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Dois mini-contos de Haroldo Maranhão

MOVIMENTOS SOCIAIS: QUESTÕES CONCEITUAIS

CONTOS

Dois mini-contos de Haroldo Maranhão

Haroldo Maranhão

O LEITE

O menino estranhou e franziu o nariz ao ouvir pela primeira vez falarem em leite:

"Leite? Leite? O que é leite?"

As pessoas entreolharam-se. Não é fácil se explicar o que o leite é. O menino continuava intrigado:

"Como é o leite? Leite é vermelho?, azul? Se pode rolar como um aro?, é duro, é macio?, a gente brinca com ele? O nome eu acho engraçado: leite. Me digam, nunca vi um. Dá em árvore?"

COMO ACABARAM OS GENERAIS

O último general acabou quando morreu o último alfaiate.

Houve uma, duas, três, quatro, cinco mil festas campais. As pessoas ocuparam as praças trazendo no coração e no rosto alegrias, risos, alegrias.

Claro, foi preciso matar os alfaiates. Todos. Sem alfaiates como poderiam os generais ter as fardas costuradas e bordadas? General só é general, de dólmã, quepe, arrogância e botas.

Perguntaram: "Mataremos os sapateiros também? Verdade, andaremos descalços. Mas preferível sangrarmos os pés do que haver sapateiros para talhar e coser as botas deles".

Sepultado o último alfaiate, sumiram os generais. Os coronéis. Majores. Capitães. Tenentes. Sargentos. Cabos. Soldados.

Festas alastraram-se de rua em rua, de cidade em cidade. O alívio tornou o país leve, calmo.

Pelo sim, pelo não, mataram-se todos os filhos e os filhos dos filhos dos alfaiates.

Haroldo Maranhão é romancista (publicou O Tetraneto del-Rei, Os Anões, Rio de Raivas etc.) e contista (Jogos Infantis, As Peles Frias e outros). Os mini-contos aqui publicados integram um volume inédito, A Respiração das Palavras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1989
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