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A Gravitação Universal: um texto para o Ensino Médio

The Universal Gravity: a text for highschool students

Resumos

Neste trabalho, propomos uma forma alternativa para apresentar o conceito de Gravitação Universal ao aluno do Ensino Médio. A História da Física - por apresentar os problemas que levaram à formulação de um dado conceito - mostra os elementos que dão significado ao conceito. Por isso, acreditamos que ela possa ser integrada ao processo de ensino-aprendizagem, tendo papel fundamental na inclusão dos novos conceitos à estrutura cognitiva, funcionando como os organizadores prévios da teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel. O método é ilustrado por uma aplicação a alunos do Colégio de Aplicação da Unigranrio, escola da rede privada, no Rio de Janeiro.

História da Física; aprendizagem significativa


In this paper, we propose an alternative way to introduce the concept of Universal Gravity to high school students. The History of Physics discloses the elements that give meaning to a concept, in so far as it presents the problems that led to the formulation of the concept. Therefore we believe that it can be brought into the process of teaching and learning, performing a fundamental role in the assimilation of new concepts to the cognitive structure; this role can be understood in the context of David Ausubel's theory of Meaningful Learning. The method is illustrated by its application to students in Colégio de Aplicação da Unigranrio, a private school in Rio de Janeiro.

History of Physics; meaningful learning


HISTÓRIA DA FÍSICA E CIÊNCIAS AFINS

A Gravitação Universal (Um texto para o Ensino Médio)

The Universal Gravity (A text for highschool students)

Penha Maria Cardoso Dias; Wilma Machado Soares Santos; Mariana Thomé Marques de Souza

Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência P.M.C. Dias E-mail: penha@if.ufrj.br

RESUMO

Neste trabalho, propomos uma forma alternativa para apresentar o conceito de Gravitação Universal ao aluno do Ensino Médio. A História da Física - por apresentar os problemas que levaram à formulação de um dado conceito - mostra os elementos que dão significado ao conceito. Por isso, acreditamos que ela possa ser integrada ao processo de ensino-aprendizagem, tendo papel fundamental na inclusão dos novos conceitos à estrutura cognitiva, funcionando como os organizadores prévios da teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel. O método é ilustrado por uma aplicação a alunos do Colégio de Aplicação da Unigranrio, escola da rede privada, no Rio de Janeiro.

Palavras-chave: História da Física, aprendizagem significativa.

ABSTRACT

In this paper, we propose an alternative way to introduce the concept of Universal Gravity to high school students. The History of Physics discloses the elements that give meaning to a concept, in so far as it presents the problems that led to the formulation of the concept. Therefore we believe that it can be brought into the process of teaching and learning, performing a fundamental role in the assimilation of new concepts to the cognitive structure; this role can be understood in the context of David Ausubel's theory of Meaningful Learning. The method is illustrated by its application to students in Colégio de Aplicação da Unigranrio, a private school in Rio de Janeiro.

Keywords: History of Physics, meaningful learning.

1. Introdução

A História da Física é, sem dúvida, um excelente auxiliar no ensino de Física. Entretanto, se existe algum consenso nessa afirmativa, esse consenso desaparece, quando se pergunta sobre os atributos da História que a tornam ''excelente auxiliar". Em um trabalho anterior, comentamos que [1, p. 490]:

A História da Física apresenta os problemas que levaram à formulação de um particular conceito; ela revela os ingredientes, lógicos ou empíricos, que foram realmente importantes nesse processo [de criação intelectual]. Portanto, a História da Física clarifica conceitos, revelando-lhes o significado.

É, justamente, nessa qualidade que acreditamos jazer seu potencial para o aprendizado de ciência [2]. Mas, se assim, a História só é valiosa ao entendimento da ciência, na medida em que enfatize aquelas qualidades. Do ponto de vista de teorias do aprendizado, foi proposto por duas de nós que a História da Física pode servir como um organizador prévio ([1], [3]).

Organizador prévio é um conceito da Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel ([4], [5], [6]). Nessa teoria, um conhecimento torna-se significativo por uma interação com alguns conhecimentos prévios relevantes, que existem na mente do aprendiz. Nesse processo, há conceitos - chamados subsunçores - relevantes aos novos conceitos a serem aprendidos e que os modificam e podem ser por eles modificados. A ''ponte" entre esses e o novo conhecimento é feita por algum outro conjunto de conceitos - chamados organizadores prévios ([4], [5]).

Pode-se considerar que a avaliação de que a aprendizagem de um dado tema tenha sido significativa possa ser feita pelo uso, ao longo de uma vida, que o indivíduo faz do conhecimento adquirido. Entretanto, não há, infelizmente, ''receita de bolo" nem para se identificar conhecimentos prévios nem para produzir alguma evidência de que um aprendizado tenha sido significativo. Um modo de se descobrir conhecimentos prévios é por meio de avaliação das respostas dos aprendizes a um questionário [7].

Duas de nós (W.M.S.S. e P.M.C.D.) têm proposto uma sistemática de elaboração de material didático sobre Física para o Ensino Médio ([1], [3]):

1. Um questionário é aplicado em sala de aula, antes que um tema específico de Física seja lecionado. As respostas dadas pelos aprendizes indicariam conceitos subsunçores e como estão sendo utilizados, mesmo se misturados a crenças ou ficção. Para inspirar a elaboração do questionário, procura-se satisfazer a duas condições:

(a) As questões devem tentar seguir os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) [8], que recomendam que o Ensino Médio deva contemplar a interdisciplinaridade e o cotidiano do aprendiz.

(b) As questões devem ser baseadas em questões de livros didáticos consagrados, usados no Ensino Médio, como o de Beatriz Alvarenga e Antônio Máximo [9] e o de Alberto Gaspar [10].

2. Busca-se, na História da Física, o ''como" e o ''porquê" um dado tema e seus conceitos pertinentes foram propostos: Esse tipo de História da Física mostra o quê é preciso saber para fundamentar um tema e seus conceitos. A ênfase em problemas, no modo como foram colocados e como vieram a ser solucionados é o diferencial que torna a História adequada como organizador prévio potencial.

Um texto de História é preparado, no qual conceitos subsunçores dos aprendizes dão seqüência à forma cão do conceito correto.

3. Uma aula com base no texto é ministrada, antes que a aula teórica de Física, nos moldes tradicionais, seja ministrada.

Neste artigo, apresentamos um material instrucional - a História da Gravitação Universal - para alunos do Ensino Médio. O material é um desenvolvimento da idéia proposta em [11] e está na seção 2.

O método de ensino foi aplicado a alunos da rede particular do Rio de Janeiro, mas os resultados obtidos são, ainda, preliminares. Mesmo assim, a seção 3 foi incluída como ilustração do método; as respostas antes da aplicação do método forneceriam sugestões para a preparação do material instrucional.

2. Da queda dos corpos à Gravitação Universal

2.1. Aristóteles

2.1.1. O movimento [12]

Pensadores helênicos colocaram o problema de explicar a Natureza. O problema era buscar ''o porquê" das transforma cões ou ''movimentos", que são observados; entre essas transformações, está o chamado movimento local ou deslocamento.

Na tradição herdada por Aristóteles, havia quatro elementos básicos - terra, água, ar e fogo; a cada um estavam associadas duas de quatro qualidades primárias fundamentais: quente ou frio, úmido ou seco.

Em uma corrente filosófica mais antiga, o mundo seria explicado por um elemento básico e suas qualidades. Aristóteles aderiu a uma corrente filosófica posterior: As propriedades de um corpo seriam parte de sua ''essência" ou ''forma". A cada um dos elementos acima mencionados corresponderia um lugar natural e um movimento natural: Aos corpos pesados, o centro do Universo; à água, ao ar e ao fogo, respectivamente, esferas concêntricas com a Terra, com raios crescentes nessa ordem. Um corpo só poderia se mover, quando se encontrasse fora de seu lugar natural; portanto, a corpos pesados corresponderia um movimento natural em linha reta para baixo, em direção ao centro do Universo; os corpos leves (fogo) movimentar-se-iam em linha reta para cima, em direção à sua esfera; a água, quando na terra, movimentar-se-ia para cima e, quando no ar, para baixo; o ar, quando na terra ou na água, movimentar-se-ia para cima, mas, quando no fogo, para baixo. Quando se encontram em seu lugar natural, os corpos não se movem.

2.1.2. Corpos celestes

Os corpos celestes foram tratados diferentemente. A eles foi atribuído um movimento circular uniforme. Isso tem bases observacionais: Os astros nascem a leste e se põem a oeste, parecendo percorrer um arco de círculo, no céu. Porém, dentro do esquema conceitual, é preciso postular um novo tipo de matéria, à qual corresponderia um movimento circular uniforme - o éter. O éter tinha as características de incorruptibilidade e imutabilidade. Isso pode ser entendido de vários modos. É suficiente pensar que o movimento circular possui uma simetria: Uma esfera é sempre igual a ela mesma, quando é girada em torno de seu eixo. Os gregos associaram à imutabilidade a idéia de perfei cão: Aos objetos celestes perfeitos corresponde o movimento perfeito. Além disso, os astros já se encontram em seu lugar natural e, como, então, não haveria necessidade de movimento, a solução foi entender que os astros se movem ''por amor à perfeição".

O Universo foi, correspondentemente, dividido em sublunar e supra-lunar: Aquele é corruptível, mutável e imperfeito; esse, incorruptível, imutável e perfeito.

2.1.3. Descrição do movimento

Aristóteles entendeu que corpos mais pesados caem mais rapidamente que corpos mais leves. Ele nunca escreveu uma fórmula, nem poderia, pois o mundo sublunar não era matematizado, somente o movimento dos astros. Entretanto, historiadores expressaram as idéias de Aristóteles assim:

onde v é a ''velocidade" de queda; W, o ''peso"; R, a ''resistência". Esses termos não podem ser entendidos em seu sentido moderno: ''Velocidade" é mais bem entendida como simples celeridade ou rapidez, sem indicar ''espaço percorrido em um tempo"; ''peso" designa a simples ''tendência natural" de queda, que difere, segundo Aristóteles, de corpo a corpo; ''resistência" é um conceito suficientemente vago para incluir, em termos modernos, tanto uma resistência do meio, quanto a inércia dos corpos.

Uma outra questão complicada para Aristóteles foi o caráter não-inercial de sua descrição do movimento: Um corpo que se move é empurrado ou puxado por ''algo"; esse ''algo" estaria sempre em contato com o corpo (não existiria ação a distância), mas não é parte da natureza do corpo. O problema é, então, identificar esse ''algo". Arist\' oteles atribuiu ao meio - o ar - a capacidade de empurrar o corpo; o movimento não natural ou violento é, então, explicado: No caso de uma pedra lançada (projétil), o movimento inicial seria proveniente de quem a atirou; esse movimento seria transmitido à camada de ar subjacente, que, então, empurraria a pedra e transmitiria movimento à camada seguinte e, assim, sucessivamente.

2.1.4. O vácuo

O Universo de Aristóteles não apresenta espaços vazios, pois ele supunha que o vácuo não existisse. A razão para isso é que era difícil para os gregos entender o ''nada", pois o que pode existir é a matéria e o vácuo é, de certo modo, uma espécie de ''nada".

Uma consequência interessante segue-se da fórmula acima: Como a resistência no espaço vazio é zero, a velocidade de qualquer corpo no vácuo seria infinita e um corpo cairia instantaneamente, em contradição com o fato de que corpos mais pesados caem mais rapidamente. A fórmula parece levar a um absurdo, a menos que se negue a existência do vácuo, em cujo caso o raciocínio não se aplicaria.

É importante mencionar outro argumento de Aristóteles contra o vácuo. No vácuo, não há lugar natural, pois cada região seria igual a qualquer outra região (diríamos que o vácuo é homogêneo e isotrópico). Assim, não existiria razão para que um corpo, uma vez em movimento, parasse em um lugar em vez de em outro, pois o que faz o corpo mover é sua ''ida" para seu lugar natural. O movimento seria, então, eterno (como o movimento inercial), o que não é possível em um Universo fechado e finito, como o de Aristóteles.

2.2. Galileu Galilei

2.2.1. Antecedentes medievais

Uma modificação profunda do entendimento do movimento foi feita no século XIV, em Oxford, na Inglaterra. William of Ockham, um teólogo e frade franciscano, definiu o movimento com conceitos bem diferentes dos aristotélicos. Ele enuncia um princípio epistemológico, que ficou conhecido como Navalha de Ockham, que significa algo como (apud [12], p. 537) ''[...] é fútil usar mais entidades [para explicar alguma coisa], se for possível usar menos [...]". Por exemplo, se for possível entender ''movimento", sem postular ''entidades" (conceituais) - tais como lugar natural, corpo pesado, corpo leve ou, ainda, como pensava Aristóteles, um ''algo" para empurrar o corpo de modo que ele se mantenha em movimento - então é desnecessário usar tais ''entidades" para definir ''movimento". E, de fato, segundo Ockham, ''movimento" pode ser concebido como o mero deslocamento do corpo (no tempo), o que torna ''fútil" o uso de outras ''entidades" ([12], p. 537):

[...] é claro que movimento local é para ser concebido como se segue: Afirmando que o corpo está em um lugar, depois em outro lugar, assim procedendo sem qualquer repouso ou qualquer coisa intermediária, além do próprio corpo, nós temos movimento local, verdadeiramente. Portanto, é fútil postular outras tais coisas.

As idéias de Ockham influenciaram seus contemporâneos, em Oxford. Um grupo de pensadores, pertencentes ao Colégio de Merton, inventaram o que se chama, hoje, Cinemática. Embora não tivessem as categorias matemáticas para desenvolver um tratamento matemático analítico, puderam utilizar Geometria. Importantes contribuições foram [13]:

1. Uma clara distinção entre descrição do movimento e causa do movimento. Obviamente, isso decorre da definição de movimento dada por Ockham.

2. A definição de velocidade (no sentido de ''rapidez" ou de ''vagarosidade") como deslocamento no tempo e a conceitualiza cão de velocidade instantânea.

3. A definição de aceleração como variação de velocidade no tempo.

4. A consideração de movimentos uniformes e movimentos uniformemente acelerados. Traçaram os gráficos v × t desses movimentos e entenderam que as distâncias percorridas nesses movimentos são dadas, respectivamente, pelas áreas do retângulo e do triângulo, formados pelo conjunto das ordenadas (velocidade).

5. A formulação e demonstração do Teorema da Velocidade Média.

O problema colocado pelos Mertonianos foi o de como qualidades podem ser somadas ou subtraídas: Por exemplo, Santa Clara e Madre Tereza de Calcutá, trabalhando juntas, formariam uma santidade maior? Para tratar esse problema, os Mertonianos atribuíram a uma qualidade uma intensidade e uma extensão: A intensidade é medida por graus; saber como uma qualidade varia consiste, agora, em saber como o grau de sua intensidade varia ao longo de uma linha arbitrária e imaginária, chamada extensão. Uma felicidade na História da Física foi terem concebido o movimento como uma qualidade: O grau é a velocidade instantânea e a extensão, o tempo, embora se saiba que, durante muitos anos, Galileu usou a distância ao invés do tempo [13].

Galileu usou as idéias Mertonianas de maneira original. Ele deu ao Teorema da Velocidade Média uma aplicação que jamais seria concebida no século XIV: Ele o usou para resolver o problema da queda dos corpos [13].

2.2.2. O teorema da velocidade média e a queda dos corpos

O teorema diz que a distância percorrida em um movimento uniformemente acelerado é igual à distância que seria percorrida no movimento uniforme feito com a velocidade média.

Galileu usou esse teorema para provar que, se um corpo se move com movimento uniformemente acelerado, as distâncias, s1 e s2, percorridas, respectivamente, em tempos t1 e t2 obedecem à seguinte relação [12]:

em notação moderna: s = . Ele também demonstrou o corolário

em notação moderna: v2 = 2gs.

2.2.3. O princípio da inércia e a gravitação

Galileu formulou o Princípio da Inércia no contexto de uma discussão sobre a origem da queda dos corpos, em seu livro Diálogo sobre os Dois Sistemas do Mundo: O Ptolomaico e o Copernicano. Nesse livro, as discussões acontecem entre três personagens: Um, que representa Galileu (Salviati); outro, que representa o pensamento comum arraigado (Simplício); o último, o leigo inteligente (Sagredo) que, é claro, vai ser convencido por Salviati. O diálogo é o seguinte [14, p. 144-148]:

Salviati: [...] Agora me diga: Suponha que você tenha uma superfície plana, lisa, feita de um material como o aço. Ela não está paralela com o solo e, em cima dela, você coloca uma bola perfeitamente esférica e feita de um material pesado, como o bronze. O que você acredita que irá acontecer, quando a bola for solta? Você não acredita, como eu, que ela permanecerá parada?

Simplício: A superfície está inclinada?

Salviati: Sim, isso foi assumido.

Simplício: Não acredito que ela permanecerá parada; pelo contrário, tenho certeza de que ela irá espontaneamente rolar para baixo.

[...]

Salviati: [...]. Durante quanto tempo você acha que a bola permanecerá rolando e com qual velocidade? Lembre-se que eu disse que era uma bola perfeitamente esférica e uma superfície altamente polida, de modo a remover todos os impedimentos acidentais e externos. Da mesma forma, eu quero que você despreze, também, qualquer impedimento do ar, causado por sua resistência à separação, e todos os outros obstáculos acidentais, se existir algum.

Simplício: Eu o compreendi perfeitamente e lhe respondo que a bola continuaria a mover indefinidamente, tão longe quanto a inclinação da superfície se estendesse e com um movimento continuamente acelerado. Pois tal é a natureza dos corpos pesados [...]; e, quanto maior a rampa, maior seria sua velocidade.

Salviati: E se alguém quisesse que a bola se movesse para cima, nessa mesma superfície, você acha que a bola [poderia] ir?

Simplício: Não espontaneamente; não. Mas arrastada ou atirada forçadamente, ela iria.

Salviati: E se a bola fosse arremessada com um ímpeto forçadamente impresso nela, qual seria seu movimento e quão rápido [seria ele]?

Simplício: O movimento iria constantemente diminuir e seria retardado, sendo contrário à natureza, e teria uma duração maior ou menor, de acordo com um maior ou menor impulso e menor ou maior aclive.

Salviati: Muito bem; até aqui você me explicou o movimento sobre dois planos diferentes. Em um declive, o corpo pesado desce espontaneamente e continua acelerando e mantê-lo em repouso requer o uso de força. No aclive, uma força é necessária para arremessá-lo e até para mantê-lo parado e o movimento impresso diminui continuamente até ser inteiramente aniquilado. Você diz, também, que uma diferença nos dois casos se origina na maior ou menor inclinação do plano, de forma que, em um declive, uma velocidade maior se segue de uma maior inclinação, enquanto que, ao contrário, em um aclive, um dado corpo em movimento, arremessado com uma força dada, move-se mais longe, de acordo com uma menor inclinação.

Agora, diga-me o que aconteceria, se o mesmo corpo em movimento fosse colocado numa superfície sem aclive ou declive [plana].

Simplício: [...]. Não havendo declive, não haveria tendência natural ao movimento; não havendo aclive, não haveria resistência a ser movido. Assim, haveria uma indiferença quanto à propensão e à resistência ao movimento. Parece-me que a bola deveria permanecer naturalmente estável. [...].

Salviati: [...]. Acho que isso é o que aconteceria, se a bola fosse colocada firmemente. Mas o que aconteceria, se fosse dado à esfera um impulso, em qualquer direção?

Simplício: Deve ser concluído que ela se moveria naquela direção.

Salviati: Mas com que tipo de movimento? Um continuamente acelerado, como no declive, ou um continuamente retardado, como no aclive?

Simplício: Não havendo aclive ou declive, não posso ver uma causa para desaceleração ou aceleração.

Salviati: Exatamente. Mas, se não existe causa para a retardação da bola, deve haver ainda menos [causa] para que venha ao repouso; assim, até onde você supõe que a bola se moveria?

Simplício: Tão longe quanto a extensão da superfície continuasse sem se levantar ou abaixar.

Salviati: Então, se tal espaço fosse ilimitado, o movimento nele seria, da mesma forma, ilimitado? Isto é, perpétuo?

Simplício: Assim parece-me [...].

Tendo feito a opinião comum concordar com a existência de um movimento (que chamamos de) inercial, Galileu pergunta a causa do comportamento de corpos em uma superfície inclinada [14, p. 148]:

Salviati: Agora, diga-me, o que você considera ser a causa da bola se mover espontaneamente, quando em declive, e somente forçadamente, quando em aclive?

Simplício: Que a tendência dos corpos pesados é de se mover para o centro da Terra e de se mover para cima, a partir de sua circunferência, somente [forçadamente]; ora, a superfície em declive é a que se aproxima do centro [da Terra], enquanto que aquela em aclive se afasta para longe [do centro da Terra].

Embora, nessa passagem, Galileu associe ''gravidade" com uma maior ou menor proximidade com o centro da Terra, ele foi suficientemente inteligente para notar, em uma outra passagem [14, p. 234], que ''gravidade" é o nome de algo, cuja natureza ele não conhece .

Posto isso, Galileu apresenta um exemplo do que seria a superfície inercial. Existe uma ironia na situação, pois o exemplo é o de uma superfície, na qual um movimento inercial seria impossível; no entanto, erros de grandes homens são grandes erros [14, p. 147]:

Salviati: Então para que uma superfície não esteja nem em aclive e nem em declive, todas as suas partes devem ser igualmente distantes do centro. Existe tal superfície no mundo?

Simplício: Muitas delas; tal seria a superfície de nosso globo terrestre, se ele fosse liso e não ondulado e montanhoso, como é. [...].

O erro de Galileu parece ter origem na limitação do sistema físico que considera (queda livre) e do aparato conceitual de que dispõe: A origem da Gravitação, para ele, é a maior ou menor proximidade do centro da Terra, como explicitado no diálogo; nesse contexto, sua conclusão é inevitável, pois, de fato, uma superfície que não se aproxime e nem se afaste do centro só pode ser uma esfera (no caso, a Terra). Acontece que, para se andar sobre uma esfera, por exemplo, ao longo, de um grande círculo, a pessoa faz curvas, o que exige uma aceleração centrípeta e o movimento nessa superfície não seria inercial.

2.2.4. O movimento da Terra, o princípio da inércia e a Gravitação

Um dos argumentos usados desde a Antigüidade contra a possibilidade de se atribuir um movimento de rotação à Terra era que uma flecha atirada verticalmente para cima nunca poderia cair, de volta, no mesmo lugar, se a Terra movesse: Enquanto a flecha está em vôo, a Terra se move de oeste para leste, de forma que a flecha cai de volta em um ponto mais a oeste da pessoa que a atirou.

Para derrubar o argumento, alguns pensadores imaginaram que, em seu movimento para leste, a Terra arrastasse o ar e tudo que nele estivesse, como pássaros e a flecha do exemplo; assim, embora a Terra se movesse, a flecha, por ser arrastada pela Terra, poderia cair no mesmo lugar [12].

Porém, essa resposta é difícil de ser sustentada no caso, por exemplo, em que em vez de flechas se tivesse uma bala de canhão. Assim, a descoberta do canhão permitiu um argumento mais forte contra o movimento da Terra: Se a Terra se move de oeste para leste, o alcance do tiro para oeste seria maior do que o alcance do tiro para o leste. De fato, diz o argumento, enquanto a Terra move para leste, a bala move para oeste, de modo que o alcance seria o que a Terra moveu acrescido do que a bala moveu; no caso do tiro para leste, seria o que a Terra moveu diminuído do que a bala moveu. Se a Terra está em repouso, os alcances são iguais. Como o observado é a igualdade dos alcances, conclui-se que a Terra é imóvel [14].

O Princípio da Inércia foi utilizado por Galileu para justificar a possibilidade da Terra estar em movimento. A resposta de Galileu é que o movimento comum à Terra e a tudo que nela se encontra não desaparece (pelo Princípio da Inércia); assim, a bala de canhão e a flecha do primeiro exemplo, durante seus vôos, continuam a compartilhar com a Terra a velocidade que compartilhavam antes de serem lançadas. O resultado é que uma pessoa sobre a Terra só pode observar o movimento que a bala tem e que a Terra não tem, isto é, o movimento da bala relativo à Terra. Um modo curioso de ler esse argumento é que Galileu colocou a Lei da Inércia no lugar do ar que, ao ser arrastado pela Terra, arrastaria, com ele, tudo o que nele se encontrasse, como queriam os antigos.

Um outro argumento contra o movimento da Terra era que, se ela girasse em torno de seu eixo, tudo o que se encontrasse em sua superfície seria atirado para fora, como pessoas, árvores, casas, etc (tendência centrífuga). Galileu tentou responder a esse argumento [14], mas sua resposta, além de trabalhosa e cheia de argumentos sutis, está inteiramente errada.

2.3. Johann Kepler

2.3.1. Modelos astronômicos [15]

A Astronomia descrevia matematicamente o movimento dos astros. De acordo com a natureza dos corpos celestes, como já explicado, os astros deveriam mover-se, uniformemente, em círculos, ao redor da Terra. Porém, as observações mostram desvios desse movimento, chamados anomalias [15]:

1. Os planetas de tempos em tempos parecem andar para trás, em seu movimento nos céus (retrogressão).

2. Os planetas parecem não se mover uniformemente, em sua jornada pelo céu, isto é, arcos iguais, no céu, não são, necessariamente, percorridos em tempos iguais.

3. O brilho dos planetas varia, o que era atribuído a um menor ou maior afastamento da Terra.

No século II, Cláudio Ptolomeu escreveu o mais completo tratado de Astronomia da Antigüidade, Almagesto.

Para responder à primeira e terceira anomalias, foi proposto que o planeta se movesse em um círculo (epiciclo), cujo centro moveria ao longo de outro círculo (deferente), centrado na Terra; o movimento do planeta seria a composição desses dois movimentos e, visto da Terra, sua trajetória formaria ''laços", como na Fig. 6, ora indo em um sentido, ora voltando para trás e se aproximando da Terra.




A outra anomalia era mais difícil de ser tratada. Porém, é fácil entender (Fig. 4) que a introdução de uma excentricidade - isto é, deslocando o centro do deferente do centro da Terra para um ponto D - permite considerar um movimento que seja não uniforme do ponto de vista da Terra, embora uniforme, do ponto de vista do centro do deferente.

Mas o modelo é bem mais complexo. Para melhorar os resultados experimentais, foi necessário introduzir outra excentricidade, o ponto equante: A rotação uniforme não mais seria o do centro do epiciclo sobre o deferente, mas o da linha Equante-centro do epiciclo, em torno do equante.

Nicolau Copérnico colocou o Sol no centro e a Terra girando em seu redor, mas não abandonou as órbitas circulares de Ptolomeu. Historiadores têm dito que o ganho de Copérnico se encontra nas explicações qualitativas, porém seu sistema se complica, quando detalhes quantitativos se tornam importantes [15]; em particular, a colocação da Terra em órbita, analogamente aos outros planetas, permite explicar de modo muito simples a ''anomalia" da retrogressão [15].

Tycho Brahe construiu melhores instrumentos que, junto com sua inata habilidade para observar o céu, lhe permitiram obter medidas mais precisas de posições (angulares) de Marte. Marte representava um desafio; hoje, sabemos que a órbita de Marte é acentuadamente elíptica, o que não é tão acentuado, no caso dos outros planetas.

Johann Kepler trabalhou como assistente de Tycho. Ele usou os dados de Tycho para resolver o problema de determinar a órbita de Marte. Inicialmente, o problema de Kepler foi o mesmo de Ptolomeu: Calcular excentricidades (ED e TD, na Fig. 5), direção do periélio e afélio, etc. Mas ele tinha melhores dados e pôde almejar uma melhor precisão dos cálculos. Ele teve de fazer hipóteses tentativas para ajustar seus dados aos cálculos e testá-las para muitas posi cões [16]. Foi um trabalho árduo, que lhe consumiu, aproximadamente, 5 ou 6 anos e que resultou na publicação do Astronomia Nova, em 1609.

Dos cálculos de Kepler resultaram as leis:

1. As órbitas planetárias são elípticas, com o Sol em um foco.

2. A linha ligando o Sol ao planeta descreve áreas iguais em intervalos de tempo iguais.

Anos depois, ele acrescenta nova lei: A razão entre o quadrado do período da órbita do planeta e o cubo do raio médio de sua órbita é uma constante.

2.4. Isaac Newton [17]

2.4.1. O Caso da maçã

Em 1687, Isaac Newton publicou seu livro Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, no qual estabelece as categorias para o desenvolvimento de uma Filosofia Natural mecanicista: As três leis da Mecânica, os conceitos de força, massa e o tratamento de trajetórias curvas. Na última parte do livro, ele formula a Lei da Gravitação Universal.

Uma lenda na História da Física é a da queda da maçã. Newton tentava entender porque a Lua não se afasta da Terra; na década de 1660, quando passeava em um jardim, observou uma maçã caindo de uma árvore; isso o teria feito pensar que, talvez, o ''poder" responsável pela queda da maçã atuasse, também, na Lua, de modo que a Lua estaria continuamente ''caindo" para a Terra, o que a impediria de se afastar.

Segundo Isaac Bernard Cohen, na época da alegada queda da maçã Newton não estava preparado para descobrir a Gravitação Universal, pois não possuía, ainda, as ferramentas conceituais que, de fato, o levaram a conceber a lei. A ''estória" teria sido inventada pelo próprio Newton para fortalecer e tornar crível sua alegação de que a descoberta da Gravitação Universal ocorrera cerca de 20 anos antes de sua publicação, no Princípios; ele se envolveu em uma contenda com Robert Hooke pela paternidade da lei e, então, antecipou a descoberta da Gravitação Universal para um período anterior a uma troca de cartas com Hooke. Essa troca de cartas está na origem do Princípios.

Em novembro de 1679, Hooke escreveu a Newton, convidando-o a comentar sobre um método de sua autoria para descrever movimentos curvilíneos. Newton respondeu a Hooke que esse método lhe era desconhecido. Hooke apresentou, ainda, a Newton um problema, que pode ser parafraseado como se segue: Se um corpo sofre uma atração em direção a um centro, que tipo de curva seria sua órbita, se a ''atração" varia inversamente com o quadrado da distância? Newton não lhe respondeu, mas apresentou um outro problema. Quando, em 1684, Edmund Halley, o famoso astrônomo, visitou Newton e lhe fez a mesma pergunta, Newton teria respondido, imediatamente, que, segundo seus cálculos, era uma elipse, porém não achou os cálculos. Halley insistiu, então, que ele escrevesse seus cálculos; o resultado, após alguns pequenos tratados (verdadeiros rascunhos do trabalho maior) foi o Princípios Matemáticos da Filosofia Natural.

Com uma leitura cuidadosa do livro de Newton e de seus cadernos de notas, I.B. Cohen propõe que:

1. Newton chegou à Gravitação Universal por uma aplicação de sua Terceira Lei.

2. A Terceira Lei só foi formulada por ele no último rascunho do Princípios, por volta de 1685. Logo, a história da maçã é falsa, pois teria ocorrido 20 anos antes.

3. Foi aplicando o método de Hooke que Newton aprendeu a tratar trajetórias curvas.

2.4.2. O Método de Hooke

A idéia de Hooke consiste em separar um movimento central em duas componentes: Uma componente inercial, o movimento que o corpo teria, se continuasse a se mover com a velocidade instantânea, sem atuação da atração; um ''soco" em direção a um centro atrativo (centrípeto), isto é, o que nós chamaríamos ''impulso instantâneo", radial, na direção de um centro de forças. A Fig. 9 ilustra a aplicação do método de Hooke, feita por Newton, no Princípios, para demonstrar a Lei das Áreas, de Kepler.


2.4.3. Da Terceira Lei à Gravitação Universal

No último rascunho que antecedeu ao Princípios, Newton formula a Terceira Lei [apud 17]:

As ações de corpos que atraem e são atraídos são mútuas e iguais. Se existirem dois corpos, nem o atraído nem o que atrai podem estar em repouso.

Newton compreendeu que, se o Sol atrai a Terra, a Terra deveria também atrair o Sol, com uma força de mesma intensidade. Ora, se cada planeta é, por sua vez, atraído pelo Sol, então ele atrai o Sol, pela Terceira Lei. Então, cada planeta é um centro de força atrativa, também. Mas, se assim, cada planeta não só atrai como é atraído pelo Sol, mas também atrai e é atraído por cada um dos outros planetas.

A lei do inverso do quadrado seria, apenas, uma parte da Gravitação Universal. A descoberta importante - feita por Newton - é a interação mútua. Cohen argumenta que a forma era suficientemente conhecida e é uma conseqüência da Terceira Lei de Kepler, junto com a expressão da tendência centrífuga. Newton e, antes dele, Chistiaan Huygens, haviam demonstrado que a tendência centrífuga pode ser expressa (em notação moderna) a = , onde v é a velocidade e r é o raio da trajetória. Então, em termos modernos, se um corpo de massa m se move em um movimento circular uniforme, de raio r:

onde é o período e é constante, pela Terceira Lei, de Kepler.

Newton reconheceu que a interação gravitacional mútua implica que as leis de Kepler não são estritamente verdadeiras, mas válidas, somente, na situação ideal em que a Terra é reduzida a um ponto com massa e o Sol, sem massa, a um centro imóvel de força. De fato, o Sol também é atraído pela e para a Terra. Para lidar com situações reais, Newton procedeu de acordo com o que I. B. Cohen chamou de estilo newtoniano: Ele parte de uma construção abstrata e introduz novas condições, para adaptar à situação concreta.

2.5. Christiaan Huygens: A tendência centrífuga

Newton e Huygens, independentemente, procuraram uma expressão para a tendência que qualquer corpo tem de tensionar um fio a ele amarrado por uma ponta, quando uma pessoa gira o corpo, segurando a outra ponta do fio. A solução de Newton (c.1664-1665) foi anterior à de Huygens, porém Huygens publicou seus resultados antes de Newton, em 1673, no O Relógio Oscilatório (Horologium Oscillatorium); a demonstração dos resultados de Huygens, contudo, só foi publicada postumamente, em 1703, no Sobre a Força Centrífuga [18]. O modo como Huygens concebeu o problema é conceitualmente mais rico do que o de Newton.

Considere a Fig. 10 ([18], p. 261), onde o círculo é uma grande roda vertical (pode ser a Terra), tal que uma pessoa possa estar de pé em , segurando um fio do qual pende uma esfera. Quando a roda gira em torno de , caso a esfera se soltasse, ela se moveria ao longo da reta .


Huygens argumenta que, para distâncias muito pequenas, pode-se considerar que as posições da esfera sobre a reta (, ) tendem a se afastar das posições do homem sobre a roda (, ) ao longo de uma reta passando pelo centro da roda, pelo homem e pela esfera (, ). Ora, se a pessoa e a esfera girassem sempre juntas, o fio estaria sempre tencionado pelo peso da esfera, de acordo com a pessoa; portanto, a ''tendência" de se afastar do centro da roda (distâncias , ) estaria, nesse caso, sendo anulada pelo peso; a ''tendência" (, ) deve, pois, ser descrita de modo similar à ''queda livre": » , etc. Posto isso, Huygens demonstra uma série de teoremas, que, juntos, significam, em notação moderna, força centrífuga = m; apesar de não possuir o conceito de massa, Huygens se refere à ''quantidade sólida do corpo" ([18], p. 266).

2.6. A força centrípeta

Os conceitos de massa, força centrípeta e força em geral foram introduzidos por Newton no Princípios [19], como já mencionado. Apesar da Lei da Inércia ter sido formulada por Galileu (ainda que com erros, como já visto) e por Descartes, a leitura dada a essa lei por Descartes e Huygens foi peculiar [20]: Um corpo que gira possui uma tendência centrífuga; a palavra tendência ou o termo latino usado por Newton, antes do Princípios, conatus, de algum modo remetem a uma propriedade já existente e não à presen ca de algo extra, nossa força (Fig. 11).


2.6.1. Paráfrase moderna do cálculo de Huygens

Uma interpretação moderna e rigorosa do método de Huygens foi feita por Eduard Jan Dijksterhuis ([21], p. 369). Considere a Fig. 12:


o sinal + foi escolhido, pois x > 0; o sinal » significa o seguinte: Para y muito pequeno - como é o caso de y = , se (vt)2 for muito pequeno, quando comparado com r2 - nota-se que (1+)2 = 1+y+» 1+y, de modo que » 1+. Logo:

Esse resultado significa o seguinte: A tendência da massa é prosseguir em movimento linear uniforme, com a velocidade instantânea, tangencial. Logo, para que a massa tenha uma trajetória circular, ela tem de ''cair", em cada instante de tempo, tomado separadamente, da reta para o círculo. Ela o faz em queda livre, com aceleração (instantaneamente) uniforme , ao longo da reta passando pelo centro do círculo. Portanto, a força tem de ser centrípeta e não centrífuga, como pensaram Descartes, Huygens e Newton (antes de seu Princípios).

Para um movimento curvo qualquer, a força centrípeta é a componente da força que responde somente pela curvatura da trajetória, logo é a componente perpendicular à velocidade, portanto direcionada para o centro de curvatura e vale: força centrípeta = . Os conceitos de raio de curvatura e centro de curvatura não são difíceis de entender: Dada uma curva qualquer, pode-se desenhar um círculo tangente a ela, em qualquer um de seus pontos; esse círculo tem o belo nome de círculo osculador (ósculo significa beijo), seu raio é o raio de curvatura e seu centro é o centro de curvatura.

3. Ilustração do método

3.1. Comentários

De acordo com a leitura aqui apresentada do método de Ausubel, um questionário ajudaria a selecionar subsunçores. O resultado da pesquisa é, contudo, preliminar e é mais bem entendido como um indicador na escolha de temas da História. O que gostaríamos de enfatizar é nossa sugestão de usar a História da Física como organizador prévio e o ''como" fazê-lo, ainda que de modo não conclusivo.

Para uma avaliação dos resultados, as respostas, talvez, tivessem de ser contrastadas com entrevistas ou com respostas a outras perguntas ou com modos diferentes de se perguntar a mesma coisa. Por exemplo, é interessante observar que, quando se compara o uso de um mesmo conceito em questões que o colocam em contextos diferentes, os resultados podem parecer contraditórios; tal é o caso com a palavra vaga ''gravidade": Mesmo que os aprendizes tenham entendido, em algum momento, a existência de uma força gravitacional (e tudo que vem junto), o uso, em outras ocasiões, do termo vago não necessariamente significa ''retrocesso", mas, simplesmente, um modo de expressão, aliás, de uso vernacular. Infelizmente, um acompanhamento mais longo da amostra de indivíduos, após uma análise preliminar e novos testes não foi possível; o questionário foi aplicado durante o estágio obrigatório de M.T.M.S, no curso de Licenciatura do Instituto de Física da UFRJ [11].

3.2. Perguntas e respostas

Um questionário foi aplicado no Colégio de Aplicação da Unigranrio, escola da rede particular de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Os 82 alunos que foram submetidos ao questionário eram da terceira série do Ensino Médio, de duas turmas diferentes; mas todos haviam tido aulas sobre idênticos assuntos e se encontravam, ao menos supostamente, no mesmo nível de preparo. Não faremos, pois, separação entre turmas, na análise dos resultados.

No caso, os alunos já haviam tido aulas de Física sobre Gravitação, na primeira série, o que nos permite comparar, de modo preliminar, com os mesmos indivíduos, um resultado em que a História da Gravitação não atuou com outro em que atuou. Para facilitar a comparação, os resultados são apresentados lado a lado.

3.3. Subsunçores e História

3.3.1. Primeira questão

A resposta correta é que massas sofrem uma força para baixo, originada da propriedade que as massas têm de se atraírem.

Ora, respostas antes da aula sobre História da Gravita cão mostram que os aprendizes falam de ''força gravitacional" (41%) e de ''gravidade" (46%). A palavra ''gravidade" é vaga, enquanto ''força gravitacional" é uma terminologia precisa. Se se entende que o uso da expressão mais precisa está associada a uma melhor conceitualização do fenômeno da gravitação, então esses conceitos poderiam ser subsunçores.

A História da Gravitação aqui apresentada mostra, inicialmente, como a Antigüidade Greco-romana discutiu a doutrina aristotélica de uma ''natureza dos corpos pesados" ou mera ''gravidade", causa da queda dos corpos na superfície da Terra. Galileu Galilei conseguiu uma solução formal do problema, sem, contudo, apresentar uma idéia definida sobre a natureza da ''gravidade"; sua discussão é feita em um contexto amplo, que o levou à Lei da Inércia. Newton, apoiado nos ombros dos gigantes Kepler, Huygens e Galileu chegou ao conceito de Gravitação Universal, atuando entre planetas e entre qualquer par de massas e que envolve conceitos novos (introduzidos por Newton) - como força e massa.

Respostas após a aula sobre História da Gravitação mostram que o número de aprendizes que usam o conceito de força gravitacional cresceu para 89%, enquanto que os que ainda mantêm a idéia de ''gravidade" diminuiu para 6%.

3.3.2. Segunda questão

A resposta correta é que a atração gravitacional entre duas massas é uma interação mútua, pela Terceira Lei da Mecânica.

Ora, a resposta dos aprendizes, antes da aula sobre História da Gravitação - ''Sim, por causa da força de ação e reação" (54%) - mostra que a ligação entre ação e reação e a Gravitação Universal está presente entre a maioria. Parece, pois, que a Terceira Lei pode ser um subsunçor.

Aqui, o uso da História da Gravitação é particularmente feliz, pois Newton usou sua Terceira Lei para desenvolver a atração entre o Sol e um planeta em uma concepção de Gravitação Universal ou força de atração entre massas (seção 2.4).

Após a aula sobre História da Gravitação, o número de aprendizes que deram essa resposta cresceu para 96%.

3.3.3.Terceira questão

A resposta correta é que, de fato, sofremos uma força centrífuga (por estarmos em um referencial em rotação), mas a força gravitacional, resultante da atração da Terra, é suficiente para cancelar as forças (centrífuga, Coriolis), prendendo-nos inexoravelmente ao destino do planeta.

Respostas antes da aula sobre História da Gravitação - ''Porque estamos presos pela gravidade" (41%) e ''Por causa do campo gravitacional terrestre" (11%) - indicam que o conceito subsunçor pode ser a existência de uma força gravitacional, como na primeira questão (embora o conjunto de forças que atuam na situação física envolvida na terceira questão seja mais complicada).

A História da Gravitação mostra que um argumento contra a possibilidade de se atribuir uma rotação diurna à Terra, citado, por exemplo, por Cláudio Ptolomeu, era que, se a Terra girasse, os corpos seriam atirados para fora. Na verdade, a discussão do problema do movimento da Terra envolveu vários tipos de argumentos (seção 2.2.4). Além disso, o exemplo invocado por Huygens, da pessoa que segura um fio do qual pende uma pedra (seção 2.5), apresenta uma situação física similar.

Após a aula sobre História da Gravitação, a percentagem dos aprendizes que associaram a permanência de corpos sobre a Terra apesar de sua rotação à força gravitacional cresceu para 64%; os que ainda se expressão com a palavra ''gravidade" também aumentou para 23%. Porém, o ponto positivo é que a percentagem dos que passaram ao largo da resposta correta diminuiu substancialmente, de 10% + 6% + 32% = 48% para 13%.

3.3.4. Quarta questão

A situação física envolvida, aqui, é a mesma da segunda questão.

Respostas antes da aula de História da Gravitação - ''A força de ação e de reação entre os corpos" (24%), ''O campo gravitacional entre eles" (3%) e ''a gravidade" (2%) - sugerem dois possíveis subsunçores: O de força gravitacional e as forças agindo nos dois corpos formam um par ação-reação.

A História da Gravitação agiria, aqui, como na primeira questão: A construção do conceito de Gravitação Universal, a partir da discussão dos vários problemas que tiveram influência nesse processo. Em particular, como se viu na seção 2.4, o ponto de partida de Newton foi um problema sobre o movimento dos planetas, que lhe foi proposto por Hooke e, posteriormente, novamente por Halley. Assim, uma pequena discussão da Astronomia e das Leis de Kepler é incluída (seção 2.3), embora o estudo da Astronomia, na tradição aristotélica, tivesse decorrido independentemente do estudo das transformações que ocorrem na Terra. Além disso, como na segunda questão, o raciocínio de Newton, descrito na seção 2.4, mostra o papel de sua Terceira Lei.

A resposta após a aula de História da Gravitação - ''A força de ação e de reação entre os corpos" - cresceu para 88%, o que é animador. Porém, talvez uma outra questão precisasse ter sido feita para avaliar se os aprendizes entendem que essa força tem origem em uma propriedade intrínseca da matéria.

3.3.5. Quinta questão

Inicialmente, a força gravitacional da Terra diminui com a distância à massa (com uma lei do tipo ); na nave em órbita, a força exercida pela Terra é menor que sobre a superfície da Terra. A História da Gravitação (seção 2.4.3) mostra como se chegou à expressão para a relação entre a força gravitacional e a distância entre as massas. Mas isso não responde à questão.

As considerações na seção 2.5 mostram que a Lua está sempre ''caindo" em direção à Terra e qualquer planeta, em direção ao Sol, etc. Da mesma forma, a nave e tudo preso a ela ''caem em queda livre" para a Terra. Um objeto solto na nave tem a mesma aceleração gravitacional da nave (g = constante universal × ); entretanto, não se acelera em relação à nave e deve flutuar. O grande escritor de ficção científica, Arthur Clarke, concebeu uma nave espacial, de nome Rama, na qual a força centrífuga provida pela rotação da nave em torno de um eixo cria uma aceleração relativa entre a nave e o astronauta, imitando uma ''força gravitacional", em que as paredes da nave seriam um ''chão"; em Rama havia, até, um oceano pelas paredes!

A História da Gravitação (seção 2.4.3) mostra como se chegou à expressão para a relação entre a força gravitacional e a distância entre as massas. A discussão da seção 2.5 mostra a relação entre a força gravitacional e a força centrípeta, necessária para manter uma massa em órbita.

Nas respostas após a aula de História da Gravitação - ''Porque não há gravidade (79%), ''Por falta da força de gravidade" (15%), ''Porque não tem força nele" (6%) - pode ser que os aprendizes queiram dizer ''força da gravidade", pois, desde o ciclo fundamental, eles se acostumam a usar essa locução para indicar a atração exercida pela Terra [22]; nesse caso, 100% dos aprendizes fixaram o conceito de ''força". Os aprendizes não se referem à força centrípeta; porém, o material instrucional correspondente (seções 2.5 e 2.6) não havia, ainda, sido incluído, na ocasião da apresentação do material instrucional de História da Gravitação.

Recebido em 10/05/04; Aceito em 12/08/04

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  • Endereço para correspondência
    P.M.C. Dias
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Recebido
      10 Maio 2004
    • Aceito
      12 Ago 2004
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