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Rádio Popular

Rádio Popular

Ciro Marcondes Filho

Jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP

Na primeira entrevista coletiva que concedeu à imprensa depois de eleito, o presidente Tancredo Neves acenou com a possibilidade da reformulação da legislação sobre a concessão de emissoras de rádio. O novo presidente acredita que ela deva respeitar critérios mais democráticos. Assim poderemos ter de volta, talvez, a Rádio 9 de Julho de São Paulo, cassada pelo governo Médici em princípios dos anos 70, bem como novas emissoras, mais voltadas às reivindicações populares. Essa discussão coloca outras questões. O rádio pode se abrir à população para a realização de seus programas? Como utilizar melhor esse espaço? Como criar uma mensagem não comprometida, em forma e conteúdo, com a comunicação dominante, mas que, ao mesmo tempo, tenha a qualidade, os recursos técnicos e a criatividade para se tornar de fato popular? Por causa disso, Ciro Marcondes Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, fez para LUA NOVA uma entrevista com Giovanni Acquati, presidente da Radio Popolare, de Milão, onde são tratados alguns dos principais problemas do uso desse meio que, aqui como lá, é o mais popular de todos.

C. MARCONDES F? — Qual é a importância política da Radio Popolare, na Itália de hoje, e sua relação com os demais meios de comunicação?

G. ACQUATI — É uma rádio conhecida a nível nacional, uma das poucas rádios livres de informação, e isso é muito importante. Ela é reconhecida pelas suas informações. Temos capacidade para transmitir para todo o território nacional e lutamos para que essa presença política seja sempre muito grande.

A relação com os outros meios de comunicação é de troca recíproca. Grande parte dos jornais diários locais e dos meios de informação existentes ouve a Radio Popolare. Dos jornais, obtemos as notícias que analisamos em nossos próprios jornais. A rádio é muito ouvida pelas suas informações e seu noticiário geral. E, seguramente, adquiriu muita importância, como um jornal diário nacional e desenvolvido.

C. MARCONDES F? — A Radio Popolare é uma emissora que abre bastante espaço para os grupos independentes mostrarem os seus produtos. Como vocês fazem a seleção do que entra e do que não entra no ar?

G. ACQUATI — Normalmente damos maior importância àquilo que é menor, de base. Somos uma rádio com grande participação da base. Se perdermos estes pequenos movimentos, que têm necessidade de aparecer, arriscamo-nos a perder uma grande margem de ouvintes. Os critérios não são muito precisos ou rígidos. Interessa-nos que cada entidade possa ter seu espaço, ou seja, uma vez, um, outra vez, outro.

C. MARCONDES F? — Ou seja, não existe nenhum critério de conteúdo?

G. ACQUATI — Evidentemente, estamos em uma área bem precisa, a da esquerda milanesa. Isto se coloca como condição para avaliação do conteúdo.

C./MARCONDES Fº — A esquerda é um espectro muito grande, qualquer grupo então pode usar a rádio?

G. ACQUATI — Sim, se algum grupo político se apossasse da Radio Popolare, seria seu fim. Ela deve ser vivenciada completamente pelos trabalhadores e não apenas por uma tendência. Sempre foi assim, e, se os trabalhadores não participam, a Radio Popolare não pode funcionar.

C. MARCONDES F? — Vocês ainda fazem aquele tipo de jornalismo onde a própria pessoa que participa de um acontecimento fala ao microfone da rádio?

G. ACQUATI — Temos os dois tipos de jornalistas. Há os que adquirem maior capacidade de participar dos fatos e os que fazem a notícia somente por fazê-la. Nossos jornalistas são muito mais participantes, o que sempre caracterizou a Radio Popolare e o que a faz distinta do conjunto dos meios de informação milaneses. É claro que, infelizmente, nem sempre se consegue ter uma emissão da Radio Popolare dessa forma, como a entendemos historicamente. Em geral, sobretudo no que se refere a assuntos de economia, os jornalistas limitam-se a preparar as notícias para os jornais sem dar essa característica.

Há uma grande diferença entre nós e as rádios comerciais. A nossa é uma rádio de informação, que vai procurar a notícia, portanto, deve pagar jornalistas. Uma rádio comercial apenas lê os jornais, e, enquanto isso, faz música e publicidade. A notícia não é uma coisa "vivida".

C. MARCONDES F? — O jornalismo que a Radio Popolare faz segue alguma direção político-ideológica?

G. ACQUATI — Escolhemos ser autônomos na informação, permanecendo na área da esquerda. Isto nos deu a possibilidade de manter contato com todos. A nossa posição é muito geral, no sentido de abranger uma vasta área, enquanto outras rádios só podem abranger uma área ideológica muito estreita. Isto se reflete até a nível de preparação cultural do pessoal que trabalha na rádio, que é muito mais flexível. Estou convencido de que a rigidez é destrutiva em matéria de informação. É absolutamente necessária a presença de opiniões contraditórias.

Deve-se ter uma posição que não coincida necessariamente com um partido político ou um sindicato. Uma posição política, escolhida, decidida por um debate, feito todas as semanas no interior da rádio. Neste ponto, se a informação está próxima a um partido político ou a outro, é um puro acaso.

C. MARCONDES F? — A rádio, mesmo assim, não tem uma diretriz própria?

G. ACQUATI — Isso é muito importante. Na minha opinião, seria destrutivo se nos declarássemos desta ou daquela posição. Acredito que a Radio Popolare deve dizer mais ou menos o seguinte: "Na área em que nos colocamos temos a possibilidade de pensar isto, aquilo ou ainda aquilo outro", ouvintes, decidam vocês mesmos!

Em certos momentos achamos necessário tomar posições. Diante da questão dos mísseis nucleares, por exemplo, não há discussões. Ou seja, nossa posição é pela paz e contra todos os mísseis. Não é possível haver outra. Nessas situações, é necessário tomar uma posição precisa. Quando toda a redação está de acordo com uma certa posição, a posição é aquela e não há nenhum problema. Entretanto, se nem todos estão de acordo, damos todas as informações necessárias, cria-se o debate em público.

Um empreendimento muito caro

C. MARCONDES F? — Do ponto de vista financeiro, qual é o desempenho da Radio Popolare? Soubemos que ela recebeu um apoio financeiro de grupos políticos de oposição. Esse fato consolidou-a para o futuro?

G. ACQUATI — Nesse momento, a intervenção foi somente para pagar dívidas. Não se pode dizer sobre o futuro porque estamos, infelizmente, sempre em situação problemática. Em um mês podem-se criar momentos de prosperidade econômica; em outro, de estreiteza. Ainda lidamos, infelizmente, com essas grandes dificuldades. O desenvolvimento da publicidade poderia ser a resposta para todos os problemas, criamos uma agência para isso. Manter uma rádio deste gênero é um empreendimento muito caro. Contamos com pessoas que fornecem espontaneamente capital e que não o fazem sempre, a não ser no caso dos ouvintes mais freqüentes. Decidiu-se, então, através de um debate feito com trabalhadores, incluir publicidade. Aceitou-se este fato para a sobrevivência da rádio, mas não alteramos absolutamente o contexto dos programas e das informações.

C. MARCONDES F? — Há um tipo especial de anunciante na Radio Popolare?

G. ACQUATI — Não fazemos distinções entre os anunciantes. Se me aparece a Coca-Cola para fazer publicidade, fazemos publicidade...

C. MARCONDES F? seleção de anunciantes?

Não há

G. ACQUATI — Digamos que a seleção existe espontaneamente. Os anunciantes que são seguramente aqueles que ouvem a rádio, que se envolvem diretamente com ela; os outros, que têm menos interesse, fazem somente um discurso econômico. Nós temos muita publicidade feita por pessoas que conhecemos. Porém, boa parte dos anúncios é de empresas que desejam apenas conquistar 200 mil ouvintes, que é o nosso índice de audiência semanal; são em torno de 40 mil por dia. Essas pessoas se interessam pela audiência que têm à mão e, da mesma forma que dão o anúncio a uma rádio comercial comum, o fazem também com uma rádio de informação.

Temos um sucesso muito grande, por exemplo, com a publicidade de concertos, festas, agências de viagem. As agências que trabalham com cultura fazem contratos especiais com a Radio Popolare, porque vêem que o nosso público é culturalmente de um certo tipo, já predisposto à informação, um público que faz viagens e é interessado na informação em geral.

A Radio Popolare, criada nos meados dos anos 70, em Milão, na Itália, tem sua programação e seu conteúdo decididos semanalmente por um coletivo de cerca de 30 pessoas, composto de dirigentes sindicais e representantes de partidos políticos. Sua preocupação central é a politização do cotidiano dos trabalhadores que vão à fábrica pela manhã e das donas-de-casa após o almoço. As mulheres são o público preferencial da emissora: além da programação, ela realiza festas para congregar as ouvintes — que compreendem desde feministas ativistas até modestas donas-de-casa, passando por estudantes e intelectuais — onde são discutidas questões ligadas às necessidades, às dificuldades e aos interesses particulares dos ouvintes.

É, acima de tudo, uma rádio não-dogmática, distante dos modelos "políticos" de rádios livres de esquerda, que desperdiçam tempo e audiência com programas áridos e pesados. A rádio não se volta às "cabeças" — aos filiados deste ou daquele partido — mas, fundamentalmente, aos interesses, que politizam as massas, tenham elas as opções oposicionistas que tiverem.

A rádio conta, também, com um bom serviço noticioso. Aqui, o mais importante na elaboração da notícia é dar-se privilégio maior à transmissão sem intermediários, que exprima as situações, as emoções, os fatos de forma direta e plena de vida e não à fonte, isto é, àqueles que burocráticamente dirigem uma escola, um sindicato ou qualquer outra instituição envolvida na notícia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1985
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