E AGORA, BRASIL?
O que pode mudar na economia
Paul Singer
Economista do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)
Sejamos realistas: na "frente ampla contra a crise", que se constitui espontaneamente (mais ou menos) durante 1983, os interesses dos trabalhadores entram subordinadamente. O negócio é voltar a crescer logo, e a redistribuição da renda será cuidada mais adiante. E a gente sabe que, de fato, sem voltar a crescer, a redistribuição se torna inalcançável. Como conquistar melhores salários reais e melhores condições de trabalho com filas de desempregados às portas das empresas? Mesmo outras conquistas nos campos da habitação, nutrição, saúde, etc. tornam-se inviáveis enquanto o FMI exige a eliminação do déficit público a todo vapor.
Entretanto, nem tudo está perdido. Todos estão de acordo com o objetivo da retomada do desenvolvimento, que exige a ruptura da tutela dos credores externos, via FMI. O atual crescimento, embora maior que o esperado, durará pouco sem essa ruptura. O montante do serviço da dívida externa (juros + amortizações) parece impor ao próximo governo já em 1985 o dilema: ou efetiva essa ruptura, colocando-se ao lado da Argentina, Bolívia, etc. ou voltaremos à recessão sempre que o panorama externo for menos favorável.
Se a ruptura ocorrer, haverá uma ampla reorganização das forças políticas, com evidente derrota da direita internacionalista. No bojo da nova correlação de forças, o movimento operário poderá se fortalecer. Nesta eventualidade, um ataque decisivo às desigualdades sócioeconômicas via autonomia sindical, direito de greve, comissões de empresa, elevação do salário mínimo e do salário-família, etc. se tornará possível.
Quanto à inflação, é necessário bolar formas de combatê-la sem reduzir os salários, a não ser, eventualmente, os muitos altos, digamos, acima de 20 salários mínimos. Estas formas passam inevitavelmente por controles de preços nos mercados dominados pelos grandes produtores e passam também pela instituição de escala móvel de salários.
A escala móvel de salários é tida como perpetuadora da inflação, mas este só é o caso se a inflação estiver aumentando. Se for possível começar a reduzir o ritmo dela, o mecanismo da escala móvel de salários ajuda a prolongar a redução. Por exemplo: se os salários devem ser reajustados cada vez que o INPC sobe 20%, com a atual inflação haveria reajustamentos automáticos a cada 2 meses. Se a inflação caísse a 5% por mês, os reajustamentos seriam só a cada 4 meses. Dois meses seriam "ganhos" para manter o crescimento dos preços em seu patamar mais baixo. E cada nova queda seria assim prolongada pela escala.
O que falta, na verdade, são os mecanismos políticos para conduzir o combate à inflação com participação de representantes dos assalariados. É urgente oferecer aos partidos e sindicatos elementos que lhe permitam lançar propostas concretas a esse respeito. Se não se fizer isso, a bandeira da luta contra a inflação continuará, na prática, nas mãos da direita, que "sabe" como conduzi-la: "sanear" a economia mediante arrocho salarial, corte de subsídios e gastos públicos, etc.
Talvez fosse o caso de se pensar em conselhos com governo, assalariados, empregadores e autônomos, em nível federal, estadual e municipal, para arbitrar preços e cuidar do abastecimento de bens de primeira necessidade. Como sabemos, o controle de preços nas mãos apenas da burocracia estatal dá, geralmente, em mercado negro.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Mar 1985