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Conselhos Populares na cidade de São Paulo

Conselhos Populares na cidade de São Paulo

Levi B. Ferrari

Sociólogo e administrador regional de Santana, na Prefeitura do Municipio de São Paulo

Antes de mais nada, é preciso considerar algumas posições equivocadas sobre a participação popular e suas relações com o Estado. Alguns setores do PMDB e do governo democrático estão afoitos para promover a "participação". Coerentes com esta meta, que foi um dos pilares da campanha eleitoral, correm o risco, porém, de atrelá-la ao Estado. Assim, poderemos estar repetindo, ainda que com novas roupagens, o que o Estado Novo fez com o movimento sindical, tornando-o passível dos mais diversos tipos de controle e manipulação.

Partimos do princípio de que as organizações populares devem preservar a sua autonomia a todo custo, mesmo quando visam primordialmente atuar sobre organismos estatais, ou até participar da gestão destes. Por outro lado, as "novas formas de participação", que estão sendo estudadas e propostas, não devem substituir, escamotear, inibir, sobrepor-se ou subordinar-se às formas consagradas de participação e representação, como os partidos, os sindicatos e o parlamento.

Este ponto merece alguma reflexão. Podemos distinguir, pelo menos, três diferentes tipos de necessidade ou interesses que levam pessoas ou grupos sociais a participar: a) os ligados à melhoria das condições de trabalho e à distribuição de seus resultados; b) os que se dirigem à manutenção ou alteração de normas amplas de convivência social, objetos de legislação; e c) os ligados a questões mais imediatas de sobrevivência ou busca de melhores condições de vida.

O primeiro tipo de interesse é exclusivo das classes sociais, que se organizam em sindicatos e associações profissionais para defendê-los. O segundo interessa a setores mais amplos e é canalizado através de partidos com projetos específicos de (re)organização social. O terceiro, finalmente, mesmo quando compartilhado pela maioria da população, como é o nosso caso, tem sido mais articulado ao nível de comunidades menores (Sociedades de Amigos de Bairro, Comunidades Eclesiais de Base, clubes de serviço, movimentos locais, etc.) e dirigem suas demandas principalmente à administração pública em busca de seus serviços.

A relação entre esses diferentes tipos de necessidade é óbvia: quanto mais desigual a distribuição dos resultados do trabalho, maiores as carências relativas à,sobrevivência, resultando daí, ao mesmo tempo, o aumento da demanda por serviços públicos e a necessidade de alteração da ordem jurídica e da política econômica global. Porém, esta relação não deve levar à confusão. Entre as instituições que aglutinam estes interesses, o que tememos é a ênfase que se está dando à participação popular na gestão de unidades prestadoras de serviços públicos em detrimento da participação sindical e partidária. Ainda, é preciso assegurar que esses novos mecanismos não venham a ser objeto de manipulação partidária e eleitoral ou mesmo de manipulação interna por esse ou aquele grupo, mesmo quando majoritário.

A seguir, propomos a criação de Conselhos que podem viabilizar a participação junto às Administrações Regionais em São Paulo.

O Conselho Popular

O Conselho Popular seria eleito por uma assembléia composta por todas as organizações e movimentos sociais existentes na região e que queiram dela particular: Sociedades Amigos de Bairro, Comunidades de Base, clubes de serviço, associações profissionais, religiosas, desportivas, culturais, assistenciais e recreativas.

Até que cada conselho elabore as suas próprias regras de funcionamento, sugerimos, para a primeira assembléia, que as entidades com direito a voto tenham no mínimo um ano de existência e que se exija credenciamento dos representantes. Isto é para evitar o surgimento de entidades e/ou representantes "fantasmas". Outra sugestão é a de credenciar-se qualquer cidadão que possua procuração de mais de 100 pessoas. Desta forma, as oposições a entidades que não exercem uma democracia interna real poderiam ter sua oportunidade de participar, bem como as minorias a que nos referimos.

A partir daí o próprio Conselho estabeleceria as suas pautas, rotinas e prioridades junto aos órgãos públicos e discutiria, a seu critério, outros problemas de ordem política local e nacional.

O Conselho Político

Os parlamentares com domicílio eleitoral na região e os membros ou representantes dos diretórios distritais formariam o Conselho Político, decidindo, da mesma forma, sobre seu funcionamento e relacionamento com os demais conselhos.

O Conselho Técnico

As maiores autoridades dos órgãos descentralizados da administração municipal, estadual e federal atuantes numa região administrativa formariam o Conselho Técnico com a função de coordenar regionalmente a ação municipal e estadual, estabelecendo vínculos mais sólidos de cooperação entre si e operacionalizando, de forma mais dinâmica, as demandas provindas do Conselho Popular, dentro dos limites de sua competência hierárquica e funcional.

Os Conselhos e a Administração Regional

Na cidade de São Paulo, a Administração Regional pode ser o ponto de encontro da maioria das demandas provindas dos Conselhos Popular, Político e Técnico e o local de ajuste entre eles. Tais Conselhos, juntos ou isoladamente, teriam todo o acesso às informações relativas à Regional, estabeleceriam suas prioridades e participariam do processo de planejamento. Da mesma forma, a AR contaria com o apoio de cada um para atender as demandas, principalmente as emanadas do Conselho Popular.

Desta forma, teríamos condições de passar de uma política cliente-lista e desarticulada para um estágio de planejamento participativo, sem que os movimentos sociais tivessem sua autonomia comprometida. Ao contrário, tal proposta pode levar ao fortalecimento de tais entidades na sua atuação conjunta e no debate constante e através de uma forma superior de relacionamento com a administração pública, até o momento, restrita a pedidos e reivindicações.

Além disso, é imprescindível que se estude um aumento da autonomia das Administrações Regionais. Primeiramente porque, diante de poucos recursos e competências, a participação popular perde sentido: há muito pouco para decidir. Em segundo lugar, parece-nos que a Administração Pública Municipal, desde a época da criação das ARs, tem hesitado entre uma política de descentralização (mais competências às ARs) e de setorialização (mais competências às Secretarias e Departamentos). A setorialização, além de falsear a descentralização, torna mais difícil o atendimento a demandas que se apresentam quase sempre globalizadas. Ela ainda provoca uma tendência à macrocefalia na administração municipal através do surgimento de órgãos intermediários (departamentos, etc.) que, sem uma ligação direta com o comando político ou com a população, têm sido, em geral, os principais responsáveis pela burocratiza-ção do poder municipal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Set 1984
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