais, contribuindo para o desenvolvimento da solidariedade, gerando um melhor entendimento da construção social das diferenças de gênero e consequentemente, a tolerância de ambos os sexos, sobre o seu desempenho nas atividades motoras propostas (JESUS; DEVIDE, 2006JESUS, Mauro L.; DEVIDE, Fabiano P. Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes.Movimento, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006., p. 128).

Assim, Prado e Ribeiro (2010PRADO, Vagner M.; RIBEIRO, Arilda I. M. Gêneros, sexualidades e educação física escolar: um início de conversa.Motriz: Revista de Educação Física, v. 16, n. 2, p. 402-413, 2010.) afirmam que problematizações sobre os conceitos de gênero e orientação sexual devem ser promovidas pelos professores e professoras, desvinculando a relação de causa e efeito que existe entre esses dois termos. Ainda segundo os autores, é também papel do(a) docente incentivar o respeito e a cidadania com as múltiplas possibilidades da sexualidade humana, para que haja uma melhoria das relações interpessoais.

Por outro lado, Franco (2016FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis: vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros.Motrivivência, v. 28, n. 47, p. 47-66, 2016.) entende que o professor ou professora responsável pela aula deve promover a inclusão, que significa combater atitudes discriminatórias, permitindo, assim, uma educação para todos, estimulando o diálogo e combatendo o preconceito. Já Garcia e Brito (2018GARCIA, Rafael M.; BRITO, Leandro T. Performatizações queer na educação física escolar.Movimento, v. 24, n. 4, p. 1321-1334, 2018.) vão além, afirmando que:

[...] a (não) atitude do docente responsável colaborou para legitimar, naturalizar e favorecer a cristalização de preceitos heteronormativos já arraigados nos discursos controladores das sexualidades, permitindo assim o estabelecimento e manutenção de hierarquias identitárias entre os(as) próprios(as) alunos(as) (GARCIA; BRITO, 2018GARCIA, Rafael M.; BRITO, Leandro T. Performatizações queer na educação física escolar.Movimento, v. 24, n. 4, p. 1321-1334, 2018., p. 1331).

Para isso, Brito e Santos (2013BRITO, Leandro T.; SANTOS, Mônica P. Masculinidades na Educação Física escolar: um estudo sobre os processos de inclusão/exclusão.Revista brasileira de educação física e esporte, v. 27, n. 2, p. 235-246, 2013.) reiteram que o planejamento das aulas deve se dar de acordo com as limitações, necessidades e habilidades identificadas nos alunos e alunas, pois,

Na adolescência, as transformações físicas e hormonais estão em processo, as principais mudanças corporais (aparecimento dos pelos pubianos, mudança no timbre de voz, crescimento da barba ou dos seios), que eram conflitos quando começam a se manifestar, estão se consolidando. Nas aulas de educação física, o corpo de meninas e meninos está em evidência, construindo identidades e realçando diferenças (DUARTE; MOURÃO, 2007DUARTE, Cátia P.; MOURÃO, Ludmila. Representações de adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para a participação em aulas mistas de educação física.Movimento, v. 13, n. 1, p. 37-56, 2007., p. 42).

Ainda, de acordo com Kleinubing, Saraiva e Francischi (2013KLEINUBING, Neusa D.; SARAIVA, Maria; FRANCISCHI, Vanesssa G. A dança no ensino médio: reflexões sobre estereótipos de gênero e movimento.Journal of Physical Education, v. 24, n. 1, p. 71-82, 2013.), é possível que exista um sentimento de vergonha no início de uma aula de dança, que pode ser evitado quando os estereótipos de gênero nessa atividade são discutidos e problematizados pelo(a) docente. Altmann, Mariano e Uchoga (2012ALTMANN, Helena; MARIANO, Marina; UCHOGA, Liane A. R. Corpo e movimento: produzindo diferenças de gênero na educação infantil.Pensar a Prática, v. 15, n. 2, p. 285-301, 2012.) notaram em sua pesquisa que, durante as aulas de Educação Física, há a presença de “[...] práticas educativas que constroem e/ou reforçam as diferenças determinadas pelo sexo.”

Portanto, para Jesus e Devide (2006JESUS, Mauro L.; DEVIDE, Fabiano P. Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes.Movimento, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006.), a abordagem metodológica do(a) docente que envolve a coeducação combate o sexismo, libertando alunos e alunas das amarras que estabelecem o que cada sexo pode e deve vivenciar no que diz respeito às práticas corporais, já que o movimento corporal está tomado por padrões de conduta que impedem a coeducação e a diversidade de experiências que ela proporciona.

Para Kleinubing, Saraiva e Francischi (2013KLEINUBING, Neusa D.; SARAIVA, Maria; FRANCISCHI, Vanesssa G. A dança no ensino médio: reflexões sobre estereótipos de gênero e movimento.Journal of Physical Education, v. 24, n. 1, p. 71-82, 2013.), a ideia de que existem práticas corporais impróprias para meninos e meninas dificulta a diversidade e restringe a possibilidade de experiências, de modo a dificultar um desenvolvimento integral. As autoras ainda acreditam que a presença de práticas sexistas na Educação Física escolar tem como consequência o prejuízo da performance feminina, devido à falta de oportunidade de vivenciar algumas práticas, à permanência da ideia de superioridade física do homem e à discriminação no que diz respeito aos papéis sociais.

Segundo So, Martins e Betti (2018SO, Marcos R.; MARTINS, Mariana Z.; BETTI, Mauro. As relações das meninas com os saberes das lutas nas aulas de Educação Física.Motrivivência, v. 30, n. 56, p. 29-48, 2018., p. 38), “[...] quando afirmam que as mulheres não são dotadas das habilidades necessárias às lutas, produz-se uma naturalização de seus corpos, informando, a partir de uma biologia não desinteressada, a sua fragilidade e incapacidade.” No entanto, para esses autores, a questão concernente às habilidades está relacionada a uma diferente construção cultural dos corpos, já que os meninos normalmente experimentam um maior número de práticas corporais quando comparados às meninas.

Desse modo, Cruz e Palmeira (2009CRUZ, Marlon M. S.; PALMEIRA, Fernanda C. C. Construção de identidade de gênero na Educação Física Escolar.Motriz: Revista de Educação Física, v. 15, n. 1, p. 116-131, 2009.) acreditam que a maior desenvoltura dos meninos nas práticas esportivas pode ser explicada pelo maior repertório motor3 3 Os termos repertório motor, estímulos motores e outras derivações foram compreendidos neste texto como experiências corporais. que eles apresentam, já que possuem um número maior de vivências. Além disso, os autores defendem que essa suposta superioridade masculina se construiu culturalmente, respaldada nas diferentes formas que meninos e meninas são educados; com isso, cada gênero acabou por desenvolver habilidades específicas.

Assim, no estudo de So, Martins e Betti (2018SO, Marcos R.; MARTINS, Mariana Z.; BETTI, Mauro. As relações das meninas com os saberes das lutas nas aulas de Educação Física.Motrivivência, v. 30, n. 56, p. 29-48, 2018.), as meninas se auto excluíam das atividades propostas e, de forma geral, havia relação com o medo de se arriscarem nas aulas, de experimentarem algo desconhecido ou exporem uma suposta inabilidade. Da mesma forma, Sampaio et al. (2014SAMPAIO, Tânia M. V. et al. O debate ainda pertinente-sobre as relações de gênero na educação física.Educación Física y Deporte, v. 33, n. 1, p. 73, 2014.) afirmam que a exclusão das meninas nas aulas acontece devido a uma menor habilidade, já que, por fatores culturais, as meninas têm menos estímulos motores quando comparadas aos meninos. Assim, os autores sugerem que as aulas de Educação Física escolar ofereçam os mesmos estímulos e experiências para meninos e meninas. A partir disso, em relação à participação nas aulas:

A partir da análise da participação de meninos e meninas em diversas práticas corporais no ambiente escolar, notamos que a desigualdade de participação nas diferentes práticas ainda não está superada. Embora não amparadas por lei, elas ocorrem a partir de concepções generalizadas de corpo e habilidades físicas, que colocam e consideram discursivamente as meninas como menos hábeis quando comparadas com os meninos (UCHOGA; ALTMANN, 2015UCHOGA, Liane A. R; ALTMANN, Helena. Educação física escolar e relações de gênero: diferentes modos de participar e arriscar-se nos conteúdos de aula.Rev. Bras. Ciênc. Esporte, v. 38, n. 2, p. 163-170, 2015., p. 169).

Quando se fala em educação infantil, Altmann, Mariano e Uchoga (2012ALTMANN, Helena; MARIANO, Marina; UCHOGA, Liane A. R. Corpo e movimento: produzindo diferenças de gênero na educação infantil.Pensar a Prática, v. 15, n. 2, p. 285-301, 2012.) relatam que as possibilidades de se movimentar estão relacionadas à transgressão das regras e das normas de comportamento, isto é, àqueles que transgridem mais, movimentam-se mais, tendo maiores oportunidades de aprendizagem; e, além disso, mostram os meninos como os transgressores das regras.

Em Jesus e Devide (2006JESUS, Mauro L.; DEVIDE, Fabiano P. Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes.Movimento, v. 12, n. 3, p. 123-140, 2006.), por exemplo, os(as) estudantes entendiam que a diferença das habilidades motoras entre meninos e meninas eram naturais, de ordem biológica, não considerando a influência sociocultural e histórica relacionada às práticas corporais.

Por outro lado, Brito e Santos (2013BRITO, Leandro T.; SANTOS, Mônica P. Masculinidades na Educação Física escolar: um estudo sobre os processos de inclusão/exclusão.Revista brasileira de educação física e esporte, v. 27, n. 2, p. 235-246, 2013.) destacaram que tanto nas turmas mistas quanto em turmas separadas por sexo existem dificuldades em lidar com as diferenças de habilidade motora entre os alunos e as alunas; no entanto, em turmas femininas, há uma maior afetividade, o que diminui os quadros de exclusão.

No que tange às discussões de gênero na escola, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados pelo Governo Federal em 1997, tinham como objetivo orientar a prática dos educadores, pontuando alguns fatores fundamentais pertencentes a cada disciplina, apontando a Orientação Sexual como um tema transversal a ser discutido dentro de sala de aula. Entretanto, a BNCC que, hoje, substitui os PCNs não contempla em seu plano gênero e/ou orientação sexual, o que mostra um retrocesso na política nacional de educação. Assim, com a ausência de temas como gênero, raça e etnia, por exemplo, esse documento acaba por silenciar algumas discussões, esvaziando conflitos e tensões nas produções das diferenças.

Na BNCC, os temas contemporâneos transversais tratam do meio ambiente, de economia, saúde, cidadania e civismo, multiculturalismo e ciência e tecnologia, sendo que dentro de cada um desses temas existem subtemas. Nos PCNs, a Orientação Sexual tratava das relações de gênero, do respeito pela diferença, da diversidade de valores e crenças, além da consideração de expressões culturais democráticas e plurais. Portanto, visto que os(as) estudantes trazem de casa conceitos e ideias preestabelecidos, deve-se considerar esse repertório, permitindo uma discussão que gere reflexões e debates, para que assim os alunos e alunas construam suas próprias opiniões (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual, 1998.).

Assim, dentro dos PCNs (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual, 1998.), a escola é responsável por promover uma intervenção pedagógica que traga reflexões a respeito da sexualidade, das relações de gênero, posturas, tabus e valores, sem, no entanto, invadir a privacidade ou direcionar o comportamento dos(as) estudantes - e é aí que o os professores e professoras passam a desempenhar seu papel de formadores(as).

Com a BNCC em vigor desde 2018, essas discussões perderam-se, e as relações de gênero e a orientação sexual não são mais consideradas temas contemporâneos transversais a serem tratados dentro do ambiente escolar. Ainda que dentro dos subtemas Vida Familiar e Social e Diversidade Cultural as relações de gênero pudessem ser abordadas, a BNCC não as contempla.

Frente ao exposto, é possível notar que nenhum dos artigos analisados neste estudo descreveu uma relação de igualdade entre meninos e meninas nas aulas de Educação Física, e os motivos são diversos: indo da vergonha e medo da masculinização do esporte aos estereótipos que carregam. Visto que a escola é um reflexo da sociedade e uma de suas principais instituições, já que é responsável pela formação dos sujeitos, as crianças estão submetidas a um reforço da cultura presente na sociedade. Com isso, elas já chegam na escola com suas expressões de gênero que obedecem ao patriarcado e sua heteronormatividade hegemônica.

Por outro lado, embora a escola seja entendida nesses estudos como uma instituição reprodutora de estereótipos e preconceitos, é importante pensá-la também como um espaço generificado e que também é fruto da sociedade na qual está inserida; portanto, a escola é também um espaço de enfrentamento da normatividade opressora.

Além disso, para Couto (2010COUTO, Maria A. S. Masculinidades e Feminilidades: A construção de si no contexto escolar.Revista Aurora, v. 4, n. 1, p. 114-123, 2010.), o ambiente escolar, que é onde crianças e jovens irão se relacionar no cotidiano, é uma estrutura de poder que vai promover a construção e o reforço de identidades, dentre elas a de gênero. A autora ainda afirma que é nesse ambiente que os estereótipos de gênero são criados e reproduzidos, entendendo que o uso de estereótipos na nossa cultura tem a função de normatizar e regular os comportamentos, já que são utilizados para lidar com as inseguranças e ambiguidades que acompanham a diversidade humana.

Ainda que a sociedade reproduza a ideia de que meninos devem ter mais características masculinas e meninas devem ser mais femininas, existem diversas formas de se expressarem as feminilidades e masculinidades. Além disso, essas representações não têm relação alguma com a orientação sexual dos indivíduos, são apenas representações tradicionais fundadas na heteronormatividade e, por isso, devem ser entendidas como um aspecto em constante metamorfose, dando possibilidades múltiplas para os significados do que é ser homem ou mulher, bem como não fazer parte dessa binaridade socialmente estabelecida.

Da mesma forma, Louro (2008LOURO, Guacira L. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Revista Pro-posições, Campinas, v. 19, n. 2, p. 17-23, 2008.) entende que a construção do gênero e da sexualidade acontece durante a vida, constantemente, por meio de diversas aprendizagens e práticas. Além disso, para a autora, o ser homem ou ser mulher se dá na esfera da cultura e que seria ilusório entendê-los como um esquema binário.

Couto (2010COUTO, Maria A. S. Masculinidades e Feminilidades: A construção de si no contexto escolar.Revista Aurora, v. 4, n. 1, p. 114-123, 2010.) afirma que é em meio ao coletivo que se constroem as individualidades; com isso, a escola é o local no qual essas interações acontecem e onde são construídas as feminilidades e masculinidades fundadas no patriarcado e que antecedem sua chegada à escola, uma vez que, ao nascer, já são designados como meninos ou meninas e, quando crescem, precisam confirmar uma identidade que lhes foi imposta.

Desde o nascimento, o comportamento dos pais, familiares e amigos em relação a uma criança do sexo masculino ou feminino é completamente diferente. Naturalmente, o primeiro brinquedo de um menino é uma bola, enquanto o da menina é uma boneca; assim, os meninos aprendem a ser ativos, curiosos e se arriscam a fazer movimentos a que não estão habituados, enquanto as meninas são levadas a brincadeiras mais calmas, comportadas, em que não existem muitos movimentos ou aventuras.

Assim como afirma Daolio (1995DAOLIO, Jocimar.Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.), além de o primeiro brinquedo de um menino ser uma bola, ainda há um enorme incentivo para que ele dê seus primeiros chutes, ao passo que as meninas, além de não serem estimuladas a essa prática, são também vetadas de participarem de brincadeiras que envolvam chutes e bola nos pés. Desse modo, o autor afirma que as habilidades motoras também devem ser consideradas como um componente da transmissão cultural.

Esse comportamento é levado para a escola, onde há também uma reprodução de estereótipos que ditam como garotas e garotos devem se comportar e ser. Assim, esses fatores interferem de modo significativo na participação de meninos e meninas nas aulas de Educação Física escolar, fazendo com que os meninos tenham o poder quanto ao uso dos espaços escolares, enquanto as meninas são excluídas pelos próprios meninos ou se autoexcluem por não terem a mesma bagagem de experiências corporais, que tragam segurança para participarem das brincadeiras e/ou aulas de forma mista.

Silva, Medeiros e Quitzau (2020SILVA, Marcelo M.; MEDEIROS, Daniele C. C; QUITZAU, Evelise A. Educação Física escolar: espaço de questionamento das masculinidades hegemônicas? Cadernos de Formação RBCE, v. 11, n. 2, 2020.), dessarte, apontam que a masculinidade hegemônica está presente no esporte, transformando as práticas corporais em um lugar de categorização, no qual os corpos masculinos e femininos praticamente não se misturam.

Além disso, da mesma forma que existem os espaços voltados para práticas consideradas masculinas, os quais os meninos dominam, como a quadra, existem também espaços reservados para práticas consideradas femininas, como palcos e salas de dança, que são dominadas pelas meninas. Essa posse de espaços e sua generificação contribui para uma formação incompleta e limitada dessas crianças e adolescentes, na qual meninos e meninas possuem experiências corporais completamente diferentes.

Nessa perspectiva, o estudo de Altmann et al. (2018ALTMANN, Helena et al. Gênero e cultura corporal de movimento: práticas e percepções de meninas e meninos. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 1, p. 1-16, 2018.) mostrou que os meninos possuem uma experiência corporal mais intensa e significativa quando comparados às meninas, já que a prática esportiva foi mais frequente entre os meninos, enquanto as meninas demonstraram dificuldade em encontrar prazer na prática e se reconhecem menos habilidosas para as atividades físicas e esportivas.

Butler (1990BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.) defende a ideia de que não há no ser humano uma só identidade, mas que ele é plural e que, ao longo da vida, suas expressões de gênero e sexualidade mudam, já que a autora acredita que o gênero é fluido e não binário. Partindo desse pressuposto, por mais que a sexualidade e as relações de gênero sejam discutidas e estudadas desde o século passado e que se tenha avançado muito nesse sentido, ainda há um enorme caminho a percorrer. Além disso, segundo Silva, Medeiros e Quitzau (2020SILVA, Marcelo M.; MEDEIROS, Daniele C. C; QUITZAU, Evelise A. Educação Física escolar: espaço de questionamento das masculinidades hegemônicas? Cadernos de Formação RBCE, v. 11, n. 2, 2020.), os estudos de gênero e das sexualidades foram elaborados com o objetivo de dispensar o determinismo biológico e sua binaridade, enfatizando assim o caráter social das diferenciações dos sexos.

Para que a sociedade passe a enxergar o gênero como uma construção social e a sexualidade como algo dinâmico e fluido, é preciso que crianças e adolescentes encontrem esse pensamento no ambiente responsável pela sua formação como ser humano. Nesse intuito, a instituição escolar deve estar preparada para receber meninos e meninas, sem ideias preestabelecidas ou estereótipos de gênero, sexualidade ou qualquer tema, para que assim seja possível, aos poucos, construir uma sociedade mais igual, que entenda que cada indivíduo é único e que respeite as diferenças.

Por mais que a temática de gênero seja discutida na Educação Física escolar desde a década de 1990, ainda se encontram muitos desafios e limitações nas discussões desses temas dentro da escola, já que as questões de gênero são um conteúdo da escola como instituição, e não somente das aulas de Educação Física.

Os estudos mais recentes ainda não conseguem se mostrar muito diferentes de estudos mais antigos no que tange às participações nas aulas, aos estereótipos de gênero e às exclusões. Um dos possíveis motivos para que não seja possível ver tanta evolução nas práticas escolares, mesmo após trinta anos de pesquisa, se deve ao fato de as políticas públicas de educação não darem ênfase a esse tipo de reflexão no ambiente escolar. Embora tenham sido retiradas da BNCC, tinham sua importância descrita nos PCNs, porém sem uma aplicação prática muito eficiente segundo os artigos selecionados para este estudo, e foram escritos na última década.

Com isso, o cenário nas aulas de Educação Física manteve-se e ainda se encontra em um contexto excludente e carregado de estereótipos. O fato de a BNCC, que entrou em vigor em 2018, não considerar as relações de gênero e a sexualidade como temas contemporâneos transversais pode ser um fator que favorece esse quadro e, por isso, este era um acontecimento esperado.

Nesse sentido, a educação e formação dos professores e professoras é fundamental para que possam refletir sobre esses assuntos durante as aulas, de modo a, segundo Auad e Corsino (2018AUAD, Daniela; CORSINO, Luciano. Feminismos, interseccionalidades e consubstancialidades na Educação Física Escolar.Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 1, p. 1-13, 2018.), tratar a integridade física, emocional, social e intelectual de crianças e adolescentes de forma completa e ampla, sem reducionismos.

Em primeiro lugar, é importante que o(a) docente acolha seus alunos e alunas, mostrando que a escola e a sala de aula, quadra, ou qualquer outro espaço dentro da instituição são ambientes seguros para se mostrarem quem são e, ao longo do tempo, descobrirem como se sentem e o que querem ser, o que vai muito além de uma escolha profissional. O espaço escolar muitas vezes é onde as crianças passam a maior parte de seus dias, tendo os educadores com quem convivem como exemplos e inspirações.

Em segundo lugar, os professores e professoras podem estimular discussões e reflexões a respeito de temas diversos, que estão presentes no cotidiano, a fim de conscientizar seus alunos e alunas das diferenças culturais, sociais e sexuais que podem existir, ensinando-os, assim, a conviver com essas diferenças e a respeitá-las.

Portanto, no que se refere à Educação Física escolar, o professor ou professora responsável precisa incentivar a prática mista de uma forma saudável, na qual meninas, que na maioria das vezes são automaticamente excluídas pelo seu gênero, e meninos que não se enquadram nas expressões das masculinidades consigam participar das aulas e tenham a oportunidade de vivenciar as infinitas possibilidades do corpo humano e se desenvolver de forma completa e integral.

Porém, para que os(as) docentes ajam de tal maneira, é necessário que tenham sensibilidade para enxergar as dificuldades enfrentadas por algumas alunas e alunos durante as aulas. Além disso, a forma como o professor ou professora irá incluir esses alunos e alunas também será fundamental, já que eles e elas devem se sentir confortáveis durante a participação, e não ainda mais constrangidos e/ou desestimulados.

Existem alguns desafios a serem enfrentados pelo professor ou professora que se propõe a dar oportunidades iguais aos alunos e alunas, uma vez que, segundo Devide et al. (2011DEVIDE, Fabiano P. et al. Estudos de gênero na educação física brasileira.Motriz, v. 17, n. 1, p. 93-103, 2011.), as discussões sobre gênero na Educação Física escolar são escassas no que diz respeito às disciplinas de graduação nos cursos de Educação Física. Existem os desafios pedagógicos, como montar aulas mais inclusivas, pensar do aprendizado global para o específico, perceber as necessidades de seus alunos e alunas e estimular reflexões a partir de entraves que possam aparecer durante as aulas.

Há também os desafios socioculturais, como, por exemplo, convencer os meninos de que aula de Educação Física não é só futebol, vai muito além disso; convencer as meninas e meninos que são excluídos a participarem das aulas, mostrando-lhes que são capazes, e, por fim, mostrar que os esportes, o movimentar-se, os novos aprendizados e as experiências corporais podem ser prazerosos e são para todos e todas.

Para isso, durante as aulas, ao invés de criar novas regras que incluam todos(as) os(as) estudantes em jogos mais desenvolvidos e complexos, o professor ou professora pode começar por atividades mais simples e globais, observando as limitações e habilidades de cada um para então conseguir atender as necessidades de todos com um planejamento que seja processual e vise ao desenvolvimento de crianças e adolescentes no decorrer do ano, com o propósito de promover oportunidades de movimento iguais para os(as) estudantes.

Portanto, no tocante à atuação dos professores e professoras, é importante ressaltar que a realidade descrita nos 16 artigos analisados são apenas fotografias de um filme do que é uma aula de Educação Física escolar, isto é, mostram uma realidade específica, dentro de um período determinado, porém não representam a realidade de um todo. Há um enfrentamento diário da normatividade opressora presente na escola, por muitos professores e professoras, que visa tornar as aulas de Educação Física mais igualitárias, permitindo a participação de todos e todas, na tentativa de melhorar o cenário dessas aulas.

Outro desafio a ser enfrentado é a maneira como se faz ciência na área da Educação Física dentro das Ciências da Saúde. Embora a Educação Física possua um diálogo inerente às Ciências da Saúde (o que justificou a escolha da base de dados), é sabido que muitos periódicos do campo da educação, por exemplo, não circulam ou não estão indexados no Portal BVS, o que representa um limite deste estudo. Outra limitação diz respeito à inclusão de artigos com acesso livre, desconsiderando artigos publicados que tenham acesso restrito mediante pagamento de alguma taxa.

Assim, em termos de síntese, a discussão aqui encaminhada compreende que as 16 produções que fizeram parte do escopo deste estudo trataram em seus textos sobre as diferenças e exclusões que estão presentes no dia a dia das aulas de Educação Física escolar, discutindo subtemas que envolviam os conceitos de feminilidades e masculinidades, o corpo como instrumento social, a prática pedagógica e a escola como um espaço generificador. Esses estudos mostraram a realidade das escolas e os desafios que as aulas de Educação Física trazem quando se pensa nas relações de gênero vividas na infância e na adolescência.

É necessário que se entenda que as manifestações de feminilidades e masculinidades são plurais e transitórias e, além disso, também se manifestam no corpo. Por outro lado, esse corpo deve sempre ser visto como uma produção cultural, além de ser entendido para além de sua estrutura biológica, portanto, permitindo que se deem inúmeros significados ao que é ser menina ou menino.

Com isso, ao saber que a reprodução de estereótipos irá dificultar o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes e que a escola é um espaço no qual acontece a construção das subjetividades de seus alunos e alunas, é fundamental que o(a) docente discuta questões de gênero dentro de sala de aula, ainda que a BNCC não considere o gênero, a sexualidade ou a orientação sexual como um tema contemporâneo transversal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse sentido, pode-se concluir que as narrativas de gênero presentes na produção científica brasileira no campo das Ciências da Saúde têm seus saberes delineados pela busca de melhor compreensão de um cenário excludente, sexista, que estimula de maneiras diferentes as vivências corporais de meninos e meninas e que reproduz estereótipos relacionados às feminilidades e masculinidades e que, assim, ao longo da história, colocou as meninas num plano inferior e desigual na educação básica. Portanto, trata-se de um quadro que urge ser superado para que haja aulas mais inclusivas e uma relação de gênero em uma perspectiva mais igualitária nas aulas de Educação Física escolar.

Embora discutidas aqui como um dos temas presentes nas aulas de Educação Física, as relações de gênero não aparecem apenas nessas aulas, mas fazem parte também do cotidiano escolar como um todo e, por isso, a questão de gênero também é um conteúdo da escola como instituição.

Nos artigos analisados neste trabalho, crianças e adolescentes aparecem como seres passivos, que recebem e reproduzem aquilo que é um reflexo da sociedade na qual estão inseridos. Contudo, é importante refletir e pensá-los como seres agentes, como um ser social e ativo no seu processo de socialização, capaz de produzir cultura, não sendo apenas um depositário de ações reprodutoras.

Quanto à BNCC e os temas contemporâneos transversais que este documento considera, há o esvaziamento de alguns tópicos fundamentais, como gênero, orientação sexual, raça e etnia, por exemplo, silenciando as diferenças e menosprezando esses e outros conflitos e tensões nas produções das diferenças.

Apesar de o estudo apresentar limites no que tange à análise por uma única base de dados (Portal BVS), na qual, possivelmente, publicações que tratassem das relações de gênero na Educação Física escolar não estivessem presentes nos periódicos ali indexados, acredita-se que este trabalho seja relevante no sentido de provocar inquietações que urgem no cenário escolar, principalmente na direção de novas práticas pedagógicas que incluam a coeducação e uma Educação Física plural e que passem a integrar o cotidiano escolar.

Outro limite que traz ainda mais reflexões são os binarismos da língua portuguesa empregados neste texto, que se limitam à oposição masculino/feminino, impossibilitando a ampliação dos termos aos vários gêneros LGBTTQIA+, mostrando uma problemática das relações de poder e uma violência que acompanha nossa língua.

Além disso, o estudo mostra a necessidade de novas políticas pedagógicas, principalmente no que tange à BNCC, para que as discussões sobre gênero, sexualidade e orientação sexual façam parte dos temas contemporâneos transversais.

Preprint

DOI: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/3878

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  • 1
    No estudo original, analisaram-se ainda: periódicos, ano de publicação e sua respectiva avaliação no sistema Qualis Capes (área Interdisciplinar); autoria e instituições envolvidas; nível educacional envolvido na coleta de dados: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio ou Ensino Médio Tecnológico; população estudada; método da pesquisa; instrumentos de coleta de dados. Entretanto, pelos limites impostos a um texto como este, não foi possível incorporá-los.
  • 2
    É importante ressaltar que um mesmo artigo pode ter permeado ambas as narrativas.
  • 3
    Os termos repertório motor, estímulos motores e outras derivações foram compreendidos neste texto como experiências corporais.

FINANCIAMENTO

  • Capes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2022
  • Aceito
    24 Abr 2022
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