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A BIOECOLOGIA DO AUTISMO: UMA ANÁLISE DOS RELATOS SOBRE AS QUESTÕES SOCIAIS QUE ATRAVESSAM O DESENVOLVIMENTO

BIOECOLOGÍA DEL AUTISMO: UN ANÁLISIS DE LOS INFORMES SOBRE TEMAS SOCIALES QUE TRANSVERSAN EL DESARROLLO

RESUMO:

Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre relatos acerca de pessoas com autismo em pesquisas realizadas nos campos da Educação, Psicologia, Medicina e Enfermagem. Foram coletados 22 artigos na base de dados SciELO, entre os anos de 2008 e 2021, a partir das palavras-chave autismo e entrevistas. Os dados foram analisados pela técnica da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016), com o auxílio do software ATLAS.ti. As categorias levantadas - diagnóstico e saúde; educação; e relações familiares - foram discutidas a partir das perspectivas teórico-metodológicas de Vygotsky (2003) e Bronfenbrenner (1996). Tal análise permitiu relacionar as questões pessoais com as sociais, tomando por base as relações socio-históricas e bioecológicas que envolvem a vida dos sujeitos com autismo. Os resultados apontam para a interferência entre a insuficiência de oferta de serviços e políticas de suporte social e o desenvolvimento dessas pessoas; a importância da escola e a deficitária formação docente; e as repercussões desse desenvolvimento nas rotinas familiares, sobretudo na vida da figura materna.

Palavras-chave:
autismo; desenvolvimento humano; perspectiva socio-histórica; teoria bioecológica

RESUMEN:

Este artículo presenta una revisión de la literatura sobre los relatos acerca de las personas con autismo en las investigaciones realizadas en los campos de Educación, Psicología, Medicina y Enfermería. Se recogieron 22 artículos de la base de datos SciELO, entre 2008 y 2021, utilizando las palabras clave autismo y entrevistas. Los datos se analizaron mediante la técnica de Análisis de Contenido (BARDIN, 2016), con la ayuda del software ATLAS.ti. Las categorías planteadas, diagnóstico y salud; educación; y relaciones familiares, fueron discutidas desde las perspectivas teóricas y metodológicas de Vygotsky (2003) y Bronfenbrenner (1996). Este análisis permitió relacionar las cuestiones personales con las sociales, a partir de las relaciones socio-históricas y bioecológicas que envuelven la vida de los sujetos con autismo. Los resultados señalan la interferencia entre la insuficiente oferta de servicios y políticas de apoyo social y el desarrollo de estas personas; la importancia de la escuela y la deficiente formación docente; y las repercusiones de este desarrollo en las rutinas familiares, especialmente en la vida de la figura materna.

Palabras clave:
autismo; desarrollo humano; perspectiva socio-histórica; teoría bioecológica

ABSTRACT:

This article presents a literature review on reports about people with autism in research carried out in the areas of Education, Psychology, Medicine, and Nursing. We collected twenty-two articles in the SciELO database between 2008 and 2021, using the keywords autism and interviews. We analyzed the data using the Content Analysis technique (BARDIN, 2016) with the help of ATLAS.ti software. We discussed the categories raised, diagnosis and health; education; and family relationships from the theoretical-methodological perspectives of Vygotsky (2003) and Bronfenbrenner (1996). Such an analysis made it possible to relate personal and social issues based on the socio-historical and bioecological relationships that involve the lives of subjects with autism. The results show the interference between the insufficient supply of services and social support policies and these people's development; the importance of school and the inadequate teacher training; and the repercussions of this development in family routines, especially in the life of the mother figure.

Keywords:
autism; human development; socio-historical perspective; bioecological theory

INTRODUÇÃO

O debate sobre os processos de desenvolvimento humano atravessa diferentes áreas do conhecimento e se faz presente em muitos estudos, que buscam compreender como aprendemos e nos transformamos. Tais estudos foram, definitivamente, marcados pelas ideias de Lev Vygotsky (2003VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) e Urie Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.), já que conseguiram demarcar a inter-relação entre o desenvolver-se e o contexto social, realçando que o ser humano é constituído nas relações sociais, nos contextos sociais, econômicos, políticos, ambientais e culturais. Assim, atrela-se uma perspectiva processual ao desenvolvimento humano (prolongando-se desde o nascimento do sujeito até a sua morte), dentro de ambientes culturalmente organizados e socialmente regulados, através de interações estabelecidas com parceiros, nas quais cada qual, independentemente da idade, desempenha um papel ativo.

Vygotsky (2003VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) permanece atual, sendo fonte de inspiração para inúmeras pesquisas. O psicólogo foi o primeiro a tratar o desenvolvimento humano a partir da interação social e das condições de vida, o que nos faz compreender que o cérebro se modifica e se desenvolve a partir das relações com o meio e no contexto histórico no qual está inserido. A perspectiva socio-histórico-cultural delineada em suas pesquisas trata do desenvolvimento humano nos âmbitos filogenético, isto é, a partir do estudo da história da espécie humana, e ontogenético, ou seja, a partir do estudo da história do indivíduo humano.

Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.), por sua vez, no final dos anos 1970, ao tratar das características individuais, a partir de pesquisas naturalísticas de observação de pessoas em seus contextos reais, destacou que “o desenvolvimento humano é definido como o fenômeno de continuidade e de mudança nas características biopsicológicas dos seres humanos, como indivíduos e como grupos” (BRONFENBRENNER, 1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996., p. 38), sendo “caracterizado pelo compromisso de compreender a dinâmica das relações entre o indivíduo e os diversos e integrados níveis ecológicos” (BRONFENBRENNER, 1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996., p. 19).

Portanto, é possível localizar aspectos convergentes nessas perspectivas, já que ambas enaltecem o fato de as relações sociais serem continuamente co-construídas a partir de interações,isto é, de ações partilhadas e interdependentes estabelecidas entre as pessoas (OLIVEIRA, 1988OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Jogo de papéis: uma perspectiva de análise do desenvolvimento humano. 1988. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1988., 1996OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Práticas discursivas nas interações de crianças pequenas: algumas questões metodológicas e conceituais. Cadernos de Psicologia, Ribeirão Preto, v. 2, n. 1, p. 55-60, 1996. Disponível em: Disponível em: https://www.cadernosdepsicologia.org.br/index.php/cadernos/article/view/12/14 . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.cadernosdepsicologia.org.br/...
; OLIVEIRA; ROSSETTI-FERREIRA, 1993OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de; ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde. O valor da interação criança-criança em creches no desenvolvimento infantil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 87, p. 62-70, nov. 1993. Disponível em: Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/928/933 . Acesso em: 30 abr. 2022.
http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/...
). Vale destacar, nesse ínterim, o lugar do conflito e do contraditório como parte integrante e fundamental no processo, visto que aqui se admite a existência do confronto de ações, emoções, motivações e significações dos diferentes participantes. Sendo assim, o desenvolvimento ocorreria no entremeio de conflitos e crises, em que as pessoas e as redes de significações que permeiam o processo são contínua e mutuamente transformadas e reestruturadas nessas interações.

Pesquisar como se dão esses processos em pessoas com deficiência, especificamente aquelas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) - um transtorno global que afeta, principalmente, a cognição, a comunicação/linguagem e a interação social - e buscar compreender como as adaptações e o desenvolvimento desse público específico acontecem, por sua vez, não é algo tão comum, como mostraremos adiante. Talvez isso se dê em virtude da grande heterogeneidade e das possíveis dimensões de variabilidade dos sintomas que afetam os indivíduos compreendidos nestes quadros.

QUESTÃO E OBJETIVO

Diante de tais fatos e sem a pretensão de esgotar o tema, buscamos, neste artigo, responder à seguinte questão: como a literatura tem estudado/apresentado os aspectos que atravessam o desenvolvimento humano, vivenciados cotidianamente pelas pessoas com TEA? Objetivamos, assim, investigá-los, considerando alguns relatos coletados em entrevistas com as próprias pessoas, seus familiares, profissionais de saúde e de educação, a partir de artigos provenientes da Scientific Electronic Library Online - SciELO1 1 Este artigo tem algumas limitações no âmbito das várias fontes de pesquisa disponíveis, uma vez que não foram pesquisados artigos publicados em anais de eventos, nem outras bases de dados internacionais. , portal de revistas brasileiras, publicados entre os anos de 2008 e 2021.

REFERENCIAL TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICO

Consideramos importante clarificar as perspectivas teóricas que nortearam o empreendimento desta pesquisa, tal como os trabalhos do Laboratório de Inclusão, Mediação Simbólica, Desenvolvimento e Aprendizagem (LIMDA), da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do qual somos parte integrante, que estão alicerçadas em estudos que consideram o desenvolvimento enquanto gênese social, ou seja, em relação estreita com o contexto sociocultural (REGO, 1999REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.).

Com isso, referendamos os estudos de Vygotsky (2003VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) que, ao se debruçar no desenvolvimento das formas complexas do comportamento humano, analisa a questão da maturação biológica enquanto fator secundário nesse processo, visto que tais formas dependem da interação do sujeito com a sua cultura. Portanto, para ele, aquilo que é inato não é suficiente para produzir o indivíduo, na ausência do contexto social.

Vygotsky (2003VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) apresenta uma teoria de desenvolvimento que reflete o sujeito em sua totalidade, articulando dialeticamente os aspectos internos e externos e considerando a relação desse sujeito com o contexto, a história, a sociedade e a cultura na qual está inserido (FREITAS, 2002FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 21-39, jul. 2002. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0100-15742002000200002. Acesso em: 30 abr. 2022.
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). Desse modo, o desenvolvimento não se constitui como processo previsível, universal, linear ou gradual, mas como uma teia que compreende uma interdependência sistêmica (BRONFENBRENNER, 1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.).

Nesse contexto, validamos suas considerações quanto ao processo de desenvolvimento socialmente constituído, em uma ação recíproca entre o organismo e o meio, realçando que tal processo ocorreria a partir das constantes interações entre eles, uma vez que as formas psicológicas mais refinadas seriam fruto dessa vida social (BERSCH; YUNES; MOLON, 2020BERSCH, Ângela Adriane Schmidt; YUNES, Maria Ângela Mattar; MOLON, Susana Inês. Psicomotricidade relacional sob a ótica de conceitos teóricos de Vygotsky e Bronfenbrenner. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 60, p. 308-321, out./dez. 2020. Disponível em:http://dx.doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n60.p308-321. Acesso em: 25 abr. 2022.
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). Esses apontamentos reiteram o desenvolvimento humano enquanto fenômeno de continuidade, ou seja, passível de ocorrer ao longo da vida (nas sucessivas gerações) e no decorrer do tempo histórico.

Assim, temos um panorama que vai ao encontro do que Smolka e Góes (1993SMOLKA, Ana Luiza B.; GÓES, Maria Cecília R. (Orgs.) A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas: Papirus, 1993., p. 10) destacam, sobretudo, ao afirmarem que “o que parece fundamental nessa interpretação da formação do sujeito é que o movimento de individuação se dá a partir das experiências propiciadas pela cultura” e que, portanto, teria um “caráter mais de revolução que de evolução”. Por conseguinte, “o sujeito se faz como ser diferenciado do outro, mas formado na relação com o outro: singular, mas constituído socialmente, e, por isso mesmo, numa concepção individual, mas não homogênea” (SMOLKA; GÓES, 1993SMOLKA, Ana Luiza B.; GÓES, Maria Cecília R. (Orgs.) A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas: Papirus, 1993., p. 10).

Nosso outro pilar teórico dialoga bastante com Vygotsky e está assentado nos estudos de Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.), que, a partir de pressupostos contextualistas, associa as experiências no âmbito individual às dimensões socioculturais e históricas, ou seja, não se restringindo às relações interpessoais, e, sim, às relações entre os ambientes proximais e distais (SENNA, 2011SENNA, Maria Teresa Telles Ribeiro. Pesquisa em educação infantil: o paradigma sistêmico de Urie Bronfenbrenner. Curitiba: CRV, 2011.).

Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.) aponta as questões referentes ao desenvolvimento humano enquanto mudanças na maneira pela qual uma pessoa percebe/lida com o ambiente. Para ele, conforme discutido em Senna (2011SENNA, Maria Teresa Telles Ribeiro. Pesquisa em educação infantil: o paradigma sistêmico de Urie Bronfenbrenner. Curitiba: CRV, 2011., p. 15), a aprendizagem e o desenvolvimento estão inter-relacionados e, através de processos proximais, “[...] definidos pelo poder de promover competências ou disfunções a depender das formas de interações entre pessoas e outras pessoas, pessoas e objetos ou símbolos”, definidos por ele como relações significativas, têm-se os motores de desenvolvimento e aprendizagem.

O teórico, ao discorrer sobre o que definiu como “bioecologia do desenvolvimento humano”, faz proposições quanto ao “(re)integrar o ser humano em suas dimensões micro, meso, exo e macrossistêmicas2 2 Essas dimensões são exploradas de forma detalhada em Bronfenbrenner (1996) e Senna (2011). ” (SENNA, 2011SENNA, Maria Teresa Telles Ribeiro. Pesquisa em educação infantil: o paradigma sistêmico de Urie Bronfenbrenner. Curitiba: CRV, 2011., p. 18). O pensamento sistêmico, sustentado por Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.), de acordo com Senna (2011SENNA, Maria Teresa Telles Ribeiro. Pesquisa em educação infantil: o paradigma sistêmico de Urie Bronfenbrenner. Curitiba: CRV, 2011., p. 22), “considera que o desenvolvimento humano resulta das atividades conjuntas das pessoas. Tais atividades possibilitam a complexificação do processo de desenvolvimento individual/coletivo”.

Interessante ressalvar que o organismo psicológico a que se refere Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.), conforme discutido em Senna (2011SENNA, Maria Teresa Telles Ribeiro. Pesquisa em educação infantil: o paradigma sistêmico de Urie Bronfenbrenner. Curitiba: CRV, 2011.), é:

[...] mais do que a biografia do indivíduo ao longo do tempo, trata-se de um organismo vivo em intensa atividade interna, em desenvolvimento temporal e de acordo com o contexto em que se encontra. O contexto proximal, ou microssistema, fornecerá (ou não) a interação recíproca e o autor faz questão de apresentar a importância dos processos proximais e seus efeitos. (SENNA, 2011SENNA, Maria Teresa Telles Ribeiro. Pesquisa em educação infantil: o paradigma sistêmico de Urie Bronfenbrenner. Curitiba: CRV, 2011., p. 22).

Adentrando as discussões sobre desenvolvimento e articulando-as ao Transtorno do Espectro Autista, TEA, tangenciando-as ao nosso aporte teórico, realçamos que, na Teoria Bioecológica, o desenvolvimento perpassa processos de interação recíproca que ocorrem, progressivamente, ao longo do tempo, entre a pessoa em desenvolvimento e o contexto (BRONFENBRENNER; CECI, 1994BRONFENBRENNER, Urie; CECI, Stephen J. Nature-nurture reconceptualized in developmental perspective: a bioecological model. Psychological Review, Washington, v. 101, n. 4, p. 568-586, 1994. Disponível em:https://doi.org/10.1037/0033-295X.101.4.568. Acesso em: 25 abr. 2022.
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; BRONFENBRENNER, 1996BRONFENBRENNER, Urie; EVANS, Gary. Developmental science in the 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Social Development, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 115-125, 2000. Disponível em:https://doi.org/10.1111/1467-9507.00114. Acesso em: 25 abr. 2022.
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; BRONFENBRENNER; EVANS, 2000BRUGHA, Traolach S.; MCMANUS, Sally; BANKART, John; SCOTT, Fiona; PURDON, Susan; SMITH, Jane; BEBBINGTON, Paul; JENKINS, Rachel; MELTZER, Howard. Epidemiology of autism spectrum disorders in adults in the community in England. Arch Gen Psychiatry, [S. l.], v. 68, n. 5, p. 459-465, maio 2011. Disponível em:10.1001/archgenpsychiatry.2011.38. Acesso em: 30 abr. 2022.
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). Essa interação remete-se aos “processos proximais” que compreendem as transferências entre os seres humanos em desenvolvimento e as outras pessoas, objetos e símbolos do ambiente. Como exemplo, temos o contexto familiar, dimensão na qual essas relações ocorrem ao longo do tempo e cuja interação se torna progressivamente mais complexa. São os processos proximais, isto é, a relação com o outro e com o ambiente, que promovem o desenvolvimento, e, neste caso, tanto da pessoa com TEA quanto da família à qual pertence.

Devemos ressaltar que o Transtorno do Espectro Autista constitui uma classificação determinada pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders/DSM-V (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-V. 5th ed.Washington, DC: American Psychiatric Association, 2013.), que compreende o transtorno autista, o transtorno de Asperger e o transtorno invasivo do desenvolvimento. Esses transtornos são marcados por defasagens na interação social, determinando prejuízos na capacidade de relacionar-se com o outro, além de déficits na linguagem e alterações de comportamento. Seus sintomas manifestam-se em um continuum de níveis de suporte demandados em duas áreas: comunicação social e comportamentos restritos e repetitivos.

Na maioria dos casos, os pais são os primeiros a perceber as dificuldades de desenvolvimento de seus filhos, as quais, geralmente, estão relacionadas a déficits nas habilidades de socialização, inflexibilidade e/ou problemas comportamentais e atraso na linguagem verbal, sendo a ausência ou o atraso na fala os principais sintomas que os levam a procurar ajuda profissional. A suspeita de que algo não está indo como deveria desperta os genitores, sobretudo as mães, para o início de uma longa jornada.

O estudo de Lemos et al. (2016LEMOS, Emellyne Lima de Medeiros Dias; SALOMÃO, Nádia Maria Ribeiro; AQUINO, Fabíola de Sousa Braz; RAMOS, Cibele Shirley Agripino. Concepções de pais e professores sobre a inclusão de crianças autistas. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 3, p. 351-361, set./dez. 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1984-0292/1229. Acesso em: 30 abr. 2022.
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) faz um histórico da nosologia e relata que o autismo foi descrito, inicialmente, pelo psiquiatra Leo Kanner, em 1943KANNER, Leo. Autistic disturbances of affective contact. The Nervous Child: quarterly journal of psychopathology, psychotherapy, mental hygiene and guidance of the child, New York, v. 2, n. 1, p. 217-250, 1943. Disponível em:https://neurodiversity.com/library_kanner_1943.pdf. Acesso em: 30 abr. 2022., com base na ideia de que pais pouco afetuosos poderiam desencadear os comportamentos alterados de seus filhos. Os autores continuam o seu histórico e apontam que, a partir do final da década de 1980, o autismo passou a ser considerado um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) no Código Internacional de Doenças, CID 10 (1989), e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) no DSM IV (1994). Em 2013, o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V) passou a adotar a expressão “Transtorno do Espectro Autista” (TEA). A evolução na nosologia foi estudada por Lopes (2021LOPES, Caroline Oliveira. Transtorno do Espectro Autista: um estudo bibliográfico sobre a evolução do conceito e as estratégias de inclusão propostas no período de 1996 a 2020. 2021. Monografia (Graduação em Pedagogia) - Faculdade de Educação. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021.):

Ao longo das décadas de 1970 e 80, o autismo passou a ser visto como um distúrbio cognitivo. Nesta época, deixou de ser entendido como uma condição que envolvia simplesmente retraimento emocional e social e passou a ser considerado como um transtorno do desenvolvimento, que envolveria déficits severos na cognição com provável origem em alguma forma de disfunção cerebral. Já a partir do final da década de 80, vários autores passaram a pesquisar minuciosamente o dito prejuízo social e a adotar um enfoque desenvolvimentista (LAMPREIA, 2004). Entretanto, sabemos que ainda não há evidências e estudos sobre a causa desse transtorno. O que há são apenas especulações da sua origem. (LOPES, 2021LOPES, Caroline Oliveira. Transtorno do Espectro Autista: um estudo bibliográfico sobre a evolução do conceito e as estratégias de inclusão propostas no período de 1996 a 2020. 2021. Monografia (Graduação em Pedagogia) - Faculdade de Educação. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021., p. 22).

Ocorre que, segundo Camargo et al. (2020CAMARGO, Síglia Pimentel Hoher; SILVA, Gabrielle Lenz da; CRESPO, Renata Oliveira; OLIVEIRA, Calleb Rangel de; MAGALHÃES, Suellen Lessa. Desafios no processo de escolarização de crianças com autismo no contexto inclusivo: diretrizes para formação continuada na perspectiva dos professores. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 36, p. 1-22, 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102-4698214220. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0102-4698214220...
, p. 3), “o TEA já não é mais classificado como um transtorno raro”. Olivati e Leite (2019OLIVATI, Ana Gabriela; LEITE, Lucia Pereira. Experiências acadêmicas de estudantes universitários com transtornos do espectro autista: uma análise interpretativa dos relatos. Revista Brasileira de Educação Especial, Bauru, v. 25, n. 4, p. 729-746, out./dez. 2019. Disponível em:https://doi.org/10.1590/s1413-65382519000400012. Acesso em: 25 abr. 2022.
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) estimam em termos numéricos que a prevalência de pessoas com autismo esteja em torno de “1% entre a população adulta (BRUGHA et al., 2011BRUGHA, Traolach S.; MCMANUS, Sally; BANKART, John; SCOTT, Fiona; PURDON, Susan; SMITH, Jane; BEBBINGTON, Paul; JENKINS, Rachel; MELTZER, Howard. Epidemiology of autism spectrum disorders in adults in the community in England. Arch Gen Psychiatry, [S. l.], v. 68, n. 5, p. 459-465, maio 2011. Disponível em:10.1001/archgenpsychiatry.2011.38. Acesso em: 30 abr. 2022.
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). No entanto, estudos realizados com a faixa etária infantil referem que uma em cada 59 crianças com 8 anos de idade apresenta o diagnóstico do transtorno” (BAIO et al., 2018BAIO, Jon et al. Prevalence of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years - Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2014. Morbidity and mortality weekly report, Washington, v. 67, n. 6, p. 1-23, 2018. Disponível em:https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6706a1. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6706a1...
, p. 2). Sobre as experiências universitárias, as autoras informam que, no Brasil, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2018INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Superior 2017 - Graduação. INEP, Brasília, 2018. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-superior-graduacao. Acesso em: 13 maio 2022.
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), 1,9% das matrículas dos estudantes autodeclarados com deficiência eram de autistas (em números absolutos, um total de 754 estudantes com Transtorno do Espectro Autista; dentre estes, 378 diagnosticados com Autismo Infantil, e 376 com Síndrome de Asperger), nas modalidades de ensino presencial e à distância. Contudo, destacam que cerca de 38% conseguem concluir o Ensino Superior.

No caso específico dos sujeitos com TEA, seria possível diferenciar seus processos proximais sob vários aspectos; como exemplo, podemos citar dois tipos de resultados que envolveriam a análise do comportamento desses sujeitos, no que tange à: competência (aquisição e desenvolvimento de conhecimento, habilidade ou capacidade de manejar o próprio comportamento); e disfunção (dificuldades em controlar o comportamento em diferentes situações e domínios do desenvolvimento). Nessa perspectiva, entendemos que a exposição da pessoa com TEA a estímulos e contextos diversificados é um dos fatores que interferem de forma contundente nesse desenvolvimento, e ela pode ser avaliada sob variadas óticas que atravessam desde a permanência e respectiva frequência e intensidade de manifestações, interrupção, até a duração e previsibilidade mediante a exposição desses estímulos (BRONFENBRENNER; EVANS, 2000BRONFENBRENNER, Urie; EVANS, Gary. Developmental science in the 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Social Development, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 115-125, 2000. Disponível em:https://doi.org/10.1111/1467-9507.00114. Acesso em: 25 abr. 2022.
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).

Assim, a interação familiar não necessariamente impactará essa pessoa de maneira positiva, uma vez que não se trata de uma relação linear sob uma ótica positivista, de causa e efeito. Inúmeros fatores devem ser considerados e analisados, os quais interferem no processo desse desenvolvimento. A forma como a família interage, o quanto isto se dá, e a direção dos processos proximais (se a interação é recíproca, ou se é apenas a família buscando se relacionar com o sujeito com TEA), variam sistematicamente. Essa variação está relacionada a um conjunto de características da pessoa em desenvolvimento, do contexto ambiental, das continuidades e mudanças que ocorrem ao longo do tempo, do período histórico e da natureza dos resultados desenvolvimentais (BRONFENBRENNER; CECI, 1994BRONFENBRENNER, Urie; CECI, Stephen J. Nature-nurture reconceptualized in developmental perspective: a bioecological model. Psychological Review, Washington, v. 101, n. 4, p. 568-586, 1994. Disponível em:https://doi.org/10.1037/0033-295X.101.4.568. Acesso em: 25 abr. 2022.
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; BRONFENBRENNER; EVANS, 2000BRONFENBRENNER, Urie; EVANS, Gary. Developmental science in the 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Social Development, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 115-125, 2000. Disponível em:https://doi.org/10.1111/1467-9507.00114. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1111/1467-9507.00114...
). Desse modo, o envolvimento familiar é passível de influências de inúmeras variáveis - como as características da pessoa com TEA, o contexto em que esta se mantém inserida, tal como o período histórico em que isso se afirma -, as quais incidirão em como ela se envolverá, o conteúdo e até mesmo a intensidade desse envolvimento, ou o tempo que a família interage com ela.

Os processos proximais são imprescindíveis para o desenvolvimento das capacidades biológicas e do potencial genético de cada pessoa, pois possibilitam que os recursos pessoais sejam estimulados e desenvolvidos (BRONFENBRENNER; CECI, 1994BRONFENBRENNER, Urie; CECI, Stephen J. Nature-nurture reconceptualized in developmental perspective: a bioecological model. Psychological Review, Washington, v. 101, n. 4, p. 568-586, 1994. Disponível em:https://doi.org/10.1037/0033-295X.101.4.568. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1037/0033-295X.101.4....
). Assim, é na interação com o outro que cada pessoa vivencia experiências, podendo ampliar suas habilidades, enfim, se desenvolver.

É nesse referencial de desenvolvimento humano que ancoramos a pesquisa aqui descrita, já que investigar este desenvolvimento, considerando fragmentos de relatos provenientes de entrevistas com as próprias pessoas, seus familiares, profissionais de saúde e de educação, pode corroborar para que sejam apontados os principais aspectos que incidem nesta discussão, sob a ótica dos próprios “protagonistas” e seus respectivos microssistemas, mesossistemas, exossistemas e macrossistemas.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Como perspectiva metodológica, elegemos a revisão integrativa da literatura, visto que ela pode contribuir na ampliação do conhecimento existente, a partir do que é evidenciado dentro dos limites das pesquisas já realizadas, além de propiciar que sejam identificadas possíveis lacunas e tendências na produção científica sobre a temática que nos propomos a delinear (MENDES et al., 2008MENDES, Karina Dal Sasso; SILVEIRA, Renata Cristina de Campos Pereira; GALVÃO, Cristina Maria. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto e Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, out./dez. 2008. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0104-0707200800...
). O empreendimento desta investigação justifica-se pela importância do conhecimento e pela interpretação da produção científica concernente ao estudo, uma vez que, além de rastrear trabalhos que, em alguma medida, respaldem e venham contribuir para a formulação e a implementação de políticas públicas, poderá inspirar estudos futuros.

Conforme já anunciamos anteriormente, detivemo-nos, para fins desta revisão, às narrativas coletadas na SciELO, a partir da seguinte equação de pesquisa: busca avançada; textos revisados por pares, publicados até o ano de 2021; e as palavras-chave autismo e entrevistas, combinadas ao operador booleano AND. Em decorrência desses filtros, tivemos como resultado 28 publicações a partir do ano de 2008, e todas elas provenientes das áreas da Educação, Psicologia, Medicina e Enfermagem.

Objetivando um maior aprofundamento, para as etapas de análise e discussão, os artigos foram lidos, relidos, codificados e categorizados por meio do software ATLAS.ti (9.0), que auxilia o processo de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.), definido como:

[...] um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016., p. 48).

Da leitura dos artigos, criamos 30 códigos, os quais organizamos, por aproximação temática, em três categorias: diagnóstico e saúde, educação e relações familiares. Como previsto em uma revisão integrativa, usamos, para essa categorização, a seguinte pergunta norteadora: que anúncios e denúncias podem ser captados nas narrativas de e sobre pessoas com TEA acerca do processo de desenvolvimento? Fizemos a análise em si, isto é, a interpretação e inferências, a partir de diferentes campos, tendo como referenciais teórico-epistemológico-metodológicos as perspectivas bioecológica de Bronfenbrenner e a socio-histórico-cultural de Vygotsky.

A partir desse levantamento, conhecendo um pouco mais sobre a vida das pessoas com autismo e sua relação com as questões sociais relacionadas, identificamos pontos-chave que consideramos necessitar de mais atenção pelos pesquisadores da área, assim como pelos formuladores de políticas públicas. Diante do exposto, neste artigo apresentamos e discutimos o referencial adotado e, em seguida, explicitamos a revisão realizada e os resultados encontrados, debatendo as categorias identificadas; por fim, anunciamos questões ainda passíveis de exploração em estudos e pesquisas futuras.

Corroboramos a perspectiva de que a produção de conhecimentos em pesquisa se alinha à ideia da aprendizagem enquanto processo social compartilhado e gerador de desenvolvimento (FREITAS, 2002FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 21-39, jul. 2002. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0100-15742002000200002. Acesso em: 30 abr. 2022.
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). Portanto, entendemos essa proposição metodológica como coerente à teoria dialética vygotskyana, no âmbito da compreensão dos fenômenos humanos, visto que, partindo da premissa da constituição social das funções mentais superiores, em um processo interativo possibilitado pela linguagem e que antecede a apropriação pessoal, também vemos a pesquisa como uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna promotora de desenvolvimento mediado por um outro. Baseados nesses aspectos interacionais, concordamos com Freitas (2002FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 21-39, jul. 2002. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0100-15742002000200002. Acesso em: 30 abr. 2022.
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) ao tratar do investigador e do investigado como dois sujeitos em interação, sobretudo ao afirmar que o pesquisador faz parte da própria situação de pesquisa; portanto, a neutralidade é impossível e, por conseguinte, sua ação e os efeitos que propicia constituem elementos de análise.

Também referendamos a premissa de que tecer análises em bases extensas de dados apresenta desafios ao pesquisador e que, portanto, neste momento, a clareza teórico-metodológica atuará como aporte imprescindível, já que poderá apontar crivos orientadores a elas (ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA, 2000ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde; AMORIM, Katia S.; SILVA, Ana Paula S. Uma perspectiva teórico-metodológica para análise do desenvolvimento humano e do processo de investigação. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 281-293, 2000. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0102-79722000000200008. Acesso em: 30 abr. 2022.
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). Em nosso caso, norteamos as considerações pelo esquema de rede, ou seja, dependendo das perguntas e do momento do processo em análise, e priorizamos determinados aspectos da rede. Diferentes pessoas, campos de interação ou cenários assumem maior ou menor relevância, tal como ocorre em movimentos de figura e fundo, no qual se alternam análises minuciosas com um olhar mais geral sobre o conjunto do material.

Como expusemos na parte introdutória, efetuamos a revisão integrativa das publicações visando encontrar relatos diretos sobre essas pessoas, uma vez que isto traria um diferencial ao trabalho, referendando as próprias percepções/concepções desses sujeitos a partir das informações sobre os problemas vivenciados cotidianamente e que atravessam seus desenvolvimentos3 3 Nossa opção em utilizar a palavra desenvolvimento no plural está afinada com os pressupostos de Morin (2000), sobretudo quando ele discute sobre unitas multiplex, referendando o que considera preponderante à educação do futuro, tratando das dimensões da unidade e diversidade humana. Segundo Morin (2000, p. 55), “[...] é imprescindível que se cuide para que a ideia da unidade da espécie humana não apague a ideia da diversidade e que a de sua diversidade não apague a da unidade”, ou seja, reiteramos com a palavra “desenvolvimentos” o que Morin (2000) referenda ao discorrer sobre a importância de concebermos a unidade do múltiplo e a multiplicidade do uno. . Para esta revisão, baseamo-nos no modelo indicado por Souza, Silva e Carvalho (2010SOUZA, Marcela Tavares de; SILVA, Michelly Dias da; CARVALHO, Rachel de. Integrative review: what is it? How to do it?. Revista Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, jan./mar. 2010. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S1679-45082010RW1134. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S1679-45082010RW...
), no qual nos inspiramos para adaptar os registros aqui apresentados. Consideramos o método da revisão integrativa a partir de seis etapas: elaboração de uma questão norteadora; busca da literatura em bases de dados; registro ou coleta dos dados; análise crítica das pesquisas encontradas; discussão dos resultados; e apresentação da revisão integrativa em si.

Realizamos a análise qualitativa desses dados com base na técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.), com o auxílio do software ATLAS.ti 9.0. Ela é constituída das seguintes fases principais, que descrevemos a seguir.

  1. pré-análise, que corresponde a um período de instruções, buscando sistematizar ideias iniciais; nesta fase existem três importantes missões: a escolha dos documentos que foram analisados, no caso, os 22 artigos selecionados; a formulação de hipóteses/objetivos, que, nesse caso, estão relacionadas à compreensão de que, para além do diagnóstico, existem questões outras que atravessam o desenvolvimento humano e que identificá-las viria a contribuir na verificação de lacunas de estudos/pesquisas e na possibilidade de (re)criação de políticas públicas que, por sua vez, poderiam aprimorar os processos de desenvolvimento; e a elaboração de indicadores, como a divisão do material coletado por áreas de conhecimento, dentre elas a Medicina, a Psicologia, a Educação e a Enfermagem, que auxiliam na análise final;

  2. exploração do material, que é uma fase longa, em que são realizadas as operações de codificação, decomposição ou enumeração, possibilitando as interpretações e inferências; nessa fase identificamos 30 códigos, que organizamos em três categorias de análise - diagnóstico e saúde, educação e relações familiares -, as quais apresentaremos em redes, adiante;

  3. tratamento dos resultados obtidos e interpretação, etapa em que ocorre a atribuição de significados dos resultados brutos obtidos na pesquisa. Importante destacar que buscamos realizar uma análise interpretativista e contextualista dos dados. Para fins deste artigo, optamos por nos deter à análise dos códigos com maior incidência, cabendo ainda mencionar que não descartamos os demais, visto que contribuíram para construir o sentido de cada uma dessas categorias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Seguindo as etapas previstas em uma revisão integrativa , procedemos à busca da literatura na base de dados escolhida e organizamos os artigos coletados, conforme o Quadro 1.

Quadro 1
- Artigos pesquisado na SciELO

Quadro 1
continuação

Como já mencionamos, da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.) emergiram três categorias. A primeira delas, “diagnóstico e saúde”, reuniu 13 códigos; dentre aqueles com mais frequência, destacamos os quatro com maior evidência, conforme mostra a Quadro 2: o contato com o diagnóstico (75 citações), que se refere ao impacto sofrido pela família; a questão social (65 citações), que trata das repercussões nas esferas socioeconômicas, nesses contextos, e as redes de apoio que atuariam como suporte; o processo de diagnóstico (46 citações) remete ao percurso tortuoso trilhado pela família até a definição do quadro; e, também, autismo (46 citações), que aborda as definições de autismo dadas pelos autores e pesquisados.

Quadro 2
- Rede: Categoria Diagnóstico e saúde

A categoria “educação”, apresentada a seguir, contou com cinco códigos. Dentre eles, optamos por aprofundar as análises nos dois que apontaram uma maior frequência: formação de professores (83 citações) e processo de aprendizagem (40 citações). O primeiro refere-se às dificuldades encontradas pelos docentes no processo de ensino e aprendizagem da pessoa com TEA. O segundo está relacionado às particularidades no desenvolvimento dessas pessoas e que podem afetar a sua vida escolar/acadêmica.

Quadro 3
- Rede: Categoria Educação

A terceira e última categoria, “relações familiares”, ilustrada a seguir, abarcou 12 códigos, entre os quais escolhemos três deles para um estudo mais aprofundado por terem apresentado maior proeminência: o concernente à família (45 citações); o referente às mães (36 citações); e por fim o que diz respeito à coparentalidade (30 citações). “Família” diz respeito à (re)construção das famílias, a partir do momento do diagnóstico, e suas relações entre os membros desses micro (família nuclear) e mesossistemas (demais parentes). O código “mãe” evidencia a autopercepção das mães sobre o tornar-se mãe a partir de uma perspectiva atrelada ao autismo. “Coparentalidade”, por sua vez, relaciona-se à questão da presença e/ou ausência da figura paterna e seus atravessamentos na educação do filho autista.

Quadro 4
- Rede: Categoria Relações familiares

Ressaltamos que estas redes contribuíram para que dialética e complexamente (MORIN, 2000MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2000.) tivéssemos uma visão do todo, das categoria e de suas partes associadas, os códigos, já que estes se constituem enquanto unidades de sentido. Paralelamente, ensejávamos contribuir para que os leitores pudessem acompanhar o percurso de organização e posterior análise dos dados encontrados em concordância com as etapas da revisão integrativa que se sucederam: análise crítica das pesquisas e apresentação da discussão dos resultados, por categoria.

DIAGNÓSTICO E SAÚDE

A relação entre as famílias e os serviços de saúde tem início com a preocupação dos pais frente ao comportamento diferenciado do filho. Tal processo se inicia com uma busca pelo diagnóstico, que faz com que percorram uma trilha por serviços de saúde e assistenciais. De acordo com os artigos analisados, percebemos que tais famílias buscam as instituições de atendimento para obter explicações sobre o processo de desenvolvimento atípico.

Ebert, Lorenzini e Silva (2015EBERT, Michele; LORENZINI, Elisiane; SILVA, Eveline Franco da. Mães de crianças com transtorno autístico: percepções e trajetórias. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 49-55, jan./mar. 2015. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.01.43623. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.0...
), ao apresentarem o relato queixoso de uma mãe, apontam para a dificuldade de identificação do quadro com a respectiva indicação do CID (Classificação Internacional de Doenças) pelo profissional que precisaria dar o diagnóstico, o médico. A isso se somam o longo tempo de espera para obtenção das consultas e a forma aligeirada como elas frequentemente acontecem. Muitas vezes, as enfermeiras ou demais profissionais de saúde que convivem mais tempo com essas crianças já dispõem de uma sensibilidade maior para identificar características presentes no TEA.

[...] uma mãe (M7) relatou que enfermeiras que já conheciam a criança, por terem maior contato a partir das consultas de rotina, referiam que a criança tinha autismo. Porém, o diagnóstico médico ainda não era confirmado.

Várias enfermeiras diziam nas consultas de rotina: “Acho que teu filho tem autismo”. Elas o conheciam e diziam: “É autismo!”. [...] O neurologista só dizia que ele [a criança] tinha retardo mental. [...] Eu precisava do CID e o neurologista colocava que era retardo mental. E eu perguntava: “Qual retardo que ele tem?”. “Ele tem um ano de atraso”, o neurologista dizia (M7) (EBERT; LORENZINI; SILVA, 2015EBERT, Michele; LORENZINI, Elisiane; SILVA, Eveline Franco da. Mães de crianças com transtorno autístico: percepções e trajetórias. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 49-55, jan./mar. 2015. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.01.43623. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2015.0...
, p. 53).

Se a espera pelo diagnóstico é angustiante, o momento da sua confirmação é impactante. Os textos apresentam inúmeros relatos de mães que afirmam tê-lo recebido sem qualquer explicação do que se tratava e, muitas vezes, em ambientes inadequados para uma conversa desse teor, como corredores de hospitais.

Quando o médico disse: “Seu filho tem autismo” pronto, pensei logo no pior. Eu não sabia o que era e isso me deixou ainda mais desesperada na hora porque eu não sabia do que se tratava. Assim, o fato de não saber piorou ainda mais na hora de receber a notícia porque eu não sabia o que era [...] talvez se eu soubesse pudesse ter sido menos ruim (E6) (PINTO et al., 2016PINTO, Rayssa Naftaly Muniz; TORQUATO, Isolda Maria Barros; REICHERT, Altamira Pereira da Silva; SOUZA NETO, Vinicius Lino de; SARAIVA, Alynne Mendonça. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 1-9, 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.61572. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
, p. 4).

Um diagnóstico de TEA constitui um evento relevante na vida dos pais, e comunicar essa informação é uma tarefa importante e difícil. Dar e receber um diagnóstico de TEA representam pontos-chave quanto à possibilidade de desenvolvimento da criança e à adesão dos pais ao tratamento planejado (AGUIAR; PONDÉ, 2020AGUIAR, Márcia Cristina Maciel; PONDÉ, Milena Pereira. Autism: impact of the diagnosis in the parentes. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 69, n. 3, p. 149-155, jul./set. 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0047-2085000000276. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0047-20850000002...
). Acrescenta-se a isso o fato de que o diagnóstico abre portas para o acesso aos benefícios sociais. Entretanto, embora admitindo o recebimento do diagnóstico como uma conquista, consideramos este o início de uma nova busca, a do tratamento. Também foi possível aferir, nos dados, evidências quanto a uma fragilidade no acompanhamento e assistência às pessoas com autismo e suas famílias, como realçam Bonfim et al. (2020BONFIM, Tassia de Arruda; GIACON-ARRUDA, Bianca Cristina Ciccone; HERMES-ULIANA, Catchia; GALERA, Sueli Aparecida Frari; MARCHET, Maria Angélica. Vivências Familiares na Descoberta do Transtorno do Espectro Autista: Implicações para a Enfermagem Familiar. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 76, n. 6, p. 1-9, 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0489. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
):

Ocasionada, principalmente, pelo despreparo dos profissionais de saúde devido ao pouco conhecimento em como atender as crianças e famílias, pelo sentimento de insegurança ao prestar o cuidado, pela dificuldade de organização e integração da Rede de Atenção à Saúde e ao estigma relacionado aos transtornos mentais. (BONFIM et al., 2020BONFIM, Tassia de Arruda; GIACON-ARRUDA, Bianca Cristina Ciccone; HERMES-ULIANA, Catchia; GALERA, Sueli Aparecida Frari; MARCHET, Maria Angélica. Vivências Familiares na Descoberta do Transtorno do Espectro Autista: Implicações para a Enfermagem Familiar. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 76, n. 6, p. 1-9, 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0489. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
, p. 2).

Ainda nesse cenário, notamos que a oferta de serviços públicos disponíveis, ou onde o Estado atua com menos vigor nesta oferta, se apresenta como insuficiente ou inadequada. Contudo, na esfera privada, as famílias proporcionam atendimento regular aos seus filhos e, por conseguinte, impulsionam seus desenvolvimentos, o que demonstra a representação concreta das desigualdades:

Em Volta Redonda, famílias com condições financeiras suficientes para arcar com os custos elevados do tratamento proporcionam atendimento semanal a seus filhos, autistas adultos, em clínicas particulares, enquanto as demais contam com o tratamento disponível - porém, considerado “insuficiente” e “inadequado” - na rede pública de saúde mental (Centros de Atenção Psicossocial, Caps) da região (NUNES; ORTEGA, 2016NUNES, Fernanda; ORTEGA, Francisco. Ativismo político de pais de autistas no Rio de Janeiro: reflexões sobre o “direito ao tratamento”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 964-975, out./dez. 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0104-12902016163127. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201616...
, p. 968).

Nesse rol das inconsistências, Nunes e Ortega (2016NUNES, Fernanda; ORTEGA, Francisco. Ativismo político de pais de autistas no Rio de Janeiro: reflexões sobre o “direito ao tratamento”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 964-975, out./dez. 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0104-12902016163127. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201616...
) argumentam que, além das políticas públicas que incentivam a ampliação das redes de atenção e apoio social oferecidas aos autistas, outros movimentos foram organizados pelas famílias em prol da luta pelo direito aos tratamentos com qualidade. Os autores ponderam que as alegações dos familiares indicam que os atendimentos oferecidos nestes centros (Redes de Apoio Psicossocial - RAPS4 4 Rede de Atenção Psicossocial. /SUS5 5 Sistema Único de Saúde. /CAPS6 6 Centro de Atenção Psicossocial. /CAPSI7 7 Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil. ) geram insatisfação, tal como o relato de uma mãe:

Não tem uma pessoa com quem eu tenha conversado que frequente um CAPS e que esteja satisfeita, justamente por isso: eles [profissionais do CAPS] não conseguem enxergar as peculiaridades dos autistas, eles acham que os familiares de autistas querem privilégios. Eles não conseguem perceber que é uma síndrome tão específica que não pode ser colocada no “ah, todos têm que conviver aqui”. Eu acredito que a gente tem que conviver com todo mundo, desde que a gente aprenda, primeiro, a conviver com todo mundo. Até chegar nesse ponto, precisamos, sim, de coisas específicas. […] Minha crítica [aos CAPS] parte por esse lado. Tem um discurso de que a pessoa é vista como um ser único, mas, na prática, é diferente (NUNES; ORTEGA, 2016NUNES, Fernanda; ORTEGA, Francisco. Ativismo político de pais de autistas no Rio de Janeiro: reflexões sobre o “direito ao tratamento”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 964-975, out./dez. 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0104-12902016163127. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201616...
, p. 970).

Ainda que consideradas incipientes, essas assistências são fundamentais, na medida em que, “por meio desse suporte social, é possível receber apoio emocional, cognitivo e até mesmo financeiro8 8 Entendemos por suporte social aquele advindo do diagnóstico referente ao CID (F84), visto que ele oportuniza às famílias solicitar benefícios como o previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e, até, os subsídios na compra de automóveis, entre outros que ultrapassam a questão financeira. ” (SMEHA; CEZAR, 2011SMEHA, Luciane Najar; CEZAR, Pâmela Kurtz. A Vivência da Maternidade de Mães de Crianças com Autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcGX9LnwfvgqWpK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcG...
, p. 47). Além das instituições oficialmente constituídas - que podem ampliar a visão das famílias e contribuir para a criação de uma rede social, baseada no apoio mútuo -, há ressalvas no que se refere ao “fechamento” que podem ocasionar, tendo em vista que acabam por se configurarem como espaços exclusivos. Este ponto é ressaltado por Constantinidis, Silva e Ribeiro (2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
) quando tratam do apoio social restrito aos grupos de mães:

Pode-se pensar que essa mãe, ao se identificar somente como mãe de autista, não vendo sentido em outras possibilidades de existência - “me arrumar pra quê?” - e sentir-se amparada somente em grupo de mães com esse mesmo perfil, possa restringir seu universo, em um movimento que a coloca isolada do mundo, tal qual seu filho com autismo (CONSTANTINIDIS; SILVA; RIBEIRO, 2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
, p. 55).

Esse universo leva em consideração as características do autismo abordadas pelos manuais e referenciadas anteriormente. Alguns autores, como Aguiar e Pondé (2020AGUIAR, Márcia Cristina Maciel; PONDÉ, Milena Pereira. Autism: impact of the diagnosis in the parentes. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 69, n. 3, p. 149-155, jul./set. 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0047-2085000000276. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0047-20850000002...
), trazem menções ao fato de os profissionais sugerirem que o problema pudesse residir na forma como as mães educavam as crianças, por vezes chegando a afirmar que inventavam problemas que não existiam, gerando uma cultura de descrédito, fazendo com que essas mães só se sentissem acolhidas, de fato, nos grupos exclusivos, isentas de julgamentos que as culpabilizassem. Esta informação nos remete ao fato de que, mesmo passados tantos anos da descrição de Kanner (1943KANNER, Leo. Autistic disturbances of affective contact. The Nervous Child: quarterly journal of psychopathology, psychotherapy, mental hygiene and guidance of the child, New York, v. 2, n. 1, p. 217-250, 1943. Disponível em:https://neurodiversity.com/library_kanner_1943.pdf. Acesso em: 30 abr. 2022.), permanece a falsa ideia de que o autismo tem a ver com a interação pouco amorosa da mãe com o filho, não sendo descartado que pesquisas atuais (EVANGELHO et al., 2021EVANGELHO, Victor Gustavo Oliveira; COSTA, Fabrício da Mota Ramalho; CASTRO, Helena Carla; BELLO, Murilo Lamim; AMORIM, Márcia Rodrigues. Autismo no Brasil: uma revisão sobre estudos em neurogenética. Revista Neurociências, Rio de Janeiro, n. 29, p. 1-20, 2021. Disponível em:https://doi.org/10.34024/rnc.2021.v29.12440. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.34024/rnc.2021.v29.12...
) apontam para uma incidência biológica ou neurogenética, o que já é um aspecto, em si, que mobiliza tais mães, além dos fatores educativos.

Nos estudos analisados, o autismo vem sendo explicado a partir, especialmente, de três perspectivas: a desenvolvimentista, a cognitivista e a da neurodiversidade. Na primeira, o desenvolvimento típico é tomado como base para entender um processo diferenciado da criança. Assim, considera-se que essa criança apresenta uma desordem, ou transtorno no desenvolvimento, que pode estar associado às questões biológicas. Na perspectiva cognitivista, o foco está no comprometimento do sujeito em compreender os estados mentais de outras pessoas, o que é denominado como teoria da mente. Na prática, o trabalho com esse público está voltado para a estimulação da percepção e compreensão dos diversos estados mentais das pessoas em interação nesse contexto e na forma como elas mesmas se expressam, buscando ampliar e melhorar suas estratégias de comunicação. Nos últimos anos, a partir de movimentos sociais de luta pelos direitos da pessoa com autismo, surgiu um novo paradigma, o da neurodiversidade, que “Reconhece o autismo como uma deficiência, embora também o considere uma condição neurodiversa. Alinhada ao modelo social de deficiência, a Neurodiversidade tem como pressuposto chave que todas as formas de diversidade neurológica devem ser respeitadas.” (BRILHANTE et al., 2021BRILHANTE, Aline Veras Morais; FILGUEIRA, Leila Maria de Andrade; LOPES, Samuel Verter Marinho Uchôa; VILAR, Nathalie Barreto Saraiva; NÓBREGA, Lívia Rocha Mesquita; POUCHAIN, Ana Juarina Magalhães Veríssimo; SUCUPIRA, Luiz Carlos Gabriele. “Eu não sou um anjo azul”: a sexualidade na perspectiva de adolescentes autistas. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 417-423, fev. 2021. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.40792020. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021262...
, p. 418).

O autismo apresenta-se de diversas formas, é comum ouvirmos que não existe um autista igual ao outro. A concepção de espectro dá essa ideia, de que os níveis de acometimento podem variar entre aqueles que necessitam de mais apoio e os que necessitam de menos suporte. As dificuldades na comunicação e na interação social da pessoa com autismo afetam diretamente aquelas mais próximas, na maioria dos casos a família nuclear, especialmente a mãe. Como as crianças com autismo tendem a apresentar dificuldades na realização de atividades comuns da vida diária, estabelece-se uma relação de dependência de cuidados que geram mudanças significativas na rotina familiar.

Devemos ressaltar que essas mudanças, especialmente com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo. Nova York: ONU, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.unicef.org/brazil/convencao-...
), precisam considerar o desenvolvimento sob uma ótica biopsicossocial9 9 Abordagem multidisciplinar que se contrapõe à biomédica e compreende as dimensões biológica, psicológica e social de um indivíduo, considerando o ambiente em que vive e as suas relações sociais. , ou seja, que se estende ao longo da vida e passa a agregar elementos referentes à juventude e à fase adulta, como a sexualidade, o acesso ao ensino superior e a inserção no mercado de trabalho. Consideramos que tais fatores, para essas mães, se apresentam como desafios partilhados nos grupos de apoio. De acordo com Segeren e Françozo (2014SEGEREN, Letícia; FRANÇOZO, Maria de Fátima de Campos. As vivências de mães de jovens autistas. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 19, n. 1, p. 39-46, jan./mar. 2014. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-7372189590004. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-73721895900...
, p. 44), “as mães de jovens autistas referem não saber a quem recorrer e como resolver a situação relativa à sexualidade, dizendo que se sentem perdidas com a situação”. Existem informações sobre os processos de infantilização de pessoas com deficiência, inclusive aquelas com TEA, chamando a atenção para o estereótipo da inocência, com a negação da sexualidade das pessoas com autismo, materializada na expressão “Anjo azul”, que, para Brilhante et al. (2021BRILHANTE, Aline Veras Morais; FILGUEIRA, Leila Maria de Andrade; LOPES, Samuel Verter Marinho Uchôa; VILAR, Nathalie Barreto Saraiva; NÓBREGA, Lívia Rocha Mesquita; POUCHAIN, Ana Juarina Magalhães Veríssimo; SUCUPIRA, Luiz Carlos Gabriele. “Eu não sou um anjo azul”: a sexualidade na perspectiva de adolescentes autistas. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 417-423, fev. 2021. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.40792020. Acesso em: 25 abr. 2022.
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), atuaria enquanto processo discursivo, normatizando a sua infantilização. Soma-se a isso o fato de que as dificuldades na compreensão das normas sociais relacionadas ao TEA, especificamente, contribuem para a estigmatização desses jovens no contexto social.

A professora pareceu confusa com a minha pergunta. E eu só disse que tinha dificuldade em deixar que me toquem, mas que eu queria ser tocado. Ela me olhou com espanto e disse que eu não devia pensar nessas coisas. Mas eu não entendi por que eu não podia perguntar isso na aula se era aula de aparelho reprodutor. Após discutir esse episódio em sua terapia e dialogar com seus pais, Naruto relata ter compreendido que: eu tenho que ter cuidado, porque existem pessoas que podem abusar da minha sinceridade. As pessoas não costumam lidar bem com esses assuntos. Eu entendi isso, mas isso não muda como me sinto [...]. Pra piorar, eu ainda virei o estranho, o esquisito e isso não ajuda em nada (BRILHANTE et al., 2021BRILHANTE, Aline Veras Morais; FILGUEIRA, Leila Maria de Andrade; LOPES, Samuel Verter Marinho Uchôa; VILAR, Nathalie Barreto Saraiva; NÓBREGA, Lívia Rocha Mesquita; POUCHAIN, Ana Juarina Magalhães Veríssimo; SUCUPIRA, Luiz Carlos Gabriele. “Eu não sou um anjo azul”: a sexualidade na perspectiva de adolescentes autistas. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 417-423, fev. 2021. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-81232021262.40792020. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021262...
, p. 420).

A fase adulta é marcada pela exclusão e invisibilidade, destacadas por Nunes e Ortega (2016NUNES, Fernanda; ORTEGA, Francisco. Ativismo político de pais de autistas no Rio de Janeiro: reflexões sobre o “direito ao tratamento”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 964-975, out./dez. 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0104-12902016163127. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201616...
), que salientam a atuação do grupo de pais ativistas do autismo, o Azul Claro, localizado em Volta Redonda, município do Rio de Janeiro, no qual os autistas adultos são contemplados em suas demandas. De acordo com os autores, muitos adultos dependem de cuidados integrais, como higiene, alimentação e medicação, e enfatizam a influência das oportunidades de tratamento no processo de desenvolvimento. Entendemos que estes aspectos estão intimamente relacionados com as possibilidades de acesso a estímulos educacionais, ou seja, enaltecemos o lugar da escola enquanto espaço privilegiado de desenvolvimento e que, portanto, poderá, em maior ou menor medida (a depender do caráter de acesso e permanência), beneficiar esses sujeitos, o que melhor ressaltaremos, a seguir, ao explicitar a categoria educação.

EDUCAÇÃO

Consideramos que os processos educacionais estão intimamente relacionados aos cuidados integrais citados na categoria anterior, uma vez que os estímulos à autonomia dessa pessoa em desenvolvimento se atrelam às possibilidades reais de avanços e melhorias no quadro.

Smeha e Cezar (2011SMEHA, Luciane Najar; CEZAR, Pâmela Kurtz. A Vivência da Maternidade de Mães de Crianças com Autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcGX9LnwfvgqWpK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 30 abr. 2022.
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, p. 47) destacam que “o ambiente escolar é outra referência importante para os pais de autistas. Após a busca incansável por tratamentos para o filho, surge também a necessidade de integrá-lo à sociedade”. A escola revela-se, portanto, uma importante rede de apoio às famílias.

Em acréscimo ao papel educacional, as autoras se apoiam em Jerusalinsky (2007)JERUSALINSKY, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento infantil. 4. ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2007. para destacar, ainda, que serão inaugurados outros dilemas, uma vez que, considerando o parâmetro de agrupamento escolar dos alunos, baseado na faixa etária, este mecanismo gera impactos, visto que há uma tendência de que ocorram comparações entre esses sujeitos e os demais, frente aos marcos de desenvolvimento:

Integrar a criança à comunidade é um momento gerador de crise, pois já nas primeiras saídas, em locais onde estão outras crianças, é perceptível para os pais o surgimento da rejeição social. Por isso, o momento da entrada do filho na escola também materializa a questão da diferença e dos limites em relação à aprendizagem (JERUSALINSKY, 2007JERUSALINSKY, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento infantil. 4. ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2007., p. 6).

Entendemos que essa rejeição social pode estar ligada aos limites observados em relação à aprendizagem, comparados aos seus colegas, visto que eles percebem, muitas vezes, pouca possibilidade de troca junto ao aluno com TEA. Tais limites são construídos a partir de uma série de hiatos ao longo do processo de ensino e aprendizagem que as Salas de Recursos Multifuncionais (SRM)10 10 Definida como: “[...] um espaço organizado com equipamentos de informática, ajudas técnicas, materiais pedagógicos e mobiliários adaptados, para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos” (BRASIL, 2007, p. 1), tendo sido instituída pela Portaria Normativa nº 13, de 24 de abril de 2007, cujo objetivo é dar apoio aos sistemas públicos de ensino e organizar o Atendimento Educacional Especializado. tentaram dirimir. Entretanto, reconhecemos um equívoco na interpretação e na materialização da perspectiva da Educação Especial na escola regular, na qual se incluem estas SRMs, pois acreditamos que esta política deveria ocorrer de forma complementar/suplementar, e, não, como substitutiva, tal como viemos acompanhando no cenário nacional.

Os textos encontrados trazem, ainda, uma demanda, de certa forma silenciada, de a escola romper com sua distância regulamentar estabelecida entre os pais. Essa distância é materializada no portão da escola, onde os pais deixam seus filhos aos cuidados da instituição, a qual, por sua vez, desenvolve a sua rotina de trabalho pedagógico, independentemente da rotina doméstica dos alunos, que na maioria das vezes se adaptam não só às rotinas, mas às pessoas e, até, aos ambientes.

Por outro lado, marcamos a defesa que fazemos da parceria família-escola e a contrapomos à ideia de inserção da família apenas enquanto contingência às necessidades pontuais que se impõem ao cotidiano escolar, como explicitado no artigo de Smeha e Cezar (2011SMEHA, Luciane Najar; CEZAR, Pâmela Kurtz. A Vivência da Maternidade de Mães de Crianças com Autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcGX9LnwfvgqWpK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcG...
, p. 48): “ Só aceitam o ‘F1’ com a condição que eu ficasse esperando. Então agora faz três anos que ele se encontra na escola. Eu largo ele na porta, espero todo o período [...], e qualquer eventualidade eu tô aqui.”

Essas argumentações nos remetem à falta de estrutura (física, logística e de pessoal) ainda vigente nas instituições de ensino e também às dificuldades apontadas no lidar com as diferenças, o que compreendemos ser facilitado quando ocorre uma aproximação efetiva entre escola e famílias, já que estas trarão para este novo ambiente uma perspectiva socio-histórica, ou seja, a que referenda a legitimação dos processos vividos por esses sujeitos em diferentes contextos e tempos.

Mesmo reconhecendo que o cerne deste artigo não está na discussão das implicações desses processos no cenário recente de pandemia, admitimos que existiram especificidades que atravessaram esse período, no qual foi imposto o ensino híbrido e, com ele, a entrada da escola nas casas. Isso indicou a necessidade de se estabelecerem relações mais próximas e sinceras com as famílias, que se tornaram seus agentes em casa. Por intermédio das diferentes plataformas de comunicação e redes sociais, de um modo geral, a escola se aproximou dos pais.

Percebemos que os textos analisados discutiram sobre o processo de escolarização do aluno com autismo a partir de uma perspectiva de inclusão baseada mais no processo de desenvolvimento do que nas estratégias realizadas pelas instituições escolares. Ao mesmo tempo, creditamos à inclusão não apenas pessoas com deficiências, mas os contextos que acolhem cada ser humano, no tocante à sua participação social plena. Nesta ótica, as diferenças podem ser consideradas oportunidades de enriquecer as interações entre a comunidade escolar, de apostar na heterogeneidade como fator potencializador de ações pedagógicas diversificadas e estimulantes para a turma como um todo (SANTIAGO; SANTOS; MELO, 2017SANTIAGO, Mylene Cristina; SANTOS, Mônica Pereira dos; MELO, Sandra Cordeiro de. Inclusão em educação: processos de avaliação em questão. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 25, n. 96, p. 632-651, jul./set. 2017. Disponível em:https://doi.org/10.1590/s0104-40362017002500652. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/s0104-4036201700...
).

Na esteira do processo de inclusão voltado ao desenvolvimento do aluno, destacamos o estudo de Farias, Maranhão e Cunha (2008FARIAS, Iara Maria de; MARANHÃO, Renata Veloso de Albuquerque; CUNHA, Ana Cristina Barros da. Interação professor-aluno com autismo no contexto da educação inclusiva: análise do padrão de mediação do professor. Revista Brasileira de Educação Especial, Bauru, v. 14, n. 3, p. 365-384, dez. 2008. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S1413-65382008000300004. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S1413-6538200800...
), que investigou a prática profissional de duas professoras de classes de Educação Infantil com base na Teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada, de Reuven Feuerstein e Refael Feuerstein (1991FEUERSTEIN, Reuven; FEUERSTEIN, Refael S. Mediated Learning Experience: a theoretical review. In: FEUERSTEIN, Reuven; KLEIN, Pnina S.; TANNENBAUM, Abraham J. Mediated Learning Experience (MLE): theoretical, psychosocial and learning implications. London: International Center for Enhancement of Learning Potential, 1991. p. 3-51.). Segundo essa teoria, o professor é alguém que não se resume a um mero transmissor de conhecimentos, sendo aquele que pode ajudar o aluno a construir sentido sobre tais saberes. Esse estudo não deixa claro se as professoras conheciam essa teoria, o que, a nosso ver, faria diferença nas suas atuações e, imediatamente, nos remete ao debate sobre a formação docente e a importância de referendar a presença ou não de um profissional de apoio, como destacam Camargo et al. (2020CAMARGO, Síglia Pimentel Hoher; SILVA, Gabrielle Lenz da; CRESPO, Renata Oliveira; OLIVEIRA, Calleb Rangel de; MAGALHÃES, Suellen Lessa. Desafios no processo de escolarização de crianças com autismo no contexto inclusivo: diretrizes para formação continuada na perspectiva dos professores. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 36, p. 1-22, 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102-4698214220. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0102-4698214220...
):

A literatura nacional aponta que a grande maioria dos educadores não se sente preparada para as demandas exigidas pela inclusão escolar, demonstrando que a atuação do professor é fundamental para que a inclusão escolar ocorra de forma satisfatória (BOSA, 2006SEMENSATO, Márcia Rejane; BOSA, Cleonice Alves. Crenças Indicativas de Resiliência Parental no Contexto do Autismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 33, p. 1-10, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416. Acesso em: 30 abr. 2022.
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; SCHIMIDT et al., 2016). Além disso, para muitos professores, a possibilidade de inclusão de crianças com deficiências se refere àquelas que não necessitam que haja uma reestruturação e adaptação da escola (BOSA; CAMARGO, 2009SEMENSATO, Márcia Rejane; BOSA, Cleonice Alves. Crenças Indicativas de Resiliência Parental no Contexto do Autismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 33, p. 1-10, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416...
), como as crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). (CAMARGO et al., 2020BAIO, Jon et al. Prevalence of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years - Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2014. Morbidity and mortality weekly report, Washington, v. 67, n. 6, p. 1-23, 2018. Disponível em:https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6706a1. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.15585/mmwr.ss6706a1...
, p. 3).

Dentro da discussão sobre a formação de professores, algumas pesquisas situam o enfrentamento vivido, cotidianamente, pelos docentes de estudantes com TEA e que realçam as demandas específicas que os desafiam a uma ação mais flexível e reflexiva, sem receitas prontas nem estrutura definida. A presença desses alunos coloca o professor em posição de refazer constantemente a sua prática, atualizando-a frente às necessidades postas. Lemos, Nunes e Salomão (2020LEMOS, Emellyne Lima de Medeiros Dias; NUNES, Laísy de Lima; SALOMÃO, Nádia Maria Ribeiro. Transtorno do Espectro Autista e Interações Escolares: sala de aula e pátio. Revista Brasileira de Educação Especial, Bauru, v. 26, n. 1, p. 69-84, jan./mar. 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/s1413-65382620000100005. Acesso em: 13 maio 2022.
https://doi.org/10.1590/s1413-6538262000...
) apresentam estudos que sugerem regulações que precisam ser realizadas em sala de aula. Dentre elas, destacamos a modulação e entonação da fala dirigida a eles, a busca por atividades que façam sentido e que sejam acessíveis, tal como as aulas mais significativas. Aporta e Lacerda (2018APORTA, Ana Paula; LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de. Estudo de Caso sobre Atividades Desenvolvidas para um Aluno com Autismo no Ensino Fundamental I. Revista Brasileira de Educação Especial, Bauru, v. 24, n. 1, p. 45-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S1413-65382418000100005. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S1413-6538241800...
) relatam ainda sobre a necessidade de se utilizarem “procedimentos especiais” na estrutura do ensino do aluno com autismo, como a preparação dos assuntos a serem trabalhados, considerando o que o aluno já sabe, para, a partir daí, ampliar seus conhecimentos. A literatura mostra que é possível educar este aluno na sala de aula regular, contudo ressalta a urgência de investimento no processo de formação de professores.

Para nós, fica claro que o modelo de formação docente tal como ele vem, costumeiramente, se apresentando, não está funcionando mais. Defendemos a ideia de que, através da formação contextualizada de professores, pautada em aprendizagens experienciais, em processos formativos, será possível redimensionar suas práxis, contribuindo para uma transformação refletida nesses processos (PINAZZA; FOCHI, 2018PINAZZA, Mônica Appezzato; FOCHI, Paulo Sérgio. Desenvolvimento de profissionais da educação infantil: a perspectiva ecológica da formação em contexto. Cadernos de Pesquisa em Educação, Vitória, ano 15, v. 20, n. 47, p. 68-89, jan./jul. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.22535/cpe.v0i47.21332. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.22535/cpe.v0i47.21332...
). Entendemos que isso decorre de uma ótica pautada em contextos formativos dialógicos, ou seja, em uma formação entre pares, no “chão da escola”; isto é, educadores humanos e dialógicos seriam “o motor dos processos proximais”, contribuindo para “tornar humanos os seres humanos” (parafraseando Bronfenbrenner) “em um sistema educacional mais justo e solidário” (PINAZZA; FOCHI, 2018PINAZZA, Mônica Appezzato; FOCHI, Paulo Sérgio. Desenvolvimento de profissionais da educação infantil: a perspectiva ecológica da formação em contexto. Cadernos de Pesquisa em Educação, Vitória, ano 15, v. 20, n. 47, p. 68-89, jan./jul. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.22535/cpe.v0i47.21332. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.22535/cpe.v0i47.21332...
, p. 18).

Quando ressaltamos a dialogicidade e o caráter humano no âmbito da formação de professores, achamos imprescindível tecer relações não apenas entre estes aspectos e o contexto da docência; defendemos, sobretudo, ampliá-las para as demais relações sociais, especialmente o espaço privado das famílias desses sujeitos, uma vez que tais encadeamentos se constituem como primeiro e mais importante microssistema, portanto, estritamente vinculados ao caráter dos processos proximais. Essas questões serão melhor aprofundadas em algumas considerações na próxima categoria analisada.

RELAÇÕES FAMILIARES

Esta categoria reuniu 12 códigos relacionados e que serão discutidos, especialmente aqueles com maior número de citações, ou seja, família, mães e coparentalidade, por entendermos que foram estes os que receberam maior atenção nas pesquisas analisadas. Grande parte das pesquisas aponta para o lugar central do sujeito com TEA na família e suas repercussões. Esse sujeito, metaforicamente, é visto como um sol em torno do qual orbitam os demais elementos da família, como mostram Constantinidis, Silva e Ribeiro (2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
) ao destacarem o relato de uma mãe:

Não diria que seja ser um refém, mas é uma mudança radical [...] tudo mudou. Na verdade, tudo mudou, a rotina de casa mudou, estrutura dos móveis, a forma que ele chegava e largava uma mochila, uma bolsa. Então, mudou a vida de todo mundo [...] eu não vou a show na praia. Não vou em nada que tenha barulho. Não saio à noite (M1). (CONSTANTINIDIS; SILVA; RIBEIRO, 2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
, p. 52).

As autoras supracitadas descrevem que “as atividades diárias, as rotinas de horário, independentemente da singularidade de cada integrante da família, são alteradas” (CONSTANTINIDIS; SILVA; RIBEIRO, 2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
, p. 52). Isso impacta diretamente no cotidiano, especialmente no da mãe, que, na maioria das vezes, deixa de trabalhar para se dedicar integralmente aos cuidados do filho.

A rotina de cuidados, segundo elas, é árdua, difícil e cansativa, conforme refere a mãe P4: “Eu fico pensando como é que eu consigo? Eu fico pensando, meu Deus [...] às vezes, eu tô morta de cansada, mas eu [...] parece que tem uma coisa dentro de mim assim que eu quero mais [...]” (SMEHA; CEZAR, 2011SMEHA, Luciane Najar; CEZAR, Pâmela Kurtz. A Vivência da Maternidade de Mães de Crianças com Autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcGX9LnwfvgqWpK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcG...
, p. 46).

Em uma ótica que considera o desenvolvimento a partir dos processos proximais estabelecidos entre os diferentes sujeitos - neste caso, o microssistema familiar, ou seja, a relação entre pais e filhos (BRONFENBRENNER, 1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.) -, vimos o quanto o movimento de reestruturação dos papéis, das rotinas e, até fisicamente, dos locais onde residem, afeta este desenvolvimento, uma vez que a saúde mental, no caso do exemplo mencionado, da mãe, é impactada diretamente pela dedicação intensa, o que termina por gerar uma sobrecarga na sua vida. Isso nos remete à necessidade de que haja um cuidado e um apoio mais abrangentes na forma de políticas públicas, de atenção social, não apenas direcionadas à pessoa com TEA, e, sim, à família como um todo, mas especialmente para a mãe. Isso se explica pelo fato de que a precariedade deste suporte ao microssistema familiar impacta, em maior ou menor medida, o desenvolvimento do filho. O acesso à escola, às consultas médicas, psicológicas e fonoaudiológicas desencadeia uma dinâmica de desenvolvimento infinitamente diferente dos casos em que este acesso é restrito ou negado. Em um país economicamente tão desigual quanto o Brasil, ter acesso a bens e serviços é exceção!

Ainda nesta seara, os estudos de Bonfim et al. (2020BONFIM, Tassia de Arruda; GIACON-ARRUDA, Bianca Cristina Ciccone; HERMES-ULIANA, Catchia; GALERA, Sueli Aparecida Frari; MARCHET, Maria Angélica. Vivências Familiares na Descoberta do Transtorno do Espectro Autista: Implicações para a Enfermagem Familiar. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 76, n. 6, p. 1-9, 2020. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0489. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
) e Pinto et al. (2016PINTO, Rayssa Naftaly Muniz; TORQUATO, Isolda Maria Barros; REICHERT, Altamira Pereira da Silva; SOUZA NETO, Vinicius Lino de; SARAIVA, Alynne Mendonça. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 1-9, 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.61572. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
) destacam a preocupação das mães quanto à ausência de apoio oferecido pelos demais membros da família, especialmente pelo pai, o que termina por refletir em outras esferas da vida materna, sobretudo a profissional, e alertam para o fato de que “[...] a dedicação integral e a centralização do cuidado assumido pela mãe, a qual ainda precisa abdicar-se da carreira profissional e dividir-se entre os outros filhos, marido e tarefas domésticas, pode gerar importantes repercussões físicas e mentais” (PINTO et al., 2016PINTO, Rayssa Naftaly Muniz; TORQUATO, Isolda Maria Barros; REICHERT, Altamira Pereira da Silva; SOUZA NETO, Vinicius Lino de; SARAIVA, Alynne Mendonça. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 1-9, 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.61572. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
, p. 8).

Soma-se a isso a discussão sobre os papéis de cuidar e prover, o primeiro socialmente localizado em um âmbito mais interno/privado, o da mãe, ao passo que o segundo, o do pai, compreenderia uma abrangência mais externa/pública, como nos informa o estudo de Smeha e Cezar (2011SMEHA, Luciane Najar; CEZAR, Pâmela Kurtz. A Vivência da Maternidade de Mães de Crianças com Autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcGX9LnwfvgqWpK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcG...
), o que, no nosso entender, reverbera no potencial de coparentalidade e sua repercussão no processo de desenvolvimento: “Os maridos contribuem principalmente com o apoio econômico, uma vez que as mulheres renunciaram a sua carreira profissional. De acordo com Núñes (2007), enquanto a mulher fica em casa para cuidar do filho, cabe ao marido trabalhar fora e se encarregar do sustento financeiro.” (SMEHA; CEZAR, 2011SMEHA, Luciane Najar; CEZAR, Pâmela Kurtz. A Vivência da Maternidade de Mães de Crianças com Autismo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50, jan./mar. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcGX9LnwfvgqWpK/abstract/?lang=pt . Acesso em: 30 abr. 2022.
https://www.scielo.br/j/pe/a/QypM8WrpBcG...
, p. 47).

Constantinidis, Silva e Ribeiro (2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
, p. 53) reforçam essa questão e acrescentam a discussão sobre a aceitação do quadro, após a confirmação do diagnóstico. Segundo as autoras, “a família é um elemento importante nesse suporte, mas nem sempre disponível para essa mãe”.

Eu não tive muito tempo para raciocinar, né, mas para mim o pior de tudo do diagnóstico foi o pai não aceitar, né. O pai dele nunca aceitou. Agredia muito ele. [...] Eu era casada, mas o pai nunca aceitou levar o J. em tratamento, nunca. E isso eu tive que bater de frente com ele porque ele não aceitava que o filho dele frequentasse uma APAE11 11 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. . Ele nunca aceitou, ele nunca aceitou (M3) (CONSTANTINIDIS; SILVA; RIBEIRO, 2018CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid; SILVA, Laila Cristina da; RIBEIRO, Maria Cristina Cardoso. “Todo mundo quer ter um filho perfeito”: vivências de mães de crianças com autismo. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 1, p. 47-58, jan./mar. 2018. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1413-82712018230105. Acesso em: 25 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1413-82712018230...
, p. 53).

No escopo da nossa análise e ainda no que se refere ao microssistema familiar, foi possível identificar que a presença dos irmãos na família e a sua interação com o irmão autista podem representar oportunidades de interação e processos proximais mais ricos, que venham a contribuir para o desenvolvimento de ambos. Nesse sentido, Pinto et al. (2016PINTO, Rayssa Naftaly Muniz; TORQUATO, Isolda Maria Barros; REICHERT, Altamira Pereira da Silva; SOUZA NETO, Vinicius Lino de; SARAIVA, Alynne Mendonça. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 1-9, 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.61572. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
) esclarecem que sentimentos como a preocupação, a paciência e o amor foram observados nos irmãos e em suas relações com o irmão com autismo, apesar do compreensível sentimento de ciúmes. “[...] A relação com os irmãos é muito boa. Eles gostam muito dele. Eles dormem com ele, tem carinho. Sempre foi assim (E7).” (PINTO et al., 2016PINTO, Rayssa Naftaly Muniz; TORQUATO, Isolda Maria Barros; REICHERT, Altamira Pereira da Silva; SOUZA NETO, Vinicius Lino de; SARAIVA, Alynne Mendonça. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 1-9, 2016. Disponível em:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.61572. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
, p. 7).

Outro aspecto evidenciado nos estudos foi que, no geral, as famílias nutrem expectativas de que o filho venha a se desenvolver, especialmente no que se refere à área da linguagem, para que, assim, adquira maior independência, podendo frequentar a escola e se relacionar melhor com outras pessoas. Semensato e Bosa (2017SEMENSATO, Márcia Rejane; BOSA, Cleonice Alves. Crenças Indicativas de Resiliência Parental no Contexto do Autismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 33, p. 1-10, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416...
, p .6) trazem o relato de uma mãe dizendo que “[...] ainda espero que o João fale e que falando ele aprenda mais as rotinas, assim, do dia a dia, e que ele possa, se ele falar, que ele possa frequentar uma escola regular”.

Dentro do rol das projeções familiares quanto ao desenvolvimento da pessoa com TEA, há um grande temor quanto à incerteza de seu futuro, fazendo com que a busca pela superação do quadro permita uma vida mais independente e autônoma, tal como nos informam Semensato e Bosa (2017SEMENSATO, Márcia Rejane; BOSA, Cleonice Alves. Crenças Indicativas de Resiliência Parental no Contexto do Autismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 33, p. 1-10, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416...
):

Já o medo de que o filho precise de cuidados contínuos gera um Senso de Desamparo nos casais: “todos dizem sempre que a gente não deve pensar nisso, mas a gente tem medo do futuro... Ele vai durar muito ainda e eu não... e aí quem é que vai cuidar dele? Ele vai viver sozinho? Aonde? Como? Com quem? Não, né” [M5]. (SEMENSATO; BOSA, 2017SEMENSATO, Márcia Rejane; BOSA, Cleonice Alves. Crenças Indicativas de Resiliência Parental no Contexto do Autismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 33, p. 1-10, 2017. Disponível em:https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416. Acesso em: 30 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/0102.3772e33416...
, p. 6).

Tais apontamentos nos levam a crer que, embora o papel da família não seja único ou preponderante quanto ao desenvolvimento dos sujeitos com autismo, ele é extremamente importante, visto que é neste núcleo que são instauradas as primeiras e mais fortes relações afetivas e sociais das pessoas, sejam elas com TEA ou não, e que poderão ocorrer ou serem ampliadas para os demais contextos (escolar e terapêutico, por exemplo).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na revisão integrativa da literatura realizada, os relatos coletados anunciaram e denunciaram realidades, o que nos permitiu identificar e evidenciar algumas lacunas teórico-analíticas. A Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.), subsidiada pela ferramenta do software Atlas.ti, viabilizou o levantamento de três categorias emergentes - diagnóstico e saúde, educação e relações familiares -, que, por sua vez, foram analisadas tendo por base as perspectivas teórico-metodológicas de Vygotsky (2003VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) e Bronfenbrenner (1996BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.). Tal análise nos possibilitou relacionar as questões pessoais com as sociais, tomando por base as relações socio-históricas e bioecológicas que envolvem a vida dos sujeitos pesquisados.

Na primeira categoria, como relatamos, foram proeminentes os seguintes aspectos: a espera e a confirmação do diagnóstico de TEA; a oferta insuficiente ou inadequada de serviços (públicos ou não) voltados ao suporte social; e a discussão sobre a fase adulta dessas pessoas, destacando a invisibilidade ocorrida. A segunda, educação, por sua vez, trouxe dados que trataram das seguintes questões: a importância da escola; o distanciamento entre os sistemas: família e escola; e a falta de estrutura da escola para efetivos atendimentos aos sujeitos com TEA, com destaque para a deficitária formação de professores. A terceira e última delas, relações familiares, evidenciou a alteração na rotina familiar, particularmente da mãe; a ausência de apoio dos demais membros, sobretudo a do pai; e o caráter de participação dos irmãos nesse desenvolvimento.

A pesquisa realizada destacou que o nascimento de um filho com autismo inicia um processo complexo de descobertas frente ao diagnóstico e de reconfiguração familiar; que os apoios recebidos, ou não, contribuem diretamente para o processo de desenvolvimento dessa pessoa. Sinalizou, ainda, que processos proximais mais efetivos supõem o aprimoramento das relações, o contato entre as pessoas, inclusive os virtuais, com estímulos visuais, auditivos, com interesses mútuos, promovendo uma estrutura relacional de confiança. Os estudos mostraram que, na bioecologia da pessoa com autismo, está a família nuclear encabeçada por uma mãe sobrecarregada e pouco assistida, a insuficiência dos serviços disponíveis, públicos ou privados, e o sistema de ensino como um todo.

Um hiato observado foi a precariedade de apoio e assistência às mães das pessoas com TEA, já que elas se constituem as figuras mais próximas a esses sujeitos e que, dentro da perspectiva teórica adotada, tratando dos processos proximais, ilustram a interferência desta falta no processo de desenvolvimento do filho. O que observamos é que a mãe funciona como o principal suporte e precisa entrar no foco das atenções das políticas públicas de saúde e educação, sob pena de todos os esforços, até então empreendidos, fracassarem.

Finalmente, a análise ainda ressaltou que a escola representa uma das instituições mais importantes de apoio às famílias; contudo, necessita de investimentos em formação de professores para o processo de inclusão. Isso, no nosso entender, estaria versando em uma perspectiva que compreende o desenvolvimento profissional dos professores enquanto uma relação bioecológica, ou seja, envolvendo o processo de interação mútua e progressiva entre docentes ativos e em crescimento e ambientes afetados por constantes transformações. Portanto, defendemos o caráter contextual e processual dessa formação, uma vez que as inter-relações se dão tanto entre os contextos mais imediatos quanto nos mais amplos nos quais os professores interagem.

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  • VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A formação social da mente 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • 1
    Este artigo tem algumas limitações no âmbito das várias fontes de pesquisa disponíveis, uma vez que não foram pesquisados artigos publicados em anais de eventos, nem outras bases de dados internacionais.
  • 2
    Essas dimensões são exploradas de forma detalhada em Bronfenbrenner (1996) e Senna (2011).
  • 3
    Nossa opção em utilizar a palavra desenvolvimento no plural está afinada com os pressupostos de Morin (2000), sobretudo quando ele discute sobre unitas multiplex, referendando o que considera preponderante à educação do futuro, tratando das dimensões da unidade e diversidade humana. Segundo Morin (2000, p. 55), “[...] é imprescindível que se cuide para que a ideia da unidade da espécie humana não apague a ideia da diversidade e que a de sua diversidade não apague a da unidade”, ou seja, reiteramos com a palavra “desenvolvimentos” o que Morin (2000) referenda ao discorrer sobre a importância de concebermos a unidade do múltiplo e a multiplicidade do uno.
  • 4
    Rede de Atenção Psicossocial.
  • 5
    Sistema Único de Saúde.
  • 6
    Centro de Atenção Psicossocial.
  • 7
    Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil.
  • 8
    Entendemos por suporte social aquele advindo do diagnóstico referente ao CID (F84), visto que ele oportuniza às famílias solicitar benefícios como o previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e, até, os subsídios na compra de automóveis, entre outros que ultrapassam a questão financeira.
  • 9
    Abordagem multidisciplinar que se contrapõe à biomédica e compreende as dimensões biológica, psicológica e social de um indivíduo, considerando o ambiente em que vive e as suas relações sociais.
  • 10
    Definida como: “[...] um espaço organizado com equipamentos de informática, ajudas técnicas, materiais pedagógicos e mobiliários adaptados, para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos” (BRASIL, 2007, p. 1), tendo sido instituída pela Portaria Normativa nº 13, de 24 de abril de 2007BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 13, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a criação do "Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais". Brasília, DF: Ministério da Educação, 2007. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=9935-portaria-13-24-abril-2007&Itemid=30192 . Acesso em: 25 abr. 2022.
    http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
    , cujo objetivo é dar apoio aos sistemas públicos de ensino e organizar o Atendimento Educacional Especializado.
  • 11
    Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2022
  • Aceito
    03 Jan 2023
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