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JUVENTUDE E ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: SOBRE O NÃO LUGAR DE VESTIBULANDO 1 1 Editoras participantes do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes e Juliana Batista dos Reis.

JÓVENES Y ACCESO A LA EDUCACIÓN SUPERIOR: SOBRE EL NO LUGAR DEL ESTUDIANTE DEL CURSO PREPARATORIO

RESUMO:

O texto objetiva entender os desafios e as perspectivas de jovens de camadas populares sobre a transição para o ensino superior. Baseia-se em um trabalho de campo realizado em Brasília/Distrito Federal no ano de 2018 que contou com a aplicação de mais de 200 questionários em cursinhos pré-vestibulares comunitários e entrevistas com 20 vestibulandos. Os resultados indicam a existência de um não lugar de vestibulando caracterizado pela ausência de vínculos entre os indivíduos e as instituições de ensino ou de trabalho. Há uma fricção entre lógicas de ação que se encontram e se combinam contraditoriamente nas falas dos jovens: ora percebe-se o ensino superior como uma vocação a ser reivindicada pelo esforço, ora como uma entre outras oportunidades para se “correr atrás”. Por um lado, perspectivas meritocráticas estimulam os jovens a investirem em opções de cursos, carreiras e instituições mais ousadas, alegadamente relacionadas à sua vocação pessoal; por outro lado, os sucessivos fracassos nas tentativas de transição ou as dificuldades prévias em suas trajetórias escolares os forçam a optarem por caminhos mais pragmáticos, reproduzindo lógicas de “viração” que marcam suas experiências para além do campo educacional. Essa discussão elucida de que forma o processo de expansão do ensino superior respondeu por uma alteração na maneira pela qual o próprio acesso à educação é entendido.

Palavras-chave:
educação superior; desigualdades; meritocracia; sociologia da juventude

RESUMEN:

El texto pretende comprender los retos y las perspectivas de los jóvenes de los estratos populares sobre la transición a la educación superior. Se basa en un trabajo de campo realizado en Brasilia/Distrito Federal en el año 2018 que contó con la aplicación de más de doscientos cuestionarios en cursos preuniversitarios comunitarios y entrevistas con veinte postulantes. Los resultados indican la existencia de un no-lugar de postulante caracterizado por la ausencia de vínculos entre los individuos y las instituciones educativas o laborales. Hay una fricción entre lógicas de acción que se encuentran y combinan contradictoriamente en los discursos de los jóvenes: a veces perciben la educación superior como una vocación que hay que reclamar con esfuerzo, a veces como una entre otras oportunidades para “correr detrás”. Por un lado, las perspectivas meritocráticas estimulan a los jóvenes a invertir en opciones de cursos, carreras e instituciones más atrevidas, supuestamente relacionadas con su vocación personal; por otro lado, los sucesivos fracasos en los intentos de transición o las dificultades previas en sus trayectorias escolares les obligan a optar por caminos más pragmáticos, reproduciendo lógicas de “arreglarse” que marcan sus experiencias más allá del ámbito educativo. Este debate aclara cómo el proceso de expansión de la enseñanza superior respondió a un cambio en la forma de entender el acceso a la educación en sí.

Palabras clave:
educación superior; desigualdades; meritocracia; sociología de la juventud

ABSTRACT:

The text aims to understand the challenges and perspectives of young people from working-class backgrounds about the transition to higher education. It is based on fieldwork carried out in Brasilia/Federal District in 2018 that draws on the application of more than two hundred questionnaires in community-based preparatory courses and interviews with twenty youngsters. The results indicate the existence of a non-place of a preparatory course student characterized by the absence of links between individuals and educational or work institutions. There is a friction between logics of action that contradictorily meet and combine in the statements of the interviewees: sometimes they perceive higher education as a vocation to be claimed through effort, sometimes as one among other opportunities to “chase after.” On one hand, meritocratic perspectives stimulate them to invest in options of programs, careers, and institutions that are more daring, allegedly related to their personal vocation; on the other hand, the successive failures in the transition attempts or the previous difficulties in their school trajectories force them to opt for more pragmatic paths, reproducing logics of “knowing how to get by” that mark their experiences beyond the educational field. This discussion elucidates how the expansion process of higher education has responded to a change in the way that access to education itself is understood.

Keywords:
higher education; inequalities; meritocracy; sociology of youth

INTRODUÇÃO

Em uma metáfora conhecida na literatura sociológica, Souza (2012SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2. ed., 2012.) cunha o termo “batalhadores” para se referir ao que o autor chama de “nova classe trabalhadora”, em contraposição à tese de que estaria em curso, após 2003, a formação de uma “nova classe média” no Brasil. Esta, descrita por Neri (2021NERI, Marcelo. A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo: Editora Benvirá, 2021.) originalmente em 2008, seria oriunda da elevação dos rendimentos médios populacionais por consequência da redução do desemprego, da valorização do salário-mínimo, das políticas de transferência de renda, entre outras medidas que teriam gerado mutações na estrutura de classes do país. Entretanto, segundo Ribeiro e Carvalhaes (2020RIBEIRO, Carlos; CARVALHAES, Flavio. Estratificação e mobilidade social no Brasil: uma revisão da literatura na sociologia de 2000 a 2018. BIB: Revista Brasileira De Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 92, p. 1-46, 2020. Disponível em:<Disponível em:https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/504 >. Acesso em:13/09/2023.
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), o rápido anacronismo do sintagma “nova classe média”, depois da crise econômica de meados da década de 2010, sugere ser mais correta a interpretação de que a elevação no padrão de vida das camadas populares significou, na melhor das hipóteses, um aumento em seu poder de consumo. O crescimento do desemprego, aliado à informalidade também crescente, tem levado à queda nos rendimentos médios e corrosão do poder de compra das famílias, somada a uma desconfiança em torno da razão de ser do poder público, que se manifesta em posicionamentos de rejeição da própria esfera política (CARVALHO, 2018CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.). Se for consenso que o breve período de prosperidade dos últimos 20 anos não construiu uma “nova classe média”, mais difícil é caracterizar o que emergiu desse processo. Há uma nova classe trabalhadora no Brasil? Se sim, o que é novo e o que é antigo entre os batalhadores?

Sem a pretensão de esgotar essas perguntas, esta pesquisa procura entender uma dimensão educacional dos batalhadores. Uma grande parcela dos jovens que diplomaram o ensino médio nas últimas décadas constitui uma nova geração de estudantes que logram a condição de vestibulandos (FELICETTI; MOROSINI; CABRERA, 2019FELICETTI, Vera; MOROSINI, Marília; CABRERA, Alberto. Estudante de primeira geração (P-Ger) na educação superior brasileiro. Cadernos de Pesquisa, v. 49, n. 173, p. 28-43, 2019. <https://doi.org/1590/0104-4060.66841>
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). São moças e rapazes que representam a elevação da escolaridade média populacional e o aumento da demanda pelo ensino universitário, para quem o diploma de graduação passa a ser apreendido “na condição de um destino possível embora, de modo algum, provável, nem tampouco naturalizado” (BONALDI, 2015BONALDI, Eduardo. Tentando chegar lá: as experiências sociais de jovens em um cursinho popular de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015., p. 30). São jovens que vivenciam o crescimento da oferta de vagas no ensino superior, a adoção de políticas de ação afirmativa, a expansão da rede de seguridade social e a predominância do setor terciário na economia, ao mesmo tempo em que percebem o desemprego resultante da crise recente, a desvalorização dos diplomas de nível superior e as ameaças iminentes à continuidade de medidas inclusivas. Por excelência, os jovens são o maior termômetro de seu tempo, parafraseando Leccardi (2005LECCARDI, Carmen. Para um novo significado do futuro: mudança social, jovens e tempo. Tempo Social, v. 17, n. 2, p. 35-57, 2005. <https://doi.org/1590/S0103-20702005000200003>
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, p. 45), e o tempo que temos vivido no Brasil de 2015 em diante é revelador das disputas em torno do presente e do futuro dessa juventude.

Em Brasília - foco deste artigo -, esse quadro se torna ainda mais instigante, por se tratar de uma unidade federativa com forte vocação ao nível superior. Em âmbito nacional, a taxa líquida de escolarização2 2 Proporção de jovens de 18 a 24 anos que frequenta ou que já concluiu uma graduação; também chamada de “taxa líquida de matrícula ajustada”. para a população de 18 a 24 anos superou o patamar de 25% depois de 2018. De acordo com levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2020INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Relatório do 3o ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação: 2020. Brasília: Inep.), essa mesma taxa evoluiu, no Distrito Federal (DF), de 38% em 2012 para 42% em 2019. Ainda, 89% dos jovens brasilienses egressos do ensino médio em 2012 obtiveram uma vaga no ensino superior até cinco anos pós-conclusão da educação básica, percentual que faz com que Brasília esteja entre os cinco municípios de grande porte com as maiores taxas de transição médio-superior e na liderança entre as metrópoles (SENKEVICS, 2021SENKEVICS, Adriano; CARVALHAES, Flavio; RIBEIRO, Carlos. Mérito ou berço? Origem social e desempenho no acesso ao ensino superior. Cadernos de Pesquisa, v. 52, p. 1-25, 2022. <https://doi.org/1590/198053149528>
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). Portanto, ao abordar os jovens da capital federal em busca de uma vaga no nível superior, estamos falando de uma população que vivencia um espaço-tempo de maiores oportunidades de acesso da história nacional.

Longe de dispensar um olhar mais atento às desigualdades, essa constatação, pelo contrário, torna mais instigante a percepção dos limites e contradições da ampliação do acesso à graduação no país. Se, por um lado, o debate sobre a democratização do acesso tem sido pautado pelo reconhecimento do caráter elitista do nível superior, da seletividade das universidades públicas e do filtro socioeconômico exercido tanto pelos concorridos vestibulares quanto pelas mensalidades do setor privado (SANTOS, 2018SANTOS, Raquel. E depois da escola?Desafios de jovens egressos do ensino médio público na cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Educação). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018.), por outro lado, não deixa de ser interessante perceber como essas barreiras, filtros e constrangimentos encontram ou não alguma debilidade em um cenário que nunca se apresentou como tão favorável ao ingresso desses jovens, ao menos para os duros parâmetros nacionais.

Nesse sentido, o objetivo deste texto é discutir como os jovens entendem o acesso à educação superior à luz de suas experiências na transição do ensino médio ao superior. Para tanto, baseamo-nos em dados qualitativos de questionários e entrevistas em um estudo de caso no DF respondidos por jovens egressos do ensino médio que, no ano de 2018, encontravam-se na condição de vestibulandos. Estes, majoritariamente vinculados a cursos pré-vestibulares comunitários, em sua grande maioria, já tinham experimentado frustrações em pelo menos uma tentativa de ingresso e/ou até mesmo interrupções em seu percurso escolar nos ensinos fundamental e médio. O modo como esses jovens lidam com esses elementos é revelador de um conflito entre lógicas de ação que se combinam e tensionam as perspectivas dos jovens. Há, por um lado, uma visão meritocrática de acreditar no esforço como chave para ingressar no ensino superior; e, por outro lado, uma orientação pragmática que enfatiza a importância de “correr atrás”, isto é, saber aproveitar as oportunidades que surgem, mesmo que isso implique sacrificar ou mesmo ignorar planos de longo prazo. Essa tensão é explorada para iluminar como a expansão educacional pode ter modificado a própria maneira como o ensino superior é entendido pelos jovens candidatos.

CONTEXTO EDUCACIONAL E LABORAL DA JUVENTUDE

A expansão do acesso à educação superior, aliada à contínua participação juvenil no mercado, torna importante revisitar o tema da combinação entre estudo e trabalho, como preconiza Guimarães (2020GUIMARÃES, Nadya. Apresentação: os jovens brasileiros e o trabalho: desafios que se atualizam. Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 465-473, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030001>
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). A socióloga observa que a literatura sobre juventude tem alertado cada vez mais para a “dificuldade de reduzir as transições a sequências lineares e unidirecionais que levariam os jovens da saída da escola à entrada no mercado de trabalho e à saída da casa familiar” (p. 466). Por mais que vínculos sejam estabelecidos com o ambiente de estudo e/ou local de trabalho, há uma miríade de condições intermitentes abertas à experimentação. Por estar mais exposta do que os adultos a distintas instâncias de socialização, a juventude reflete mais imediatamente mutações nas formas pelas quais a sociedade produz indivíduos (DAYRELL, 2007DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1.105-1.128, 2007. <https://doi.org/1590/S0101-73302007000300022>
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). Aqui, interessa-nos em especial como a expansão do ensino superior das últimas três décadas remodela tais experiências.

Enunciar os jovens como representantes de uma primeira geração que alcança ou luta para alcançar os bancos universitários não deve servir para escamotear os custos e dificuldades desse processo. Sem resvalar para uma romantização, a jornada de cada um deles é penosa e de desfecho incerto. O apoio familiar, longe de estar dado, é negociado, pois a experiência de ocupar essa posição incerta entre a saída do ensino médio e a entrada no ensino superior “não tem lastro em repertório familiar” (ABRAMO; VENTURI; CORROCHANO, 2020ABRAMO, Helena; VENTURI, Gustavo; CORROCHANO, Maria Carla. Estudar e trabalhar: um olhar qualitativo sobre uma complexa combinação nas trajetórias juvenis. Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 523-542, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030004>
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, p. 536). Para muitos pais e mães, esse tempo de espera entre os dois níveis de ensino é pouco compreensível e, assim, pouco legitimado. Daí decorrem as pressões para que ingressem no mercado de trabalho, reproduzindo escolhas que teriam sido tomadas pela geração anterior diante dos mesmos impasses. Essa tensão vivenciada pelos jovens remete a particularidades da inserção da juventude no mercado de trabalho e, mais especificamente, a essa inserção após a crise econômica de 2015-2016.

Em um olhar panorâmico de 1960 a 2010, Guimarães, Barone e Brito (2015GUIMARÃES, Nadya; BARONE, Leonardo; BRITO, Murillo. Mercado e mercantilização do trabalho no Brasil (1960-2010). In: ARRETCHE, Marta(Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp/CEM, 2015, p. 395-421.) argumentam que houve uma reconfiguração do mercado de trabalho no Brasil: as atividades industriais e de serviços tornaram-se predominantes sobre as agrícolas, em espaços urbanos crescentemente concentrados; a população economicamente ativa teve seu perfil alterado com a participação maciça das mulheres; e a qualificação da mão de obra se elevou em paralelo à retração do trabalho de crianças e adolescentes. Essas transformações das relações de trabalho, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, estiveram associadas a um “imenso contingente de trabalhadores que pareciam não ter lugar nas relações formais e regulamentadas de trabalho”, nos dizeres de Abílio (2014ABÍLIO, Ludmila. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo: Boitempo/Fapesp, 2014., p. 57). Isso ficou flagrante no cenário pandêmico pela dificuldade de se localizar massas de trabalhadores para o pagamento do auxílio emergencial, na medida em que a rede de proteção fora desenhada para empregados formais com tempo mínimo de exercício. Porém, muito antes de a pandemia expor tais fragilidades, a literatura já vinha colocando em xeque uma compreensão de relações trabalhistas centrada na noção de formalidade e que insistia em entender como residual ou temporário o contingente de informais (ABÍLIO, 2014ABÍLIO, Ludmila. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo: Boitempo/Fapesp, 2014.).

Entre 1981 e 2010 - décadas marcadas pela redemocratização, estabilização da moeda, políticas de combate à pobreza, diminuição paulatina das desigualdades de renda e baixo crescimento econômico -, evoluiu de 46% para 55% a proporção da força de trabalho com algum vínculo formal, tanto em contratos de assalariamento registrado quanto contribuição individual à previdência (COMIN, 2015COMIN, Álvaro. Desenvolvimento econômico e desigualdades no Brasil: 1960-2010. In: ARRETCHE, Marta. (Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp/CEM, 2015, p. 367-394.). Esse quadro reforça a impressão de que, para a maioria dos jovens e adultos brasileiros, a realidade do mercado de trabalho sempre esteve mais próxima da instabilidade do que da segurança, da precariedade do que da proteção, e, por isso, é atravessada por “idas e vindas e de um constante se virar para conseguir ganhar a vida” (CORROCHANO, 2014CORROCHANO, Maria Carla. Jovens no ensino médio: qual o lugar do trabalho? In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo; MAIA, Carla (Orgs.). Juventude e ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014, p. 205-228., p. 211, grifos da autora). Daí deriva o diagnóstico de Telles (2006TELLES, Vera. Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo Social, v. 18, n. 1, p. 173-195, 2006.) de que é um traço constitutivo da sociedade brasileira a “viração” - termo coloquial que define “a provisoriedade das ocupações que garantem a sobrevivência [...], os ‘bicos’ e as ocupações extremamente vulneráveis que estruturam a vida de muita gente” (ABÍLIO, 2014ABÍLIO, Ludmila. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo: Boitempo/Fapesp, 2014., p. 14). Sem vínculos trabalhistas, ou mesmo sem a garantia de obtê-los em um futuro próximo, o que importa para muitos brasileiros é “correr atrás”, mantra que popularmente se diz representar o DNA do nosso povo.

Essas dificuldades de inserção segura, estável e qualificada no mercado amplificam-se em se tratando dos jovens. Entre a população de 15 a 29 anos, a recessão econômica deflagrada nos últimos anos quase dobrou a taxa de desemprego, que foi de 15,1% para 24,9% entre os primeiros trimestres de 2015 e 2017, respectivamente (CORSEUIL; FRANCA; POLOPONSKY, 2020CORSEUIL, Carlos; FRANCA, Maíra; POLOPONSKY, Katcha. A inserção dos jovens brasileiros no mercado de trabalho num contexto de recessão. Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 501-520, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030003>
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). Uma vez sem emprego, cresce a probabilidade de o jovem permanecer nessa condição, o que resulta em aumento do desemprego de longo prazo e do desalento, respectivamente, na casa dos 38,0% e 4,5% após o auge da recessão, isso tudo em um cenário anterior à pandemia, cujas consequências sobre a juventude são presumivelmente negativas.

O que se pode esperar desse quadro, agravado pela crise, sobre a situação laboral e educacional da juventude brasileira? Dois pontos merecem atenção. O primeiro é a dificuldade crescente de exercer em algum grau a moratória do mercado de trabalho, isto é, o adiamento do ingresso no mercado, geralmente para fins educacionais (SPOSITO; TARÁBOLA, 2017SPOSITO, Marília; TARÁBOLA, Felipe. Entre luzes e sombras: o passado imediato e o futuro possível da pesquisa em juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 71, p. 1-25, 2017. <https://doi.org/1590/S1413-24782017227146>
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). Se, por um lado, não se deve opor o trabalho ao estudo como se fossem duas condições excludentes, por outro lado, também não se pode deduzir que a deterioração dos postos de trabalho não seja um fator comprometedor da frequência escolar e do cultivo de perspectivas de longo prazo (GUIMARÃES; BRITO; COMIN, 2020GUIMARÃES, Nadya; BRITO, Murillo; COMIN, Álvaro. Trajetórias e transições entre jovens brasileiros: pode a expansão eludir as desigualdades? Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 475-498, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030002>
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). Como descreve Corrochano (2014CORROCHANO, Maria Carla. Jovens no ensino médio: qual o lugar do trabalho? In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo; MAIA, Carla (Orgs.). Juventude e ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014, p. 205-228., p. 213), a figura do “jovem trabalhador” não é estranha à sociedade brasileira; a novidade é que esse jovem agora pode sonhar com o estudo - os caminhos são diversos e, com frequência, é o estudo que deve ser conciliado com o trabalho, e não o contrário (COMIN; BARBOSA, 2011COMIN, Álvaro; BARBOSA, Rogério. Trabalhar para estudar: sobre a pertinência da noção de transição escola-trabalho no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, v. 91, p. 75-95, 2011. <https://doi.org/1590/S0101-33002011000300004>
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).

Em compensação, essa reflexão não deve anular a crítica de que as ocupações da juventude periférica são o elo mais precarizado da cadeia produtiva, situação se manifesta nas frágeis relações de trabalho. Isso nos conduz ao segundo ponto a respeito dos efeitos da crise sobre a juventude: as transformações no mercado de trabalho têm intensificado a necessidade de “se virar” por meio do fenômeno da “uberização”.3 3 “A uberização nomeia uma nova forma de controle, gestão e organização do trabalho, na qual os trabalhadores tornam-se nanoempreendedores de si próprios [...] desprovidos de direitos e garantias, ao mesmo tempo em que arcam com riscos e custos de sua atividade, se autogerenciam e estão subordinados às empresas-aplicativo [...] em formas mais difíceis de reconhecer e mapear” (ABÍLIO, 2019, p. 7). Consequência disso é a corrosão, nos tempos recentes, da chamada “sociedade salarial”. Mais do que o predomínio de um tipo de vínculo trabalhista, a sociedade salarial deve ser entendida como uma forma de integração social em que o assalariamento - com remuneração regular, jornada de trabalho, direitos trabalhistas e proteção social - dava os contornos políticos e culturais do pleno emprego (ABÍLIO, 2014ABÍLIO, Ludmila. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo: Boitempo/Fapesp, 2014.): todos ganham salário, todos têm profissões, todos pagam impostos e todos usufruem de uma rede de proteção.

A solução provisória dos conflitos distributivos patrocinada pelo Estado em uma sociedade de mercado demonstra que mesmo a mais tímida das redistribuições de renda esbarra em conflitos de classe e nos imperativos econômicos da acumulação, de modo que o fenômeno do welfare state euro-americano se apresenta como uma exceção, embora permaneça em nossos horizontes como a regra. Como exceção que é, deve ser interpretado na esteira de Piketty (2014PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.) como um acidente histórico, produto de circunstâncias históricas específicas que não aludem nem a tendências seculares de modernização, nem a lógicas intrínsecas da atual fase do capitalismo mundial. O argumento que pretendemos enfatizar ao longo do texto é: a extensão da “viração” indica uma nova dinâmica social que é vivida pelos jovens antes de qualquer outro grupo e incide com força sobre suas perspectivas de acesso ao ensino superior.

TRABALHO DE CAMPO

Este texto baseia-se em pesquisa empírica desenvolvida por Senkevics (2021)SENKEVICS, Adriano; CARVALHAES, Flavio; RIBEIRO, Carlos. Mérito ou berço? Origem social e desempenho no acesso ao ensino superior. Cadernos de Pesquisa, v. 52, p. 1-25, 2022. <https://doi.org/1590/198053149528>
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em 2018 mediante questionários e entrevistas. O questionário, aplicado com base em uma amostra não probabilística, objetivou levantar características sociodemográficas e educacionais de estudantes de cursos pré-vestibulares comunitários do DF, a fim de selecionar possíveis entrevistados para a etapa seguinte do trabalho de campo. As visitas a cursinhos comunitários foram motivadas por estes serem um espaço que reúne jovens de camadas populares engajados na transição para o ensino superior.

Três cursinhos - identificados como Alfa, Beta e Gama4 4 Nomes de instituições e sujeitos são fictícios para fins de preservação de sigilo. - foram visitados. Em comum, dependem de trabalho voluntário por parte dos docentes e são gratuitos para os frequentadores. O primeiro deles se localiza em uma região central de Brasília, bem servida de infraestrutura e de transporte público, no edifício de uma faculdade privada, e oferece quatro turmas assim distribuídas: uma no período matutino, duas no vespertino e uma no noturno. O cursinho Beta é parte de um projeto social voltado à juventude de territórios vulneráveis, localiza-se próximo ao centro de uma região administrativa de grande porte e tem uma única turma no período noturno. Por fim, o cursinho Gama também se encontra em uma região administrativa de grande porte, porém, em uma localização periférica, e suas aulas aconteciam exclusivamente aos sábados nas dependências de uma escola pública da região. No conjunto das três instituições, 208 questionários foram respondidos.

A segunda etapa da pesquisa foi constituída de entrevistas seguindo um roteiro semiestruturado com 20 jovens selecionados entre os que responderam ao questionário e concordaram em participar, fornecendo seus contatos.5 5 Três jovens foram indicados por outros entrevistados - seguindo a tática da “bola de neve” - e não frequentavam cursinhos, tampouco responderam ao questionário. Seu objetivo era investigar um conjunto de questões sobre as dificuldades de se obter uma vaga no ensino superior, tais como: quais esforços os jovens têm empregado para efetuar a transição; por quanto tempo têm perseguido o ingresso; com quais custos econômicos, sociais e pessoais; e como suas perspectivas de vida têm sido moldadas diante das possibilidades de sucesso ou fracasso. As entrevistas foram conduzidas pelo primeiro autor do estudo, duraram em média uma hora, foram gravadas mediante consentimento dos respondentes e foram transcritas por uma profissional contratada. Quase todas as entrevistas aconteceram nas sedes dos cursinhos ou em suas imediações - as exceções foram as entrevistas com Camila, ocorrida em uma igreja evangélica, e com Tales, em um shopping center, para melhor acomodação às suas rotinas.

Para a seleção dos entrevistados, priorizamos egressos do ensino médio e que preferencialmente nunca tivessem ingressado no ensino superior, embora já tivessem experimentado alguma tentativa de acesso. Ainda, a amostra era diversificada, escolhendo-se jovens com mais ou menos experiências de tentativas de ingresso e com distintas características adscritas e socioeconômicas, trajetórias escolares e aspirações de curso. O Quadro 1 resume as principais características dos entrevistados.

Há importantes traços que distinguem os perfis, as trajetórias e as perspectivas dos jovens. No entanto, alguns elementos comuns podem ser destacados. Quase todos nascidos de pais migrantes com baixa escolaridade, grande parte dos sujeitos encontram-se às voltas com as angústias, os medos e as expectativas do que fazer após a conclusão da educação básica. Quando trabalham, encontram-se em ocupações informais e reconhecidamente provisórias; quando não trabalham, ora negociam com a família uma moratória da entrada no mercado, ora buscam emprego em um cenário de precariedade agravado pela crise. Em que pesem tais dificuldades, os jovens entrevistados compõem uma coletividade que passa a encontrar, em seus círculos de relações imediatas na família, na vizinhança, no trabalho e na escola, exemplos concretos de quem conseguiu superar as barreiras do ensino médio e do vestibular.

Quadro 1
Perfil dos jovens egressos do ensino médio entrevistados - Distrito Federal, 2018

Não por menos, a maioria dos jovens apresenta, em um primeiro momento, ambições relativamente elevadas de acesso à graduação. Dos 20 entrevistados, 14 indicaram a intenção de cursar a Universidade de Brasília (UnB), em cursos variados como Medicina, Odontologia, Direito, Economia, Artes Cênicas e Pedagogia. Outros jovens também aspirantes a médicos miravam instituições que lhes pareciam mais acessíveis: a Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) e a Universidade Católica de Brasília (doravante “Católica”), estabelecimentos distrital e privado, respectivamente. Condicionado à obtenção de bolsa de estudos, dois jovens indicaram o interesse de cursar a Universidade Paulista (Unip) - centro universitário privado cujo campus no DF foi inaugurado em 2000 - e, finalmente, um jovem mostrou-se disposto a ingressar em qualquer curso de qualquer universidade.

ENTRE O MÉRITO E A “VIRAÇÃO”

Estudar e planejar-se são atos que atravessam a vivência de todos os entrevistados. São ações que implicam atitudes individuais de engajamento no objetivo explícito de ser aprovado nos processos seletivos. Com frequência, os jovens declaram o quanto se sentem sobrecarregados, o quanto devem assumir sacrifícios e o quanto se sentem sozinhos nessa jornada. Todavia, eles percebem que há um inescapável grau de protagonismo em suas ações. Trata-se de terreno fértil para o cultivo do mérito enquanto um princípio orientador da ação, como se lê nos seguintes relatos: “eu acredito muito na meritocracia” (Douglas), “é só eu me esforçar até conseguir” (Paulo), “estou me esforçando o suficiente” (Joana) e “se eu tenho esse sonho, é para lutar por ele” (Tales).

Evidentemente, essas noções não estão desconectadas da realidade, na medida em que todos esses jovens testemunham colegas, amigos ou familiares passando pelas mesmas experiências, sendo que alguns obtêm sucesso e outros não a partir de um conjunto de fatores observáveis, tais como o mérito individual. Afinal, eles compõem uma primeira geração que dá significado ao acesso ou pelo menos à disputa por ele por meio da luta - “nadar contra a corrente”, segundo Luana. É fato que o desempenho acadêmico tem impacto no destino dos jovens de camadas populares, chegando ao ponto de compensar, em certa medida, as desvantagens socioeconômicas de origem e, assim, permitir que esses jovens tenham probabilidades de ingresso similares às dos jovens de origem privilegiada caso obtenham excelência nos exames de admissão (SENKEVICS; CARVALHAES; RIBEIRO, 2022SENKEVICS, Adriano; CARVALHAES, Flavio; RIBEIRO, Carlos. Mérito ou berço? Origem social e desempenho no acesso ao ensino superior. Cadernos de Pesquisa, v. 52, p. 1-25, 2022. <https://doi.org/1590/198053149528>
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). Não basta, portanto, inferir que a meritocracia é uma ideologia naturalizada na juventude como se fosse exógena a ela; essa ideologia tem uma razão de ser, porque é empiricamente verificada nas trajetórias dos entrevistados e de seus pares.

Nem todos, porém, têm a mesma condição de desenvolver “garra” em busca de um sucesso que parece improvável. Fabiana, aos 23 anos de idade, após vários anos de cursinho e de estudo por conta própria, escuta da parte de alguns familiares que “não é possível filho de empregada doméstica e jardineiro fazer Medicina” e que “se tivesse entrado em qualquer curso quando saiu da escola, já estaria se formando e arrumando emprego”. Assim como ela, Joana e Mateus também sofreram pressão para priorizar o concurso público em detrimento da graduação; e Camila ouve que é mais prudente focar um emprego. Em outros casos, não se trata apenas de pressões vindas de familiares, mas também de uma percepção do próprio jovem de que é possível utilizar melhor seu tempo, ao envolver-se em alguma atividade produtiva cujos resultados lhe sejam mais palpáveis do que permanecer “no limbo”, conforme descreveu Luciano em referência às incertezas da transição para o ensino superior.

Manifestações disso são visíveis na fala de Ivan, que mencionou estar procurando trabalho na área administrativa: “A gente envia currículo, vai atrás; e fala que vai ter uma resposta, mas nunca tem.” Lavínia também enfrentava dificuldades para conseguir um emprego, independentemente da área. Ela relatou estar procurando estágio ou qualquer outra atividade remunerada desde os 14 anos de idade sem êxito, com exceção de trabalhos no período noturno, inviáveis em termos de segurança e deslocamento. Gabriel não hesitou em indicar que estaria disposto a qualquer ocupação que conseguisse. Na fala desses jovens, a confiança na meritocracia aparece matizada pelas dificuldades encontradas e os processos seletivos têm menos centralidade, uma vez que a prioridade é prover um sustento, seja ele qual for e por qualquer meio, de modo que o vestibular é uma entre outras alternativas que podem surgir em suas vidas.

Ou seja, os obstáculos com os quais o conjunto de entrevistados deve lidar os fazem refletir, com maior ou menor ênfase, se vale ou não a pena insistir no sonho de acessar uma graduação. Essa insegurança é o ponto de tensão entre uma postura meritocrática - de ser obstinado, acreditar em si mesmo, esforçar-se e ser recompensado pelo esforço - e uma postura pragmática - de aceitar as oportunidades que surgem por caminhos menos demandantes de estudo, negociação e planejamento; nesse caso, o que se impõe é o pragmatismo das escolhas que garantem sustento, com retorno imediato assim como cursos e instituições mais fáceis de acessar.

Exemplo disso é a forma de falar de Gabriel, em dúvida entre os cursos de Administração e Direito. O primeiro é cogitado em virtude de sua experiência em uma agência bancária; o segundo, por incentivo de uma série televisiva. Na prática, o fiel da balança seria o que seu desempenho permitisse. A respeito das instituições, também não delimitou prioridade: “Queria muito Católica ou UnB porque são as melhores. Mas a que vier, está ótimo.” Para obter uma vaga, o rapaz relatou que tentaria qualquer uma das políticas de acesso: “Eu vou tentar Sisu, Prouni, Fies. [...] O que vier, está bom.”. Outro jovem que se mostrou bastante aberto às possibilidades e que relatou nunca se queixar das oportunidades que tem foi Ivan, o qual demonstrou gratidão inclusive por frequentar um cursinho, mesmo tendo que acordar bem cedo aos sábados.

No semestre seguinte à entrevista, descobrimos que o rapaz ingressou em Gestão de Tecnologia da Informação na Unip com uma bolsa de estudos. Assim como ele, André também mostrou satisfação pelo que conquistou: o curso de Pedagogia em uma faculdade particular de massa, em substituição à sua aspiração original de Comunicação Social na UnB. Pode-se concluir que ambos obtiveram sucesso na transição médio-superior? Sim, tendo-se em vista que a métrica de sucesso, para eles, naquele momento era visivelmente inferior à expressa por jovens que não se contentavam com “qualquer curso” em “qualquer universidade”, aceitando permanecer “no limbo” enquanto não alcançassem o resultado esperado - caso de Fabiana, Joana, Mateus, Catarina, Paulo e outros. Para estes, ingressar na carreira almejada aparecia como um direito que eles tinham e pelo qual valia a pena lutar. Não se tratava de abraçar qualquer oportunidade que surgisse, pois nem todas iriam conduzir ao curso mais alinhado à sua alegada vocação dentro de uma universidade de prestígio.

Até onde vai essa obstinação? Nas entrevistas, foram questionados do quanto estavam dispostos a tentar. Na maioria das vezes, as respostas eram parecidas: “até eu conseguir” (Lavínia), “até eu entrar” (Joana), “até eu passar” (Paulo). Porém, com frequência, essas respostas eram logo relativizadas, dando lugar a planos alternativos que, na prática, implicam um rebaixamento das aspirações iniciais, isto é, um reajuste de expectativas, quando as condições objetivas são transformadas em esperanças subjetivas (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio. Bourdieu & a Educação. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.). Em suma, um conjunto de fatores - idade, negociações familiares, obstáculos financeiros, desempenho insuficiente e experiências de fracasso - vão culminando para reduzir a aposta em seu próprio esforço, obrigando-os a procurar alternativas. Mesmo os jovens em um primeiro momento persistentes tendem a se converter em pragmáticos ao longo do tempo. Essa metamorfose de expectativas e práticas reitera que há em curso um processo de incorporação de estruturas sociais (BOURDIEU, 2015BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 43-70.): as barreiras objetivas do vestibular se transformam em barreiras subjetivas da autoexclusão e do reajuste de disposições, cujas consequências são estratificar horizontalmente os cursos e instituições de educação superior, isto é, destinar reiteradamente estudantes de camadas populares às porções mais acessíveis e, igualmente, menos valorizadas do sistema educacional (MONT’ALVÃO, 2016MONT’ALVÃO, Arnaldo. A dimensão vertical e horizontal da estratificação educacional. Teoria e Cultura, v. 11, n. 1, p. 13-20, 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12294>. Acesso em:13/09/2023.; CARVALHAES; RIBEIRO, 2019CARVALHAES, Flavio; RIBEIRO, Carlos. Estratificação horizontal da educação superior no Brasil: desigualdades de classe, gênero e raça em um contexto de expansão educacional. Tempo Social, v. 31, n. 1, p. 195-233, 2019. <https://doi.org/11606/0103-2070.ts.2019.135035>
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).

Assim, nesse contexto de massificação do acesso ao ensino superior, o que se percebe nas falas dos jovens é a fricção entre princípios orientadores da ação ora sustentados nos valores meritocráticos que o vestibular atiça nas escolas e na sociedade como um todo, ora remetidos ao pragmatismo da “viração” que historicamente marca as experiências escolares e profissionais das camadas populares. Essas tensões dizem menos sobre a disposição dos jovens para o esforço e mais sobre seus contextos e horizontes, conduzindo-nos ao próximo ponto, que versa sobre como os jovens entendem a responsabilidade pelos sucessos ou fracassos que colecionam ou venham a colecionar.

RESPONSABILIZAÇÃO, CULPA E FRACASSO

No clássico Educação e Desenvolvimento Social no Brasil, Cunha (1975CUNHA, Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.) afirma que a meritocracia é um dos pilares das ditas sociedades abertas, em que os indivíduos têm, em tese, a possibilidade de ascender socialmente em função de seu esforço, assegurados pelos valores liberais de um Estado republicano. Do ponto de vista teórico, o vestibular enquadra-se perfeitamente nessa chave, pois a competição que ele suscita é dependente da nota que o candidato obtém em testes. No entanto, pela sua natureza seletiva e excludente, o vestibular leva à produção de uma massa de perdedores, a qual deve ser entendida como o subproduto da concorrência que o alimenta. Por mero pudor, evita-se o emprego de termos como “vencidos”, “perdedores” ou “fracassados”, ao mesmo tempo em que se exalta a vitória como se ela não tivesse uma contraparte.

Fato é que quase todos os jovens entrevistados nesta pesquisa se encontram, em alguma medida, às voltas com o próprio fracasso. São jovens que nunca tiveram a oportunidade de se matricular em uma graduação ou de viabilizar a frequência nesta; ou encaram tardiamente o vestibular porque enfrentaram obstáculos para concluir a escolarização básica. Como percebem o fracasso - e como entendem sua responsabilidade na construção dele - é uma questão fundamental para compreender como encaram a transição e o valor que atribuem ao mérito.

A primeira pergunta a ser respondida é: há uma individualização do fracasso? Na teoria sociológica, as abordagens críticas à ideologia meritocrática têm ressaltado que uma das consequências da expansão educacional é o indivíduo trazer para si a responsabilidade por não ter logrado obter determinado diploma, em um processo de culpabilização da vítima pelo seu insucesso (SANDEL, 2021SANDEL, Michael. A tirania do mérito: o que aconteceu com o bem comum? 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.). Bourdieu e Champagne (2015BOURDIEU, Pierre; CHAMPAGNE, Patrick. Os excluídos do interior. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. 16. ed. Petrópolis: Vozes , 2015, p. 243-255., p. 248) argumentam que, à luz da ampliação das oportunidades educacionais, o fracasso escolar é vivido cada vez mais como uma “catástrofe” nos meios populares, pois, se fracassam, são votados a uma exclusão “mais estigmatizante e mais total do que era no passado: mais estigmatizante, na medida em que, aparentemente, tiveram ‘sua chance’ e na medida em que a definição da identidade social tende a ser feita, de forma cada vez mais completa, pela instituição escolar.”

Uma decorrência de muitos dos jovens entrevistados apostarem em seu próprio esforço como meio de serem recompensados com uma vaga no ensino superior é o ato de atribuir a suas próprias ações a responsabilidade pela obtenção de sucesso ou fracasso. A título de exemplo, Catarina assim entende a demora para lograr o ingresso na graduação: “Eu não vi um culpado, senão eu. Eu não podia culpar os meus pais, os meus professores; a única pessoa que eu tinha para eu culpar era eu mesma.” Da mesma forma, Mateus afirma que “eu vi que quem passou [no vestibular] estudou mais que eu e merecia mais”. Para esses jovens, a responsabilidade é deles mesmos, não podendo ser atribuída à família, à escola ou ao cursinho.

Porém, se, por um lado, uma visão meritocrática acompanhada de uma responsabilização de si está presente na juventude de camadas populares, por outro lado, essa perspectiva não nos parece suficiente para interpretar o campo. Na maioria das entrevistas, há uma corresponsabilização, na qual a parcela de responsabilidade que o indivíduo atribui a si mesmo é somada a uma parcela compartilhada com a escola. Essa culpabilização híbrida se manifesta em denúncias dirigidas à instituição escolar quanto ao despreparo de suas formações e à informação insuficiente sobre os processos seletivos. Não focar o vestibular implica não os preparar para a transição. Isso é exatamente o oposto do que os cursinhos representam como instituição de ensino e como instância de socialização (SENKEVICS; CARVALHO, 2023SENKEVICS, Adriano; CARVALHO, Marília. Ofício de vestibulando: impasses da juventude na transição para o ensino superior. Educação e Pesquisa, v. 49, p. 1-20, 2023. <https://doi.org/1590/S1678-4634202349260961>
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).

Não à toa, os jovens afirmam que a experiência no cursinho é radicalmente distinta daquela vivida na escola tanto pelo currículo quanto pela didática. Há uma crítica ao esvaziamento de sentido da educação pública em prol de uma visão de que a escola deveria preparar para os processos seletivos. Essa denúncia corrobora que parte dos estudantes reivindica uma escola com pelo menos uma função social explícita: garantir aprovação no vestibular. Catarina assim resume: “Com todo o sistema educacional péssimo que a gente tem, a gente ainda tem que fazer as provas. [...] Mesmo que a escola vá contra isso, no final das contas, a gente ainda tem vestibular e Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] para fazer. E eles definitivamente não preparam a gente.”

Nem por isso os entrevistados deixam de mencionar que também carregam alguma culpa pelo produto final. Assim, ao lado da denúncia das insuficiências da escola, são expressos autocríticas e arrependimentos como “eu não me dediquei muito” (Jussara), “eu não me dediquei o suficiente” (Fabiana), “minha falta de postura” (Luciano) e “agora eu sou muito mais esforçada do que há um tempo atrás” (Kátia). Nesse sentido, as críticas ao sistema educacional e à instituição escolar, em especial, não são única e simplesmente porque eles não aprenderam os conteúdos necessários para prestar as provas ou não obtiveram informações suficientes sobre os exames e as carreiras. Acima de tudo, eles reconhecem que o processo de escolarização não cultivou uma postura de estudante alinhada ao que se espera de um vestibulando; não se tornaram, portanto, estudantes autônomos. Em vista disso, os apontamentos críticos à escola se confundem com uma profunda revisão de si: deixar de ser ingênuo, de procrastinar, de brincar.

Evidentemente, esta pesquisa não é a primeira a levantar críticas que os jovens elaboram à sua trajetória educacional e, particularmente, à instituição escolar. Esse debate encontra-se no âmago de uma denúncia mais ampla contra o esvaziamento de sentido da escola, em especial, no ensino médio (ARROYO, 2014ARROYO, Miguel. Repensar o ensino médio: por quê? In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo; MAIA, Carla (Orgs.). Juventude e ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014, p. 53-73.). Por ser entendido como um estágio de transição, o não lugar da fase de vestibulando acaba por extrapolar para o próprio não lugar que o ensino médio ocupa na vida dos jovens e no sistema educacional. Se é ensino médio, está no meio de quê? Do acesso à universidade? Do mercado de trabalho? Qual preparação o jovem terá ao completar essa etapa de ensino? Pelos depoimentos reproduzidos ao longo do texto, deduz-se que é pouca.

Corresponsabilizar a escola pelo fracasso na transição médio-superior é sinal de que se percebe uma dimensão de direito, quer seja do direito a uma educação básica de qualidade, que os prepare para o que vem depois da escola, quer seja de acessar o curso que almejam no ensino superior - ainda que por meio de programas de ação afirmativa, que, por sua vez, também são entendidos como um direito conquistado. Nesse sentido, há uma associação entre uma postura de vestibulando, o mérito e o direito educacional. Por estarem intrincados, a crítica à escola não está implicada na aceitação do fracasso. Porém, se a aposta no mérito carrega o fardo da responsabilidade, que peso carrega um jovem que não tem no mérito em “passar no vestibular” um elemento central de sua vida?

De todos os entrevistados, o único que não teceu nenhuma crítica ao seu passado - quer seja à sua postura de estudante, à qualidade da escola ou mesmo, como alguns fizeram, à sua condição social - foi Gabriel. A despeito de ter estudado em escolas que ele mesmo reconhece como de baixa qualidade e morar em uma das regiões mais pobres do DF que ele caracteriza como violenta e “horrível”, Gabriel não apontou nada que poderia ter sido diferente em sua vida: “Eu acho que eu não tenho nada para reclamar”. Há um incômodo com a situação que ele vive, mas esse incômodo convive com a resignação: “não procurei, nunca corri atrás”. Ainda que haja uma sensação de que algo poderia ter sido diferente, essa percepção não desemboca em uma corresponsabilização com a escola ou o sistema educacional e recai exclusivamente sobre o jovem. Esse entrevistado parece enxergar menos uma dimensão de direito à educação superior e mobilizar menos intensamente os valores meritocráticos em torno do estudo, da disciplina e do sucesso. Se não entende o ensino superior nem como um direito, nem como uma recompensa pelo esforço, como vê o acesso a esse nível? Isso nos conduz à próxima seção.

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UM NÃO LUGAR

Expandir o ensino superior tem como consequência direta a incorporação de massas populacionais que antes não o frequentavam. Difícil imaginar que a inclusão de novos públicos não gere, além de desafios pedagógicos às instituições educacionais, divergências na maneira como o próprio acesso é entendido. À medida que o ingresso nas faculdades e universidades desce a pirâmide social, alcançando estratos sociais até então nunca contemplados, a importância mesma do ensino superior é ressignificada. O valor dos diplomas, a perspectiva de seguir uma carreira, a percepção de um direito, a experiência da transição, as tentativas frustradas de ingresso e outros elementos que atravessam a vivência dos vestibulandos são lidos com novos olhares.

Ao mobilizarem a ideologia do mérito na interpretação de suas trajetórias escolares, os entrevistados estão lançando mão de um aparato simbólico inerente ao nosso modelo de sociedade, embora expandido e atualizado nos tempos recentes. Ao longo da vida escolar, o estudante é testado pelas provas e marcações nos diários de classe; pelas avaliações internas e externas ao ambiente escolar; e pelos vestibulares. Fora da escola, continua a ser avaliado no trabalho, nos relacionamentos e nas redes sociais. Ser avaliado e, consequentemente, premiado ou punido pelas suas atitudes e julgado por seus resultados compõem as engrenagens da nossa sociedade, com uma profundidade tal que essa lógica passa a reger diferentes (ou talvez todas as) esferas da vida. Não é de se estranhar, portanto, que essa organização social suscite uma subjetividade que convoca o indivíduo a ser um “empreendedor de si mesmo”: é preciso ser racional, eficaz, engajado e produtivo, como sugerem Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.).

Logo, a percepção de que o esforço há de ser recompensado não apenas é perfeitamente compreensível, como também em alguma medida é justificável: o desempenho no Enem é um importante fator preditivo do acesso ao ensino superior (SENKEVICS; CARVALHAES; RIBEIRO, 2022SENKEVICS, Adriano; CARVALHAES, Flavio; RIBEIRO, Carlos. Mérito ou berço? Origem social e desempenho no acesso ao ensino superior. Cadernos de Pesquisa, v. 52, p. 1-25, 2022. <https://doi.org/1590/198053149528>
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). Na prática, o que esses jovens estão buscando é compensar defasagens socioeconômicas a partir do esforço. O processo de tornar-se vestibulando é essencialmente meritocrático; e não poderia ser diferente quando o que está em jogo é o desempenho em uma prova. Os jovens em cuja fala predominava essa perspectiva almejavam planos ambiciosos: Direito na UnB, Medicina na Católica; aspirações vocacionais em determinados cursos de determinadas instituições. Seus horizontes de futuro eram de longo prazo e se pautavam tanto pela busca de realização pessoal quanto por crescimento profissional e consolidação de uma carreira. Subjacente a essas noções, está implícita a procura por estabilidade, segurança e prosperidade. Logo, a experiência da transição há de ser temporária e seguida, se a dedicação for grande o suficiente, pelo sucesso. Do não lugar a um lugar ao sol.

Entretanto, esta não parece ser a única possibilidade de desfecho. Em análise recente, Guimarães, Brito e Comin (2020GUIMARÃES, Nadya; BRITO, Murillo; COMIN, Álvaro. Trajetórias e transições entre jovens brasileiros: pode a expansão eludir as desigualdades? Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 475-498, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030002>
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) organizam uma tipologia de trajetórias juvenis a partir dos resultados de um survey com representatividade nacional. Entre as seis categorias descritas, uma delas muito se aproxima dos jovens aqui entrevistados: “os recém-chegados” (GUIMARÃES; BRITO; COMIN, 2020GUIMARÃES, Nadya; BRITO, Murillo; COMIN, Álvaro. Trajetórias e transições entre jovens brasileiros: pode a expansão eludir as desigualdades? Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 475-498, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030002>
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, p. 482) compreendem mais de um quinto da juventude; têm por volta dos 20 anos de idade e pouca experiência profissional; encontram-se às voltas com o início da vida laboral e o vestibular; e são desprovidos de vínculos trabalhistas e de certificados escolares (de ensino profissionalizante ou superior). Argumentam os autores que:

[...] sair da escola nessa idade não significa abandonar os estudos para sempre; muitos buscarão formação de nível superior em outro momento da vida, mas o arco de escolhas possíveis no início de seus percursos profissionais será certamente condicionado por esse déficit educacional. (GUIMARÃES; BRITO; COMIN, 2020GUIMARÃES, Nadya; BRITO, Murillo; COMIN, Álvaro. Trajetórias e transições entre jovens brasileiros: pode a expansão eludir as desigualdades? Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 475-498, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030002>
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, p. 490)

Um arco limitado de escolhas é um denominador comum de todos os entrevistados. Se, por um lado, há jovens que pelo menos a princípio tentam alargar seu leque de possibilidades, por outro lado, há aqueles que parecem já de início operar em um horizonte curto. A dureza do dia a dia - o imperativo de garantir algum sustento, a pressão para o exercício de atividade remunerada e as dificuldades em acessar o ensino superior - é reforçada, em um mesmo movimento, por uma trajetória escolar acidentada e pela corrosão das bases sobre as quais poderiam ser construídos futuros alternativos à vivência presente. A necessidade de “se virar” parece solapar as possibilidades de pensar um futuro.

Nesse sentido, a “viração” generalizada da sociedade brasileira, agravada pela deterioração dos postos de trabalho pós-crise econômica, corrói a própria noção de “carreira” e, com ela, uma perspectiva de vida de longo prazo. Ao minar esses dois elementos, compromete também a importância do ensino superior, uma vez que este se equilibra, por um lado, no planejamento de uma carreira profissional e, por outro, em um elevado custo de oportunidade. Como planejar se o importante é obter qualquer emprego, em qualquer área? Como realizar-se pessoalmente se o que vale é “fazer uma faculdade”, independentemente do curso ou da instituição? Como se dedicar aos estudos se a garantia de sustento se impõe como uma necessidade cotidiana? Como obter mobilidade social se o mercado apenas lhe oferece trabalhos precários e as universidades, uma barreira quase intransponível? Como escapar do não lugar da transição se a alternativa é o não lugar da “viração”?

Longe de ser algo exótico à realidade brasileira, a necessidade de “correr atrás” integra a paisagem urbana de nossas cidades. O que pode ser considerado emergente, então? De um lado, essa “viração” generalizada encontra oportunidades de expansão em cenários de desemprego crescente, aumento da pobreza e desregulamentação do trabalho, em que há pressão maior pelo engajamento do trabalhador em seu próprio empreendimento (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, Ludmila. Uberização e juventude periférica: desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho. Novos Estudos CEBRAP, v. 39, n. 3, p. 579-597, 2020. <https://doi.org/25091/s01013300202000030008>
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); de outro lado, há uma naturalização de um discurso empreendedor em confluência com a precariedade das relações de trabalho. “O empreendedorismo valoriza as atividades informais, os excluídos do mundo empresarial e do emprego formal”, observam Tommasi e Corrochano (2020TOMMASI, Lívia; CORROCHANO, Maria Carla. Do qualificar ao empreender: políticas de trabalho para jovens no Brasil. Estudos Avançados, v. 34, n. 99, p. 353-372, 2020. <https://doi.org/1590/s0103-4014.2020.3499.021>
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, p. 363) para sustentar que as “virtudes” de sobreviver na adversidade são simbolicamente mobilizadas pela ideologia do empreendedorismo, que tende a qualificar a “viração” como potencialmente criativa, ousada e inovadora.

As implicações do aprofundamento desse fenômeno estrutural vão muito além da inserção no mercado de trabalho. Dizem respeito à posição social que os jovens ocupam após ou durante a conclusão da escolarização básica e, por isso, atingem em cheio os vestibulandos, afetando o não lugar da pós-conclusão do ensino médio, a transição para o ensino superior e, para além dela, os impasses em torno da passagem para a vida adulta. Afinal, o que é “o limbo” senão a ausência de vínculos, sejam eles de qual ordem for, e das garantias de construí-los no curto ou médio prazo? Em consonância com Cardoso (2013CARDOSO, Adalberto. Juventude, trabalho e desenvolvimento: elementos para uma agenda de investigação. Caderno CRH, v. 26/68, p. 293-314, 2013. <https://doi.org/1590/S0103-49792013000200006>
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, p. 296), pensamos que as tensões que envolvem tais jovens, de um lado, refletem o desemprego juvenil em larga escala e a ocorrência de jovens que concluem ou abandonam a escola e não encontram oportunidades de ingresso no mercado; de outro lado, apontam para jovens em condição de trabalhar, mas que esperam por uma ocupação melhor no futuro e, nesse ínterim, procuram qualificar-se profissionalmente. Inserir-se no mercado, por volta dos 18 anos de idade, não é garantido, em especial no contexto recessivo. Ainda, superar a barreira do vestibular também é uma incerteza. O que se vê, portanto, é que essa fronteira - muitas vezes borrada - entre desemprego, desalento, “viração” e moratória incide sobre jovens em fase de transição como os entrevistados, pioneiros de sua geração no malabarismo entre o trabalho e o ensino superior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizamos uma pesquisa de campo a partir de visitas a cursinhos populares no DF para entender as perspectivas de jovens de camadas populares sobre a transição para o ensino superior. No decorrer do texto, procuramos demonstrar que a democratização do ensino superior, com a incorporação de contingentes cada vez mais representativos da população, ampliou a tensão entre uma lógica meritocrática, da recompensa pelo esforço, e uma lógica pragmática, de correr atrás das oportunidades. Elas se encontram e se combinam contraditoriamente nas falas dos jovens: tanto aqueles que desde o ponto de partida já não planejam uma carreira em longo prazo e se movem na transição entre o ensino médio e o superior usando a gramática da viração - vale qualquer diploma, em qualquer área - quanto os que tentam uma carreira específica, insistem e planejam a longo prazo. Estes últimos enfatizam uma lógica meritocrática na medida em que acreditam que com muito esforço vão conseguir, mas sucessivos fracassos podem empurrá-los para opções mais flexíveis e escolhas pragmáticas.

Esses jovens batalhadores - para utilizar a formulação de Souza (2012SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2. ed., 2012.) - não são novidade no Brasil; o ensino superior é que é a novidade para eles. Não por acaso, a incorporação de massas juvenis a ele tem esbarrado em certos limites nos últimos anos, talvez porque tenhamos alcançado o caroço dessas relações sociais, isto é, os limites estruturais da sociedade brasileira.

Em suma, no embate entre princípios de ação meritocrático e pragmático, os primeiros apontam para a tradição do ensino superior, para a lógica seletiva do acesso e para os planos de longo prazo das carreiras profissionais - elas mesmas cada vez mais ameaçadas pelas novas configurações do trabalho, pouco a pouco mais instável, precário e inseguro, mesmo para quem tem um diploma de nível superior. É uma lógica que permite olhar para o futuro, sim, mas pelo retrovisor. Um futuro calcado em uma ideia de acesso e de direito, que depende do esforço individual para compensar defasagens de sua classe de origem e que visa colher os frutos incertos de um mercado desigual, com diplomas gradativamente desvalorizados e uma informalidade persistente, senão crescente. Se essas perspectivas parecem incertas e pouco prováveis, mais difícil ainda é entender como os vestibulandos se movem e a que forças respondem quando se percebem “sem futuro”.

Para concluir, a postura pragmática traduz uma condição já presente na base da pirâmide social, mas que tem se estendido ao restante da sociedade: a “viração” generalizada e a corrosão das noções de carreira e salário. Ao se apresentarem como vestibulandos, os jovens de origem popular tornam visível a fragilidade de suas posições sociais, desta vez em uma transição para a qual eles até então nunca haviam sido considerados. Logo, o não lugar que os acomete não é o da transição, do limbo, do tempo de espera; é mais amplo, é um não lugar da vida, de uma esfera de direitos reiteradamente negada, da impossibilidade de construir uma perspectiva de futuro em longo prazo. São jovens que estão agindo na lógica possível de um modelo de sociedade em ruínas, da busca de oportunidades em um período paradoxal no qual alcançou-se a maior cobertura de acesso ao ensino superior da história do país e, ao mesmo tempo, elevaram-se as adversidades para a conquista de um emprego formal com perspectiva de carreira.

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    » https://doi.org/1590/s0103-4014.2020.3499.021
  • 1
    Editoras participantes do processo de avaliação por pares aberta: Suzana dos Santos Gomes e Juliana Batista dos Reis.
  • 2
    Proporção de jovens de 18 a 24 anos que frequenta ou que já concluiu uma graduação; também chamada de “taxa líquida de matrícula ajustada”.
  • 3
    “A uberização nomeia uma nova forma de controle, gestão e organização do trabalho, na qual os trabalhadores tornam-se nanoempreendedores de si próprios [...] desprovidos de direitos e garantias, ao mesmo tempo em que arcam com riscos e custos de sua atividade, se autogerenciam e estão subordinados às empresas-aplicativo [...] em formas mais difíceis de reconhecer e mapear” (ABÍLIO, 2019ABÍLIO, Ludmila. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, p. 1-11, 2019. <http://dx.doi.org/10.5027/psicoperspectivas-vol18-issue3-fulltext-1674>
    https://doi.org/10.5027/psicoperspectiva...
    , p. 7).
  • 4
    Nomes de instituições e sujeitos são fictícios para fins de preservação de sigilo.
  • 5
    Três jovens foram indicados por outros entrevistados - seguindo a tática da “bola de neve” - e não frequentavam cursinhos, tampouco responderam ao questionário.

DECLARAÇÃO DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA

  • 7
    A Comissão de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo analisou os materiais apresentados referentes a esta pesquisa, de autoria do então doutorando Adriano Souza Senkevics, orientado da Prof.ª Dr.ª Marília Pinto de Carvalho. Considerou, em 2 de agosto de 2018, que a pesquisa cumpre todos os requisitos e determinações da Resolução CNS 510/2016 sobre a Ética na Pesquisa com Seres Humanos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2022
  • Aceito
    30 Ago 2023
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