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O que há de novo na Nova República?

O que há de novo na Nova República?

Marcus Faria Figueiredo

Cientista político, pesquisador do IDESP e professor da FGV

Terminada a ressaca da festa cívica de 15 de janeiro, a nação começou a dar-se conta do que fez. Elegendo Tancredo Neves, elegeu-se com ele a Nova República, que traz consigo o símbolo do novo. Tudo que não vem com ele é velho. Sugere-nos que o PDS, ou o que restou dele, representa o velho e que o PT, que se supunha ser o mais "jovem" dos partidos, envelheceu precocemente.

A formação da Aliança Democrática e a sua vitória eleitoral deslocaram o eixo do poder nacional mais para a esquerda. Este movimento isolou o PDS-malufista na direita. Mas no seu contrapeso a Nova República consolidou o malu-fismo.

O Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves foi organizado para garantir a vitória do PDS. De lá para cá surgiram o malufismo, a dissidência do PDS, a formação da Frente Liberal, diversos acertos po-liticos e eleitorais e veio a derrota de Paulo Maluf. Feita a apuração dos votos, Paulo Maluf ficou com 180 e Tancredo com 480. Paulo Maluf teve, então, 32% dos votos.

Posto desta forma, nós somos levados a crer que o malufismo é politicamente fraco. No entanto, olhando com cautela a geopolítica do Colégio Eleitoral, podemos ver o peso relativo do malufismo.

Vejamos, Paulo Maluf obteve 36% dos senadores, 29% de votos dos deputados federais e 18% dos votos estaduais. À primeira vista esses números nos levariam a crer que Maluf tem hoje sua base política restrita ao Senado Federal. Pura ilusão. Decompondo ainda mais a sua votação, por regiões do país, veremos que a sua base política é bem mais forte do que os números acima podem sugerir.

Na região Norte, as bancadas de senadores e deputados federais virtualmente se dividiram: Maluf obteve 6 votos dos 11 senadores e 21 dos 43 deputados federais. Mas obteve apenas 1 voto dos 24 delegados estaduais da região. No Nordeste, Maluf obteve 11 votos dos 25 senadores, 36% de votos dentre os deputados federais e apenas 7 votos dentre os delegados estaduais. No Sudeste, a votação para Maluf foi inexpressiva: 2 votos dos 10 senadores, 29 dos 159 deputados federais e nenhum voto de delegados estaduais. No Centro-Oeste, o voto ma-lufista foi dado por 2 num total de 8 senadores, por 10 deputados federais em 35 e 9 delegados estaduais em 18. Do Sul do país Maluf obteve apenas 1 voto dos 7 senadores, 23% dos deputados federais sulistas e 6 votos dos 18 delegados estaduais.

É uma composição curiosa. No Congresso Nacional, a base malufista está concentrada no Norte e no Nordeste, enquanto que suas bases estaduais concentram-se no Centro-Oeste e no Sul do país. Principalmente no Sul, pois aí Tancredo Neves só obteve votos (todos) da delegação do Paraná. Em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a votação dos delegados foi idêntica: 3 votos para Maluf e 3 abstenções.

Se opção eleitoral e representação política têm alguma coisa a ver com bases sociais, com interesses sociais e econômicos, a geopolítica do Colégio Eleitoral nos revela a futura composição do malufismo: ele será apoiado pela elite política do Norte e Nordeste e pela base política do Sul e do Centro-Oeste. Considerando-se, grosso modo, que a base econômica dessas regiões está na propriedade rural, vemos, ainda mais perplexos, que o malufismo — um fenômeno paulista, urbano e comercial-industrial — representa hoje o setor rural brasileiro! Mais ainda, que boa parte da votação tancredista dentre os senadores dessas regiões veio muito mais pelo sentimento anti-Maluf, que por uma opção política.

Seguindo a linha da geopolítica do Colégio Eleitoral, e fazendo um pouco de futurologia, podemos ver que a fonte de expansão do malufismo dependerá muito mais do sucesso ou fracasso da consolidação da Aliança Democrática, do que do seu próprio esforço. A Aliança Democrática teve 51% dos seus votos dados por seis estados: Pernambuco, Bahia, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Esta composição é de difícil manejo, pois ela decorre de dois tipos de alianças: uma eleitoral, feita através do ex-governador Antônio Carlos, da Bahia, e outra política, feita com a Frente Liberal. O apoio dos governadores do Nordeste à Aliança, enfrentando as elites locais, é hoje mais um problema político para Tancredo Neves do que um suporte sólido. O Nordeste demanda à Nação que o "milagre" chegue lá agora. Hoje isto é quase impossível, pois, além da falta de recursos, o peso relativo do Sudeste é muito maior. Ambos defendem a federalização do sistema tributário nacional. O que pode reduzir o volume de recursos que hoje vai para o Nordeste. Portanto, a Aliança tem aí um conflito embutido de difícil solução.

O que irá acontecer, é difícil prever. A Nova República já tem pela direita uma oposição organizada com base no setor rural, com um potencial político extraordinário. Pela esquerda, o PT e o PDT já prometeram fazer oposição, mas seu potencial político foi reduzido pela mobilização popular pró-Tancredo, apesar do Colégio. De dentro da Aliança, mantêm-se Aureliano Chaves com a preferência popular, Tancredo inspirando e recuperando o orgulho nacional e a confiança na coisa pública e o PMDB organizando-se para governar o país. Os três prometem a Nova República. Se a competência que tiveram para ganhar for também usada para fundar a Nova República, sobrará muito pouco espaço para as oposições de fora, pois ali dentro há espaço amplo, para uma direita, um centro e uma esquerda. Todos novos, como sugere o senso histórico da Nova República.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1985
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