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LETRAMENTOS EM UM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: UMA FUSÃO DE FORÇAS

LITERACIDAD EN UN CONTEXTO DE EDUCACIÓN NO FORMAL: UNA FUSIÓN DE FUERZAS

RESUMO:

Este artigo tece compreensões sobre as práticas de letramento de adolescentes promovidas por uma organização social na periferia de São Paulo, em um contexto de educação não formal. Fundamenta-se num quadro teórico-metodológico filiado aos Estudos do Letramento e à abordagem enunciativo-discursiva bakhtiniana, apreendendo, além das regularidades, os significados atribuídos a esses letramentos que se revelam nas interações e posicionamentos sobre essas experiências vividas pelos participantes. O corpus de análise é composto por notas de campo, transcrições de gravações em vídeo de eventos de letramento e produções discursivas de quatro adolescentes e de um educador social, em situações de rodas de conversa e entrevista semiestruturada. Os resultados indicam que, ao mesmo tempo que são observados traços da forma e cultura escolar em algumas das atividades propostas e nos modos de interação do educador com os adolescentes, as práticas de letramento da organização desvelam modos colaborativos, com a mobilização de gêneros multimodais, perpassadas por oralidade, corpo e afeto, nas quais os participantes podem se expressar e se reconhecer, atuando com mais autonomia e segurança em letramentos de outras esferas sociais.

Palavras-chave:
letramentos; discursos de adolescentes; educação não formal em territórios vulneráveis

RESUMEN:

Este artículo elabora reflexiones sobre las prácticas letradas de adolescentes, promovidas por una organización social, en la periferia de São Paulo, en un contexto de educación no formal. Se basa en un marco teórico-metodológico afiliado a los Estudios de Literacidad y al enfoque enunciativo-discursivo bakhtiniano, aprehendiendo, además de las regularidades, los significados atribuidos a estas literacidades por parte de los participantes, dimensiones que se revelan tanto en sus interacciones como en sus posicionamientos sobre estas experiencias. El corpus de análisis está compuesto por notas de campo, transcripciones de videograbaciones de eventos letrados y producciones discursivas de cuatro adolescentes y un educador social, en situaciones de círculos de conversación y entrevista semiestructurada. Los resultados indican que, al mismo tiempo que se observan trazos de la forma y de la cultura escolar en algunas de las actividades propuestas, así como en los modos de interacción entre el educador y los adolescentes, las prácticas letradas de la organización revelan formas colaborativas, con la movilización de géneros discursivos multimodales, permeados por la oralidad, el cuerpo y el afecto, donde los participantes pueden expresarse y reconocerse, actuando con más autonomía y seguridad en las literacidades de otros ámbitos sociales.

Palabras clave:
literacidades; discursos de adolescentes; educación no formal en territorios vulnerables

ABSTRACT:

This article analyzes literacy practices of teenagers promoted by a social organization in the outskirts of Sao Paulo, Brazil, in a non-formal educational context. Our theoretical-methodological framework is grounded on Literacy Studies and the Bakhtinian approach. Beyond regularities, we deal with the meanings attributed to these literacy actions, revealed in actors’ interactions and positions within these experiences. The analytical corpus comprises field notes, transcriptions of video recordings of literacy events, and discourses of four teenagers and a social educator collected in conversation circles and semi-structured interviews. The results suggest the concomitant occurrence of traces of school form and culture together with collaborative experiences involving the mobilization of multimodal genres, permeated by orality, affection, and body. Thus, the participants could express and recognize themselves, leading to greater autonomy and reassurance in literacies held in other social spheres.

Keywords:
literacies; discourses of teenagers; non-formal education in vulnerable territories

INTRODUÇÃO

Pertencemos a sociedades crescentemente grafocêntricas1 1 Por grafocêntricas, compreendemos as sociedades reguladas e ordenadas com e a partir da escrita, nas quais se produzem clivagens entre grupos sociais, considerando, entre outros fatores, o valor social atribuído à língua escrita, a certas produções e práticas de uso da escrita, em detrimento de outras. e tecnológicas2 2 Barton e Lee (2015), apesar das desigualdades de acesso, afirmam que as tecnologias encontram-se integradas ao cotidiano e sua apropriação favorece a realização de inúmeras atividades. Asseveram, no entanto, que “as tecnologias por si sós, não introduzem automaticamente as mudanças”, o que importa é “o que as pessoas fazem e como elas mobilizam recursos para construir sentidos em suas vidas” (BARTON; LEE, 2015, p. 13). , nas quais a linguagem escrita, junto a outros sistemas semióticos, fazem parte da paisagem cotidiana, sendo utilizados, em múltiplas formas historicamente produzidas, para satisfazer vários propósitos, necessidades e interesses. Assim, ao integrarem-se a diferentes sistemas de representação (tais como a imagem e o som), constituem as atividades humanas e relações sociais, ordenando a vida e condicionando a produção e a circulação de conhecimentos e o acesso a direitos básicos.

Nessa perspectiva, indivíduos e grupos desempenham múltiplos papéis nas interações sociais, diferenciando-se a partir do que podem e sabem fazer com a escrita e as tecnologias. Não se trata de uma simples diferença de ordem cultural, como assevera Lahire (2008LAHIRE, Bernard. Diferenças ou desigualdades: que condições sócio-históricas para a produção de capital cultural?. Fórum Sociológico, n. 18, p. 79-85, 2008. Disponível em:<Disponível em:http://forumsociologico.fcsh.unl.pt/PDF/FS18-Art.8.pdf >. Acesso em: 05/03/2019.
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). A desigualdade decorre da ausência ou da privação de saberes e atributos específicos, estabelecidos como indispensáveis por instituições e crenças coletivas, constituindo uma “falha intolerável” e afetando as possibilidades de se assumir certas posições sociais. O não domínio de capacidades e saberes necessários para interagir em situações perpassadas pela escrita, por exemplo, resulta em clivagens sociais. No Brasil, vivemos longe de um ideal de sociedade na qual a distribuição de oportunidades de acesso e a difusão de práticas de uso da escrita e de inovações tecnológicas ocorram com equidade e justiça social (BATISTA; RIBEIRO, 2004BATISTA, Antônio A. G.; RIBEIRO, Vera M. Cultura escrita no Brasil: modos e condições de inserção. Educação e Realidade, v. 29, n. 2, p. 89-124, 2004.; BATISTA; VÓVIO; KASMIRSKI, 2015BATISTA, Antônio A. G.; VÓVIO, Claudia L.; KASMIRSKI, Paula R. Práticas de leitura no Brasil, 2001-2011: um período de transformações. In: RIBEIRO, Vera M.; LIMA, Ana Lúcia; BATISTA, Antônio A. G. (Orgs.). Alfabetismo e letramento no Brasil: 10 anos do INAF. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 189-238.).

À instituição escolar atribui-se o papel de ofertar uma educação de base a todos, devendo cumprir pelo menos três funções: a educativa, ligada à formação de pessoas capazes de tomar decisões e agir racionalmente; a socializadora, relacionada à adaptação à vida em sociedade; e a distributiva, vinculada à distribuição de bens que têm peso na conformação hierárquica de posições sociais (DUBET, 2004DUBET, François. O que é uma escola justa?. Cadernos de pesquisa, v. 34, p. 539-555, 2004.; CRAHAY, 2002CRAHAY, Marcel. Poderá a escola ser justa e eficaz? Da igualdade das oportunidades à igualdade dos conhecimentos. São Paulo: Instituto Piaget, 2002.). Além disso, a escola é reconhecidamente uma das principais agências de letramento, constituindo-se objeto de apostas ideológicas e econômicas (KLEIMAN, 1995KLEIMAN, Angela. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela(Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 15-61.).

Na atualidade, para adolescentes e jovens de setores populares, observa-se a quebra de expectativas frente ao papel e às funções da escola. Estudos empreendidos com base em resultados de avaliações estandardizadas denunciam um cenário alarmante quanto ao acesso e à formação de usuários da escrita e a ineficácia da escola como catalisadora de processos de mudança social. Alves, Soares e Xavier (2016ALVES, Maria Teresa G.; SOARES, José F.; XAVIER, Flávia P. Desigualdades educacionais no Ensino Fundamental de 2005 a 2013: hiato entre grupos sociais. Revista Brasileira de Sociologia, v. 4, n. 7, p. 49-82, 2016.), ao examinarem dados da Prova Brasil3 3 A Prova Brasil consiste em uma avaliação educacional em larga escala realizada bianualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), composta por testes de matemática e língua portuguesa (ênfase em leitura), aplicados aos alunos dos 5º e 9º anos do ensino fundamental das escolas públicas. Inclui questionários contextuais para a caracterização dos participantes. , entre 2005 e 2013, constataram desigualdades de aprendizado de alunos matriculados nos 5º e 9º anos do ensino fundamental de escolas públicas, que variam de acordo com o nível socioeconômico (NSE), condição de sexo e raça/cor. Apesar de o desempenho ter melhorado ao longo dos anos, notou-se uma crescente desigualdade nas proficiências em leitura e matemática entre os grupos sociais. No 5º ano, identificou-se que os estudantes com NSE mais baixo se encontravam em situação de desvantagem, o que corresponde a mais de dois anos de aprendizado, quando comparados aos com NSE mais alto. São também relevantes as diferenças definidas pela raça/cor - estudantes negros apresentavam proficiências mais baixas - e, maiores ainda, são as distâncias em grupos definidos por múltiplas variáveis, tais como raça/cor e a posição social.

Alves e Ferrão (2021ALVES, Maria Tereza G.; FERRÃO, Maria Eugenia. Uma década da Prova Brasil: evolução do desempenho e da aprovação. Estudos em Avaliação Educacional, v. 30, n. 75, p. 688-720, 2021. <https://doi.org/10.18222/eae.v0ix.6298>
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), também baseando-se nos dados da Prova Brasil, verificaram se houve avanços na qualidade da educação, em termos de aprendizado e aprovação no ensino fundamental 1 e 2, e identificando se os alunos melhoraram sua proficiência, segundo características sociodemográficas, entre 2007 e 2017. Como principal tendência, destacaram que a “qualidade da educação no ensino fundamental melhorou, o aprendizado evoluiu e a reprovação decresceu” (ALVES; FERRÃO, 2021ALVES, Maria Tereza G.; FERRÃO, Maria Eugenia. Uma década da Prova Brasil: evolução do desempenho e da aprovação. Estudos em Avaliação Educacional, v. 30, n. 75, p. 688-720, 2021. <https://doi.org/10.18222/eae.v0ix.6298>
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, p. 708). Em 2017, constataram uma maior proporção de estudantes dos 5º e 9º ano atingindo desempenho adequado (57% em leitura e 45% em matemática, e 35% em leitura e 16% em matemática, respectivamente), mas esse avanço é insuficiente, tendo em vista as expectativas de aprendizado de referência (70% dos estudantes deveriam estar no nível adequado). Ainda sobre a evolução positiva em relação ao aprendizado da leitura, notaram grande variação entre unidades da federação. Por exemplo, no Maranhão somente 13% dos estudantes atingem níveis de proficiência adequada, já no Ceará, 42%. Focalizando características sociais, concluíram que variáveis como NSE e raça/cor continuam determinantes no desempenho. Também notaram, no período, avanços quanto ao percentual de estudantes sem qualquer reprovação: de 66% para 70%, no 9º ano, e de 70% para 78%, no 5º ano.

A variação negativa observada para subgrupos de acordo com NSE mais baixos, de negros e que habitam territórios com maior vulnerabilidade social segue o mesmo padrão das desigualdades sociais e se recrudesce na escolarização, gerando maiores obstáculos para que certos estudantes constituam trajetórias de sucesso. A escolarização parece pouco eficiente no sentido de propiciar oportunidades educacionais de qualidade para todos, ampliando as desigualdades entre os grupos sociais, produzindo fracassos e afetando prejudicialmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade social.

O panorama torna-se mais crítico quando consideramos os adolescentes e o ingresso no Ensino Médio. A pesquisa realizada por Ribeiro, Batista e Lima (2015RIBEIRO, Vera M.; BATISTA, Antônio A. G.; LIMA, Ana Lucia. Alfabetismo e aspirações educacionais dos jovens brasileiros nas metrópoles. In: RIBEIRO, Vera M.; BATISTA, Antônio G.; LIMA, Ana Lucia (Orgs.). Alfabetismo e letramento no Brasil. 10 anos do INAF. Belo Horizonte: Autêntica , 2015, p. 276-292.), visando apreender as habilidades de leitura, escrita e matemática de jovens de 15 a 24 anos pertencentes a diferentes regiões metropolitanas do país, mostra que apenas 40% deles atingiram o nível pleno de alfabetismo4 4 Na escala INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), há três níveis de alfabetismo, que se contrapõem à condição de analfabetismo absoluto. No nível rudimentar, os jovens conseguem localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares; no básico, já leem e compreendem textos de média extensão; no pleno, leem textos mais longos, relacionando suas partes, e comparam e interpretam informações. , enquanto 38% só o nível básico e 19% não superaram o rudimentar, mesmo entre aqueles que terminaram o Ensino Fundamental e/ou Médio. Quanto às práticas de letramento escolar declaradas por jovens, a cópia aparece com frequência, enquanto aquelas vinculadas à maior autonomia e aos usos mais complexos da escrita (como resumos e fichamentos) são menos frequentes. A leitura de livros configura-se como uma prática rara: 49% dos jovens, principalmente os correspondentes aos níveis mais baixos de alfabetismo, responderam que não havia sido indicada nenhuma leitura nos últimos seis meses. Fora do ambiente escolar, figuram como meios de acesso à informação o computador, a televisão e a internet, em detrimento dos jornais, revistas e livros: 39% afirmaram que nunca liam jornais, 36% nunca liam revistas e 39% nunca liam livros. Concordamos com a afirmação de Ribeiro, Batista e Lima (2015BRANDT, Deborah; CLINTON, Katie. Limits of the local: Expanding perspectives on literacy as a social practice. Journal of Literacy Research, v. 34, n. 3, p. 337-356, 2002., p. 290) que “essa faixa etária parece viver de forma particular o ciclo vicioso da exclusão econômica, educacional e cultural”.

De um lado, temos a ineficácia da escola em promover aprendizados fundamentais a todos, independentemente do NSE e de outros condicionantes sociais; de outro, há uma certa relativização das funções da escola, esta reconhecida, na atualidade, como “apenas um momento do processo educacional global dos indivíduos e coletividades” (TRILLA, 2008TRILLA, Jaume. A educação não-formal. In: ARANTES, Valéria(Org.). Educação formal e não-formal. São Paulo: Summus , 2008, p. 15-58., p. 17), coexistindo com outros mecanismos, que passam a interagir dinamicamente no desenvolvimento das pessoas.

Alternativamente, a educação não formal constitui-se como espaço-tempo amplo e versátil de ações e processos educativos realizados à margem do sistema de ensino formal (cronologicamente graduado e hierarquicamente estruturado), visando facilitar determinadas aprendizagens para variados grupos sociais (TRILLA, 2008TRILLA, Jaume. A educação não-formal. In: ARANTES, Valéria(Org.). Educação formal e não-formal. São Paulo: Summus , 2008, p. 15-58.). Ela se diferencia da educação informal por sua intencionalidade quanto à modificação de condutas, a partir de objetivos explícitos de formação e construção de saberes. Por situar-se fora do sistema de ensino regrado, tende a apresentar metodologias flexíveis e participativas e se dedica a temas sociais, como direitos humanos, práticas identitárias e desigualdades sociais5 5 Entretanto, há uma grande diversidade de programas, instituições e ações, atendendo a interesses e objetivos variados; portanto, não se trata de um conjunto homogêneo, cujos efeitos são apreendidos a partir de seus propósitos. . No que concerne às iniciativas voltadas às crianças e adolescentes que vivem em contextos de pobreza, muitas delas propõem-se à promoção de direitos e à potencialização de aprendizagens, complementando-as em dimensões que o sistema formal não abrange (GOHN, 2010GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010.), o que inclui conhecimentos e capacidades associados aos usos da escrita e tecnologias, que podem, ou não, favorecer mudanças sociais e o questionamento ou abrandamento de desigualdades mais amplas.

Tendo em vista apreender como as experiências de educação não formal acontecem e em que medida favorecem a democratização dos usos da escrita e a ampliação de oportunidades de participação a adolescentes em uma sociedade marcada por desigualdades sociais, este artigo busca identificar e analisar as práticas de letramento desenvolvidas numa organização social localizada na periferia de São Paulo. Ao adentrarmos nesse universo socioeducativo, compreendendo e sistematizando suas relações e dinâmicas de letramento, e, especialmente, como os participantes as significam, pretendemos contribuir com o fazer da escola, rumo a uma educação que colabore para redimir as desigualdades. A partir da introdução, o artigo encontra-se assim organizado: abordamos o quadro teórico-metodológico, em seguida, os procedimentos metodológicos adotados e descrevemos brevemente o campo, os participantes e o corpus de análise; na sequência, trazemos os principais resultados e traçamos algumas considerações à guisa de conclusão.

A CONCEPÇÃO SOCIAL DE LINGUAGEM E SUA RELEVÂNCIA NESTE ESTUDO

Adotar uma concepção social de linguagem implica compreendê-la como uma capacidade humana, constituída por e constituinte das interações: é por meio dela que os indivíduos agem, relacionam-se, produzem significados e constroem suas identidades. Portanto, a linguagem é um componente fundamental das configurações histórico-sociais, participando da constituição da realidade, de pessoas e ideias, tal qual defende Ianni (1999IANNI, Octavio. Língua e sociedade. In: VALENTE, André (Org.). Aulas de Português: perspectivas inovadoras. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 11-44.):

A linguagem simultaneamente taquigrafa e constitui as relações, os processos e estruturas da vida social em geral, tanto quanto as produções e criações que conformam a sociedade em âmbito local, nacional, regional e mundial. As épocas e ciclos da história, em todos os níveis, assim como as formas das culturas e civilizações, tudo se expressa, articula, movimenta, tensiona, transforma, floresce ou declina em signos, símbolos, emblemas, conceitos, metáforas, explicações e mitos. (IANNI, 1999IANNI, Octavio. Língua e sociedade. In: VALENTE, André (Org.). Aulas de Português: perspectivas inovadoras. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 11-44., p. 25).

A partir de uma situação comunicativa e da elaboração de enunciados, os sujeitos são mais do que interlocutores, interagem e produzem cultura, posicionam-se e constroem significados por meio de estratégias de negociação, dentro de circunstâncias culturais, históricas e institucionais particulares. Filiar-se a essa perspectiva pressupõe investigar o discurso dos participantes em interação, desvelando como eles agem sobre o mundo por meio da linguagem e, desse modo, produzem a realidade social e a si mesmos (MOITA LOPES, 2002MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2002.).

Os Estudos do Letramento, numa perspectiva sócio-histórica, fornecem chaves interpretativas para a análise dos usos sociais da escrita, circunscritos pelas instituições e rotinas onde se dão, relacionados aos artefatos e às atividades humanas e envoltos em relações de poder. Essa vertente marca uma ruptura nos estudos sobre a linguagem escrita: deixam de centralizar o indivíduo e sua mente para abranger a interação e a prática social. As práticas de letramento são aqui concebidas como caminhos culturais de utilização da linguagem escrita pelas pessoas em diferentes esferas sociais, sendo situadas, heterogêneas e vinculadas às estruturas de poder das sociedades em que se estabelecem. São moldadas por regras sociais que orientam o uso e a distribuição de textos, direcionando quem pode produzir e ter acesso a eles (VIANNA et al., 2016VIANNA, Carolina A. D. et al. Do letramento aos letramentos: desafios na aproximação entre letramento acadêmico e letramento do professor. In: KLEIMAN, Angela; ASSIS, Juliana. Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas: Mercado de letras, 2016, p. 27-59.; STREET, 2014; KLEIMAN, 1995KLEIMAN, Angela. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela(Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 15-61.).

Os conceitos de prática e evento de letramento são centrais nessa vertente e decorrem de sua operacionalização uma nova compreensão teórica sobre o tema. Barton e Hamilton (2000BARTON, David; HAMILTON, Mary. Local literacies: reading and writing in one community. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz (Orgs.). Situated literacies. Londres: Routlege, 2000, p. 07-15. Tradução: Glícia Azevedo Tinoco.) produzem contornos precisos para tais definições.

(...) práticas de letramento são o que as pessoas fazem com o letramento. Entretanto, práticas não são unidades observáveis de comportamento, uma vez que elas também envolvem valores, atitudes, sentimentos e relações sociais. Isso inclui a consciência de letramento das pessoas, as construções e os discursos de letramento, como as pessoas falam sobre e como fazem sentido de letramento. Esses são processos internos para o indivíduo, ao mesmo tempo em que as práticas são processos sociais que conectam as pessoas com outras e isso inclui cognições partilhadas, representadas em ideologias e identidades sociais (BARTON; HAMILTON, 2000BARTON, David; HAMILTON, Mary. Local literacies: reading and writing in one community. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz (Orgs.). Situated literacies. Londres: Routlege, 2000, p. 07-15. Tradução: Glícia Azevedo Tinoco., p. 8).

Esse conjunto de autores aponta para o caráter abstrato das práticas de letramento, abrangendo dimensões não observáveis e considerando que estas se encontram imersas e se expressam a partir de formas de pensar, valorizar, sentir e usar a escrita. Os eventos de letramento, por sua vez, são entendidos enquanto atividades observáveis que nascem de práticas e são modelados por elas; se configuram como situações comunicativas, dentro de um contexto específico, nas quais a escrita é integrante da natureza das interações e das estratégias e processos interpretativos partilhados.

O texto seria, então, o terceiro elemento fundamental dessa teoria: interage-se com e a partir de um ou mais textos escritos, que, por sua vez, não têm significados autônomos e nem funções independentes do contexto de uso, o que implica desvelar como ele é produzido, recebido e apropriado em cada situação. Em um mesmo evento, as pessoas podem ter múltiplos papéis, ao mesmo tempo que as atividades e os textos podem ter diferentes configurações para os participantes. Portanto, “o letramento é mais bem compreendido como um conjunto de práticas sociais, que podem ser inferidas de eventos (observáveis) mediados por textos escritos” (BARTON; HAMILTON, 2000BARTON, David; HAMILTON, Mary. Local literacies: reading and writing in one community. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz (Orgs.). Situated literacies. Londres: Routlege, 2000, p. 07-15. Tradução: Glícia Azevedo Tinoco., p. 9).

Tal como aborda Street (2008STREET, Brian. Nuevas alfabetizaciones, nuevos tempos: Cómo describimos y enseñamos los conocimientos, las habilidades y los valores acordes con las formas de alfabetización que las personas necesitan para los nuevos tiempos?. Revista Interamericana de educación de adultos, v. 30, n. 2, p. 41-69, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://repositoriodigital.academica.mx/jspui/bitstream/987654321/25359/1/2008-30-2-mirador2.pdf >. Acesso em: 03/03/2019.
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), para a produção de uma teoria mais ampla sobre os usos da escrita, não basta descrever os eventos e categorizar as práticas, é fundamental investigar o que essas ações mobilizam nos sujeitos, em termos de valores, sentimentos e experiências. Assim, para aceder aos significados atribuídos aos letramentos, alvo deste estudo, torna-se importante apreender o que os participantes dizem sobre eles, seja na interação, seja ao serem interpelados, o que permite abranger fatores sociais e culturais associados, as relações envolvidas e o que eles pensam, sentem e percebem sobre tal situação.

Nessa direção, as proposições do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.; VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica. In: VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização e tradução: Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019, p. 109-147.; 2017VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.) oferecem um aparato teórico que permite compreender como os adolescentes se posicionam discursivamente, tanto ao se expressarem nos eventos quanto ao falarem sobre eles, contribuindo para o entendimento mais amplo das experiências humanas, que não seja sustentado em modelos formais de fragmentos de coisas e categorias gramaticais abstratas. A linguagem é uma realidade constituída por posicionamentos axiológicos, ou seja, ao falarmos sobre um objeto, assumimos certa atitude frente ao mesmo, carregada de valoração, que emerge e responde a um contexto cultural saturado de significados e valores (FARACO, 2009FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola , 2009.).

A noção de dialogismo constitui-se em fundamento para apreensão desses discursos, pressupondo que, na interação, os interlocutores constroem a si-mesmos, ao produzirem e interpretarem textos. Cada sujeito projeta sobre o outro uma atitude em relação à sua posição social e, nessa perspectiva, os significados são construídos, a partir de um horizonte ideológico comum, partilhado e de avaliação mútua. Assim, o discurso se configura como lugar da manifestação ideológica, carregando diferentes formas de agir e significar o mundo, de acordo com o contexto em que se estabelece (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.; VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica. In: VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização e tradução: Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019, p. 109-147.; 2017) e o enunciado é tomado como unidade real da comunicação. Consequentemente, a concepção de alteridade também se destaca: o eu se realiza a partir do outro e é a presença do outro que molda o que dizemos e como nos percebemos.

Partindo-se do entendimento de que a realidade e as relações sociais condicionam e são condicionadas por produções discursivas, pressupõe-se que os significados atribuídos aos letramentos emanam das interações com e a partir de textos, em tempos e espaços distintos, os quais circunscrevem as possibilidades de dizer e de significar. Ao investigar os significados construídos na ação e aqueles que posicionam os sujeitos sobre práticas sociais, compreende-se tais experiências como variadas, situadas e permeadas por comportamentos e valores específicos. Assumir esse posicionamento frente à palavra dos adolescentes, investigando práticas discursivas específicas e como seus significados se modificam e se atualizam, de acordo com o contexto sócio-histórico e a situação concreta de interação, coloca-se como um grande desafio deste estudo.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Adotou-se a abordagem qualitativa-interpretativista de cunho etnográfico, que se coaduna com o objetivo de conhecer e compreender os aspectos da vida cotidiana e as práticas culturais de um grupo social específico, possibilitando descrições ricas e detalhadas das pessoas em ação (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele. Pesquisa Pedagógica: Do projeto à implementação. Porto Alegre: Artmed, 2008.). Permite gerar dados contextualizados, considerando as características singulares da instituição investigada, assim como analisá-los por meio da interpretação e da dedução de significados com e a partir dos participantes, o que contribui para tecer explicações e compreensões de diferentes fenômenos do mundo social.

Partiu-se da imersão numa organização social, localizada na zona sul de São Paulo, no Jardim Ângela, caracterizado por índice de vulnerabilidade social entre médio e muito alto6 6 Dados da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) indicam que o distrito de Jardim Ângela possuía a maior parte do território com IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social) 4 a 6, isto é, entre média e muito alta vulnerabilidade social, baixo Índice de Desenvolvimento Humano (94º posição, no município), elevadas taxas de analfabetismo e inúmeros problemas sociais, o que afeta as condições para reprodução da vida social por seus habitantes (SEADE, 2010). . Essa entidade filantrópica sem fins lucrativos surgiu em 1994, a partir de iniciativas de lideranças comunitárias, com foco no cuidado e assistência às famílias de classes sociais desfavorecidas. O vínculo com a Igreja Católica, que marca a origem de movimentos, iniciativas de educação não formal e organizações populares do distrito, evidencia-se no nome do espaço e também em muitas das parcerias desenvolvidas desde sua fundação.

À época da pesquisa7 7 Esta pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética da Unifesp, parecer de número 2.581.154. , os processos educativos, que ocorriam no período de contraturno escolar, eram financiados por meio de doações de pessoas físicas e de apoio de empresas e organizações parceiras, lógica própria do associativismo urbano impulsionado pelo Terceiro Setor. Sua missão institucional voltava-se ao desenvolvimento integral e à ampliação de perspectivas e espaços na sociedade para crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidades, o que impõe maiores obstáculos para a mobilidade e participação social.

Cabe ressaltar que o termo vulnerabilidade tem sido alvo de debates, centrados no questionamento de seu uso como atributo imposto a determinados sujeitos, sem a consideração de condicionantes sociais que circunscrevem sobre suas trajetórias pessoais (JORGE, 2013JORGE, Denise B. P. Adolescentes vulneráveis ou vulnerabilizados? Sentidos e usos do termo vulnerabilidade na perspectiva dos agentes sociais do município de Jacareí. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013.). Nesse sentido, consideramos que pessoas que vivem em regiões com vulnerabilidades sociais estão mais expostas a uma série de suscetibilidades e privações, vinculadas a fatores como a precariedade de ofertas educacionais e de saúde, a dificuldade de mobilidade urbana e as escassas oportunidades de emprego (KAZTMAN, 2001KAZTMAN, Rubén. Seducidos y abandonados: el aislamiento social de los pobres urbanos. Revista de la Cepal, n. 75, p. 171-189, 2001.). Desse modo, a organização social, campo dessa pesquisa, concebendo a educação como meio para promover mudanças sociais, surge como possibilidade de formação e de enfrentamento desses obstáculos.

Participaram voluntariamente do estudo um educador social e 26 adolescentes8 8 Os devidos termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram obtidos junto aos pais, adolescentes e educador social participantes dessa pesquisa. , sendo 11 representantes do sexo masculino e 15 do feminino, com idades entre 11 e 15 anos, que frequentavam uma das turmas da organização. A maioria pertencia a famílias com nível socioeconômico baixo e habitava territórios de alta vulnerabilidade social, no bairro Jardim Aracati. Com perfis socioculturais variados e diversas necessidades, muitos enfrentavam questões socioafetivas relacionadas à família e à realidade socioeconômica local9 9 Em entrevista com o educador, foram relatadas ocorrências de transtornos de humor, tais como depressão e pensamento suicida, de assédio moral e sexual doméstico, entre outras. . Todos frequentavam a escola, no Ensino Fundamental ou Médio. Alguns dos adolescentes mais velhos buscavam seus primeiros empregos ou faziam “bicos”, contribuindo para a geração de renda familiar.

Visando apreender a singularidade da participação e dos significados atribuídos pelos adolescentes aos eventos de letramento, foram empregados diferentes instrumentos metodológicos. Dentre eles, a observação participante e a gravação em vídeo, os quais documentaram a dinâmica das atividades, modos de interação e discursos e favoreceram a focalização da cena pesquisada, abrangendo os elementos constituintes desses eventos, visíveis e não visíveis.

A observação e a análise dos eventos e dos textos que mediavam as interações, examinando como estes adentram a experiência dos adolescentes, foram os pontos de partida para se acessar e compreender as práticas de letramento da turma. Para organizar um quadro descritivo-analítico desses eventos, empregamos as categorias propostas por Hamilton (2000HAMILTON, Mary. Expanding the new literacy studies: using photographs to explore literacy as social practice. In: BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz (Orgs.). Situated literacies. Londres: Routledge, 2000, p. 16-33. Tradução: Sandro dos Santos.), baseadas em seu estudo sobre imagens prototípicas de letramento, registradas na mídia impressa inglesa. Por meio de uma análise dessas imagens, a autora inferiu elementos constitutivos dos eventos: os visíveis, associados ao que as pessoas estão realizando com a escrita, e os não-visíveis, presentes nos modos de ação nessas imagens. O quadro 1 apresenta essas categorias, assim como as adaptações em acordo com a abordagem enunciativo-discursiva bakhtiniana10 10 A substituição de domínio de práticas por esferas sociais de atividade se justifica pela abrangência da ideia de esfera discursiva como organizadora da ampla diversidade de textos, gêneros e práticas de letramento em relação aos vários contextos em que se constituem e circulam. Ela refere-se tanto à situação concreta quanto ao tempo histórico em que um enunciado é produzido, entendendo que cada campo de criatividade ideológica tem sua própria forma de se orientar e refratar a realidade, e pressupondo uma interlocução entre as esferas (ROJO, 2010). .

Quadro 1
Unidades de análise de eventos de letramento

Além do período de imersão, para que apreendêssemos os posicionamentos dos participantes sobre os letramentos, realizamos rodas de conversa com a participação de quatro adolescentes, Evelin, Diego, Thomas e Tainá11 11 Os nomes utilizados para identificar os adolescentes e o educador social são fictícios, tendo em vista garantir o sigilo das identidades. , todos autodeclarados como pardos ou negros. A escolha desses adolescentes deu-se em comum acordo com o educador social, considerando a assiduidade nas atividades e a representatividade em termos de gênero, idade, interesses e experiências socioculturais. Também tomamos os enunciados do educador produzidos em situação de entrevista semiestruturada - Norberto autodeclarou-se pardo, morador do bairro, formado em artes e psicopedagogia e atuando na organização há mais de dez anos. O corpus de análise é composto por notas de campo, transcrições dos vídeos e dados orais produzidos em rodas de conversa e entrevista deste estudo.

A abordagem enunciativo-discursiva bakhtiniana ofereceu-nos as ferramentas analíticas para acessar os significados, assim como apreender de que forma se estabelecem as relações entre os participantes e as negociações para a construção desses significados. Dois conceitos mobilizados foram os de dialogismo e vozes sociais. Cada texto selecionado foi tomado como um objeto linguístico-discursivo, social e histórico, composto por múltiplas vozes (muitos outros textos, manifestações discursivas e já ditos) que se entrecruzam, se complementam, respondem umas às outras ou se questionam entre si no interior da trama desses fios, sustentando o posicionamento dos adolescentes. Buscamos apreender, tanto na situação concreta de interação quanto em seus depoimentos, as posições valorativas assumidas, associadas ao conjunto de vozes históricas convocadas no âmbito do enunciado.

Empregando ainda a noção de alteridade como ferramenta analítica, pudemos considerar que os adolescentes e o educador social, ao falarem sobre si e dos letramentos, transformam-se em outros, criando sentidos às suas memórias, recriando suas experiências e construindo-se identitariamente. Ao desvelarmos as vozes que os participantes articulam a partir de um caldo social mais amplo, no qual discursos disputam diferentes posições, aproximamo-nos dos significados atribuídos a essas vivências e a si mesmos.

PRÁTICAS DE LETRAMENTO: “CADA UM TEM UMA FORÇA DIFERENTE, QUE CRIA UMA FORÇA SÓ E VIRA UMA FUSÃO MUITO LOUCA”

Partimos de eventos de letramento estruturados na rotina semanal dessa turma para chegarmos às práticas de letramento da/na associação. Para identificá-los, empregamos os mesmos termos usados pelos participantes para se referir a eles: Rodas, Jornalismo, Teatro, Música (ou Ídolos), Letramento e Gestão trabalhista (ou Aprendiz). As Rodas configuravam-se enquanto situações intencionalmente planejadas para o diálogo entre o educador e os adolescentes, demarcando momentos específicos da rotina do grupo e atuando como dispositivo organizativo e de apoio à exposição oral, à explicação de procedimentos e processos e à discussão de ideias. Apesar de majoritariamente orais, diferentes artefatos escritos, como a lousa, as folhas do flipchart e os cadernos, compareciam, servindo como referência e registro, mediando as situações e condicionando alguns dos papéis desempenhados. Nesses eventos, o educador assumia o papel de introduzir temas e propostas, distribuir responsabilidades, dar feedbacks, por exemplo, e os adolescentes aderiam de modo colaborativo, em muitos casos, intercambiando papeis com o educador ou apoiando-o. Considerando-se isso, as relações assimétricas pareciam mais horizontalizadas, com a garantia de escuta e de voz aos participantes.

As práticas denominadas de Jornalismo assumiam maior destaque dentro da rotina, envolvendo o planejamento, a produção e a reflexão de produtos midiáticos, como vídeos informativos, reportagens, entrevistas jornalísticas, jornal mural, telejornais e programas de rádio. Constituíam-se como situações planejadas, nas quais os adolescentes eram convidados a conhecer, elaborar, compreender, assistir, escutar e falar sobre textos multimodais característicos desta esfera. O conteúdo-temático relacionava-se aos interesses, histórias de vida e realidade da turma. Nesses eventos, o educador abordava procedimentos e facilitava processos, e os adolescentes, conhecendo técnicas, aderiam às propostas e trabalhavam em grupos. Essas atividades ocorriam nos mais diversos ambientes, o que era favorecido tanto pelo dinamismo das propostas quanto pela postura do educador, propiciando a circulação por diferentes espaços e o emprego de diversos artefatos, tais como câmeras de vídeo, máquinas fotográficas, celulares, computadores, materiais de escritório.

Os eventos de Teatro e Música pressupunham a exploração de narrativas, costumes e assuntos em voga na sociedade, e também de diferentes instrumentos e ritmos, favorecendo a diversidade cultural. No Teatro, identificamos a construção de peças teatrais (ensaios, preparações e apresentações), esquetes e improviso de cenas. Temas religiosos e datas comemorativas motivaram algumas dessas produções culturais, além de obras literárias. Já a Música englobava ensaios e apresentações, nas quais os participantes cantavam, tocavam instrumentos, dançavam e representavam; todos participavam de alguma forma e eram estimulados a se expressar e desempenhar papéis nos quais se sentissem confortáveis, ultrapassando os ambientes e horários da Associação. Foram considerados letramentos, uma vez que o texto integra essas propostas, com variados suportes mobilizados, como a tela do celular para retomar a letra de uma canção, e a utilização de enredos literários e histórias de vida como disparadores para a elaboração de roteiros e esquetes.

Há ainda encontros específicos designados pelo grupo como Letramentos, que envolviam a leitura, interpretação e produção de textos diversos, dentro de um dia particular da semana, mesmo que pudessem ocorrer também em outras circunstâncias. Em muitos desses eventos, os adolescentes seguiam procedimentos típicos da dinâmica escolar, participando de situações como de leitura individual e de elaboração de resumos; e o educador atuava no sentido de instruí-los, ao corrigir essas produções e ofertar-lhes feedbacks avaliando questões de forma, por exemplo, e de propor atividades que nem sempre se pautavam por funções sociocomunicativas, como em outras práticas. Entretanto, observamos que os adolescentes agiam na perspectiva de driblar essas propostas, criando oportunidades de compartilhar ideias e afetos uns com os outros.

Por fim, as propostas de Gestão Trabalhista se configuravam como situações instrumentais e seguindo objetivos bem específicos em comparação às demais, sendo também identificadas pelo mesmo nome de um programa de TV: Aprendiz12 12 Trata-se de um reality show, veiculado em canal de TV comercial, no qual grupos de convidados disputam premiações no mundo dos negócios e empreendedorismo. . Envolviam vivências vinculadas ao mundo do trabalho, nas quais os adolescentes simulavam e discutiam sobre condutas e comportamentos éticos em circunstâncias de entrevistas de emprego e de atuação profissional, principalmente em empresas. Eles tinham a oportunidade de elaborar produtos em diversas linguagens, articulando elementos de outras propostas, como a construção de vídeos e entrevistas desenvolvidas no Jornalismo, e simulações de papéis de funcionário e chefe, recontextualizando criações teatrais para integrar tais situações. E, ao mesmo tempo em que os participantes reconhecem nessas experiências formas de prepará-los para a inserção em uma empresa, percebemos que incorporam contradições inerentes à esfera do mundo do trabalho, muitas vezes, com uma tendência ao ensino de comportamentos adaptativos.

Assim, partindo desse breve panorama, podemos atribuir à dinâmica socioeducativa na Associação a oferta de múltiplas e diversas oportunidades para os adolescentes. Essas propostas têm a escrita como elemento constitutivo e necessário à interação, envolvendo a mobilização de uma gama de artefatos, a organização de ambientes diversos e a produção e circulação de exemplares de gêneros de variadas esferas discursivas, como a jornalística, a artístico-cultural, do mundo do trabalho e a escolar. Esses eventos impulsionavam diferentes formas de utilizar e se relacionar com a escrita e a experimentação de variados papéis, como se evidencia no relato abaixo, referente a um evento de produção de entrevistas jornalísticas.

[...] Após as orientações, dois grupos saem para espaços da comunidade e um ocupa a sala de música. Eu acompanho esse último, que se mostra disperso no início, e alguns dos participantes, mais tímidos, estão alheios à proposta. Percebendo essa falta de foco, dois adolescentes, mais velhos, acabam liderando a organização e divisão das tarefas, a partir de um levantamento das funções necessárias. Uma delas sugere: como vamos tratar de música, podemos deixar aqueles que cantam e tocam como mú::sicos, que vão ser também entrevistados. E nada melhor que pôr também eles tocando, o que acham?. Nesse processo, percebem que não selecionaram quem seria o entrevistador, no que um sugere: acho que pode ser a Marina, porque ela fala bem e não foi a entrevistadora da última vez. Todos concordam, acenando com a cabeça. A parte do grupo responsável por criar as perguntas norteadoras da entrevista decidiu que essas seriam diferentes para cada trio de músicos, para não ficar repetitivo. As questões sugeridas, negociadas e redigidas em um caderno são relacionadas às vivências do grupo, como no exemplo: o que vocês acham de perguntarmos sobre onde eles já tocaram juntos?; bo::a, lembro que no ano passado teve as apresentações no CEU, eles podem contar como se sent::iram e tal. Os dois trios que se apresentariam ficam grande parte da atividade ensaiando e, também, dão algumas sugestões nas ações de outras funções (como dicas de como posicionar o celular para a gravação). Certo momento, uma das adolescentes, percebendo que muito tempo já havia se passado, alerta o grupo, colocando que precisariam correr. Assim, a entrevistadora anuncia as apresentações e faz as perguntas (olhando no caderno, às vezes, para relembrá-las), enquanto dois adolescentes se revezam na filmagem das cenas. Durante as gravações, no celular, eles têm de voltar muitas vezes, já que alguns riem uns dos outros. Quando o educador entra na sala para chamar o grupo, alertando que já tinha acabado o tempo, muitos deles solicitam mais alguns minutos para finalizar [...]. (Excerto das anotações de campo, etapa de observação participante, pesquisadora, grifos nossos).

Nesse excerto, dois adolescentes assumem a função de líderes, organizando as tarefas e distribuindo responsabilidades. As negociações, a partir de sugestões e argumentos, ocorrem durante todo o processo, envolvendo desde o levantamento e seleção dos papéis, até o conteúdo das produções. Há formas de participação que não são definidas de antemão, que surgem no percurso, como o controle do tempo disponível para executar uma ação e o estabelecimento de novos combinados com o educador. Nessas propostas, entram em contato com a escrita a partir da experimentação de diversos papéis, que simulam funções comuns à esfera jornalística: roteirista/responsável pela entrevista, entrevistador/apresentador, entrevistado, câmera, organizador das funções e fluxos dentro do grupo, dentre outros. Percebemos, muitas vezes, que essas escolhas são feitas a partir de interesses, conhecimentos prévios e recursos que já possuem ou a partir de desafios frente a novas descobertas.

Nos eventos nos quais há menor intervenção do educador e maior abertura à experimentação e à criação, verificamos um modo de ação colaborativo, flexível e participativo. Os adolescentes podem negociar propostas, se apresentar a partir de diversas linguagens, se colocar ativamente nas discussões, assumir diferentes posições - o que se dá a partir da mediação do educador social, favorecendo esses modelos mais participativos, capazes de vincular a apropriação de usos da língua escrita aos contextos reais e às necessidades comunicativas de seus participantes.

O caráter propositivo, reflexivo e colaborativo de muitos desses eventos evidencia-se também no exemplo a seguir, retirado da primeira roda de conversa deste estudo, que nos proporcionou apreender significados que os adolescentes atribuem às práticas de Jornalismo. Tainá, ao explorar diferentes fotos de letramentos da organização, seleciona a que retratava a produção de jornais murais.

Tainá: tipo assim, o Norberto faz (.) pra todo mundo fazer uma coisa (.) ai:: ele ensinou a gente a cada um pegar, tipo:: (.) o melhor que tem, sabe? pra colocar (.) sempre que a gente faz uma coisa, o Marcelo (.) é:: a criatividade (.) total (.) nesse dia, foi tipo:: “faz isso, faz aquilo, faz aquilo” (.) e eu não consigo ter tanta criatividade assim (.) ai eu fico, tipo “Marcelo, o que que eu faço, calma, respira, meu deus do céu, não consigo fazer tudo de uma vez” (+++) eu, o Norberto elogia muito a minha escrita e ele fala que não tem erro de português, então eu escrevi, tipo:: (.) quase tudo (...) o Thomas conto::u/ teve o dia que ele contou a história dele (.) eu fiz a entrevista com o Norberto (...) e a Julia fez:: tipo tudo de enfeite, a:: cartolina, a gente, tipo, cada um foi (pondo) sua criatividade, sabe? (.) é que a gente aprende muito a trabalhar em grupo, né? (.) quando a gente tá em grupo, cada tem uma força diferente que:: cria uma força só e uma:: vira uma fusão muito louca ((solta uma risada)) [...] e:: isso que foi muito legal, isso que faz a gente (.) ser mais espontâneo e:: parar de ter tanta vergonha

Diego: no meu grupo, por exemplo, eu sou aqueles cara que:: viaja na maionese com tudo que tem

Evelin: eu também ((risos))

Diego: tipo assim, tem uma:: cartolina rosa (.) eu falo “corta isso aqui, vira isso aqui, dobra assim e cola lá” (.) umas viagem bem assim (.) ai só que tem hora que todo mundo quer fazer alguma coisa, eu falo “gente, faz uma coisa de cada vez”, ai eu vou separando “ você faz isso, você faz aquilo, cê faz aquilo” (.) eu também tipo, eu organizo todo mundo (.) pra sair, e o que sai

Tainá: acho que é nessas atividades que a gente vê:: a nossa capacidade, sabe?

Evelin: é, cada um na verdade, assim (.) é/ cad/ o Alex é mais na dele, ele gosta mais de le::r, (as vezes) ele gosta:: gosta de tirar foto (.) o Diego é futebol e e:: música (.) e/ ela eu não sei muito ((apontando para a Tainá)), eu acho que é mais a:: a:: é:: música (.) eu no meu caso eu não sei o que:: o que eu faço de melhor (.) eu adoro ler

[ ]

Tainá: acho que você fala, acho que você fala muito bem (Excerto da primeira roda de conversa, grifos nossos).

Apoiada pela imagem, Tainá reconstrói a atividade e o seu percurso a partir dos papéis desempenhados por ela e pelos demais participantes de seu grupo. Assim, posiciona o evento como um espaço de descoberta de potencialidades, relacionando-o à possibilidade de expressão de diferentes formas, superando obstáculos, e de trabalhar coletiva e colaborativamente. Ao se referir a uma falta que identifica em si, significa o potencial dessas práticas e seus aprendizados: a tomada de consciência, o exercício das possibilidades individuais e a articulação de capacidades para a realização de propostas mais efetivas, por meio do reconhecimento da força13 13 O uso do itálico, aqui e em outras partes do texto, justifica-se por se referir a enunciados produzidos pelos participantes deste estudo. do grupo.

A narrativa de Tainá desencadeou uma série de enunciados pelos participantes, em uma dinâmica na qual uma “história puxa outra”, contribuindo para que construíssem, de forma compartilhada, significados sobre as propostas de Jornalismo. Diego o faz, a partir da análise de sua atuação nessas produções, enfatizando suas potencialidades criativas (de viajar na maionese) e de organização do fazer. Evelin, além de acenar positivamente com a cabeça e de concordar com o que está sendo dito, pondera as habilidades que reconhece nos colegas e em si mesma, reforçando, assim, uma valoração dessas práticas como lugar de múltiplas possiblidades e de desvelar potencialidades individuais e coletivas. Tainá, ao notar a hesitação de Evelin na apreciação de si mesma, adiciona percepções a respeito dela, destacando sua capacidade de exposição oral.

Além disso, trazem identificações com atividades vinculadas à leitura e à escrita. Esses aspectos apontam para posicionamentos em relação a si próprias perpassados pelas identidades de leitora e escritora, e, no caso de Tainá, para a mobilização de uma perspectiva escolar tradicional sobre a escrita (não tem erro de português). Notamos, também, a valorização pelos adolescentes do papel do educador, contribuindo com as descobertas pessoais e com o desempenho do grupo.

O excerto a seguir, extraído de uma das gravações, coloca em relevo os modos de interação dos participantes e permite apreender melhor os significados atribuídos a tais eventos. Nesta cena, na Roda de Abertura de um encontro de Gestão Trabalhista, o educador dá um recado sobre uma proposta futura de Música, para que os adolescentes se preparem e se comprometam com as suas tarefas. Neste momento, um deles levanta a mão, pedindo a palavra.

Educador: pessoal, é o seguinte (.) hoje no final da tarde, o Tiago, o Diego e o Ricardo precisam em um papel do nome da música que você vai cantar no próximo Ídolos (.) semana que vem, certo::? então, vamos equilibrar as coisas, pelo menos uma música passa hoje (+++) passando uma música hoje e outra na terça, dá tem::po (...) aí a gente se junta, pra ensaiar a música que você vai cantar (.) olha a correria que a gente tá fazendo por causa de vocês, que é importante, vocês cantam bem, e:: quem tá entrando novo também

Adolescente 1: então, e quem pensa assi::m e fala “ah, mas é só o Í::dolos, não vale pra na::da” ((faz um movimento com as mãos, representando “tanto faz”)) não é que não vale pra nada, a gente tá ensaiando ago::ra, porque tá no começo do ano e tal (.) sempre no final do ano a gente vai sair pa:: saída pra cantar alguma coisa, tipo:: ano passado a gente apresentou no CE::U ((outro adolescente interage, falando algo inaudível)) foi muito bom:: ((com a mão apontada para o colega))

Educador: dentro do teatro

Adolescente 1: dentro do teatro também:: a gente apresentou mú::sica (.) então, nosso forte aqui é música, então:: quando a gente tá ensaiando agora e fazendo essa correria ago::ra, quando no final do ano a gente tive::r tudo pronto e:: (+++) não precisar ficar corre::ndo, ensaio, ensaio e coisa, né? ((olha para o educador)) (Excerto da transcrição de um evento gravado, etapa de observação participante, pesquisadora, grifos nossos).

Nos enunciados acima, o adolescente complementa uma ideia proposta pelo educador, trazendo o seu posicionamento: ele demonstra o valor que atribui às atividades musicais na Associação e resgata suas experiências nos anos anteriores, tendo em vista estimular o compromisso e explicitar a importância do esforço coletivo nos ensaios e gravações. Ao usar as memórias de suas vivências, ele significa a Roda como um espaço no qual pode se posicionar e opinar e, até mesmo, estimular o comprometimento dos colegas. Enquanto fala, os outros adolescentes escutam atentamente, o que indica o valor dessas Rodas no apoio mútuo e fortalecimento do grupo.

Nesse mesmo trecho, ao permanecer em silêncio, enunciando apenas uma informação complementar que reforça o que é dito pelo adolescente, o educador demonstra estar atento ao que ele diz e valoriza essas proposições. Identificamos, então, um educador social que permite que o adolescente intervenha, contribuindo na interlocução, e que compartilha funções, como a de fala, escuta e de estimular o grupo. Além de gerenciar as propostas e as relações, também anima a interação, mantendo-a em contínuo movimento.

Quando indagado sobre os significados que atribui aos letramentos que proporciona aos adolescentes, o educador destaca alguns elementos constitutivos dessas práticas. Ele se reporta à fala de um professor, em conversa informal, na qual aprecia o desempenho escolar dos adolescentes que frequentam a Associação.

O professor disse “Norberto, ca::ra, se tem um seminário, eles arrumam a sala em ro::da (+++) mas e eu falo, pera, mas porque gente, e essa bagunça? cês não iam arrumar a sala para o seminário? e eles falam que se o seminário for aqui no meio, porque:: usando a oratória, a Evelin disse isso ((uma das adolescentes-participantes desta pesquisa)), a gente consegue ver todo mundo, não ficar para::do, não dá sono, e eles arrumaram a sala em roda, e eu pensei meu deus tô virando alu::no” (+++) achei isso fantástico porque eles põem em prática não só aqui:: mas também na escola (Excerto da entrevista individual, educador Norberto, grifos nossos).

Ao reportar-se ao discurso de outrem, que aprecia positivamente o modo como os adolescentes se organizam para um seminário, o educador mobiliza vozes de um professor de uma escola próxima à organização, a quem atribui uma condição de autoridade. A fala do professor avaliza os efeitos positivos da participação nos eventos da Associação e, indiretamente, de seu trabalho como educador. Põe em evidência alguns aprendizados: a organização do espaço apropriado para a fala pública e o emprego da oratória, termo que, nesse caso, remete ao modo eloquente de falar.

Legitimado pelo discurso do professor, o educador significa a Roda como um dispositivo da educação não formal, que se diferencia das formas tradicionais de interação escolar, causando, inclusive, estranhamento por parte dos professores, mas que favorece outras maneiras de se comunicar, o diálogo, o “olho no olho”, o dinamismo e as trocas. Reforça também a valoração dessas propostas como transformadoras nas formas de se relacionar, ao abordar como os adolescentes as reproduzem na escola, trazendo novas possibilidades de interação que ultrapassam a esfera socioeducativa.

Em contrapartida, reconhecemos, em diversos eventos de Roda, traços que sugerem a diretividade na condução das interações por parte do educador, quando este introduz e direciona a abordagem de certas temáticas, instrui sobre as formas de executar tarefas e redefine conceitos ou posições, a partir de seus valores e visões de mundo. Situações como essas, marcadas pelo controle e pela reprodução de relações assimétricas, próximas da forma e dinâmica escolar, também são identificadas em outros momentos, como evidencia-se a seguir, quando os adolescentes são interpelados sobre as propostas denominadas Letramento.

Diego: e:: no dia do letramento, tipo, acho que é o dia que:: todo mundo fica:: (.) focado em uma coisa (+++) e também a gente não fica:: em um tipo de conhecimento (.) a gente fica, tipo, buscando em livros in/ infantis, em livros pra nossa idade

Evelin: tenta ficar calado

Diego: só que fazendo várias outras coisas (.) por exemplo, você tá lendo o seu livro aqui, aí você tá conversando continuando ler o livro (.) você lê o livro do amigo, lê também ((faz um movimento de olhar pro lado))

Tainá: eu, eu lembro que:: quando/ teve um dia que a gente tava lendo um livro, aí eu tava do lado do Marcelo, né? aí o Marcelo, com o segundo livro, mó chato ((risos)) (.) aí ele “vou pegar um aqui, ó”, ai ele pegou era:: a bola dourada e ficou dois/ duas criança ((põe a mão na cabeça)), não tinha nada direito escrito no livro (.) “mano, mano” e dando risada e o Norberto “faz silêncio aí” e a gente ( ) ((risos))

Diego: aí você (.) tinha jeito de (soltar) uma piada do livro que tava lendo também

Evelin: é (+++) é (.) é do letramento (.) mesmo lê/ mesmo a gente tentando foco/ é, sem foco, a gente consegue falar

Diego: por isso que tipo:: (.) memo o livro sendo pequeno (+++) tipo, você se distrai tanto que você acaba nem terminando o livro pequeno que você começou a ler (Excerto da primeira roda de conversa, grifos nossos).

Nesse trecho, retomam as propostas de leitura individual que ocorrem frequentemente na rotina da Associação. Diego inicia indicando duas características marcantes desses eventos: a necessidade de foco e a oportunidade de exploração de diferentes gêneros literários, como a literatura infantil e infanto-juvenil, de forma que possam buscar diferentes tipos de conhecimentos. Para além do acesso aos livros, vincula o evento à aquisição e ampliação de saberes. Ao mesmo tempo, os discursos dos participantes sugerem uma tensão entre dois extremos: de um lado, tentam seguir as instruções, não se dispersar e manter-se em silêncio e atentos; de outro, a necessidade de interação, de trocas com os colegas. Como um componente que as constituem, a interação, que se opõe ao contrato imposto pelo educador, é valorada positivamente. Eles relatam como os conteúdos dos livros suscitam o compartilhamento de histórias e experiências, permeado pelo riso e pela diversão, indicando movimentos de subversão das “normas”. Algumas vezes, se distraem tanto que não terminam a leitura; outras, conseguem integrar a conversa com a leitura do livro, como explicita Diego.

A ênfase na interação entre adolescentes e na dificuldade de foco, entendido como atenção e silêncio, durante as leituras, indicia um modo “certo” de ler e se portar diante da leitura do livro, imposto pelo educador. O emprego do discurso reportado à fala do educador reforça essa ideia: ele também pede silêncio, o que se vincula ao formato da leitura silenciosa, ato solitário e individual. Traços esses que as aproximam de situações de leitura literária na escola, onde, de modo geral, as práticas tradicionais de uso da escrita visam o desenvolvimento de habilidades e competências individuais, em detrimento de letramentos colaborativos e que considerem as características dos participantes destas interações (KLEIMAN, 2005KLEIMAN, Angela. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever?. Campinas: Cefiel/Unicamp; MEC, 2005.).

Verificamos, também, que se privilegia o livro, qualificado pelos adolescentes em termos de tamanho (como faz Evelin, ao dizer que o livro era pequeno) e de gostos pessoais (como Tainá, que atribui um valor negativo ao livro que o colega lia). Nesses discursos, percebemos como a leitura desperta afetos, remete a outros momentos de suas vidas, como à infância, e impacta-os, mesmo quando não tem nada direito escrito no livro, situação em que as ilustrações assumem um papel importante na construção de significados.

Além disso, em uma série de propostas, principalmente as teatrais, assinalamos a abordagem de temas vinculados à religião católica, envolvendo festas religiosas e datas comemorativas, como Páscoa e Natal, o que remonta ao calendário de feriados oficiais e reitera a identidade da Associação. Do mesmo modo, identificamos a vivência de práticas mais convencionais e de papéis que reproduzem o que está posto socialmente, associados à meritocracia e à reprodução de modelos culturais de massa. O trecho a seguir, relacionado à percepção dos adolescentes acerca das propostas musicais, permite-nos evidenciar alguns desses elementos.

Evelin: (+++) ai, ai::, ai tem jurados, ai eles dão uma nota pra gente, ai no final, acho que nas/ umas duas, três esse semana antes de acabar:: a gente começa a ir pra/ pras eliminatórias, né?

Tainá: é assim, ó, tipo:: as notas são de zero a cinco (.) cinco é o máximo (.) os jurados vão anotando ou no excel, ou num caderninho, quando eu era jurada eu anotei tudo no caderninho porque eles sempre perdem algum dia de nota, lá no excel (+++) ai:: (.) chega::, vai chegando, a gente conta tudo (.) e deixa, por exemplo, três pessoas na final, que são as pessoas que têm mais pontos (.) ai as pessoas (.) cantam um dia, (.) e ai:: os jurados vão dar nota, a gente conta, quem ficar com mais ponto ganha um prêmio

Evelin: é, além de música teve::, tem música, dança, piada, performance

Diego: normalmente, ele pergunta quem quer ser jurado (.) tipo, e::u como esse ano tô tocando violão pra um monte de gente, eu não tô sendo jurado (.) tipo::, eu tô participando da apresentação (Excerto da primeira roda de conversa, grifos nossos).

Nesse excerto, os participantes narram como se desenrola o percurso de apresentações durante as atividades Ídolos e a relevância do papel do jurado, responsável por avaliar as produções culturais dos colegas e valorá-las por meio de notas. Verificamos, então, uma característica de competição, evidenciada pela presença das etapas de eliminatória e final e por processos de acumulação de pontos e premiação. A denominação Ídolos, assim como Aprendiz, tem origem em um programa de televisão comercial aberta, retomando valores midiáticos, fato que contradiz o objetivo declarado da Organização, abrangendo a formação crítica dos indivíduos. Assim, apesar da oportunidade de se expressarem de diferentes modos e de perceberem novos potenciais e interesses por meio dessas práticas, há também a presença de traços que valoram a competição (as pessoas que têm mais pontos chegam à final) e estimulam certos padrões de consumo de modos de agir e se relacionar.

Os eventos de Gestão Trabalhista também apresentam aspectos que vão ao encontro dessas características de conformação social, como vemos no excerto a seguir.

Diego: o aprendiz é a ativi/ atividade que todo mundo tem medo, né? é (.) o dia que todo mundo fica com a piada “eu vou faltar, eu vou tá doente nesse dia, não vou vir não” (.) é a atividade que a gente mais pas/ mais sofre pre/ pressão, com muita:: rigidez (.) teatro, tava todo mundo solto, assim, falando com todo mundo, ai chega quarta e cê tem que ficar quieto, ouvindo o Norberto falar, assim sentado, manter a postura ((todos imitam alguém sentado, quieto e contido)) (.) e tipo:: Senhor Norberto (.) senão perde ponto no Aprendiz

Tainá: é (.) (já perdi ponto) no Aprendiz (.) é muito chato (.) a gente não pode ser a gente e é ( ) muito estresse (.) muito entediante, a gente não quer tanto traba::lho

Evelin: a gente não tá mais em casa, é/ ai/ an:: (.) os pais não vão mais servir a gente, a gente que vai servir os chefes, eles não vão serv/ servir a gente (.) ele coloca pressão

Tainá: mas o Norberto não é besta, porque (.) ele sabia que se ele colocasse só o Aprendiz, ia faltar um monte de gente, só que tem prêmio, né?

Diego: mas tipo, todo mundo faz, e:: principalmente nos grupos, todo mundo se::, se une bem, que é uma atividade bem difícil, aí fica todo mundo bem unido, com várias ideias (+++) e porque querendo ou não é uma atividade importante, né? a gente aprende o jeito de agir em cada momento (.) é um encaminhamento pra gente:: ir pruma empresa, tanto que (.) muitos ex-alunos arrumaram emprego por causa do Aprendiz (.) tipo, que vem aqui falar com o Norberto, vem aqui fazer visita, agra::decer (Excerto da primeira roda de conversa, grifos nossos).

Nessa interação entre os adolescentes, há um reconhecimento explícito da diferença entre essa e as demais propostas oferecidas, exigindo mais trabalho. Eles enunciam a percepção acerca da configuração de outra forma de se portar e se relacionar, com mais rigidez, pressão e estresse: têm que manter a postura, ficar quieto e sentado, ouvindo o educador, e tratá-lo com formalidade. Para situar essas diferenças, Diego usa a expressão aí, chega a quarta, assim como contrasta essas atividades às de teatro, quando estão soltos, falando com todo mundo. Ao mesmo tempo em que reconhecem essas atividades como importantes, ao destacarem a união do grupo, a possibilidade de construção de ideias coletivas e de aprender como agir em diferentes esferas sociais, a representação que constroem de tais situações apresenta traços negativos. Eles comentam sobre o medo que sentem, trazem avaliações depreciando-as (é muito chato, é bem difícil ou entediante) e empregam um tom irônico, reportando-se a piadas que remetem a uma falta de vontade em participar do Aprendiz. Tainá complementa essa ideia, afirmando que a gente não pode ser a gente, o que explicita desconforto, junto à percepção das restrições, ao ter de assumir um papel que não a representa.

Evelin, para exemplificar a pressão a que estão submetidos, remete-se ao discurso do educador: não estão em casa, servidos pelos pais; agora terão de se preparar para servir aos chefes. As significações que atribuem ao mundo do trabalho atualizam as manifestações discursivas do educador: precisam agir de certo modo e servir aos seus superiores, dentro de determinado padrão e controle, para ter e manter seu emprego. Esse aspecto faz alusão a uma visão complexa do mundo do trabalho, ligada à servidão e à submissão, que sustenta a manutenção do status quo e a reprodução das desigualdades sociais.

Tanto os discursos do educador quanto os dos adolescentes sugerem uma mensagem implícita vinculada à noção de que suas escolhas são cerceadas pelas condições de classe, de modo que o pertencimento à periferia limitaria suas possibilidades. Nesses enunciados, inclusive quando explicitam a relevância dessas práticas de Aprendiz, não transparece a consciência do que está em jogo ou uma crítica às contradições do mundo do trabalho, predominando uma visão de conformação. Do mesmo modo, os participantes se referem ao caráter meritocrático da atividade, com pontuação e premiação, que cerceia a forma de agir e o comprometimento do grupo: se não tratar o educador com certa formalidade, perde ponto; quem participar e fizer mais pontos, ganha prêmio.

De um modo geral, nas rodas de conversa, empregadas como método de pesquisa, os adolescentes, ao se reconhecerem na fala uns dos outros e negociarem posições entre si, atribuem uma valoração altamente positiva à Associação, às práticas de letramento e à interação com o educador social. Apreendemos, a seguir, eles transformando-se em outros em relação àqueles que vivenciaram propostas (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.; VOLÓCHINOV, 2019VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: para uma poética sociológica. In: VOLÓCHINOV, Valentin. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização e tradução: Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019, p. 109-147.; 2017), ao abordar como se sentem e que mudanças reconhecem ao participar das práticas de Teatro:

Evelin: fazer teatro é uma:: uma honra (.) porque:: quando era da turma dos menores, eu sempre via as peça do Norberto e sempre tive:: cora/, é::, vontade de fazer (+++) chega os olhos brilhava (+++) agora eu posso fazer (.) eu, a/ é bem:: legal (.) é, eu me/ posso me expressar de uma maneira divertida (.) você viver é::, papel diferente (.) tipo eu, eu já fui criança (.) é::, narradora (.) e anjo (+++) mas eu queria ser, eu queria, tipo, fazer o papel de vilã (+++) é muito legal, pra mim conhecer mais o papel::, interpretar coisas

Diego: eu:: gosto muito, pra caramba (.) tipo, eu gosto bastante de me expressar através do papel (.) assim, é coisa que eu quero levar pro resto da vida, e tipo:: (.) na:: ocorreu meio que uma revolução, comecei em papel pequeno, passagem, cara que tirava a cadeira (.) hoje:: eu vou ler, pra personagem principal, até pra organizar a peça (.) aí:: foi graças, aí sim fui evoluindo em tudo, né? (+++) tipo, em casa eu também sou aquela pessoa que mais fala, que mais (clareia) todo mundo (.) fazendo piada, fazendo isso, fazendo aquilo (.)

Thomas: isso mesmo, é::, tipo (+++) eu era muito fechado, ou se/ na escola mesmo, a psora pedia pra mim ler, alguma coisa, sempre me::, me da/ me dava mal porque eu não lia, eu tinha vergonha (.) aí depois que eu vim pra::, pra Associação eu perdi vergonha, e agora sempre que tem alguma coisa, seminário, apresento, já tá na prática (.) por isso que eu achei bem interessante, mudou bastante (+++) por causa das qualidades, dos ensinos que ensina aqui

Evelin: a Associação pra mim é minha segunda casa (+++) mudou bastante, eu acho que (.) é:: eu ti/ era muito tímida (.) quando eu cheguei aqui eu fui mais é:: eu fui evoluindo, eu fui mai/ ficando mais livres (.) agora eu cons/ agora eu apresento, me socializo (.) (+++) porque eu já tenho a postura e já não tenho mais vergonha pra falar, pra dar ideia (.) (Excerto da 2ª roda de conversa, grifos nossos).

Seus discursos remetem às dimensões do desejo, do querer e do prazer, assim como ao reconhecimento de seus potenciais e possibilidades futuras: Diego almeja carregar essas atividades para o resto da vida; Evelin associa à diversão e à exploração de diferentes versões que ela pode ser (a narradora, a criança, o anjo, a vilã). Como justificativa para o interesse por essas práticas, os adolescentes narram a oportunidade de interpretar diferentes papéis, experimentando sentimentos e possibilidades diversas e se desafiando, como também de percorrer um processo de evolução, no qual representam papéis mais simples e de apoio e vão alçando papéis de maior destaque. O significado de evolução é representado pelo percurso de transformação que narram, contrastando o uso de verbos no passado, quando abordam o momento da inserção na Associação (comecei em papel pequeno; era muito tímida), e, no presente, quando tratam das capacidades desenvolvidas (hoje eu vou ler, pra personagem principal; agora eu apresento, me socializo).

A abordagem das mudanças de comportamento constitui-se como uma marca do discurso dos participantes, principalmente no que diz respeito aos efeitos no modo como se relacionam e atuam no âmbito escolar. Thomas narra sua experiência na escola para esclarecer como percebe sua transformação pessoal, estimulada pelas propostas teatrais: de muito fechado e da recusa a ler, por vergonha, passou a se apresentar e liderar seminários, indicando mais desenvoltura. Evelin complementa essas colocações, ao abordar sua maior capacidade em se socializar, apresentar suas ideias e se articular em público, ressaltando a possibilidade de ficar mais livre. Diego se refere a outra esfera na qual percebe mudanças na forma de se expressar, a privada: em casa, é aquele que lidera a comunicação, medeia as situações e clareia os fatos.

Diante desses depoimentos, identificamos que as práticas teatrais, juntas às musicais, se vinculam ao que os adolescentes mais gostam e destacam na Associação. Essas situações contribuem para que tenham especial apreço pela organização, acompanhado de um sentimento de acolhimento e de pertença, configurando-a como sua segunda casa. Atribuem valor a essas experiências pela descoberta de seus potenciais e interesses e pelo reconhecimento das qualidades e ensinos diferenciados em relação a outros ambientes educativos.

Parte significativa desses letramentos, principalmente aqueles que os participantes demonstram uma identificação maior, diz respeito às situações nas quais a escrita desempenha um papel secundário nas interações. São práticas abertas à criação e à discussão, com base na cultura oral, na música, na construção de imagens e de espaço e no uso do corpo, em que se produzem textos multimodais14 14 Esse conceito se remete à diversidade de sistemas semióticos e de modalidades de comunicação que permeiam os letramentos, além da escrita. Assim, os textos não são compostos apenas de palavras, mas de múltiplos sistemas de significação, como o sonoro, o oral, o gestual, o imagético, o gráfico e o digital, impulsionando a construção de novos modos de aproximação, consumo e produção de textos. (KLEIMAN; SITO, 2016KLEIMAN, Angela; SITO, Luanda. Multiletramentos, interdições e marginalidades. In: KLEIMAN, Angela; ASSIS, Juliana(Orgs.). Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 169-198.). O afeto também aparece como um elemento de destaque, permeando um fazer fundado no interesse, na escuta das vozes e no reconhecimento da presença uns dos outros, de forma que se tornem partes ativas do processo e que a vontade de vir a ser, de autorrealização, seja valorizada (HOOKS, 2017HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.), o que se evidencia no forte vínculo criado entre os adolescentes e o educador social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerarmos os letramentos investigados, verificamos um movimento duplo e contraditório, permeado por um complexo jogo de forças. Por um lado, há a oferta de oportunidades variadas e a ampliação do universo cultural e informacional dos adolescentes, a partir de um clima e uma organização voltados aos seus interesses, à descoberta de potenciais e novas possibilidades de ação, à participação ativa, propositiva e respeitosa e à problematização de questões diversas associadas ao cotidiano e à sociedade. Essas práticas estão moldadas por regras sociais, estratégias e formas de se relacionar específicas da esfera da educação não formal, a qual atua na regulação do uso e distribuição dos textos, possibilitando modos de ação mais colaborativos e flexíveis, espaços de fala e escuta menos controlados e a não existência de pré-requisitos para participação, de um currículo imposto e de um sistema formal de avaliação.

Por outro, há a mobilização, em muitas dessas propostas, de vozes vinculadas ao discurso escolar, à religião católica e à incorporação ao mercado de trabalho e à sociedade de consumo, indicando uma tendência à tutela dos adolescentes e à adaptação a certos padrões e às expectativas sociais, pautada em uma representação negativa de juventude periférica. Assim, observamos que o investimento real na perspectiva de propiciar experiências reflexivas e plurais acerca da realidade, das relações sociais e das contradições que condicionam suas escolhas (GOHN, 2010GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010.) tem suas limitações, desvelando-se processos de apagamento das questões étnico-raciais, de gênero e classe. Essa última dinâmica é favorecida por uma lógica de organização própria do associativismo urbano, que predispõe um caráter de vinculação a organizações da sociedade civil e instituições variadas, remontando a uma tradição autoritária, que submete a elaboração de políticas educacionais à visão de autoridades e especialistas do poder público, com pouco espaço à consulta dos grupos aos quais devem se destinar esses projetos (GHANEM, 2008GHANEM, Elie. Educação formal e não-formal: do sistema escolar ao sistema educacional. In: ARANTES, Valéria (Org.). Educação formal e não-formal. São Paulo: Summus, 2008, p. 59-89.). Assim, impõem limites no que diz respeito à incorporação de letramentos que favoreçam dinâmicas transformadoras e a diminuição das desigualdades sociais.

Algumas dessas práticas se filiam ao que Street (2014) denomina de concepção autônoma de letramento, na qual se pressupõe que certos letramentos, de modo inequívoco, geram efeitos homogêneos e sempre positivos independente do contexto: o acesso à leitura e aos livros é tomado como capaz de transformar a vida dos adolescentes; a incorporação de condutas adaptativas e o esforço pessoal são entendidos como possíveis de levar à inserção no mercado de trabalho. Constatamos, também, a baixa presença de letramentos articulados às potentes produções culturais da região, como slams, saraus e literatura periférica, indicando pouca abertura ao território e à apropriação do que lhe é característico.

Identificamos também a construção de posições de resistência (MOITA LOPES, 2002MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2002.) e de movimentos de escape em relação às forças discursivas mais institucionalizadas e normativas. Ao se posicionarem sobre as rodas de leitura de livros, vemos como os adolescentes subvertem as “normas” (associadas ao silêncio e à ação individualizada), apontando para modos de ler colaborativos e criativos, nos quais compartilham ideias e afetos. Ao se relacionarem em pequenos grupos, observamos a construção de formas particulares e não dirigidas de se apropriar da escrita, respondendo às diferentes situações comunicativas e potencializando os processos coletivos. São essas táticas, perpassadas por processos de negociação marcados pela tensão entre o estabelecido e a recriação, que podem contribuir para redimensionar identidades (SOUZA, 2009SOUZA, Ana Lucia S. Letramentos de Reexistência: culturas e identidades no movimento hip-hop. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2009.), desestabilizar discursos cristalizados, nos quais os letramentos validados são apenas os hegemônicos, e romper assimetrias.

Além disso, os enunciados produzidos pelos participantes denotam como os aprendizados e formas de se relacionar adquiridos na Associação, quanto ao falar em público, articular ideias com mais desenvoltura e propriedade e organizar espaços que favoreçam interações mais dinâmicas e dialogadas, são utilizados pelos adolescentes para potencializar sua atuação em outras esferas, com destaque à escolar. Esse aspecto nos remete ao potencial de transcontextualização dos letramentos (BRANDT; CLINTON, 2002BRANDT, Deborah; CLINTON, Katie. Limits of the local: Expanding perspectives on literacy as a social practice. Journal of Literacy Research, v. 34, n. 3, p. 337-356, 2002.), quando práticas sociais relacionadas à leitura e à escrita podem ser transferidas, geralmente, de um contexto socialmente legitimado a outro menos reconhecido. Identificamos um movimento oposto, já que as práticas transcontextualizadoras são as manejadas em um contexto de educação não formal: os modos de ação referentes aos letramentos aprendidos na Associação são transferidos ao contexto formal, favorecendo a participação ativa e um posicionamento mais autônomo dos adolescentes em situações nas quais as relações de poder atuam de modo mais assimétrico.

Cabe destacar que, apesar das contradições identificadas, quando acessamos o discurso dos adolescentes, ou seja, como veem os letramentos dos quais tomam parte, destacam-se significações altamente positivas. Suas narrativas expressam como vinculam essas práticas às suas transformações pessoais e a novos modos de se expressar, se comunicar e ser, com mais segurança e confiança, à possibilidade de experimentar papéis variados, por meio de linguagens, dentre as quais a oralidade, o corpo e o afeto se sobressaem, que vão ao encontro de seus gostos e paixões, e à construção de trajetórias nas quais podem escolher e sonhar.

Preprint

DOI: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/3331

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Por grafocêntricas, compreendemos as sociedades reguladas e ordenadas com e a partir da escrita, nas quais se produzem clivagens entre grupos sociais, considerando, entre outros fatores, o valor social atribuído à língua escrita, a certas produções e práticas de uso da escrita, em detrimento de outras.
  • 2
    Barton e Lee (2015), apesar das desigualdades de acesso, afirmam que as tecnologias encontram-se integradas ao cotidiano e sua apropriação favorece a realização de inúmeras atividades. Asseveram, no entanto, que “as tecnologias por si sós, não introduzem automaticamente as mudanças”, o que importa é “o que as pessoas fazem e como elas mobilizam recursos para construir sentidos em suas vidas” (BARTON; LEE, 2015BARTON, David; LEE, Carmem. Linguagem online: textos e práticas digitais. São Paulo: Parábola, 2015., p. 13).
  • 3
    A Prova Brasil consiste em uma avaliação educacional em larga escala realizada bianualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), composta por testes de matemática e língua portuguesa (ênfase em leitura), aplicados aos alunos dos 5º e 9º anos do ensino fundamental das escolas públicas. Inclui questionários contextuais para a caracterização dos participantes.
  • 4
    Na escala INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), há três níveis de alfabetismo, que se contrapõem à condição de analfabetismo absoluto. No nível rudimentar, os jovens conseguem localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares; no básico, já leem e compreendem textos de média extensão; no pleno, leem textos mais longos, relacionando suas partes, e comparam e interpretam informações.
  • 5
    Entretanto, há uma grande diversidade de programas, instituições e ações, atendendo a interesses e objetivos variados; portanto, não se trata de um conjunto homogêneo, cujos efeitos são apreendidos a partir de seus propósitos.
  • 6
    Dados da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) indicam que o distrito de Jardim Ângela possuía a maior parte do território com IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social) 4 a 6, isto é, entre média e muito alta vulnerabilidade social, baixo Índice de Desenvolvimento Humano (94º posição, no município), elevadas taxas de analfabetismo e inúmeros problemas sociais, o que afeta as condições para reprodução da vida social por seus habitantes (SEADE, 2010SEADE. IPVS Versão 2010 - Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Instituto do Legislativo Paulista, Assembleia Legislativa, Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: <Disponível em: http://www.iprsipvs.seade.gov.br/view/pdf/ipvs/principais_resultados.pdf >. Acesso em: 15/11/21.
    http://www.iprsipvs.seade.gov.br/view/pd...
    ).
  • 7
    Esta pesquisa foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética da Unifesp, parecer de número 2.581.154.
  • 8
    Os devidos termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram obtidos junto aos pais, adolescentes e educador social participantes dessa pesquisa.
  • 9
    Em entrevista com o educador, foram relatadas ocorrências de transtornos de humor, tais como depressão e pensamento suicida, de assédio moral e sexual doméstico, entre outras.
  • 10
    A substituição de domínio de práticas por esferas sociais de atividade se justifica pela abrangência da ideia de esfera discursiva como organizadora da ampla diversidade de textos, gêneros e práticas de letramento em relação aos vários contextos em que se constituem e circulam. Ela refere-se tanto à situação concreta quanto ao tempo histórico em que um enunciado é produzido, entendendo que cada campo de criatividade ideológica tem sua própria forma de se orientar e refratar a realidade, e pressupondo uma interlocução entre as esferas (ROJO, 2010ROJO, Roxane R. Letramentos escolares: coletâneas de textos nos livros didáticos de língua portuguesa. Revista Perspectiva, v. 28, n. 2, p. 433-465, 2010.).
  • 11
    Os nomes utilizados para identificar os adolescentes e o educador social são fictícios, tendo em vista garantir o sigilo das identidades.
  • 12
    Trata-se de um reality show, veiculado em canal de TV comercial, no qual grupos de convidados disputam premiações no mundo dos negócios e empreendedorismo.
  • 13
    O uso do itálico, aqui e em outras partes do texto, justifica-se por se referir a enunciados produzidos pelos participantes deste estudo.
  • 14
    Esse conceito se remete à diversidade de sistemas semióticos e de modalidades de comunicação que permeiam os letramentos, além da escrita. Assim, os textos não são compostos apenas de palavras, mas de múltiplos sistemas de significação, como o sonoro, o oral, o gestual, o imagético, o gráfico e o digital, impulsionando a construção de novos modos de aproximação, consumo e produção de textos.

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE

  • 17
    As autoras declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2022
  • Aceito
    29 Ago 2022
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