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Debate

Debate

Como o movimento sindical enfrenta a crise brasileira e que saída ele apresenta para a sociedade? Eis o ponto central deste debate que envolveu diferentes setores do movimento sindical e, também, três sociólogos do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC).

Estiveram representadas as duas centrais sindicais em formação no Brasil, a CUT e a CONCLAT. Da Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT) participaram os seguintes sindicalistas: José Francisco da Silva, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e Raimundo Rosa de Lima, presidente do Sindicato dos Padeiros de São Paulo. Da Central Única dos Trabalhadores (CUT), participaram Gilmar Carneiro dos Santos, da diretoria cassada do Sindicato dos Bancários de São Paulo, e Clara Ant, do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo, que só chegou no final do debate.

Os entrevistadores foram José Álvaro Moisés (nosso editor), Régis de Castro Andrade (ver artigo "Por que os sindicatos são fracos no Brasil?") e Roque Aparecido da Silva. Também convidados, não compareceram por razões diversas, os metalúrgicos Joaquim dos Santos Andrade e Luiz Antonio Medeiros, ambos da CONCLAT. E, ainda, os metalúrgicos Jair Meneguelli e João Paulo Pires e o petroleiro Jacó Bittar, todos da CUT.

REGIS — Tendo como pano de fundo a crise, queremos discutir três aspectos essenciais: como os sindicatos estão enfrentando a crise; como fortalecer o movimento sindical brasileiro de forma que ele possa enfrentar a crise atual e, enfim, a questão da unidade do sindicalismo brasileiro, não só a nível nacional, mas também, a nível dos locais de trabalho.

ZÉ FRANCISCO - No campo, tentamos acertar a nossa luta em três frentes principais: a luta pela terra, uma programação com posseiros, parceiros e arrendatários e a principal bandeira, a luta pela reforma agrária. Isso significa mudar a política econômica: distribuir a renda, criar emprego, dar estabilidade no emprego, criar mercado interno e quebrar a estrutura latifundial. Queremos uma reforma agrária que coloque milhões de hectares de terra, hoje controlados pelos latifundiários, nas mãos dos 10 milhões de famílias que delas precisam para trabalhar. Defendemos, também, uma política agrícola, não voltada para a exportação mas que apóie e proteja os produtos de consumo interno e onde os pequenos agricultores sejam beneficiados. Mas, para isto, você tem que se organizar, precisa lutar. O pessoal, que, hoje, está sendo expulso da terra vai ter que resistir e forçar a desapropriação por interesse social. Para o mais difícil desafio, que é a organização dos assalariados, tem havido vários encontros, concentrações específicas, em torno de lutas que têm mudado algo na política agrícola. Isto tudo, no entanto, ainda está muito aquém do necessário, mesmo porque estas lutas não podem ser isoladas e, para enfrentarmos a política econômica do governo e a crise, é preciso haver muita organização, tanto no campo, como na cidade, até que haja um somamento dessas lutas dos trabalhadores, para que um dia a gente possa colocar em xeque o regime e, conseqüentemente, exigir uma mudança profunda na política econômica.

RAIMUNDO — A crise de agora já preocupava o governo há muito tempo. Desde que o Figueiredo assumiu, a sua intenção, com a política salarial, foi desmobilizar os trabalhadores. De certa forma, ele conseguiu esse objetivo porque houve um certo "baque", um esvaziamento do movimento sindical. O trabalhador brasileiro está acostumado a olhar o tamanho do aumento salarial e a se esquecer do resto das reivindicações. O aumento semestral acabou sendo um canto de sereia. O movimento sindical não tem muito preparo porque, as vezes, nós nos preocupamos muito em ter propostas avançadas — como as propostas de greve — e não temos propostas políticas. O trabalhador não precisa só saber parar a máquina, tem que ser mais preparado politicamente. Foi se aproveitando do enfraquecimento do movimento que o governo achou a brecha para transferir a crise aos trabalhadores.

No movimento sindical, nos preocupamos muito com o problema político-partidário. Me lembro que, em 1953, os trabalhadores faziam greves com 300 mil; mais tarde, veio a greve geral dós 700 mil: ninguém queria saber qual era o partido que atuava, mas, quanto ia ser o salário. Hoje, quando os trabalhadores de uma categoria mais preparada entram em greve, os outros dizem: eu não vou entrar porque não é do meu partido. Acho que não é por aí. Mas, quem está pensando que o trabalhador está dividido, está enganado: o trabalhador não está dividido. Nós, dirigentes sindicais, é que estamos dividindo...

GILMAR — O maior problema para o movimento sindical enfrentar a crise, é, exatamente, a conseqüência dela; o desemprego que tem conseqüências drásticas para os sindicatos, que são mais procurados e têm mais despesas com orientação trabalhista, com assistência ao desempregado, etc. O desemprego gera uma crise social, do ponto de vista geral da sociedade, e leva a um descrédito político. Na diretoria do Sindicato dos Bancários concluímos que a crise é muito mais social e política que econômica, pois, do ponto de vista dos empresários, da classe dominante, estamos vendo que é possível um remanejamento econômico. Hoje, o que está crescendo, no Brasil e no mundo, é o setor de serviços, que já é grande, tem mais de 50% da mão-de-obra. A automação está entrando de sola, reduzindo drasticamente a mão-de-obra, seja no setor operário, seja no setor campesino.

Quanto aos obstáculos ao fortalecimento dos sindicatos, temos duas coisas terríveis: uma é o atrelamento do sindicato ao Ministério do Trabalho, e a outra é a prática da Justiça do Trabalho. É uma raridade, no movimento sindical brasileiro, a clareza de se lutar pela substituição do contrato individual pelo contrato coletivo, a convenção coletiva do trabalho. Outro problema sério para a organização sindical, combinado com o desemprego, é a migração interna. Ela rebaixa o salário, desmobiliza e enfraquece o sindicato.

Agora, esta crise politiza o trabalhador. Não é por acaso que, hoje, ele discute o FMI, a dívida externa, etc. Entretanto muitos dirigentes, diante destes problemas, se fecham mais ainda, não fazem campanha salarial e fazem qualquer acordo. A unidade sindical só vai se dar quando houver unidade de ação; indispensável para a unidade de direção, como ficou provado no dia 21 de julho de 83, dia da greve geral. O problema da unidade também tem a ver com o problema da democracia: é impossível fazer unidade com dirigente que rouba na urna. No Brasil de hoje a principal referência tem de ser os trabalhadores, ainda que o preço seja a repressão e a intervenção no sindicato. Mas, hoje os dirigentes sindicais estão aprendendo que o nosso problema não é só o "trabalho", mas que o sindicalismo tem a ver, também, com a questão da moradia, da saúde, da educação, dos transportes, da alimentação, do lazer, etc. Isto mostra que a unificação do movimento é possível. Não há por que estarmos em centrais sindicais ou coordenações diferentes. Acredito que, combinando a referência aos trabalhadores com a democratização da sociedade, vamos chegar à unificação do movimento sindical.

MOISÉS — Vocês disseram três coisas muito importantes, apesar de representarem experiências e concepções sindicais diferentes: o Zé Francisco disse que é preciso somar as forças para colocar o regime em cheque; o Raimundo fala que não basta a greve, mas que é preciso fazer política, e o Gilmar afirma que a unidade se faz na ação. Nós estamos na beira do abismo, e precisamos encontrar uma saída. Então, qual o passo a ser dado agora?

ZÉ FRANCISCO - O movimento sindical tem um grande papel no sentido de exigir mudanças diante da crise. Mas seria demais a gente responsabilizar o movimento sindical sozinho. Ele é apenas urna entre várias células da sociedade. Para virar o barco, vai ser necessária uma movimentação de toda a sociedade, do conjunto das instituições políticas deste país, cada qual no seu canto. Aí, é importante a organização dos trabalhadores, a partir do interior da sua categoria, criando as condições de ela se somar às outras categorias; é importante fortalecer a unificação dos trabalhadores para que o conjunto da classe tenha capacidade de chegar à palavra de ordem pela greve geral. Acho que o movimento sindical é uma referência para os trabalhadores. O partido político também, no sentido de defender a bandeira do trabalhador. Neste caso, salvam-se os companheiros do ABC que têm uma estrutura sindical organizada dentro das fábricas, o que lhes permite coordenar paralisações e a realização de greves.

RAIMUNDO — Esta é mais uma questão política, porque o movimento sindical não está só preocupado em fazer greve. Se a gente acredita em eleições diretas, por exemplo, tem que levar isso para a rua e falar todo dia sobre elas até que saiam. Pode ser que o problema não se resolva já, mas em cima desta proposta, uma mudança de governo é possível: um governo mais popular, mais democrático, que atenda, principalmente, a área rural, a reivindicação do estatuto da terra e da reforma agrária. No congresso da Praia Grande, foi muito debatida a questão da reforma agrária e de uma mudança de governo; só assim se abre um campo para atender à questão do desemprego ou da falta de alimentos. O movimento sindical tem que jogar pesado nisso: temos que fazer tudo para alcançar uma mudança de governo. Tanto o congresso da Praia Grande, como o que foi realizado em São Bernardo, têm propostas neste sentido.

Temos de sentar e discutir estas propostas e decidir como trabalhar no concreto. Mas, não adianta nada discutir, dobrar a pastinha e guardar tudo. As resoluções têm que ir é para as massas, as assembléias e os sindicatos.

GILMAR — O movimento sindical precisa se unir aos partidos políticos, ao movimento popular, ao movimento estudantil, à igreja, porque no fundo trabalhador é tudo isto: vai à escola, mora num bairro, freqüenta a igreja e atua num partido político. Ou o movimento sindical se unifica para exigir eleições livres e diretas, em todos os níveis, ou, então, o que vai restar será a eleição indireta para presidente da República e a permanência da repressão. O movimento sindical precisa exigir as diretas e, como conseqüência, a Constituinte, porque a democracia interessa aos trabalhadores.

ROQUE — É na medida em que avança a organização dos trabalhadores nos próprios locais de trabalho que surgem as duas centrais, CUT e CONCLAT. Isso, num momento em que todos afirmam que a unidade é fundamental. Então, parece que é na medida em que os dirigentes sindicais começam a organizar os trabalhadores pela base — isto é, não se apoiar apenas nos direitos concedidos pelo Estado, mas na própria capacidade de organização dos trabalhadores — que o movimento racha. E, daí, não se consegue enfrentar certas dificuldades atuais, nem conservar a unidade... Dentro disto, como dar um passo adiante? O atual rompimento com as estruturas sindicais é um passo adiante ou é uma dificuldade a mais para romper o que atrapalha?

ZÉ FRANCISCO - No Brasil, tem muita coisa errada e não é só a questão da estrutura sindical. A nossa legislação trabalhista é bem diferente da dos outros países. Enquanto lá, a principal preocupação da lei é com a sindicalização, e as conquistas avançam através da negociação, aqui o governo chega e determina, disciplina a política salarial e coloca a justiça do trabalho na função de órgão de decisão que só se limita a homologar os dissídios oficiais. Existe, ainda, o problema da falta de estabilidade no emprego e etc. Então, não se pode analisar a organização do trabalhador sem analisar o outro lado. É preciso mudar a legislação, mas o trabalhador não está ligado na política, na política salarial, na falta de poder da justiça de trabalho, na questão da falta de estabilidade que dificulta a sua própria organização. Hoje, com a abertura, muitos líderes sindicais que não tinham aderido à intersindical, o estão fazendo; os despreocupados com a sua base, já começam a se preocupar; mas, eu ainda acho que o melhor caminho é o da unicidade. Não podemos ignorar que existe uma estrutura desta natureza e o diabo do imposto sindical para sustentá-la, E, por isso, ninguém se arrisca a abrir mão, sem que, ao mesmo tempo, haja mais participação dos trabalhadores nas negociações coletivas. Para tanto, será necessário mudar a legislação trabalhista e devolver à justiça do trabalho o seu poder normativo.

GILMAR — Foi dito que quando se mobiliza, se racha. Eu acho que a condição para rachar é, exatamente, a mobilização. Hoje, 90% dos dirigentes sindicais são interventores, isto significa que, na medida em que haja mobilização, a tendência natural é o racha, é a autodefesa dos dirigentes sindicais que tomaram o poder nos sindicatos após 64. Quando se democratizarem os sindicatos, mais de 90% dos dirigentes sindicais perderão o seu mandato neste país.

MOISÉS — Se vocês tivessem que discutir, hoje, uma pauta imediata para as duas centrais sindicais, já que por ora elas existem, o que ela incluiria?

ZÉ FRANCISCO - Eu falaria de uma pauta unitária, já que a CONCLAT é apenas um organismo de transição para uma central sindical, disposta a debater com os companheiros que organizaram o Congresso de São Bernardo. Nesta pauta, além da reforma agrária, entraria a questão da redemocratização do país, um plano de lutas imediatas e outras questões importantes, como a da política do BNH... A listagem é fácil; teria que se elaborar um plano de lutas para se levar à discussão dentro das fábricas, no campo, na construção civil. As formas de pressão deveriam ser planejadas de acordo com a organização da categoria. Até. que se criem as condições para a deflagração de uma greve geral que, na minha opinião, não pode ser descartada.

Para a reunificação do movimento sindical tem de haver flexibilidade de ambos os lados, além, necessariamente, de uma revisão dos próprios critérios de organização sindical. Esta revisão terá que estar, também, condicionada a um conteúdo de lutas, a um programa de lutas; quer dizer, à qualidade do trabalho e dos critérios de organização.

CUT E CONCLAT - DIVISÃO OU PLURALISMO

O surgimento de uma central sindical, a CUT, e a criação de um embrião já em fase avançada de gestação, de outra, a CONCLAT, a partir da segunda metade de 1983, poderão gerar que conseqüências ao movimento sindical brasileiro?

À primeira vista, o medo, manifestado por sindicalistas e outros setores, é de que a divisão entre as lideranças dos trabalhadores seja um processo irreversível e irremediável. A segunda conclusão sugerida é a de que o processo de instauração do pluralismo sindical, no Brasil, caminha avançado. No entanto, dependendo das discussões entre os dois organismos, CUT e CONCLAT, pluralismo sindical ou divisão das lideranças sindicais terão sentido bastante diverso e, portanto, apontarão para caminhos bastante distintos do que se possa imaginar hoje.

Não estão bastante definidas, ainda, as divergências. A qualidade, na verdade, é menor que a quantidade. E a questão da unidade parece ser palavra de ordem das duas correntes, assim como o repúdio à atual estrutura sindical.

O ritmo da contestação a esta estrutura e a amplitude das suas transformações talvez sejam as questões que estão na base das divergências, que, se por um lado poderão ser dissipadas com o avanço da capacidade de organização sindical, podem, por outro, se aprofundar mais, na medida em que se ampliem as mobilizações dos trabalhadores e as bases de sustentação destas lideranças.

Há aspectos, no entanto, que merecem especial atenção. Apesar da existência de divergências históricas no interior do sindicalismo brasileiro, esta é a primeira vez que elas se explicitam através da criação de organismos nacionais. De outras vezes, quando da transformação do MUT — Movimento Unificador dos Trabalhadores — em Congresso dos Trabalhadores Brasileiros, em 1947, ou quando da criação do CGT, em 1962, seus fundadores preocuparam-se em não aprofundar o seu antagonismo com as outras correntes e, de forma especial, com a estrutura sindical. Desde os anos 30, a partir da criação da CLT, todas as centrais sindicais criadas no Brasil sempre tiveram uma característica comum: deixar aberta uma porta aos dirigentes de Federações e Confederações para que tivessem assento em sua direção nacional, desde que essa fosse a sua vontade.

Hoje, de certa forma, um dos limites que separa as duas centrais sindicais em processo de formação é, em última análise, as suas divergências em relação ao respeito e ao reconhecimento, ou não, da estrutura sindical e, por conseqüência, das federações e confederações. O que não significa que não existam diferentes concepções político-partidárias e ideológicas. Na verdade, estes dois fatores acabam se combinando como fonte e fruto de um mesmo processo. Não é por acaso, por exemplo, que a CONCLAT - Praia Grande tem uma estrutura básica formada por trabalhadores rurais ideologicamente "avançados" e setores urbanos com menor índice de organização e expressão no cenário político, ao contrário da CUT - ABC, principalmente urbana e reunindo, não só os setores considerados mais avançados do movimento operário, como mais ativos politicamente.

Apesar disso, a capacidade de negociação, através do reconhecimento das mútuas divergências, pode ser um dos resultados desse processo de ruptura aberto com a criação das duas centrais. Há razões para que floresçam algumas esperanças. Na medida em que se explicitam as diferentes posições do movimento sindical, a base poderia se transformar em fórum privilegiado das discussões. E aí os interesses são mais concretos e mais objetivos. Em torno destes interesses é possível alinhar as "direções" rumo à unificação, não necessariamente dentro de uma única central sindical mas, principalmente em torno de um programa de ação e de lutas, que devem e precisam ser travadas pela classe trabalhadora, se ela quiser se defender da crise e, mais do que isso, alcançar a conquista dos seus interesses imediatos e de longo prazo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1984
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