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Mobilizações populares, regime militar e transição para a democracia no Chile

TRANSIÇÕES POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA

ARTIGOS

Mobilizações populares, regime militar e transição para a democracia no Chile* * Este artigo é uma versão resumida de um trabalho mais abrangente que será publicado em Susan Eckstein, ed., Protest and Resistance Movements in Latin America. O artigo foi concluído durante permanência no Centre d'Analyse et d'Intervention Sociologiques de l'Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). O autor agradece a colaboração bibliográfica de Federico Joannon.

Manuel Antonio Garretón M.

Professor e pesquisador da FLACSO - CHILE

APRESENTAÇÃO

O tema dos protestos e mobilizações populares sob o regime militar chileno, que ganhou especial relevância a partir do início - em maio de 1983 - dos Protestos Nacionais massivos, se insere no debate político estratégico da oposição chilena ao regime militar. A partir da sua irrupção no espaço público em 1983, a "mobilização social" tem sido o assunto central em todos os debates, bem como o principal ponto de convergência e divergência. Os diversos setores da oposição invocam-na como um elemento imprescindível, embora os significados e finalidades sejam diferentes para cada um deles. Em alguns momentos transformou-se em um verdadeiro mito, e foi considerada em si mesma como a "estratégia para pôr fim ao regime militar". Em tempos recentes, o tema retorna dentro do debate autocrítico da oposição, e há quem atribua ao fracasso dessa estratégia a continuação do regime de Pinochet, enquanto que outros persistem em considerá-la como o único caminho. Na primeira parte deste trabalho iremos discutir alguns traços das mobilizações sociais sob estes regimes militares. Na segunda faremos um levantamento das mobilizações que ocorreram sob o regime militar chileno, concentrando a nossa atenção exclusivamente no Ciclo de Protestos e Greves, analisando brevemente as mobilizações do período precedente (1973-1983), e sem nos deter nas mobilizações setoriais nem nos atores sociais específicos ou particularizados. Na terceira parte, enunciaremos algumas hipóteses interpretativas.

1. MOBILIZAÇÕES SOCIAIS E REGIME MILITAR

Não é este o lugar para revisar as características e evolução dos regimes militares que surgiram nos anos 60 e 70 no Cone Sul da América Latina1 1 Uma discussão geral cm D. Collier, ed., The New Authoritarianism in Latin America (Princeton, 1979); Guillermo O'Donnell, "Reflexiones sobre las, tendências de cambio en el estado burocrático autoritário," Revista Mexicana de Sociologia, 1 (1977) p-9-59. (Há edição portuguesa in: Paulo Sérgio Pinheiro, ed., O Estado Autoritário e os Movimentos Populares (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 23-95); Manuel Antonio Garretón, "El Proceso Político Chileno" (Santiago: FLACSO, 1983) e "Dictaduras e Democratizació n," (Santiago: FLACSO, 1984). . Para fins da nossa análise bastam-nos algumas considerações.

1. Um dos traços essenciais desses regimes é a sua definição antimobilizadora. Tendo se imposto sobre sociedades muito ativadas; esses regimes buscam a sua desmobilização em todas as frentes, inclusive as de apoio civil a sua gestão. Desmobilização e despolitização enquanto objetivos levam a que tanto os elementos repressivos quanto os aspectos transformadores2 2 Para uma melhor compreensão destas categorias, veja Manuel Antonio Garretón, "The political Evolution of the Chilean Military Regime and the Problems in the Transition to Democracy", in: Guillermo O'Donnell, Philippe Schmitter e Laurence Whitehead, eds., Transitions From Authorilarian Rule Latin America (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986) p. 95-122. (Há edição portuguesa: São Paulo: Vértice, 1988). destes regimes procurem não só desmontar as formas tradicionais de mobilização que a sociedade conheceu, como também impossibilitar a constituição de novos atores e novas formas de mobilização; As mobilizações sociais nestes regimes estarão, assim, sempre referidas ao grau e tipo de repressão, à natureza das transformações estruturais e institucionais e à existência de espaços de reconstituição da.ação coletiva que podem ser gerados ora pela arena política, ora por instituições como a Igreja. O significado dessas mobilizações deve ser, portanto, analisado sob dois eixos. Um é o da recomposição do sistema de atores coletivos eliminado, desarticulado ou debilitado pelas transformações estruturais e institucionais do regime. O outro é o processo de aprofundamento da crise da ditadura e o desencadeamento ou aceleração da transição política. Nem sempre estas duas perspectivas coincidem, podendo inclusive em determinados momentos ter dinâmicas contraditórias.

2. Há uma diversidade de significados e funções das mobilizações sociais sob regimes militares. Pode-se distinguir basicamente quatro tipos: a primeira é a mobilização de tipo expressivo-simbólico, de forte conteúdo ético e emocional, cujo objetivo é sobretudo a afirmação ou a defesa de uma identidade ou de uma comunidade que se sentem ameaçadas; exprime rebeldia e não se orienta pela busca de outros resultados que não sejam a pura expressão dessa identidade, protesto ou rebeldia. O segundo e terceiro tipos de mobilização são de caráter mais instrumental e se orientam para a obtenção de resultados específicos. O primeiro deles é a mobilização instrumental organizativa, que procura como resultado da mesma a consolidação e a reprodução da organização aumentando sua legitimidade "interna" e "externa". A outra forma de mobilização instrumental é a clássica de tipo reivindicativo, que busca melhorar a condição de um ator particular no plano social, econômico ou político. O marco institucional, bem como a autonomia e força orgânica de cada ator são determinantes deste tipo de mobilização. O quarto tipo de mobilização é o que poderíamos chamar de propriamente político: guia-se por metas e métodos referidos à finalização e substituição do regime militar.3 3 Exemplos de mobilizações do primeiro tipo são as realizadas em torno das Jornadas Pela Vida; do segundo tipo, as mobilizações eleitorais no interior de uma organização como um Colégio Profissional (equivalente ao Conselho Regional de uma profissão, no Brasil); do terceiro tipo, uma greve por reivindicações salariais ou uma invasão de terras; do quarto tipo, uma mobilização como a das "eleições diretas" no Brasil.

Evidentemente, toda mobilização tende a combinar várias destas dimensões, mas o importante é o peso que se atribui a cada uma delas. Por outro lado, a identificação de atores específicos com alguma dessas dimensões pode gerar efeitos inibidores de um processo de transição; por esse motivo, um dos problemas básicos de uma oposição mobilizadora é o de combinar estes tipos de mobilização evitando particularismos ou comunitarismos, os corporativismos ou a excessiva politização que reduzem a abrangência das mensagens.

3. Uma última consideração diz respeito aos limites das mobilizações sociais enquanto promotoras ou produtoras de processo de transição. De fato, elas são um dos componentes de tais processos, e não "o" componente. As transições pressupõem, além das mobilizações, a decomposição do bloco governante, a negociação entre o regime e a oposição e a mediação de instâncias ou atores acima do regime e da oposição.4 4 Ver Manuel Antonio Garretón, "Seis proposiciones sobre democratización política en Chile", Convergencia, n. 10 (Dezembro 1986), Santiago. Com estes três processos as mobilizações mantêm relações complexas e ambivalentes, podendo existir efeitos mutuamente reforçadores ou contraditórios. O significado político das mobilizações depende do seu "efeito estatal", e esse é um elemento específico que não depende da mobilização em si. Sob um regime autoritário, se uma mobilização não se inserir numa estratégia que leve em conta o "efeito estatal," este fica por completo nas mãos o poder ditatorial. Esse efeito pode fazer de uma estratégia insurrecional-militar ou de uma propriamente política, em cujo caso se trata de um processo de negociação ou de acordo entre os titulares do poder e a oposição. Desta forma, nas transições políticas, a relação entre mobilização popular e negociação política adquire um caráter crucial e definidor de qualquer estratégia opositora.

2. AS MOBILIZAÇÕES SOCIAIS NO REGIME MILITAR CHILENO

a) A Evolução do Regime Militar

Em 1973 o Presidente Salvador Allende, eleito constitucionalmente e democraticamente em 1970 à frente da Unidad Popular (coalizão de partidos de esquerda), foi derrotado por um golpe militar encabeçado pelos Comandantes das Forças Armadas e conduzido pelo Comandante do Exército, Augusto Pinochet. Terminava assim não só a experiência da "via chilena ao socialismo" - como se chamou o programa da Unidad Popular, que tentava transformar drasticamente a estrutura sócio-econômica preservando o regime político democrático - mas também um longo período de estabilidade democrática que iniciara nos anos 30.

O regime militar tinha diante de si duas tarefas: recompor um capitalismo em crise e desarticular a sociedade política, ao mesmo tempo em que se eliminava o "inimigo derrotado": a Unidad Popular e os setores sociais que ela representava. O período 1973-1976/7 caracteriza-se: pelo predomínio irrestrito da dimensão repressiva que encontra à sua frente como uma barreira de proteção a Igreja Católica; pela progressiva personalização do poder de Pinochet e pela emergência e consolidação de uma equipe tecnocrática na condução do estado ao lado de Pinochet, conhecido como a "equipe Chicago," que dava uma orientação de conteúdo ao regime militar. De 1977 a 1981 intensifica-se o projeto transformador do regime militar através do modelo econômico da escola de Chicago, de um amplo plano de reformas sociais destinadas a reduzir o papel distributivo do estado, segmentando a base social e introduzindo em todas as esferas os mecanismos de mercado, eliminando a ação coletiva e política; e de um processo de institucionalização política que se completa com a imposição de uma nova Constituição em 1980, que visa garantir a passagem de uma ditadura militar para um regime autoritário, consagra a continuidade de Pinochet como Presidente até 1989 e estabelece a possibilidade da sua reconsagração até 1997 através de um plebiscito unipessoal a se realizarem 1989. A partir de 1981 o modelo transformador do regime entra em crise devido ao fracasso de seu esquema econômico. Isto acarreta a fragmentação do bloco civil de apoio, uma maior personalização do poder, uma intensificação do isolamento do governo militar, e um descontentamento dos setores médios que revigora a mobilização popular e favorece a emergência pública dos partidos políticos. Em 1983 inicia-se o protesto massivo, social e político, frente ao qual o regime mantém um alto nível de repressão, ao passo que combina aberturas limitadas e informais com "fechamentos" políticos e avanços na institucionalização com vistas a 19895 5 Sobre a repressão, H. Fruhling, "Repressive policies and legal dissent in authoritarian regimes: Chile 1973-1981", International Journal of the Sociology of Law, 12 (1984). Em espanhol, veja "Disciplinando la sociedad: Estado y sociedad civil en Chile 1973-1981". Sobre o modelo econômico implementado pela equipe dos "Chicago Boys", como eram chamados pela sua irrestrita adesão às teorias da escola econômica de Chicago e de Milton Friedman, Alejandro Foxley, "Latin American experiments in neo-conservative economics" (University of California Press, 1983). Em. geral, sobre a evolução do regime militar e o seu projeto sócio-econômico e político, Samuel Valenzuela e Arturo Valenzuela, eds., "Military Rule in Chile. Dictatorship and Opposition" (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1985); Pilar Vergara, "Auge y caída del neoliberalismo en Chile" (Santiago: FLACSO, 1985); E. Tironi, El liberalismo real (Santiago: Sur, 1986). Os aspectos mais políticos desta evolução em Manuel Antonio Garretón, "El processo..." ob. cit., parte terceira, e "Escenarios e itinerários de la transición" (Santiago: Instituto para el Nuevo Chile, Cuademos ESIN, 4,1986). Também A.E. Fernández Jiliberto, "Dictadura militar y oposición política en Chile 1973-1981" (Holland: CEDLA, Fortis Publications, 1985). . A oposição, por seu lado, defronta-se com os problemas da sua fragmentação e da vinculação da estrutura político-partidária com a sociedade.6 6 A oposição política está formada por dois setores minoritários de direita (liberais e republicanos) que se afastaram dos partidos de direita que se consideram a si próprios como herdeiros do regime (União Democrata Independente, Nacionalistas, União Nacional e Partido Nacional; este último tendo se distanciado criticamente do regime); o Partido Democrata Cristão, o Partido Social Democrata e o Partido Radical no centro, onde o predomínio democrata cristão é claro; e na esquerda dois partidos socialistas, aos que se somam outros grupos socialistas menores, o MAPU, a Esquerda Cristã e o Partido Comunista. Finalmente, há a oposição nitidamente insurrecional armada, onde sobressaem o MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) e a Frente Manuel Rodríguez, este último com vinculações com o Partido Comunista. Têm sido tentadas diversas formas de agrupamento dos partidos da oposição, nunca se chegando a uma Multipartidária, pois acabam prevalecendo os elementos ideológicos. Em 1983 formaram-se a Aliança Democrática (Republicanos, Liberais, Social. Democracia, Democracia Cristã, Partido Radical, União Socialista Popular, Partido Socialista Setor Briones ou Núñez), o Movimento Democrático Popular (Partido Socialista Setor Almeyda, Partido Comunista, MIR e outros grupos menores); o Bloco Socialista se dissolveu dois anos depois (Partido Socialista da Aliança; Esquerda Cristã, MAPU, MAPU Operário-Camponês, Convergência Socialista independentes). Houve tentativas posteriores de criação de agrupamentos mais amplos através de personalidades de diversas tendências, como o PRODEN ou a Intransigência Democrática, de incidência pontual ou circunstancial. A tentativa mais importante foi o Acordo Nacional, em meados de 1935,. impulsionado pelo cardeal Fresno, onde se somaram aos partidos da Aliança dois partidos de direita, o Partido Nacional e a União Nacional, e a Esquerda Cristã. Em 1986 este Acordo ampliou-se abrangendo vários grupos socialistas e o MAPU, mas dele se retiraram a União Nacional e a Esquerda Cristã. Todos estes blocos são conhecidos como "referentes". Podemos agora entrar na análise das mobilizações sociais sob o regime militar.

b) As Expressões Coletivas 1973-1983

Até 1983 só se pode falar em mobilizações setoriais e parciais. Elas dizem respeito a ações de defesa, protesto e solidariedade face a violação dos direitos humanos por parte do regime militar; atividades de subsistência e reivindicativas em setores "poblacionales"7 7 As "Poblaciones" são bairros pobres das periferias urbanas, de feições parecidas com as das favelas brasileiras (N.T.). ; reivindicações trabalhistas; manifestações de caráter político em certas datas e mobilizações culturais e estudantis, que também adquirem no último caso traços reivindicativos8 8 Entre às primeiras se encontram atos massivos, greves de fome para protestar contra torturas, detenções, desaparecimentos, assassinatos etc. Entre as segundas temos as Panelas Comuns, as Bolsas de Desempregados etc. e as invasões de terrenos ou demandas ao poder municipal. As reivindicações trabalhistas são acompanhadas de alterações no processo produtivo, "viandazos" greves parciais. As mobilizações políticas ganham especial relevância por ocasião do plebiscito de 1980, tomando forma de passeatas-relâmpago, difusão de panfletos, pequenas marchas etc. .

Sem entrar em uma análise pormenorizada das mobilizações desta década, e reconhecendo a heterogeneidade tanto de espaços como de períodos, é possível apontar as seguintes características gerais.

Em primeiro lugar, as mobilizações deste período ocorrem em um marco altamente repressivo e de muito pouca abertura, o que permite entender seu caráter isolado, ocasional e de curta duração. Em segundo lugar, salvo poucas exceções no âmbito reivindicativo, estas mobilizações não parecem ter como destinatário um interlocutor de quem se espera a satisfação de uma demanda; elas estão mais orientadas por princípios de tipo expressivo e auto-referentes. Nos casos reivindicativos, a inexistência de resposta governamental positiva e a repressão deixam estas mobilizações entregues a sua própria decomposição interna. Em terceiro lugar, boa parte destas mobilizações contam com proteção institucional da Igreja, sob cuja influência começa a se reconstituir um sistema de organizações sociais que progressivamente vão adquirindo autonomia. Em quarto lugar: apesar da impossibilidade de transcender para níveis de expressão mais globais e coordenados - o que será típico do ciclo de Protestos que examinaremos mais adiante - a recorrência destas diversas mobilizações aponta para dois fenômenos importantes. Por um lado, o regime militar não consegue eliminar as expressões coletivas nem os germes de organização em que estas estavam baseadas. Por outro lado, em todas estas mobilizações está presente um certo número de militantes de partidos e de organizações de direitos humanos ou de igrejas, a se movimentarem com relativa autonomia em relação aos seus aparelhos, com o que se define um novo modo de relação do social com o político; esses militantes constituem-se nos animadores dessas mobilizações. A presença deste "ativo político-social" nos diversos espaços — mescla de classe política intermediária e animadores ou dirigentes sociais - está a garantir uma certa continuidade a uma precária organização submetida à marginalização, possibilitando ao mesmo tempo a sua emergência no momento da crise do projeto transformador do regime militar em 1983.

c) O Ciclo de Protestos e Greves

Em maio de 1983 produz-se a primeira manifestação massiva denominada Protesto Nacional. Com isso, o tema da mobilização social irá ocupar um lugar central tanto na relação regime-oposição como nos debates e ações da própria oposição. A principal organização sindical, em termos tanto de tamanho como de oposição estratégica, a Confederação de Trabalhadores do Cobre, poucos dias antes do 11 de maio, como consequência de discussões com outras organizações sindicais, trocou uma convocatória de Greve Nacional por um Protesto Político massivo.

Durante esse dia houve paralisações parciais, absenteísmo, trabalho lento, manifestações nos locais de trabalho; assembléias, passeatas e ocupações de Universidades; buzinaços e concentrações-relâmpago no centro da cidade e em acessos importantes; barulho de panelas, cortes de energia elétrica à tarde em bairros de classe média e "poblaciones", onde também se construíram barricadas; absenteísmo nas escolas e abstenção de compras no comércio. No começo, o governo tentou desconhecer esta manifestação, para posteriormente desencadear uma forte repressão que gerou dois mortos, 50 feridos e 300 detidos.

Em alguma medida, a rotina desenhada no Primeiro Protesto irá se repetir nos próximos, com as ressalvas que indicaremos, mas vale destacar que neles irão ganhando maior importância; as ações operativas do tipo barricadas, black-outs, e a repressão irá se endurecendo com a presença de grandes contingentes militares na cidade e principalmente nas poblaciones. A partir do terceiro Protesto, esse tipo de manifestações, que dura entre um e dois dias, irá se estendendo às províncias. Entre maio de 1983 e outubro de 1984 ocorrem 11 protestos, quase mensalmente (com exceção das férias de verão), com graus de sucesso variado, em que se introduzem outras formas de mobilização (Jornadas pela Vida, concentrações políticas em teatros e locais abertos etc.) O Protesto de outubro de 1984 transformou-se no primeiro esboço de Greve Geral e provocou a decisão do governo de proclamar o Estado de Sítio, o que praticamente terminou com esta fase do ciclo de Protesto. Quando o Estado de Sítio foi suspenso em meados de 1985, ocorreram novas convocatórias para Protestos, mas com menor alcance e normalmente realizadas por setores particulares da oposição. Em finais de 1985 realizou-se uma grande concentração massiva convocada por um dos blocos políticos (a Aliança Democrática). Em abril de 1986 teve lugar uma jornada que tentava reimpulsionar o movimento de Protesto; e em julho um novo agrupamento de dirigentes sociais com expressão política, denominado "Asamblea dela Civilidad", convocou uma Greve Nacional de dois dias, com um alto grau de êxito organizativo. A detenção dos dirigentes, a discussão interna da oposição acerca da validade desse tipo de mobilização social para acabar com o regime, somados posteriormente à descoberta de arsenais introduzidos por setores insurrecionais, bem como o atentado ao General Pinochet, levaram a um refluxo e esvaziamento talvez definitivo do movimento de Protestos, o que fica reforçado com a nova declaração do Estado de Sítio em setembro de 1986 (suspenso em janeiro de 1987).

Sem entrarmos numa descrição detalhada das características de cada Protesto, nem da sua evolução ou dos debates e atores envolvidos, vale a pena tecer algumas considerações acerca deste ciclo de mobilizações a partir da perspectiva que temos apresentado9 9 Sobre protestos e mobilizações sociais existe uma extensa bibliografia. Temos utilizado abundantemente G. de la Maza y M. Garces, La explosión de las mayorías. Protesta Nacional 1983-1984 (Santiago: ECO, 1985); CLACSO-ILET, "Los movimientos sociales y la lucha democrática en Chile" (Santiago, 1986); I. Agurto, M. Canales y. G. de la Maza, eds., "Juventud chilena: razones y subversiones" (Santiago: ECO-FOLICO-SEPADE, 1985); J. Martínez, "Miedo al estado, miedo a la sociedad. Sobre las protestas opositoras en Chile y el problema del miedo" (Santiago, mimeo, 1985). .

Em primeiro lugar, existem pelo menos três elementos que contribuem para a explicação do sucesso do primeiro Protesto. Por um lado, a crise do modelo econômico "a la Chicago" - que era a base do projeto transformador do regime -, foi minando o apoio de setores médios. Isto criou um espaço de abertura que tornou possível que o protesto dos setores sociais oposicionistas não acabasse em massacre. Parece fundamental, então, esta confluência dos dois setores, classes médias e classes populares, que nas últimas décadas sofreram crescentes desencontros e enfrentamentos. Esta confluência encontra expressão - e esse é o segundo elemento - em parte na natureza do organismo convocador que simboliza a classe trabalhadora e é ao mesmo tempo de todos os núcleos desta classe o que oferece certa segurança para os setores médios, o que.fica confirmado pelas características pessoais do seu máximo dirigente. O fato de que a convocatória fosse realizada pela organização sindical mais importante e poderosa, em cujo interior se encontram representados setores políticos de oposição diversos, garantiam a abrangência e dava seguranças que facilitam a perda do medo à repressão. Um terceiro elemento a levar em conta é que a troca de Greve para Protesto facilitou a massividade, uma vez que cada setor procurou a forma mais adequada de participar, sentindo-se sujeito criativo ao introduzir sua própria forma de expressão de descontentamento e rechaço ao regime.

Estes três elementos irão variando nos sucessivos Protestos. A repressão contra a Confederação de Trabalhadores do Cobre levou à procura de um organismo dirigente ainda mais amplo, como foi o Comando Nacional de Trabalhadores10 10 O segundo Protesto foi convocado por uma organização mais ampla ainda que a Confederação de Trabalhadores do Cobre; esta última, em protesto pela (detenção do seu máximo líder, decretou uma greve que foi duramente reprimida. Formou-se assim o Comando Nacional de Trabalhadores, integrado por várias agrupações sindicais, além da Confederação do Cobre (a Coordenadora Nacional Sindical, com base na indústria, mineração, construção civil, organizações sindicais camponesas, setores do professorado, em que se encontram setores progressistas democratas cristãos ao lado de setores tradicionais e renovados da esquerda; a Central Democrática de Trabalhadores (CDT), cujos antecedentes são o Grupo dos Dez e a União Democrática de Trabalhadores, de caráter centrista, sobre tudo democrata cristão, com base nas empresas do estado, eletrometalurgia, organizações camponesas e empregados fiscais; a Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), menor que as outras duas organizações, com base nos trabalhadores de transporte e gráficos a Confederação de Empregados Particulares, centrista, afastada da CDT, que representa os empregados particulares de baixa renda. Posteriormente se incorporaram a Federação do Petróleo e a Confederação Bancária). O Cornando chamou a uma Greve por tempo indeterminado que fracassou, o que diminuiu o peso do ator sindical nas seguintes mobilizações. O terceiro Protesto foi convocado por setores mais estritamente políticos, aos que se somaram as Organizações sociais. . Entretanto, o impacto político alcançado pelos primeiros protestos fez com.que a liderança político-partidária assumisse com destaque as convocatórias dos Protestos seguintes. Este destaque repetiu-se em ambos os sentidos entre a liderança de dirigentes sociais e de organizações políticas; mas sem dúvida, as mobilizações conseguiram um novo nível de massividade somente quando eram convocadas pelo conjunto do espectro político da oposição, e reduziam sua abrangência e impacto quando era apenas um setor desse espectro que realizava convocatória. As crescentes divergências estratégicas da oposição - especialmente com relação ao sentido que deviam ter as mobilizações sociais, transformadas para todos no elemento crucial para acabar com o regime - foram minguando a capacidade de convocatória. Em 1986 buscou-se uma forma de abreviar as exclusões políticas e a crescente distância entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista, constituindo-se um organismo de dirigentes de organizações sociais que incluía todas as tendências políticas, a já mencionada "Asamblea deLa Civilidad ".11 11 A Asamblea de la Civilidad reúne o Comando dos Trabalhadores, representantes de organizações de pobladores, estudantes universitários, organizações de profissionais, transportadores, organizações de mulheres, de Direitos Humanos, o Grupo de Estudos Constitucionais etc. Seu caráter "de cúpula" é indiscutível, mas também não se pode questionar sua capacidade de convocatória; a hegemonia na sua direção é marcadamente democrata cristã, e em termos de organizações sociais, a Federação de Colégios Profissionais; em todo caso, dela fazem parte, de modo desigual, todos os setores políticos da oposição. A Asanblea publicou um documento resumindo todas as reivindicações setoriais, chamado "A Demanda do Chile". Esta convocou a Greve de julho, que alcançou um alto grau de massividade. Mas era evidente o predomínio nela de organizações dos setores médios e o escasso peso do mundo operário, o setor que menos participou da Greve. No que diz respeito à massividade que caracterizou os primeiros protestos, a violenta repressão desatada pelo governo - que aumentou significativamente o número de mortos e detidos -, os anúncios governamentais de concessões econômicas para alguns sindicatos dos setores médios, as expectativas de negociação política entre o regime e a oposição - que provocaram um forte debate interno no interior desta, a radicalização dos setores juvenis e poblacionales, de alguma maneira foram afastando os setores médios das mobilizações. Se se tomar em conta que embora a convocatória sindical fosse a chave do sucesso dos Protestos era esse o setor com maior dificuldade de mobilização, pode se entender por que o núcleo forte das mobilizações passou a ser por um lado, o "ativo militante político-social" a que já temos nos referido, os setores estudantis e, sobretudo, o mundo jovem das poblaciones que se debatia entre a anomia e a radicalização crescente, com grande desconfiança frente ao mundo das instituições12 12 Ver E. Valenzuela, La rebelión de los jóvenes (Santiago: SUR, 1985); Agurto, Canales, de la Maza,"Juventud Chilena. .." ob. cit. cap. 2. . Tudo isto não quer dizer que não se conseguisse convocar para alguma manifestação os setores médios e populares amplos, dependendo de quem fizesse a convocatória e do dramatismo desta ou daquela situação; mas isto foi se tornando cada vez mais esporádico.

Esta bifurcação da massa que protesta, entre aqueles que se retiram ou buscam resolver problemas reivindicativos, e setores populares que buscam sobretudo a dimensão expressiva - que vai convergir com a radicalização política de certos setores de oposição inclinados a posturas de caráter insurrecional e militarizado - explica também a transformação das formas de protesto e mobilização. No mundo "poblacional" jovem e, num grau menor, no mundo estudantil, o lugar central vai ser ocupado peias barricadas, o treinamento para o confronto com a cada vez mais violenta repressão policial e militar, as medidas operativas, por vezes mescladas com ações propriamente delinquentes embora escassas. Os dias de Protestos são olhados então como os momentos heróicos de atos de confronto e liberação.

Em segundo lugar, cabe se referir ao impacto político dessas mobilizações. É um fato, como já foi assinalado, que os Protestos mudaram o país: ampliou-se enormemente o campo da ação coletiva, apesar da repressão e das medidas institucionais como o Estado de Sítio; o medo acumulado durante uma década foi sendo corroído, apareceu em cena uma sociedade civil que redefinia sua relação com o estado. Esta virada envolveu a introdução da política em dois níveis. No que diz respeito ao regime, este viu-se obrigado a combinar a política com a lógica militar que até então era o seu único estilo de ação, e a reconhecer um ator de oposição; As mudanças na política económica destinadas a cooptar setores médios, a combinação de medidasde abertura com fechamentos e repressão, as tentativas de reorganizar a sua frente civil de apoio, expressam o anteriormente dito. Com relação à oposição, o movimento de Protestos significou a sua irrupção no interior do espaço público através da conformação de blocos ideólogico-políticos13 13 Ver nota pag. 91. . Isto permitiu a constituição de referentes ou interlocutores políticos que ocupam o destaque anteriormente assumido pela liderança sindical, e que buscavam; representar a sociedade mobilizada; porém, coloca-se aqui um problema. Efetivamente, a ausência de atores sociais autônomos fortes deixou a sorte política das mobilizações entregue ao debate e ao acordo dos atores políticos que se defrontavam com seus próprios problemas de constituição. As mobilizações passaram assim ser um tema central no debate ideológico estratégico em torno dofim do regime militar, onde sob o mito comum de que elas levariam à ingovernabilidade e esta à queda do regime militar, escondiam-se diversas opções e expectativas com relação a uma possível transição14 14 Nos setores mais ligados à Aliança Democrática predominava a expectativa de uma simples mudança de regime e, em alguns casos, acrescentada da esperança de que tais mudanças permitissem futuras transformações sociais. Nos setores ligados ao Movimento Democrático Popular predominava a esperança de um tipo de queda do regime próxima do modelo revolucionário ou que permitisse uma "democracia avançada". . Isto refletiu-se na ausência por parte dos atores políticos de uma proposta institucional consensual de transição que mais adiante forçasse uma negociação com o poder militar e que, sobretudo, outorgasse à mobilização uma canalização em termos de metas e objetivos cumulativos. Sem isso, a simples convocatória a metas máximas e gerais como "Democracia Agora" podia dar conta de um estado de ânimo, superar os temores e isolamentos, mas dificilmente poderia transformar no prazo mais longo uma força social em força política. As mobilizações não formaram parte de um desenho estratégico coerente, apesar do papel essencial que se lhes outorgava quanto à finalização do regime militar, nem nas versões insurrecionais nem nas versões mais políticas. A ideia genérica de "ingovernabilidade" como produtora necessária de uma mudança de regime, e a obsessão da "Greve Nacional" como instrumento de derrubada sem possuir entretanto uma visão dos mecanismos institucionais de mudanças, são exemplos disso.

Desta maneira, as mobilizações que se desenvolveram desde 1983 mudaram a face da sociedade, permitiram a superação dos medos e traumas, desmentiram a tentativa militar de fazer desaparecer os atores coletivos, reintroduziram o espaço político na sociedade, forçaram o regime a fazer concessões em certas áreas, mas não foram suficientes para gerar atores sociais autônomos de relativa força nem conseguiram satisfazer as expectativas que lhes eram atribuídas de desencadear um processo de transição.

3. CONCLUSÕES: LIMITE E POTENCIALIDADE DAS MOBILIZAÇÕES

Pode-se dizer, sintetizando, que o regime militar fracassou no seu projeto de eliminar a ação e os atores coletivos bem como suas expressões políticas; porém, conseguiu um certo grau de desarticulação. Isto significa a reemergência de uma sociedade civil que corrói o regime e ganha espaços de organização e expressão. Nesta reemergência não há novos atores sociais autônomos - com a provável exceção no caso das mulheres e em menor grau o setor de jovens pobladores - e sim a presença dos atores clássicos, delibitada, e na qual se incorporam traços próprios da experiência-ditatorial como os núcleos de animadores culturais e de direitos humanos, os grupos culturais e religiosos, as organizações de subsistência etc.

Houve mobilizações sociais populares, mas elas não bastaram para acabar com o regime. A recomposição da sociedade foi incompleta e não se transformou em transição formal.

Pode se insinuar três linhas de interpretação sobre o que foi dito até aqui.

Em primeiro lugar, temos o sentido das transformações estruturais e institucionais do regime militar. Como diversos estudos têm apontado, elas se orientaram para a redução, enfraquecimento, empobrecimento e atomização dos espaços de constituição de atores e movimentos sociais, sem que fossem criados, à brasileira, novos espaços de constituição de atores sociais inéditos15 15 J. Martínez e E. Tironi, in: las clase sociales en Chile. Cambio y Estratificación 1970-1980 (Santiago, Sur, 1985) mostram como indicador de "inorganicidade" a diminuiç ão da percentagem de assalariados na população ativa de 54% em 1971 para 45% em 1980 e para 38% em 1982; a percentagem de "excluídos" na população ativa (desempregados, serviços de emprego mínimo do estado, emprego doméstico trabalhadores informais) nos mesmos anos teria passado de 14% para 25% e 30 % respectivamente; a percentagem de jovens "incluídos" teria passado; nos mesmos anos, de 80% para 61% e 49% respectivamente, e a de mulheres de 68% para 60% e 50%. Tudo isto permite que os autores falem de "inorganicidade", "exclusão" e "impermeabilidade" da estrutura social chilena nesse; período (ob. cit., p. 191). Também cabe falar em diminuição ou enfraquecimento das bases de classe da mobilização social. . Disto se derivam diversas consequências para as mobilizações populares. Cada ator lhes atribui diversos sentidos, em função das motivações muito diversas em uma sociedade altamente fragmentada. Por sua vez, isto conduz a formas de mobilização diferentes e conflitantes entre si, o que obriga a um tipo de meta genérica que supera a fragmentação, mas que tende a se desgastar ou a se reduzir aos núcleos militantes uma vez que não se obtenham avanços visíveis com relação a ela ("democracia agora", por exemplo). Por último, em um contexto altamente repressivo, de perda de identidades sociais e de "inorganicidade social", favorece-se um tipo de mobilização altamente expressiva e emocional, e surgem enormes dificuldades para as mobilizações de caráter reivindicativo e instrumental16 16 De fato, a mobilização reivindicativa, dominante na história chilena deste século, se fez em um marco que combinava industrialização, ampliação do papel integrador do estado e regime democrático, com forte presença do sistema de partidos. E claro que, neste aspecto, o setor tradicionalmente mais importante é o mais afetado, o sindicalismo. .

Em segundo lugar, observa-se uma mudança significativa com relação à "coluna vertebral" da sociedade chilena, isto é, a articulação entre partidos e organização social17 17 "El proceso..." ob. cit., cap. 1; "Dictaduras..." ob. cit., cap. 3. A desarticulação no modo de constituição de atores sociais no Chile explicaria o desencontro entre classe política e o mundo popular marginalizado crescentemente com práticas e sociabilidade significativa mas que não necessariamente se "representam" nos atores políticos ou institucionais clássicos nem tampouco conseguem se transformar em atores novos autônomos. Estaríamos passando de um modelo de "imbricação" para um de "desarticulação", para posteriormente emergir um modelo de "tensão" entre liderança política e mundo social popular. . A relação tradicional de "imbricação" entre liderança política e organização social não é substituída por uma nova matriz, mas tampouco permanece sem se modificar. Isto implica, por um lado, na relativa continuidade de uma classe política capaz de representar e fazer acordos, mas distantes da sensibilidade das massas. Por outro lado, uma certa autonomização de uma faixa político-social de militantes de base, o "ativo político-social," que age como motor das mobilizações. Finalmente, em uma classe política como essa, predominam os problemas ideológicos e organizacionais, o que dificulta a transformação da ação social em força e propostas políticas. Tudo isso torna - no interior da estrutura político-partidária bem como da "faixa militante" - a redefinição e aceitação da autonomia do ator social muito lenta e ambivalente.

Em terceiro lugar, com relação ao processo em si de transição política de um regime militar para um de caráter democrático, as mobilizações nos mostram que, no caso chileno, a ausência de desenho político de mudança, consensual e coerente, da parte da oposição política; o predomínio ideológico e expressivo - e portanto de feições fragmentárias e não unitárias - e a debilidade da dimensão político-instrumental, marcam os limites da mobilização concebida como "a" estratégia política.

Ela é um componente indispensável de uma estratégia de mudança, mas em combinação com outros processos políticos que definem uma transição.

Talvez isso seja reflexo de um paradoxo: as mobilizações sociais por si mesmas reconstroem a sociedade civil parcialmente e transformam os regimes militares, mas não conseguem a sua finalização. Sem o momento político não há fim da ditadura e nem;a transição democrática.

Tradução de Rolando Lazarte

  • * Este artigo é uma versão resumida de um trabalho mais abrangente que será publicado em Susan Eckstein, ed., Protest and Resistance Movements in Latin America.
  • 1 Uma discussão geral cm D. Collier, ed., The New Authoritarianism in Latin America (Princeton, 1979);
  • Guillermo O'Donnell, "Reflexiones sobre las, tendências de cambio en el estado burocrático autoritário," Revista Mexicana de Sociologia, 1 (1977) p-9-59.
  • (Há edição portuguesa in: Paulo Sérgio Pinheiro, ed., O Estado Autoritário e os Movimentos Populares (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 23-95);
  • Manuel Antonio Garretón, "El Proceso Político Chileno" (Santiago: FLACSO, 1983) e "Dictaduras e Democratizació
  • n," (Santiago: FLACSO, 1984).
  • 2 Para uma melhor compreensão destas categorias, veja Manuel Antonio Garretón, "The political Evolution of the Chilean Military Regime and the Problems in the Transition to Democracy", in: Guillermo O'Donnell, Philippe Schmitter e Laurence Whitehead, eds., Transitions From Authorilarian Rule Latin America (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986) p. 95-122.
  • 4 Ver Manuel Antonio Garretón, "Seis proposiciones sobre democratización política en Chile", Convergencia, n. 10 (Dezembro 1986), Santiago.
  • 5 Sobre a repressão, H. Fruhling, "Repressive policies and legal dissent in authoritarian regimes: Chile 1973-1981", International Journal of the Sociology of Law, 12 (1984).
  • Em espanhol, veja "Disciplinando la sociedad: Estado y sociedad civil en Chile 1973-1981". Sobre o modelo econômico implementado pela equipe dos "Chicago Boys", como eram chamados pela sua irrestrita adesão às teorias da escola econômica de Chicago e de Milton Friedman, Alejandro Foxley, "Latin American experiments in neo-conservative economics" (University of California Press, 1983).
  • Em. geral, sobre a evolução do regime militar e o seu projeto sócio-econômico e político, Samuel Valenzuela e Arturo Valenzuela, eds., "Military Rule in Chile. Dictatorship and Opposition" (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1985);
  • Pilar Vergara, "Auge y caída del neoliberalismo en Chile" (Santiago: FLACSO, 1985);
  • E. Tironi, El liberalismo real (Santiago: Sur, 1986).
  • Os aspectos mais políticos desta evolução em Manuel Antonio Garretón, "El processo..." ob. cit., parte terceira, e "Escenarios e itinerários de la transición" (Santiago: Instituto para el Nuevo Chile, Cuademos ESIN, 4,1986).
  • Também A.E. Fernández Jiliberto, "Dictadura militar y oposición política en Chile 1973-1981" (Holland: CEDLA, Fortis Publications, 1985).
  • 9 Sobre protestos e mobilizações sociais existe uma extensa bibliografia. Temos utilizado abundantemente G. de la Maza y M. Garces, La explosión de las mayorías. Protesta Nacional 1983-1984 (Santiago: ECO, 1985);
  • CLACSO-ILET, "Los movimientos sociales y la lucha democrática en Chile" (Santiago, 1986);
  • I. Agurto, M. Canales y. G. de la Maza, eds., "Juventud chilena: razones y subversiones" (Santiago: ECO-FOLICO-SEPADE, 1985);
  • J. Martínez, "Miedo al estado, miedo a la sociedad. Sobre las protestas opositoras en Chile y el problema del miedo" (Santiago, mimeo, 1985).
  • 12 Ver E. Valenzuela, La rebelión de los jóvenes (Santiago: SUR, 1985);
  • Agurto, Canales, de la Maza,"Juventud Chilena.
  • 15 J. Martínez e E. Tironi, in: las clase sociales en Chile. Cambio y Estratificación 1970-1980 (Santiago, Sur, 1985) mostram como indicador de "inorganicidade" a diminuiç
  • *
    Este artigo é uma versão resumida de um trabalho mais abrangente que será publicado em Susan Eckstein, ed.,
    Protest and Resistance Movements in Latin America. O artigo foi concluído durante permanência no Centre d'Analyse et d'Intervention Sociologiques de l'Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). O autor agradece a colaboração bibliográfica de Federico Joannon.
  • 1
    Uma discussão geral cm D. Collier, ed.,
    The New Authoritarianism in Latin America (Princeton, 1979); Guillermo O'Donnell, "Reflexiones sobre las, tendências de cambio en el estado burocrático autoritário,"
    Revista Mexicana de Sociologia, 1 (1977) p-9-59. (Há edição portuguesa in: Paulo Sérgio Pinheiro, ed.,
    O Estado Autoritário e os Movimentos Populares (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 23-95); Manuel Antonio Garretón, "El Proceso Político Chileno" (Santiago: FLACSO, 1983) e "Dictaduras e Democratizació n," (Santiago: FLACSO, 1984).
  • 2
    Para uma melhor compreensão destas categorias, veja Manuel Antonio Garretón, "The political Evolution of the Chilean Military Regime and the Problems in the Transition to Democracy", in: Guillermo O'Donnell, Philippe Schmitter e Laurence Whitehead, eds.,
    Transitions From Authorilarian Rule Latin America (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1986) p. 95-122. (Há edição portuguesa: São Paulo: Vértice, 1988).
  • 3
    Exemplos de mobilizações do primeiro tipo são as realizadas em torno das Jornadas Pela Vida; do segundo tipo, as mobilizações eleitorais no interior de uma organização como um Colégio Profissional (equivalente ao Conselho Regional de uma profissão, no Brasil); do terceiro tipo, uma greve por reivindicações salariais ou uma invasão de terras; do quarto tipo, uma mobilização como a das "eleições diretas" no Brasil.
  • 4
    Ver Manuel Antonio Garretón, "Seis proposiciones sobre democratización política en Chile",
    Convergencia, n. 10 (Dezembro 1986), Santiago.
  • 5
    Sobre a repressão, H. Fruhling, "Repressive policies and legal dissent in authoritarian regimes: Chile 1973-1981",
    International Journal of the Sociology of Law, 12 (1984). Em espanhol, veja "Disciplinando la sociedad: Estado y sociedad civil en Chile 1973-1981". Sobre o modelo econômico implementado pela equipe dos "Chicago Boys", como eram chamados pela sua irrestrita adesão às teorias da escola econômica de Chicago e de Milton Friedman, Alejandro Foxley, "Latin American experiments in neo-conservative economics" (University of California Press, 1983). Em. geral, sobre a evolução do regime militar e o seu projeto sócio-econômico e político, Samuel Valenzuela e Arturo Valenzuela, eds., "Military Rule in Chile. Dictatorship and Opposition" (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1985); Pilar Vergara, "Auge y caída del neoliberalismo en Chile" (Santiago: FLACSO, 1985); E. Tironi,
    El liberalismo real (Santiago: Sur, 1986). Os aspectos mais políticos desta evolução em Manuel Antonio Garretón, "El processo..."
    ob. cit., parte terceira, e "Escenarios e itinerários de la transición" (Santiago: Instituto para el Nuevo Chile, Cuademos ESIN, 4,1986). Também A.E. Fernández Jiliberto, "Dictadura militar y oposición política en Chile 1973-1981" (Holland: CEDLA, Fortis Publications, 1985).
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    A oposição política está formada por dois setores minoritários de direita (liberais e republicanos) que se afastaram dos partidos de direita que se consideram a si próprios como herdeiros do regime (União Democrata Independente, Nacionalistas, União Nacional e Partido Nacional; este último tendo se distanciado criticamente do regime); o Partido Democrata Cristão, o Partido Social Democrata e o Partido Radical no centro, onde o predomínio democrata cristão é claro; e na esquerda dois partidos socialistas, aos que se somam outros grupos socialistas menores, o MAPU, a Esquerda Cristã e o Partido Comunista. Finalmente, há a oposição nitidamente insurrecional armada, onde sobressaem o MIR
    (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) e a Frente Manuel Rodríguez, este último com vinculações com o Partido Comunista. Têm sido tentadas diversas formas de agrupamento dos partidos da oposição, nunca se chegando a uma Multipartidária, pois acabam prevalecendo os elementos ideológicos. Em 1983 formaram-se a Aliança Democrática (Republicanos, Liberais, Social. Democracia, Democracia Cristã, Partido Radical, União Socialista Popular, Partido Socialista Setor Briones ou Núñez), o Movimento Democrático Popular (Partido Socialista Setor Almeyda, Partido Comunista, MIR e outros grupos menores); o Bloco Socialista se dissolveu dois anos depois (Partido Socialista da Aliança; Esquerda Cristã, MAPU, MAPU Operário-Camponês, Convergência Socialista independentes). Houve tentativas posteriores de criação de agrupamentos mais amplos através de personalidades de diversas tendências, como o PRODEN ou a Intransigência Democrática, de incidência pontual ou circunstancial. A tentativa mais importante foi o Acordo Nacional, em meados de 1935,. impulsionado pelo cardeal Fresno, onde se somaram aos partidos da Aliança dois partidos de direita, o Partido Nacional e a União Nacional, e a Esquerda Cristã. Em 1986 este Acordo ampliou-se abrangendo vários grupos socialistas e o MAPU, mas dele se retiraram a União Nacional e a Esquerda Cristã. Todos estes blocos são conhecidos como "referentes".
  • 7
    As "Poblaciones" são bairros pobres das periferias urbanas, de feições parecidas com as das favelas brasileiras (N.T.).
  • 8
    Entre às primeiras se encontram atos massivos, greves de fome para protestar contra torturas, detenções, desaparecimentos, assassinatos etc. Entre as segundas temos as Panelas Comuns, as Bolsas de Desempregados etc. e as invasões de terrenos ou demandas ao poder municipal. As reivindicações trabalhistas são acompanhadas de alterações no processo produtivo,
    "viandazos" greves parciais. As mobilizações políticas ganham especial relevância por ocasião do plebiscito de 1980, tomando forma de passeatas-relâmpago, difusão de panfletos, pequenas marchas etc.
  • 9
    Sobre protestos e mobilizações sociais existe uma extensa bibliografia. Temos utilizado abundantemente G. de la Maza y M. Garces,
    La explosión de las mayorías. Protesta Nacional 1983-1984 (Santiago: ECO, 1985); CLACSO-ILET, "Los movimientos sociales y la lucha democrática en Chile" (Santiago, 1986); I. Agurto, M. Canales y. G. de la Maza, eds., "Juventud chilena: razones y subversiones" (Santiago: ECO-FOLICO-SEPADE, 1985); J. Martínez, "Miedo al estado, miedo a la sociedad. Sobre las protestas opositoras en Chile y el problema del miedo" (Santiago,
    mimeo, 1985).
  • 10
    O segundo Protesto foi convocado por uma organização mais ampla ainda que a Confederação de Trabalhadores do Cobre; esta última, em protesto pela (detenção do seu máximo líder, decretou uma greve que foi duramente reprimida. Formou-se assim o Comando Nacional de Trabalhadores, integrado por várias agrupações sindicais, além da Confederação do Cobre (a Coordenadora Nacional Sindical, com base na indústria, mineração, construção civil, organizações sindicais camponesas, setores do professorado, em que se encontram setores progressistas democratas cristãos ao lado de setores tradicionais e renovados da esquerda; a Central Democrática de Trabalhadores (CDT), cujos antecedentes são o Grupo dos Dez e a União Democrática de Trabalhadores, de caráter centrista, sobre tudo democrata cristão, com base nas empresas do estado, eletrometalurgia, organizações camponesas e empregados fiscais; a Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), menor que as outras duas organizações, com base nos trabalhadores de transporte e gráficos a Confederação de Empregados Particulares, centrista, afastada da CDT, que representa os empregados particulares de baixa renda. Posteriormente se incorporaram a Federação do Petróleo e a Confederação Bancária). O Cornando chamou a uma Greve por tempo indeterminado que fracassou, o que diminuiu o peso do ator sindical nas seguintes mobilizações. O terceiro Protesto foi convocado por setores mais estritamente políticos, aos que se somaram as Organizações sociais.
  • 11
    A
    Asamblea de la Civilidad reúne o Comando dos Trabalhadores, representantes de organizações de
    pobladores, estudantes universitários, organizações de profissionais, transportadores, organizações de mulheres, de Direitos Humanos, o Grupo de Estudos Constitucionais etc. Seu caráter "de cúpula" é indiscutível, mas também não se pode questionar sua capacidade de convocatória; a hegemonia na sua direção é marcadamente democrata cristã, e em termos de organizações sociais, a Federação de Colégios Profissionais; em todo caso, dela fazem parte, de modo desigual, todos os setores políticos da oposição. A
    Asanblea publicou um documento resumindo todas as reivindicações setoriais, chamado "A Demanda do Chile".
  • 12
    Ver E. Valenzuela,
    La rebelión de los jóvenes (Santiago: SUR, 1985); Agurto, Canales, de la Maza,"Juventud Chilena. .."
    ob. cit. cap. 2.
  • 13
    Ver nota pag. 91.
  • 14
    Nos setores mais ligados à Aliança Democrática predominava a expectativa de uma simples mudança de regime e, em alguns casos, acrescentada da esperança de que tais mudanças permitissem futuras transformações sociais. Nos setores ligados ao Movimento Democrático Popular predominava a esperança de um tipo de queda do regime próxima do modelo revolucionário ou que permitisse uma "democracia avançada".
  • 15
    J. Martínez e E. Tironi, in:
    las clase sociales en Chile. Cambio y Estratificación 1970-1980 (Santiago, Sur, 1985) mostram como indicador de "inorganicidade" a diminuiç ão da percentagem de assalariados na população ativa de 54% em 1971 para 45% em 1980 e para 38% em 1982; a percentagem de "excluídos" na população ativa (desempregados, serviços de emprego mínimo do estado, emprego doméstico trabalhadores informais) nos mesmos anos teria passado de 14% para 25% e 30 % respectivamente; a percentagem de jovens "incluídos" teria passado; nos mesmos anos, de 80% para 61% e 49% respectivamente, e a de mulheres de 68% para 60% e 50%. Tudo isto permite que os autores falem de "inorganicidade", "exclusão" e "impermeabilidade" da estrutura social chilena nesse; período
    (ob. cit., p. 191). Também cabe falar em diminuição ou enfraquecimento das bases de classe da mobilização social.
  • 16
    De fato, a mobilização reivindicativa, dominante na história chilena deste século, se fez em um marco que combinava industrialização, ampliação do papel integrador do estado e regime democrático, com forte presença do sistema de partidos. E claro que, neste aspecto, o setor tradicionalmente mais importante é o mais afetado, o sindicalismo.
  • 17
    "El proceso..."
    ob. cit., cap. 1; "Dictaduras..."
    ob. cit., cap. 3. A desarticulação no modo de constituição de atores sociais no Chile explicaria o desencontro entre classe política e o mundo popular marginalizado crescentemente com práticas e sociabilidade significativa mas que não necessariamente se "representam" nos atores políticos ou institucionais clássicos nem tampouco conseguem se transformar em atores novos autônomos. Estaríamos passando de um modelo de "imbricação" para um de "desarticulação", para posteriormente emergir um modelo de "tensão" entre liderança política e mundo social popular.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 1989
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