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"Exit" e "voice": uma esfera de influência em expansão

MESA-REDONDA

"Exit" e "voice": uma esfera de influência em expansão* * Para preservar a dimensão cognitiva dos conceitos empregados pelo professor Albert O. Hirschman, optamos por manter os vocábufos exit e voice tal qual foram concebidos em língua inglesa. Uma tradução linear ou mesmo analítica destes termos, para o português, fatalmente inibiria o caráter ativo das categorias utilizadas. Assim sendo, e como já dissemos, mantivemos estes conceitos tal qual estão no original, quando se trata de forma substantiva, e os traduzimos quando na forma verbal. Para efeito de melhor orientação do leitor, queremos registrar que tanto exit (saída, sair, palavra que indica, em latim, uma personagem que sai de cena) como race (voz, manifestar, exprimir, verbalizar) são vocábulos de origem latina — ex/I e voice — e possuem, em inglês e, particularmente, na metáfora sociológica do autor, um conteúdo não redutível a vocábulos análogos em português.

Albert. O. Hirsehman

Prof, emérito de Ciência Social do The Institute for Advanced Study, Princeton. New Jersey, EUA

(Capítulo 4, parte I, do livro Rival Views of Market Society and Other Recents Essays, Nova Iorque, Viking Penguim Inc., 1986.)

Um lugar central é ocupado, nas ciências econômicas e sociais em geral, por princípios e forças tendentes à ordem ou (para usar um termo mais ambicioso) ao equilíbrio nos sistemas econômicos e sociais. Desordem e desequilíbrio são, assim, compreendidos como conseqüências de alguma disfunção destes princípios e forças. A teoria do "contrato social", na ciência política, e a "lei da oferta e da procura", na economia, com suas versões cada vez mais sofisticadas, são explicações do gênero ordem-desordem ou equilibrio-desequilibrio. Essas explicações têm sido tipicamente vinculadas a certas disciplinas: ocupam-se tanto do mundo político como do mundo econômico. Uma vez que estão inter-relacionados, faz-se necessário construir uma ponte entre ambos. Este é o objetivo mais ambicioso no contexto do que tenho chamado de perspectiva de exit-voice. Torna-se nítido que atores sociais que experimentam uma crescente desordem têm, ao seu alcance, duas reações ativas — e talvez soluções: exit, ou o cancelamento de uma relação estabelecida na condição de comprador de mercadoria ou como membro de uma organização (uma empresa, uma família, um partido político ou um Estado); e voice, isto é, a tentativa de reparar e inclusive de melhorar a relação através de um esforço para comunicar suas reclamações, aflições e propostas de melhoria. A reação através de voice pertence, em boa parte, ao domínio da política, uma vez que tem a ver com a articulação e a canalização da opinião, da crítica e do protesto. Muito da reação através de exit envolve o reino da economia, na medida em que a função dos mercados de bens, serviços e trabalhos é, precisamente, oferecer alternativas aos consumidores, compradores e empregados que, por várias razões, estão insatisfeitos com seus atuais parceiros de transação.

Eu propus e explorei a alternativa de exit e voice no meu livroExit, Voice and Loyalty (1970). Muitas discussões se seguiram e tentativas foram feitas para aplicar os conceitos do livro a muitas áreas da vida social. Em parte incentivado por essas reações, escrevi papers adicionais sobre exit e voice nos anos 70 (a maioria foi republicada no meu Essays in Trespassing). Aqui desejo, antes de mais nada, recapitular e, quando necessário, reformular os conceitos básicos do livro original e, então, rever brevemente as principais aplicações da polaridade exit-voice, assim como os novos problemas que vão surgindo.

CONCEITOS BÁSICOS

EXIT

Por exit, entendo o cancelamento da relação com uma pessoa ou organização. Se essa relação realiza alguma função vital, o cancelamento só é possível se outra relação puder ser estabelecida com uma nova pessoa ou organização.

Exit é, portanto, um atributo freqüentemente vinculado à disponibilidade de escolha, à concorrência, aos mercados com bom funcionamento.

Exit de clientes serve como um sinal à gerência de firmas e organizações de que alguma coisa vai mal. Uma busca das causas e das soluções pode então ser empreendida e um plano de ação, destinado a recuperar as atividades, pode ser adotado. Esse é o único caminho pelo qual os mercados e a concorrência trabalham para prevenir a decadência, para manter a qualidade e mesmo para melhorá-la.

Exit é um meio poderoso mas indireto — e, até certo ponto, imperceptível — de alertar uma direção sobre suas falhas. Na maioria das vezes, aqueles clientes e membros de organizações, que com elas rompem relações, não têm qualquer interesse em melhorá-las através do seu afastamento e, nessas condições, exit não fornece à direção muita informação sobre o que vai (ou esteve) indo mal.

VOICE

O meio mais direto e informativo para alertar uma direção é alertá-la: isso é voice. Esta é, ou deveria ser, a forma superior em situações onde exit não é possível ou é difícil, custosa e traumática. Assim se passa em certos agrupamentos primordiais em que se nasce — a família, a comunidade étnica ou religiosa, a nação —, ou naquelas organizações nas quais se ingressa com a intenção de permanecer um longo período — escola, casamento, partido político, empresa. No que diz respeito a comprar e vender, voice deve prevalecer sobre exit quando a concorrência é fraca ou inexistente, como no caso de bens e serviços que são produzidos sob condições monopolistas, ou quando exit é cara para ambas as partes, como em certas transações interempresas.

Ao contrário de exit em mercados com bom funcionamento, voice nunca é fácil; pode mesmo ser perigosa. Muitas organizações (e seus agentes) não se entusiasmam nem um pouco em ter seus membros falando-lhes sobre suas deficiências e, assim, a prática de voice freqüentemente os expõem a represálias.1 1 . Veja Birch. Mesmo na ausência de represálias, o custo de voice, para um membro individual e em termos de tempo e esforço, muitas vezes excede qualquer benefício concebível. Além disso, o sucesso da canalização de voices individuais requer, freqüentemente, que os diferentes membros se unam, de tal maneira que a formação de voice depende do potencial de ação coletiva.

Apesar destes problemas, voice existe, ou melhor, veio a existir. Sua história é, em boa medida, a história do direito de dissidência, do processo legal,2 2 . Veja Evan. das salvaguardas contra as represálias e do avanço dos sindicatos, associações de consumidores e de muitas outras organizações que articulam as reivindicações de indivíduos e grupos. Da mesma forma, a história de exit é a história da ampliação do mercado, do direito de mover-se livremente, de emigrar, de ser um opositor consciencioso, de divorciar-se, e assim por diante. O direito a exit e o direito a voice, dois ingredientes básicos e complementares da democracia, têm sido ambos ampliados ou restringidos conjuntamente. Não obstante, há importantes casos de períodos, países e regimes político-econômicos marcados por avanços ou retrações unilaterais de um ou de outro. Interessantes avaliações comparativas têm sido fornecidas por Rokkan e Finer.

Interação de exit e voice

Em algumas circunstâncias, exit é superior como reação de descontentamento e, em outras, voice o é, mas freqüentemente ambos os mecanismos são praticáveis conjuntamente, e nesse caso podem reforçar-se ou contrapor-se um ao outro. A disposição ou ameaça de exit, de parte de um cliente importante ou de um grupo de membros, pode reforçar poderosamente sua voice. Por outro lado, o efetivo recurso a exit diminuirá o volume de voice — que, de outra maneira, estaria acessível e, fosse a organização mais sensível a voice do que a exit, a situação poderia ser salva de uma deterioração cumulativa. Por exemplo, depois de uma incipiente deterioração das escolas públicas ou de cidades do interior, a disponibilidade de escolas privadas ou moradias suburbanas poderia levar a incentivar, via exit, a deterioração — um tipo de acontecimento que poderia ter sido evitado, se os pais que mandassem seus filhos para a escola privada ou os habitantes da cidade interiorana que se mudassem para os subúrbios tivessem, inversamente, usado sua voice para pressionar por reformas. Pelo seu efeito agregado, decisões de exit individual são prejudiciais — um exemplo da "tirania das pequenas decisões" —, até mesmo porque elas são usualmente tomadas com base num apressado cálculo acerca do interesse particular e não levam em conta o "mal público" que será causado, mesmo para aqueles que saem, em função da decadência das cidades interioranas e da segregação do ensino.3 3 . Veja Levin e Breneman.

Estes tipos de situações são suficientemente numerosas e importantes para despertar interesse apenas como curiosos paradoxos demonstrativos que, sob certas circunstâncias, a disponibilidade de exit (isto é, de concorrência) pode ter efeitos indesejáveis. Neste sentido, tenho salientado o valor da lealdade como um fator que pode retardar uma exit precipitada. A lealdade pode fazer com que um membro determinado relute em sair de uma organização ao sinal da mais desprezível manifestação de declínio, mesmo que haja organizações rivais disponíveis como alternativa. Contanto que não seja "cega", a lealdade pode também ativar voice quando os membros leais estão fortemente motivados a salvar "sua" organização, tão logo a deterioração tenha alcançado um certo patamar.

Esse argumento poderia ser formulado usando-se o conceito de confiança. Ausência de confiança pode provocar uma tendência a excessiva instabilidade, com deserções massivas de organizações cuja atuação esteja declinante. A existência de confiança pode contrariar esta instabilidade; contanto que, digo mais uma vez, ela não seja ilimitada ou "cega", poderá resgatar a voice dos membros da organização para as tarefas de recuperação e reforma.4 4 . Veja Barber.

Assim como existem organizações aonde a deterioração resulta primordialmente em exit — quando voice poderia ser mais eficaz para a sua recuperação —, é concebível que, em outras organizações, a deterioração provoque, rotineiramente, o apelo a voice, mesmo em exit possa impor uma maior pressão na direção de reformas ou alterar toda a situação. Esse tende a ser o caso para os governos, de ministros e altos dirigentes que, mesmo quando descontentes, freqüentemente acham difícil renunciar e inventam toda sorte de argumentos para justificar por que devem permanecer em seus cargos mais um pouco, enquanto aliviam suas consciências discursando nos conselhos de governo.

As dificuldades para combinar exit e voice de uma maneira ótima são, num certo sentido," problemas dos ricos": têm a ver com situações e sociedades aonde tanto exit como voice são praticáveis mais ou menos vastamente, mas onde, em busca de melhores resultados, deseja-se uma combinação específica. Historicamente mais freqüentes são os casos em que ambos ocorrem em pequena escala, apesar das muitas razões para descontentamento e infelicidade. Não há dúvidas, como muitos analistas têm assinalado,5 5 . Ve¡a Bruinsma; Kolarska e Aldrlch; e Laponce. que aquiescência, inação, afastamento e resignação têm prevalecido, ao longo do tempo, sobre vastas áreas do mundo social. Esse é, em grande medida, o resultado da repressão tanto a exit como a voice — uma repressão que tem florescido, ainda que todas as organizações humanas possam atribuir um bom uso à realimentação destes dois mecanismos.

A persistência da inação e as transições da passividade para o ativismo, bem como o retorno desse para aquele, são, obviamente, importantes áreas de pesquisa para as ciências sociais. Mas exatamente pela importância desse tópico, justifica-se enfocar separadamente as diversas formas (tais como exit e voice) que o ativismo pode tomar e sua interação.

Problemas na formação de voice

O desenvolvimento de voice entre clientes de empresas e membros de organizações possui uma quantidade de problemas que eu não havia explorado plenamente. Alguns críticos, tais como Barry, afirmam que, em meu esforço para apresentar voice como uma alternativa concreta a exit, eu subestimei as dificuldades da formação de voice. Para examinar esta questão, é útil partir do caso extremo de antivoice: o Estado autoritário que trata de reprimir e suprimir voice. Essa situação inspirou em O'Don-nell a proveitosa distinção entre voice horizontal e vertical: a última categoria é uma comunicação real, uma reivindicação, petição ou protesto endereçada às autoridades pelos cidadãos ou, mais freqüentemente, por uma organização que representa um grupo de cidadãos; a anterior é a manifestação e troca de opinião, inquietação ou crítica entre os cidadãos — conhecidas como o "murmurar do povo", hoje regularmente apurado (em sociedades mais abertas) através de pesquisas de opinião que revelam, por exemplo, o índice de aprovação de presidentes, primeiros-ministros ou prefeitos. Voice horizontal é uma precondição necessária para a mobilização da voice vertical. A marca distintiva dos regimes autoritários mais medonhos é que eles suprimem não somente a voice vertical — qualquer tirania comum o faz —, mas também a voice horizontal. A supressão da voice horizontal é geralmente o efeito colateral dos métodos terroristas aplicados abertamente por estes regimes contra seus inimigos reais ou imaginários. Ao mesmo tempo, um efeito colateral pretendido: é tremendamente saudado por regimes que ansiem por poder e estabilidade para, desta forma, converter os cidadãos em indivíduos isolados, completamente particularizados e estreitamente voltados para si mesmos.

O trabalho de O'Donnell sobre voice horizontal tem uma característica relativa às perspectivas da voice em geral. Para a voice vertical existir — isto é, para os membros de uma organização se engajarem na condução de um diálogo significativo e in-terpenetrante — é necessário, freqüentemente, que estes membros forjem uma ligação entre si e criem uma organização que agite suas demandas. Mas o resultado esperado dessa voice coletiva e vertical é um bem público livremente disponível; conse-qúentemente, segundo o argumento crítico, indivíduos "racionais", interessados apenas em si próprios, podem muito bem abster-se de participar do risco de voice, na expectativa de que outros irão agüentar toda a sua carga. Apesar da sua importância, esse argumento sobre o "livre trânsito" tem suas limitações. Antes de mais nada, refere-se apenas à voice vertical, que é erroneamente igualada (como eu fiz em meu livro) com voice em geral. Voice horizontal não é objeto dos rigores do argumento sobre o "livre trânsito ": é uma atividade livre e espontânea de homens e mulheres na sociedade, tal como respirar, e uma extraordinária violência deve ser empregada para suprimi-la. Sob condições normais, voice horizontal é continuamente gerada e produz efeito mesmo sem tornar-se voice vertical. Esse é o caso óbvio das avaliações dos índices de popularidade de figuras públicas importantes, embora, em geral, dirigentes de organizações não possam deixar de reparar e de reagir às opiniões críticas e aos modos hostis de seus membros, quer tenham ou não irrompido movimentos organizados de protesto. Para que funcionem "no compasso", as economias planificadas da Europa Oriental têm sido conduzidas precisamente neste terreno, como está colocado no seguinte depoimento:

"Uma coisa é clara, se for considerado o sistema por ele próprio: não pode funcionar. Mas se olharmos a realidade, há provas de que funciona — pobremente, ao certo, mas, de alguma maneira, a máquina trabalha, mesmo que com rangidos e balançadas. Aquilo que, em teoria, não poderia funcionar, na prática funciona — como isso é possível? A vida dá a resposta. Quando trabalhadores recebem ferramentas defeituosas pela manhã, permanecem zangados durante todo o dia, seu salário decai e ao anoitecer (após devolverem as ferramentas), irão queixar-se disto. Eventualmente, o homem encarregado de cuidar das ferramentas ficará farto de ser o alvo dos insultos e cuidará para que as ferramentas estejam em condições".6 6 . Veja Bender, p. 30; tradução minha ao inglês.

Outra limitação do argumento sobre o "livre trânsito" reside na suposição axiomática de que os indivíduos adotam sempre, nas suas atividades, uma atitude puramente instrumental. Exatamente porque o resultado desejado de voice coletiva é caracterizadamente um bem público — ou melhor, algum aspecto da felicidade pública —, a participação em voice oferece uma alternativa diante das ações puramente instrumentais, baseadas tão-somente no interesse próprio. Possuem, portanto, poderosas atrações aquelas atividades que são marcadas pela fusão entre luta e realização e que podem também ser compreendidas como um investimento na identidade individual ou do grupo.7 7 . Veja b capítulo 6 e Pizzorno. Tais considerações demonstram que, provavelmente, voice é algo mais instável que exit: a participação em (e afastamento de) ações coletivas costuma ocorrer em ondas, com um grande número de pessoas deslocando-se de um comportamento instrumental para um não-instrumental, e retornando àquele novamente.

O comportamento de voice é tema de outras questões complexas, como mostrou Bourdieu. Suponhamos que os membros de uma organização A tenham algumas queixas e optem por manifestá-las ao invés de a deixarem (a organização). Canalizando suas voices de modo a ser possível negociar com os dirigentes de A, irão requerer, em geral, que se estabeleça uma organização separada, B. Mas a atuação de B pode provocar novos desgostos entre seus membros, que irão se confrontar novamente com o dilema exit-voice, desta vez em relação a B. A formulação de Bourdieu é algo remi-niscente da obra Iron Law of Oligarchy (1915), de Robert Michels, segundo a qual todas as organizações — Michels estava particularmente interessado nos partidos políticos e nos sindicatos — estão sempre prestes a cair sob a dominação de pequenas "diques" de burocratas e a afastar-se de seus objetivos. Bourdieu, se o entendi correta-mente, não é tão pessimista: para ele, a usurpação da oligarquia e o conseqüente desvio da organização de suas propostas originais são riscos evitáveis, contanto que seus membros estejam atentos e prontos para reagir através de uma nova exit ou de movimentos de voice.

Deve-se concordar que a opção pela voice é vítima característica deste, espera-se que não infinito, tipo de retrocesso. Muita da atração de exit vem do fato que ela permite uma ruptura clara e "de uma vez por todas": voice, particularmente voice vertical, é um processo trabalhoso e infindável — como a luta pela liberdade e pela justiça.

ALGUMAS AREAS BE APLICAÇÃO

Sindicatos

Na economia, a maior aplicação das categorias exit-voice, não prevista por mim quando delas tratei pela primeira vez, tem sido na análise exaustiva dos sindicatos como voice coletiva, realizada por Freeman e Medoff em seu livro What Do Unions Do ? Ao invés de olhar os sindicatos como um plano monopolista para elevar os salários dos trabalhadores sindicalizados além do nível de equilíbrio da "compensação do mercado" ou — o que resulta na mesma interpretação em linguagem diferente — como uma ferramenta na luta de classe, que serve para reduzir o grau de exploração, o livro citado defende que a maior função dos sindicatos é a de canalizar informação para a direção das aspirações e das reclamações dos trabalhadores. Voice coletiva, em termos de negociação sindical, é bastante mais eficiente na transmissão de informações sobre os descontentamentos dos trabalhadores — e para fazer alguma coisa sobre isto — do que decisões individuais de renunciar, pela simples razão de que voice fornece mais informação do que exit. De acordo com minha hipótese inicial principal, a presença da voice dos sindicatos é exibida para reduzir exit — isto é, uma cara rotatividade do trabalho. Por esta única razão, aumenta a produtividade do trabalho. Além disso, os benefícios adicionais, as condições de trabalho, os direitos de antigüidade por tempo de serviço, etc., que os sindicatos negociam, freqüentemente melhoram a situação dos trabalhadores num nível em que seu custo para os empresários é mais do que compensado pelo aumento da produtividade do trabalho. Existem, naturalmente, situações em que os sindicatos nada obtêm: em particular, eles são hábeis em conquistar para seus membros uma parcela dos lucros monopolistas das indústrias altamente concentradas. Mas Freeman e Medoff acham que essas situações são menos significativas que aquelas em que a voice dos sindicatos traz benefícios para os trabalhadores, para a economia como um todo e, ocasionalmente, mesmo para o empresariado.

Mercados e hierarquias

Renovada atenção tem sido dada, nos anos recentes, à questão de por que alguns tipos de atividade econômica são realizadas por empresas independentes, que se inter-relacionam através do mercado, enquanto outras estão organizadas ao longo de linhas burocráticas e hierárquicas. A questão pode ser colocada, por exemplo, em relação aos fornecedores de peças ou insumos: sob que condições serão e permanecerão independentes e quando se tornarão uma subdivisão de uma empresa integrada verticalmente? A favor da hierarquia, a influente colocação de Williamson dirigiu sua atenção a assuntos como a incerteza acerca da evolução do mercado e da tecnologia e, em particular, à assimétrica disponibilidade de informação entre comprador e vendedor, criando oportunidades para comportamentos enganosos. Em outras palavras, a hierarquia é considerada superior aos mercados quando existir a necessidade de um diálogo franco e consistente entre as partes contratantes. Críticos desta posição, Gra-novetter e Eccles fizeram duas observações inter-relacionadas: (1) relações entre empresas independentes, tal como contratantes e subcontratantes, são freqüentemente bastante eficazes em dissuadir atos indevidos; e (2) hierarquia geralmente conduz a modelos caracterizados pelo segredo e pela perda de controle. Além disso, a estrutura industrial varia substancialmente de país para país, assim como dentro de um mesmo país, com o passar do tempo: no Japão, por exemplo, como demonstrou Sabei, subcontratos são muito mais amplamente praticados que no Ocidente e, na Itália, têm se expandido nos últimos dez ou vinte anos.

Uma formulação em termos de exit-voice é útil aqui. As características que são alegadas para justificar a hierarquia são: informação incompleta, considerável refreamento de uma empresa pela outra e aberturas para comportamentos "oportunistas" (isto é, desonestos). Tudo tende para situações nas quais as firmas contratantes devem, intensamente, consultar-se — e vigiar-se — entre si. Mas esta necessidade de voice não implica necessariamente que a hierarquia seja a receita. Quer seja realizada no interior de uma mesma empresa ou entre duas empresas independentes, isto seria uma conclusão precipitada, certamente.8 8 . Veja Granovetter. Além disso, quando as duas partes são independentes e recorrem com uma grande freqüência à voice, a possibilidade de exit geralmente aparece e a ameaça implícita de exit pode influir, então, de uma forma mais impressionante do que as sanções de uma hierarquia.

O argumento a favor da hierarquia, nos casos em que o recurso à voice deve ser freqüente, provavelmente origina-se da idéia das relações de mercado nos termos de um mercado ideal, altamente competitivo e anônimo, em que exit é toda-poderosa e voice completamente ausente. Mas a maior parte dos mercados reais envolve voice: comércio é comunicação e tem como premissa um contato freqüente e estreito entre as partes contratantes, que resgata promessas, dá-lhes crédito e engaja um mútuo ajustamento de reivindicações e reclamações — tudo isto estava implícito na noção do século XVIII de doux commerce. O próprio Adam Smith conjeturou que era uma habilidade do homem comunicar-se através da fala, que está na origem da sua "propensão a negociar e a trocar". Como é estranho, portanto, apresentar a necessidade de conversações freqüentes e intensivas como um argumento a favor da hierarquia.

Serviços públicos

A organização dos serviços públicos representa uma área privilegiada para a aplicação do raciocínio baseado em exit e voice — significativamente, a idéia de exit-voice tem sua origem na minha análise sobre um serviço público em dificuldades, as ferrovias nigerianas. Serviços públicos são caracterizadamente vendidos ou fornecidos por um único fornecedor público ou publicamente regulamentado, por várias razões: (1) alguns serviços (ferrovias, serviços postais, energia elétrica, etc.) são fornecidos por um monopólio técnico ou legal; e (2) alguns serviços (educação, saúde) não são pagos diretamente, porque todos os cidadãos, independentemente da renda, são considerados habilitados a estes serviços — por isso, eles não podem ser fornecidos através do mercado; (3) em alguns casos, a sociedade sustenta que um serviço deve ser fornecido em condições de qualidade uniformes e publicamente controladas, sem levar em conta as preferências do consumidor. Por exemplo, um argumento pela educação pública, particularmente numa democracia com diversos grupos étnicos e religiosos, tem sido o de que é desejável que todas as crianças passem por uma "experiência educacional comum", isto é, que todas as escolas instalem em seus currículos valores cívicos básicos e que ofereçam instrução uniforme em certos campos elementares.9 9 . Veja Levin.

Uma vez que a maior parte dos serviços públicos está assim despojada da "disciplina do mercado", necessariamente surgem problemas para manter a eficiência produtiva. Uma óbvia maneira de mitigar esses problemas é reintroduzir, de algum modo, pressões de mercado. Por exemplo, quando certas categorias de bens e serviços estão para ser postas à disposição, inclusive para todos os cidadãos, independentemente de seu nível de renda, ou para alguns grupos sociais pobres, o Estado e suas agências podem evitar produzir ou distribuir esses bens diretamente e, ao invés disso, emitir um dinheiro especial para este propósito — ou vales —, possibilitando aos beneficiários adquirir os bens ou serviços através dos canais comuns de mercado; o sistema de vales reintroduz o mercado e a possibilidade de exit numa situação na qual parecia haverem sido excluídos. Um exemplo particularmente bem-sucedido do sistema de vales é a distribuição de bônus de alimentação para os pobres, nos Estados Unidos. Ao invés de criar e administrar sua própria rede de distribuição de alimentos, o Estado oferece vales (bônus de alimentação) que os beneficiários podem usar em lugares competitivos da rede comercial existente e que eles já conhecem.

Em parte por causa do sucesso desse programa e em parte por causa da crença nas "soluções de mercado" como um remédio supremo para todos aqueles programas governamentais em má situação, esquemas de vales têm sido propostos para muitos outros serviços públicos, da educação à construção de casas de baixo custo e a certos serviços de saúde. Mas suas atribuições são freqüentemente violadas quanto às características do bem ou produto a ser fornecido. Em conformidade com uma visão geral, a solução do vale (ou exit) funciona melhor nas seguintes condições: (1) quando há diferenças de gosto muito difundidas e que são reconhecidas como legítimas; (2) quando o povo está bem informado sobre a qualidade dos bens e serviços que quer e pode facilmente compará-los e avaliá-los; (3) quando as compras são relativamente pequenas em relação aos impostos e ocorrem periodicamente, de tal maneira que os compradores possam aprender com a experiência e facilmente distinguir uma marca (e fornecedor) de outra; e (4) quando existirem muitos fornecedores competindo.

Estas condições estão presentes no caso dos gêneros alimentícios, mas o estão muito menos no caso, digamos, dos serviços educacionais e de saúde. Aqui, os compradores estão freqüentemente mal-informados sobre a qualidade, há poucos fornecedores e a comparação de compras é complicada e mesmo impossível, no caso de algumas decisões muito importantes. Aqui, os sistemas de vales, provavelmente, encontram dificuldades; eles podem mesmo ser inapropriados quando, como já foi notado no caso da educação básica, uma certa uniformidade do produto é considerada desejável do ponto de vista da sociedade, sem levar em conta preferências individuais. Neste caso, o desenvolvimento de voice constitui uma importante alternativa estratégica para assegurar e manter a qualidade do produto. Em outras palavras, os beneficiários dos serviços públicos — em alguns casos, seus pais, parentes ou amigos — devem ser induzidos a se tornarem ativos, individual ou coletivamente, em seu próprio interesse ou no interesse de seus próximos. Como sempre, o desenvolvimento da voice é árduo, se o povo está apático ou passivo e também se é — imprevidentemente, mas não menos ativamente — repelido e mesmo contido pelas organizações que foram montadas, para prestar os serviços. Contudo, muitas propostas e tentativas têm sido feitas par introduzir mais voice na administração tanto do serviço de saúde como no serviço educacional.10 10 . Veja Stevens e Klein.

Eu já tinha originalmente insistido sobre o caráter oscilante das intervenções de. exit e voice nestes campos. Sistemas de educação e saúde parecem especialmente expostos ao perigo que a exit prematura — de seus membros potencialmente mais influentes — solapasse voice. A situação oposta também pode ocorrer, de toda maneira, pela abertura de uma perspectiva de exit que possa servir para fortalecer voice: pais que têm sido passivos porque estavam se sentindo impotentes e temendo represálias, podem sentir-se fortalecidos pela primeira vez, tão logo lhes tenham sido entregues documentos que possam ser usados"contra" as escolas atualmente freqüentadas por seus filhos, e, assim, estarão mais firmes que antes para falar a respeito das mudanças que desejam.

Mobilidade espacial (migração) e ação política

Outra área substancial de aplicação das categorias exit-voice abre-se quando exit é realizada num sentido literal, espacial, isto é, no sentido de um movimento físico de afastamento de uma situação problemática. Aqui, o dilema exit-voice aparece como uma alternativa familiar de "fuga ou luta". Embora seja freqüentemente institucionalizada entre grupos nômades, essa alternativa não é concebível em sociedades sedentárias, onde a escolha normal e tradicional é lutar ou submeter-se em silêncio, como Hamlet percebeu muito bem ("... sofrer as estilingadas e flechadas de um destino ultrajante ou pegar em armas contra um mar de problemas..."). A opção de retirar-se de um meio opressivo tornou-se acessível numa escala massiva somente nos tempos modernos, com os extraordinários avanços nas formas de transporte e a desigual abertura de oportunidades econômicas, de tolerância religiosa e de liberdade política. Onde quer que esta opção tenha existido, pude-se ver a interação de exit e voice em três principais tipos de migração: (1) do campo para a cidade, a mais velha e, sem dúvida, a mais numerosa forma de migração moderna, que quase se exauriu nos países industriais avançados, mas que ainda ocorre massivamente e em alta velocidade na maioria do Terceiro Mundo; (2) da cidade para os subúrbios que, nos Estados Unidos, foi mais intensa nos anos 50 e 60, devido à expansão do automóvel e também à migração em alta escala de negros e hispânicos para as cidades, que levou os brancos a delas migrarem; (3) finalmente, é claro, a migração internacional, com seus numerosos determinantes e constrangimentos econômicos e políticos (sob esta modalidade, o movimento internacional de capital também merece atenção). Observando a interação entre exit e voice nestes diversos grupos, é possível, com os numerosos estudos agora disponíveis, distinguir três diferentes padrões:

1. De acordo com minha hipótese básica, a migração-exit despoja a unidade geográfica que é deixada para trás (campo, cidade, nação) de muitos de seus habitantes mais ativos, entre eles líderes potenciais, reformadores ou revolucionários. Exit enfraquece voice e, assim, reduz as possibilidades de avanços, reformas ou revoluções na unidade que foi abandonada; também pode causar um processo de progressivo declínio, que lá tomará lugar.

Algo desse padrão pode ser observado em todos os três tipos de migração. Uma massiva migração rural-urbana reduz o potencial, assim como a necessidade, de reformas agrárias, que a voice do campo poderia, de outra maneira, ter precipitado.11 11 . Ver Huntington e Nelson, p. 103 ss. A recente migração das cidades para os subúrbios nos Estados Unidos conduziu, ao menos inicialmente, a uma cumulativa deterioração nas áreas urbanas atetadas, apesar de, e em alguns casos por causa de, ter reduzido a densidade. E a ampla emigração da Europa para os Estados Unidos, no século XIX e até a Primeira Guerra Mundial, provavelmente funcionou como uma válvula de segurança para as sociedades européias daquele período, que viviam um rápido processo de industrialização, como já foi mostrado em relação à Itália.12 12 . Veja Mac Donald. Numa tendência parecida, Frederick Jackson Turner invocou a possibilidade de migração para o oeste, dentro dos Estados Unidos, para explicar a inexistência de um movimento operário militante neste país. Por vezes, o enfraquecimento da voice, como uma conseqüência de exit, é conscientemente provocado pelas autoridades: permitir, favorecer ou mesmo ordenar a exit de inimigos ou dissidentes, há muito tempo têm sido um meio — comparativamente civilizado — para governantes autocráticos livrarem-se de seus críticos, uma prática revivida em larga escala na Cuba de Castro e, numa base mais seletiva, pela União Soviética após a era Stalin.

2. Mas o padrão básico de oscilação — mais exit, menos voice — não esgota o rico material histórico disponível. Eu observei antes (enlouquecidamente, pela nitidez do esquema) que a possibilidade de exit pode, de fato, reforçar voice, porque lhe confere um novo poder e segurança. O mecanismo através do qual ganha mais força, ao invés de enfraquecer-se, como um resultado de exit, é distinto no caso de migração. Em algumas sociedades, as pressões sociais acumuladas podem ser tão fortes que os controles políticos autoritários só serão relaxados com rapidez se ocorrer, conjuntamente, uma certa intensidade migratória. Isso foi o que aconteceu nos cinqüenta anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, quando o direito de voto e outros direitos civis foram estendidos em muitos Estados europeus dos quais numerosos contingentes de pessoas estavam saindo. Em outras palavras, o Estado acomodou algumas das pressões através da democratização porque pôde ser razoavelmente evidenciado, em parte como uma conseqüência da emigração, que abrir levemente a porta para a voice não iria fazer explodir toda a estrutura existente. Uma relação positiva similar entre exit e voice pode existir hoje em certos países do sul europeu, como Espanha, Portugal e Grécia: aqui, a emigração, em larga escala, de trabalhadores para o norte da Europa pode ter facilitado a transição para uma ordem mais democrática (mais vociferente).

Um raciocínio correlato aplica-se à migração rural-urbana: mais do que tornar a reforma agrária obsoleta, pode transformá-la, de algo incrivelmente explosivo, em algo politicamente factível — do ponto de vista dos detentores do poder político. Depois de um longo período de emigração do campo em larga escala e das concomitantes transformações agrárias, talvez restem acordos de ocupação apenas em algumas poucas áreas centrais, com solo desigual e improdutivo, e faz-se então possível e talvez convidativo lidar com esses problemas satisfatoriamente limitados, e mesmo compensar os proprietários — o que é impossível quando se trata de uma reforma que envolva a maior parte das terras aráveis de um país. Em outras palavras, aqui também voice pode ser ouvida, quando, em função de exits anteriores ou concomitantes, não é mais provável que haja conseqüências catastróficas.

3. Além e acima destas conseqüências diretas de vários tipos de migração, a teoria de exit-voice nos convida a observar as respostas preventivas ou remediadoras, produzidas pela entidade que está sendo abandonada, em relação à emigração em larga escala. Uma empresa que está perdendo clientes, ou um partido que está perdendo membros, normalmente procurará as razões para o declínio da sua boa sorte e, então, definirá uma estratégia para recuperá-la. Algumas determinadas reações podem ser esperadas também no caso de emigração física, mas realmente não é fácil identificá-las. No caso de migração rural-urbana, por exemplo, não existe uma entidade organizada chamada "campo", que pudesse registrar a fuga de seus habitantes e empreender uma ação corretiva. Com a migração da cidade para o subúrbio, a situação é similar; apesar de aqui existir uma entidade administrativa, não há muito que possa fazer para tornar a estadia na cidade mais atrativa ou para reter seus mais ricos pagadores de impostos. Projetos para melhorar os serviços públicos e a proteção policial têm sido, naturalmente, muitas vezes proclamados. Além disso, as cidades têm, com freqüência, organizado lobbies junto ao governo do estado para obter fundos para tais propostas, como a "revitalização das vizinhanças em deterioração", e esses programas têm tido algum sucesso. Como um todo, entretanto, as decisões individuais de milhões de pessoas, de se mudarem para o subúrbio, não têm sido substancialmente modificadas por estas tentativas oficiais, normalmente bastante tímidas, para "estancar a maré".13 13 . Veja Fainstein e Fainstein.

A analogia com a empresa é — ou deveria ser — melhor aplicável quando a entidade geográfica que está perdendo residentes é o Estado, que é, inequivocamente, um corpo altamente organizado, autodeliberativo e com consideráveis meios de ação. Eu já observei a possibilidade de que a emigração alivie a pressão política ou econômica existente num país e passe a ser, portanto, bem-vinda, podendo mesmo ser encorajada pelo Estado. Mas a emigração massiva, a partir de um certo ponto, está destinada a ser vista como perigosa: não será mais comparada com uma "válvula de segurança" e sim com uma perigosa "perda de sangue". Exatamente como uma empresa de negócios, o Estado pode, então, adotar medidas para fazer-se mais atrativo para seus cidadãos. Um exemplo desta reação é o plano nacional para a recuperação da economia e para a industrialização, adotado pela Irlanda em 1958, em meio a níveis de emigração muito altos, a maior parte em direção à Inglaterra.14 14 . Veja Burnett. Semelhantemente, as pioneiras medidas do Estado de Bem-Estar social, nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do século XX, inicialmente na Alemanha de Bismarck, nos anos 80 do século passado, e daí estendendo-se para as nações escandinavas e para a Grã-Bretanha, foram adotadas em países com altos índices de emigração ultramarina. Essas medidas podem, portanto, ser interpretadas como tentativas dos Estados de se fazerem mais atrativos para seus cidadãos inclinados a ir-se embora.15 15 . Veja Kuhnle.

Defrontado com uma exit em massa, o Estado possui uma opção que não é acessível para outras organizações e para empresas: graças a sua autoridade territorial e pelo emprego de seu monopólio da força, pode trancafiar seus membros no interior de suas próprias fronteiras. Embora não particularmente construtivo, este pode ser um eficiente meio de restringir exit, como tem sido demonstrado pela República Democrática Alemã e por outros países da órbita soviética, incluindo, obviamente, a própria União Soviética.

Uma palavra deve ser acrescentada acerca do movimento de capital e da fuga de capital. A crescente importância do capital móvel foi primeiramente comentada no século XVIII. Montesquieu e Adam Smith, ambos pensavam que a ameaça de exit de parte desse capital poderia, normalmente, prevenir o Estado de tomar medidas arbitrárias e confiscatórias contra os legítimos interesses do comércio e da indústria. A ameaça de exit ou a própria exit eram aguardados na expectativa de funcionar, tal qual a fuga de clientes de uma empresa, como um freio à má conduta do Estado. Embora esta relação seja ainda pertinente, exit de capital é hoje, freqüentemente, menos construtiva. Na maior parte dos países capitalistas periféricos, os donos de capital ficam bastante alegres diante da possibilidade de transferirem parte de suas posses para os Estados Unidos ou para outros lugares "confiáveis", no caso de ficarem insatisfeitos com o que chamam de "clima de investimento" local. Desta maneira, a exit (ou fuga) de capital freqüentemente continuará ocorrendo em larga escala, até que o Estado empreenda algumas reformas, talvez de longo alcance, a respeito de temas como ocupação da terra e justiça fiscal. Ao invés de evitar políticas arbitrárias e mal-avaliadas, exit pode assim complicar e conferir um maior risco a certas reformas necessárias. Além disso, exit bloqueia voice: enquanto os capitalistas puderem transferir seu patrimônio, eles terão menos incentivo para levantar sua voice com o propósito de fazer uma contribuição responsável para a solução dos problemas nacionais. Conforme argumentei em outro lugar, a mobilidade de capital e sua propensão à fuga pode ser, assim, uma razão a mais por que os Estados na periferia capitalista são fracos e instáveis.

Partidos políticos

Pus em destaque, com respeito à dinâmica de partidos políticos numa democracia, duas proposições principais:

1. Num sistema bipartidário, a tendência de ambos os partidos se moverem na direção de um centro não-ideológico, de maneira a conquistar os (alegadamente) numerosos votos que estão "entre os extremos", é contrariada pelos membros e militantes do partido que estão nas franjas ideológicas, que "não têm nenhum outro lugar para ir", mas que, exatamente por causa disto, estão extremamente motivados para exercer influência dentro do partido, através de vigorosas práticas de voice — incluindo, por exemplo, ameaças de passividade durante as campanhas eleitorais.

2. Num sistema multipartidário, em que a distância ideológica de um partido em relação ao outro é, presumidamente, mais próximo do que num sistema bipartidário, a insatisfação com a atuação do partido conduz, com maior probabilidade, a exit. Num sistema bipartidário, voice joga um papel mais importante, já que mudar para o outro partido exige um salto ideológico demasiadamente grande. Pode-se concluir que os partidos, num sistema bipartidário, exibirão mais divisões internas, mas também mais democracia interna e menos centralismo burocrático, do que os partidos num sistema multipartidário.

A primeira destas proposições tem sido vigorosamente sustentada pelos fatos subseqüentes à publicação do meu livro. Naquele tempo, somente poderia ser citado como apoio a esta idéia a nomeação de Barry Goldwater, em 1964, como candidato presidencial do Partido Republicano. Desde então, evidências adicionais têm se acumulado: da nomeação de George MacGovern pelo Partido Democrata, para disputar a eleição presidencial em 1972, ao crescente poder das alas mais radicais do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha e à ascensão de Margaret Thatcher, no interior do Partido Conservador, e de Ronald Reagan entre os republicanos, nos Estados Unidos. Embora, naturalmente, muitos fatores tenham jogado um papel nestes acontecimentos, a tese de que, num sistema bipartidário, os dois partidos convergem crescentemente no sentido de algum terreno intermediário, tem sido amplamente rebatida.

A segunda proposição que destaquei não tem se saído tão bem. A conclusão de que a insatisfação com a atuação do partido conduz a voice em partidos de sistemas bi-partidários e a exit naqueles que operam em sistemas multipartidários foi baseada num modelo extremamente simples, com apenas um espectro de opinião — esquerda e direita —, assim como era presumido que a distância ideológica entre partidos contíguos seria menor quanto mais partidos existissem. Na realidade, entretanto, existem muitas outras dimensões para o alinhamento político, especialmente em democracias com antigas divisões em torno de questões étnicas, lingüísticas e religiosas, de tal maneira que as distâncias entre os vários partidos podem realmente ser maiores do que entre partidos de sistemas bipartidários. Sob estas condições, a lógica exit-voice irá, de fato, prognosticar que a participação dos membros (voice) em partidos de sistemas multipartidários também será vigorosa e exit será incomum.16 16 . Veja meu Essays In Trespassing e Lorwin.

Num trabalho recente, Kernell enfatizou outro fator complicante. Em sistemas bipartidários, exit é um movimento particularmente poderoso para os membros insatisfeitos, pois que, ao somar seus votos ao outro partido, estarão duplicando seu impacto; em sistemas multipartidários, não podem estar certos de fazer isto, exceto quando existe um partido de oposição dominante (o que significa, com efeito, que prevalece um sistema bipartidário). Conseqüentemente, no caso de desapontamento com a atuação do próprio partido, pode surgir, num sistema bipartidário, uma tentação especial em transferir-se para outro partido, de maneira a punir o seu próprio, mais do que a trabalhar para mudá-lo desde o seu interior. Desta forma, uma preferência por exit, estrategicamente motivada, é provável que seja avançada, primordialmente quando um partido no poder é visto como tendo malbaratado seriamente seu mandato. De acordo com as circunstâncias, a perspectiva de ser capaz de punir o partido pode, retroativamente, superar a lealdade partidária e a confiança ideológica anterior. Esse tipo de situação foi um fator importante na severa derrota sofrida, nas eleições presidenciais norte-americanas de 1980, pela legenda democrata.

Casamento e divórcio

O casamento moderno é uma das mais simples ilustrações da alternativa exit-voice. Quando um casamento está em dificuldades, os parceiros podem tanto fazer uma tentativa de reconstruir sua relação, normalmente através de uma grande quantidade de conversas (voice), como podem divorciar-se. As dificuldades da interação entre exit e voice são aqui bem evidentes. Tal como a ameaça de greve nas relações patrão-empregado, a ameaça de divórcio é importante por induzir as partes a "negociar seriamente". Mas quando exit torna-se custosa e talvez mesmo mais proveitosa para uma das partes,17 17 . Veja Weitzman para este ponto e as questões seguintes para o divórcio nos Estados Unidos. mina voice: antes de ser uma ação em último recurso (como as greves, que são sempre custosas), o divórcio pode tornar-se, então, uma resposta automática à dificuldade conjugal, com cada vez menos esforço sendo feito para a comunicação e a reconciliação.

Isto é exatamente o que parece ter acontecido nos Estados Unidos durante os últimos quinze anos, isto é, desde que eu, pela primeira vez, declarei que "o gasto de tempo, dinheiro e nervos", necessário em complicados processos de divórcio, serve ao profícuo, mesmo que não pretendido, propósito de "estimular voice em organizações que estão se deteriorando, mas que ainda são recuperáveis, e que podem ser prematuramente destruídas pelas livre exit". Em 1970, a Califórnia adotou uma nova lei de divórcio, que se estendeu — ainda que, em geral, de forma atenuada — à maioria dos outros estados. A lei californiana alterou drasticamente os procedimentos para a obtenção do divórcio: ao invés de requerer provas de que uma das partes era culpada de algum tipo específico de comportamento que constituísse motivo para o divórcio, a nova lei permitia o divórcio quando ambas ou apenas uma das duas partes assegurasse que o casamento se arruinara irremediavelmente. Embora, desde há bastante tempo, o número de divórcios estivesse aumentando, seu crescimento acelerou-se depois de 1970, ao ponto de, hoje, um em cada dois novos casamentos provavelmente acabar em divórcio.

Do ponto de vista de voice, o aspecto mais surpreendente da nova situação legal é a abolição, para a consumação do divórcio, da necessidade de obter o consentimento da esposa ou esposo. A possibilidade de uma decisão unilateral, de apenas "ir embora", é simbólica da maneira pela qual a lei californiana interrompe o recurso à voice. Outros estados não foram tão longe: casais em processo de divórcio devem, em geral, decidir conjuntamente se querem seguir o caminho que dispensa o juízo e as provas dos erros cometidos, ou se querem invocar o procedimento tradicional, baseado na apreciação destes erros. Em outros estados ainda, um divórcio imediato só pode ser realizado pela via do sistema tradicional, baseado na apreciação dos erros, enquanto que, no processo de divórcio que dispensa esta apreciação e que libera as partes de entrar em acordo sobre qualquer coisa — mesmo sobre a própria "ruína" —, exigem do casal que estabeleçam residências separadas e que esperem a expiração de um período de tempo estatutário.

O pêndulo tem, assim, se inclinado completamente na direção de facilitar exit e, portanto, de enfraquecer voice. Essa foi, naturalmente, uma reação contra os muitos abusos do sistema anterior, baseado na apreciação dos erros, que exigia procedimentos hostis, custosos e degradantes e que, de fato, discriminava os pobres: somente pessoas da classe média e da classe média alta podiam dispor de recursos para o divórcio. Mas os elaboradores da nova legislação provavelmente não faziam idéia da dimensão em que os antigos obstáculos ao divórcio, indiretamente, encorajavam tentativas de remendar relações conjugais muito facilmente desgastadas, e de como a nova liberdade de exit iria torpedear tais tentativas.

As novas regras surgem para refletir a má crença popular de que o estado conjugal ou é uma felicidade total ou uma falência e um inferno insuportáveis. Na realidade, naturalmente, a instituição do casamento deve ser dotada de algumas condições de solidez, precisamente porque, na maioria das vezes, não possui nenhuma, mas é cheia de sucessivos conflitos que precisam ser administrados e conduzidos, como escrevi, "rotineiramente, até seu esclarecimento, sem colocar em risco, a cada vez, a sobrevivência da relação". Em desconsideração a esta realidade, a lei californiana equivale a emitir, para cada pessoa recentemente casada, um "vale" que dá o direito a qualquer um dos parceiros de "demitir" o outro sem custos substanciais e sem ter que se justificar a si mesmo. A solução do vale é ainda mais imprópria para assegurar uma oferta ótima de serviços sexuais e de companhia do que foi mostrado ser no caso de serviços educacionais e de saúde.

Desenvolvimento do adolescente

Aqui está uma outra situação familiar, para cuja análise se tem verificado proveitosa uma formulação em termos de exit e voice. Conforme demonstra Carol Gilligan, o desenvolvimento do adolescente tem sido muitas vezes retratado como um processo através do qual a criança "dependente" torna-se um adulto "independente", através de uma progressiva "separação" em relação a seus pais. Freud observou isto como "uma das mais significativas, mas também como uma das mais dolorosas realizações físicas do período de puberdade (...) um processo exclusivo que faz possível a oposição, tão importante para o progresso da civilização, entre a nova e a velha geração". Aqui está uma celebração de exit: a declaração de Freud negligencia uma incumbência e um aspecto complementar do desenvolvimento do adolescente, que é manter e enriquecer o vínculo com a geração mais velha, através de uma contínua, mesmo que con-flitiva, comunicação. Em outras palavras, voice é também importante para transformar a relação do adolescente com seus pais. A violência peculiar do conflito entre pais e adolescentes reside, de fato, na impossibilidade de se confiar integralmente na voice para resolvê-lo: dada a estreiteza do relacionamento, um acordo pleno, que pudesse ser o resultado de uma voice bem-sucedida, corre o risco de terminar em incesto, uma vez que a "reunião de amantes sugere a reunião de corpos", como escreve Gilligan. É por causa do tabu do incesto que exit deve ser parte da solução, embora diferentes gerações de adolescentes estejam provavelmente a realizar sua emancipação ao praticar combinações muito diferentes de exit e voice. Além disso, Gilligan enfatiza que o equilíbrio entre exit e voice altera-se de acordo com o sexo: as moças, que dão um valor maior que os garotos ao vínculo mantido com a família e são, portanto, menos atraídas pela idéia masculina de independência-isolamento, experimentam uma tensão maior entre exit e voice.

Com essa aplicação imaginativa dos conceitos exit-voice, podem ter sido ampliados os limites exteriores da sua esfera de influência.

Trad. Breno Alíman

  • *
    Para preservar a dimensão cognitiva dos conceitos empregados pelo professor Albert O. Hirschman, optamos por manter os vocábufos exit
    e voice tal qual foram concebidos em língua inglesa. Uma tradução linear ou mesmo analítica destes termos, para o português, fatalmente inibiria o caráter ativo das categorias utilizadas. Assim sendo, e como já dissemos, mantivemos estes conceitos tal qual estão no original, quando se trata de forma substantiva, e os traduzimos quando na forma verbal.
    Para efeito de melhor orientação do leitor, queremos registrar que tanto
    exit (saída, sair, palavra que indica, em latim, uma personagem que sai de cena) como race (voz, manifestar, exprimir, verbalizar) são vocábulos de origem latina — ex/I e
    voice — e possuem, em inglês e, particularmente, na metáfora sociológica do autor, um conteúdo não redutível a vocábulos análogos em português.
  • 1
    . Veja Birch.
  • 2
    . Veja Evan.
  • 3
    . Veja Levin e Breneman.
  • 4
    . Veja Barber.
  • 5
    . Ve¡a Bruinsma; Kolarska e Aldrlch; e Laponce.
  • 6
    . Veja Bender, p. 30; tradução minha ao inglês.
  • 7
    . Veja b capítulo 6 e Pizzorno.
  • 8
    . Veja Granovetter.
  • 9
    . Veja Levin.
  • 10
    . Veja Stevens e Klein.
  • 11
    . Ver Huntington e Nelson, p. 103 ss.
  • 12
    . Veja Mac Donald.
  • 13
    . Veja Fainstein e Fainstein.
  • 14
    . Veja Burnett.
  • 15
    . Veja Kuhnle.
  • 16
    . Veja meu
    Essays In Trespassing e Lorwin.
  • 17
    . Veja Weitzman para este ponto e as questões seguintes para o divórcio nos Estados Unidos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Set 1987
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