Acessibilidade / Reportar erro

Os cartolas são inevitáveis?

CONSTITUINTE

Os cartolas são inevitáveis?

Entrevista de Walter Casagrande a Waldenyr Caldas

LUA NOVA fez questão de entrevistar um jogador de futebol. Além de ser do Esporte Clube Corinthians de São Paulo, é integrante da Seleção Brasileira. Waldenyr Caldas foi conversar com Walter Casagrande, tendo em conta uma questão central: a crise do futebol. No Brasil sempre se falou, e é afirmação constante ao longo do tempo, que estamos à beira do abismo, mas nunca teríamos caído nele. No caso do futebol, como em outras atividades, também sempre se falou em crise. Ainda que colocando-nos em posição analítica apenas, parece óbvia a constatação de que a crise do futebol é, nesta segunda metade dos anos 80, profunda: interesses absurdamente particularistas nele prevalecem. Casagrande nos mostra a forma como um jogador percebe as coisas, mas sobretudo mostra as dificuldades para sua superação.

WALDENYR CALDAS — Casagrande, a primeira pergunta é sobre a questão sindical, sobre a inoperância do sindicato dos jogadores. Como torná-lo mais participativo da vida profissional do jogador?

WALTER CASAGRANDE — Bom, a gente não tem um contato maior com todos os jogadores. Os jogadores também não dão muito crédito ao próprio sindicato. Várias vezes já convocamos reuniões, mas não aparece a maioria. Nós também desanimamos com um trabalho no qual não há participação maior e que é necessária. Não há como ajudar o jogador de futebol sem a participação do próprio jogador de futebol.

WALDENYR — Gostaríamos de entender como o sindicato está se situando em relação à Constituinte. Você acha que existe um grupo de jogadores, ou só alguns, isoladamente, se interessam com isso?

CASAGRANDE — Trata-se de alguns apenas. Dificilmente há um grupo de jogadores, no mesmo lugar, que se interessa por um problema político que atinge o país. Em termos de sindicato, também é individual a mobilização. O Wladimir é um deles. Wladimir é presidente do sindicato, antes de sê-lo já participava da política. Eu me preocupo. Sócrates se preocupa, você vê mais alguns jogadores por aí, mas é uma situação isolada.

WALDENYR—No que o sindicato tem trabalhado em termos de beneficiar o seu jogador sócio? Ele tem feito algum trabalho no sentido de arregimentar maior número de jogadores?

CASAGRANDE — Tem. Tem tentado fazer com que o jogador participe. Forçou um pouco para que os jogadores participem ou se associem ao sindicato. Mas é muito difícil, depende-se muito da vontade do jogador. Ninguém faz a coisa forçado, você convida o jogador a se associar ao sindicato, mas ninguém pode forçar o jogador a isso.

WALDENYR — Existe algum trabalho no sentido de que o jogador tome consciência do seu real valor, enquanto profissional?

CASAGRANDE — Me parece que o jogador atual tem muita consciência do seu valor. A evolução do jogador de futebol é isso: o jogador tem mais consciência do seu valor dentro da sua profissão. Acho que isto é uma conquista adquirida e vair evoluir mais ainda.

WALDENYR — Uma questão administrativa do nosso futebol: te mostrei o documento de Sócrates e de Adilson. Quero te colocar o seguinte: Sócrates fala do profissionalismo do futebol e da estrutura atual. Já pensou como na estrutura atual, que você conhece muito bem, se localiza o profissional de futebol? Tenha em conta a experiência que teve com o problema da falta de organização administrativa, por exemplo, no México.

CASAGRANDE — Nos problemas administrativos os jogadores não têm como ajudar. Não se unem para tentar modificar isso. A organização, temos que deixar mesmo com as pessoas que comandam. Sempre acaba-se confiando nas pessoas que comandam. Os donos do futebol no Brasil mudam de dois em dois anos ou de quatro em quatro anos, mas os erros já estão há mais de vinte. Acaba-se tendo que delegar aos dirigentes, porque os jogadores não se unem para tentar modificar. É o que falei: o que falta, o ponto mais fraco no jogador de futebol é a união em torno de um princípio de trabalho, de uma filosofia de trabalho.

WALDENYR — Sócrates entende que a estrutura do nosso futebol é arcaica, paternalista, pouco racional e está montada em bases autoritárias. Você entende assim? E acrescentaria mais alguma coisa?

CASAGRANDE — Não! É o que falei: fazem vinte ou trinta anos que a estrutura do futebol é a mesma no Brasil e não se modifica de jeito nenhum; o jogador não tem como modificá-la e acaba-se sempre confiando nas pessoas que estão comandando.

WALDENYR — Você acha que os próprios jogadores poderiam organizadamente administrar o futebol brasileiro? Existe uma proposta de um jogador italiano, que você conhece, Bruno Conti, no sentido de os próprios jogadores se organizarem numa espécie de cooperativa e fazer esse tipo de trabalho na Liga Italiana. É bem verdade que é muito melhor que a nossa administração do futebol italiano, Você acha que funcionaria no Brasil um tipo de administração levada adiante pelo próprio jogador?

CASAGRANDE — Não, no Brasil deveríamos começar pela participação do jogador na atual forma de organização. Ele deveria ter participação direta na formulação do calendário do campeonato, na organização da própria Seleção Brasileira. Convocam-se os jogadores e se vê com eles o que é melhor para eles mesmos e para a comissão técnica, enfim, para o grupo que trabalha na Seleção Brasileira. Acho que se trataria disto no início, inclusive para chegar depois a patamares maiores. Acho que o jogador no Brasil, por falta de união, não tem condições de organizar e administrar o futebol. Mas creio que tem muitas condições de iniciar participando diretamente.

WALDENYR — Como se explica que alguns dirigentes, que são empresários bem-sucedidos e que administram competentemente seus negócios, fracassam como presidentes de clubes?

CASAGRANDE — Não sei!

WALDENYR — Certamente não é uma questão de competência...

CASAGRANDE — Não, não é!

Administrar uma coisa que é própria, uma empresa, é uma coisa. Administrar um Corinthians, que é praticamente do povo, do qual todo mundo quer saber o que está se passando, é muito difícil. Futebol não pode se comparar com empresas; ao menos aqui no Brasil ainda não se tem condições para isso.

WALDENYR — E até porque o futebol no Brasil tem um toque romântico, para se tornar empresa falta muito ainda. O público tem abandonado os estádios. Como você vê isso, Casagrande? Você teria uma opinião?

CASAGRANDE — O brasileiro sempre espera que a Seleção ganhe uma Copa do Mundo. Desde 70 não ganha e isso desanima o povo brasileiro, povo que sofre no dia-a-dia e sofre também no futebol, quando chega a Copa do Mundo.

WALDENYR — O futebol brasileiro estaria com sua popularidade ameaçada por outros esportes, como por exemplo o vôlei? O Renan e o William acham que o vôlei deverá ser, daqui a dez anos, o principal esporte do Brasil. O que você acha disso?

CASAGRANDE — Não vejo isso como uma ameaça; acho isso ótimo, me parece sensacional o vôlei subir, o basquete aparecer: o masculino e o feminino. Da mesma forma o handbol, se surgisse também como expressão seria bom; também o atletismo..., em todos os sentidos o Brasil tem que evoluir. Isso é uma evolução, não é uma ameaça. Tomara que daqui a dez anos todos os esportes sejam de primeira grandeza dentro do Brasil, inclusive o vôlei, não vejo isso como uma ameaça.

WALDENYR — Melhor para a gente!

CASAGRANDE — Exatamente!

WALDENYR — A democracia corintiana não foi apenas um momento na vida do Corinthians. Sabe-se que esse movimento, do qual você foi uma peça, uma figura importante, juntamente com Sócrates, Adilson, Wladimir e outros, transcendeu os muros do Parque São Jorge. O que você me diz dela hoje? Ainda existe uma tentativa de reerguer o processo democrático que o Corinthians vinha desenvolvendo?

CASAGRANDE — Hoje não existe nem uma unha da democracia corintiana dentro do Corinthians, muito pelo contrário, predomina o reverso. Mas eu confio muito. O Corinthians é atualmente uma equipe muito nova e o único jogador daquela época sou eu. Todos os outros saíram.

WALDENYR — Sabemos perfeitamente que a saída de alguns foi por questões políticas, não foram razões técnicas. Como o caso do Wladimir...

CASAGRANDE — É o caso do Juninho também. Eu mesmo saí e fui para o São Paulo por questões políticas. Voltei e não estou adaptado de forma alguma. Para você ter um exemplo de como estão as coisas: vai haver um churrasco e sou obrigado a ir.

WALDENYR — Você não tem a opção de não ir.

CASAGRANDE — De fato, é incrível. Acho que o grupo vai amadurecer, tem muitos jogadores que vieram de clubes pequenos, subiram há pouco. Até o ano que vem, mais pra frente, vão amadurecer. Haverá então um pessoal mais forte do lado da gente, pra gente poder competir. Não tenho como lutar sozinho contra uma diretoria ou um sistema.

WALDENYR — É evidente, mesmo porque você sozinho não teria a mínima chance. Sairia angariando a antipatia dos seus adversários e não teria chance de alcançar algo. Para um jogador chegar ao profissionalismo, depois chegar aos principais clubes de São Paulo e do Rio e, finalmente, à Seleção, só o talento é suficiente, Casagrande? Sabemos que há alguns jogadores extremamente talentosos que nunca chegaram a jogar na Seleção. Por exemplo, você teve a oportunidade de ir agora, mas em outras ocasiões foi citado pela grande imprensa especializada e não foi convocado. O que você me diz, só talento é suficiente?

CASAGRANDE — Em duas oportunidades estava em condições físicas excelentes e não fui convocado, foi mesmo por problemas de imagem, por problemas políticos realmente, eu participava e era taxado como rebelde. Pelo menos no início da democracia corintiana o único que ia para a Seleção era o Magrão, já estava nela antes de iniciar-se a experiência. A partir do momento em que iniciamos aquela democracia corintiana, ir um de nós para a Seleção era difícil. Foi muito difícil também sair do Corinthians para ir para outros clubes.

WALDENYR — Eu me lembro muito bem desse momento. Casa-grande, a falsa imagem de que o jogador de futebol torna-se milionário do dia pra noite é uma farsa muito grande. Estive uma vez jantando com o Sócrates e ficamos conversando muito tempo sobre isso. Ele me deu dados impressionantes, de que existiam em São Paulo 3.100 jogadores profissionais (falou isso em 1983), e na verdade a média dos salários dos jogadores na época era o que corresponde hoje a 1.200 cruzados.

CASAGRANDE — Ninguém se torna milionário da noite para o dia, mas mesmo assim trata-se de uma minoria. Ninguém se torna milionário de um dia pra outro no futebol, isto não existe...

O que acontece, sim, é de você fazer um excelente contrato, ter uma condição financeira muito boa, pra sustentar a sua família e ter um pouco de mordomia. Um pouco de mordomia pelo seu próprio esforço, mas não milionário. E, mesmo assim, quem alcança isto é uma minoria. De dez, são dois, no máximo.

WALDENYR — Normalmente os que por um motivo ou outro terminam se destacando...

CASAGRANDE — Num clube há um ou dois que ganham muito bem, o resto não ganha nada.

WALDENYR — Ganha o suficiente para se manter, para poder trabalhar. E a ala malufista dos jogadores? Eu sei que é grande, dá para conviver politicamente com essa ala malufista? Na verdade é problemático você deixar de lado o seu adversário político, para se conviver com ele é preciso ter um certo jogo de cintura. Como você convive com estas pessoas?

CASAGRANDE — Não é difícil, de forma alguma. Respeito demais a opinião dos outros e não tenho e nunca tive problemas com ninguém por motivo de idéias diferentes ou de filosofia diferente. Tenho e tive problemas com outras pessoas, mas no plano da minha própria profissão. Vemos atitudes ou fatos dentro do grupo, da profissão, que não agradam; mas em termos de filosofia política nunca briguei com ninguém e nunca vou brigar.

WALDENYR — Você acha que nesse campeonato mundial que passou, de 1986, as questões políticas internas à própria Seleção determinaram de certo modo o resultado em campo, a derrota do Brasil? Sabemos que a derrota foi uma contingência, tanto poderia ganhar o Brasil como a França. As questões políticas internas da Seleção teriam determinado alguma coisa para que a Seleção não andasse tão bem?

CASAGRANDE — Na hora em que precisava-se de uma situação de tranqüilidade, que foi no jogo contra a França, esta faltou. Os outros jogos foram fáceis para o Brasil. O jogo com a França era de vida ou morte, ganhava-se e ia-se para a semifinal ou perdia-se e caía-se fora. Neste momento era preciso uma condição psicológica de tranqüilidade para o jogador. Aí acho que a situação política interna da Seleção afetou o rendimento.

WALDENYR — Afetou?

CASAGRANDE — Nesse dia afetou...

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1986
CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: luanova@cedec.org.br