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A "pós-grande indústria" nos Grundrisse (e para além deles)

REFLEXÕES SOBRE O MARXISMO

ARTIGOS

A "pós-grande indústria" nos Grundrisse (e para além deles)* * Esse texto faz parte de urn texto maior sobre a apresentação marxista da história, que será incluído no tomo III de Marx: Lógica e Política, investigações para urna reconstituição do sentido da dialética.

Ruy Fausto

Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo

Haveria em Marx uma teoria do capitalismo de pós-grande indústria? A resposta não é muito simples. Em primeiro lugar é preciso distinguir a esse respeito os Grundrisse de O Capital. Em O Capital, tudo se passa como se Marx analisasse certas modificações formais que ocorriam no capitalismo do seu tempo, sem que entretanto ele se pusesse a "prospectar" as mutações essenciais por que passaria o processo material de produção. As mutações formais poderiam ser resumidas pela fórmula da negação do capital no interior do modo de produção capitalista. Analisamos essas modificações em outro lugar, embora de forma limitada, e não voltaremos a tratar aqui desse aspecto1 1 Ver Marx: Lógica e Política... (abreviaremos por MLP), tomo II, Brasiliense, 1987, sobretudo o final dos ensaios 3 e 4, respectivamente sobre as classes e o Estado. Para os textos, ver sobretudo, Werke (abreviaremos por W.), vol. 25, Das Kapital (abreviaremos por K.), livro III, Dietz, p. 452 a 456, capítulo 27. . Quanto ao processo material de produção, não só não se prevêem modificações radicais, mas a forma material da grande indústria Cem suas linhas essenciais evidentemente) aparece como aquela que deveria ser recoberta pela forma social do comunismo. Há um texto em O Capital em que se faz a crítica das definições de grande indústria dadas por A. Ure2 2 Ver W. 23, K. í, p. 442; O Capital, trad, de R. Barbosa e F.R. Kothe, coord, e rev. de P. Singer (abreviaremos por C), vol. I, tomo 2, Abril (Os Economistas), 1984, p. 40. , no qual se poderia reconhecer a idéia de uma subjetivação do processso de produção, caso a organização material que corresponde à grande indústria fosse utilizada num quadro que não fosse o das formas capitalistas. Mas a introdução de um princípio subjetivo só valeria no nível formal, não no nível do processo material de produção, como observamos em outro lugar. Por isso, corno veremos mais adiante, Marx adota em O Capital uma postura menos otimista no que se refere ao destino que teria o processo de trabalho na sociedade comunista. Dentro dela, a "necessidade" se manteria. Os Grundrisse enveredam por um outro caminho, e poderíamos nos perguntar porque Marx não o seguiu em O Capital. Diga-se, desde já, que não se trata de afirmar, sem mais, a superioridade da perspectiva dos Grundrisse. Ela é provavelmente mais interessante, mas há algo de mais realista na direção que toma O Capital. Os Gmndrisse prospectam as modificações por que deve passar o sistema em seu desenvolvimento, modificações que introduzem, sem dúvida, uma ruptura qualitativa. Mas o texto não caracteriza de uma forma bem clara essa ruptura enquanto ruptura. Sem dúvida, as negações aparecem como negações no sistema, entretanto elas são tomadas antes como negações no interior da forma específica. Elas não são apresentadas, pelo menos explicitamente, como seríamos tentados a fazer hoje, como constituindo uma terceira forma, cuja predominância definiria um novo período na sucessão das formas do sistema, sucedendo à manufatura e à grande indústria. É isto o que tentaremos fazer aqui, elaborando para essa terceira forma conceitos análogos aos que Marx utilizou para a primeira e a segunda.

Para pensar esse desenvolvimento da organização da produção material que entretanto não aparece claramente como um momento diferente do da grande indústria, os Grundrisse devem supor uma espécie de prolongamento da vida do sistema (como aliás supõem em parte a temática da negação do sistema) e uma espécie de quase ruptura (auto-ruptura) estrutural do sistema, ruptura que não implica, entretanto - há textos que o mostram - o abandono da idéia de revolução.

A propósito da grande indústria, Marx observa que a rigor já não se tem nela processo de trabalho: "A apropriação do trabalho vivo através do trabalho objetivado - a força ou atividade de valorização através do valor que é para si - que está contida no conceito de capital, é posta na produção que se baseia na maquinaria como caráter do próprio processo de produção, também segundo os seus elementos materiais e o seu movimento material3 3 Observe-se que também o movimento das máquinas exprime materialmente o capital. . O processo de produção deixou de ser processo de trabalho no sentido de que o trabalho o invadiria (Übergriffe) como unidade que domina"4 4 Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie, Europäische Verlagsanstak, Frankfurt, Europa Verlag, Wien, s/data (reproduz a edição Dietz de 1953) (abreviaremos por G.), p. 585, grifo nosso. O texto continua assim: "O trabalho aparece antes só como órgão consciente, em muitos pontos do sistema mecânico, sob a forma de trabalhadores vivos individuais; [ele aparece] disperso (zerstreit), submetido ao processo global da própria maquinária, ele próprio só [como] um membro do sistema, cuja unidade existe não nos trabalhores vivos, mas na maquinaria viva (ativa), que diante do fazer individual não significativo (unbedeutenden) do trabalhador, aparece em face deste como organismo poderoso. Na maquinaria, o trabalho objetivado enfrenta o trabalho vivo como sua força dominante no próprio processo de trabalho, [força] que o capital como apropriação do trabalho vivo é segundo a forma" (G., p. 585, grifo nosso), (quando o texto for grifado por nós, indicaremos por (F); quando o grifo for do autor, por (A); Elementos fundamentales para Ia Critica de la Economia Política (Borrador) 1857-1858, trad, de Pedro Scarón, ed. a cargo de José Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scaron, Siglo Veintiuno, Argentina, B. Aires, 1979, vol. 2, p. 219 (abreviaremos por "Borrador"). .

Se a grande indústria aparece como a negação do processo de trabalho, a pós-grande indústria é a segunda negação do processo de trabalho, e na realidade a negação da negação. Mas se a grande indústria representa a posição material (adequada) do capital no processo produtivo, poder-se-ia dizer também que a pós-grande indústria representa a segunda posição material (veremos se ela é ou não adequada ao capital no processo produtivo). Assim, a pós-grande indústria e ao mesmo tempo a segunda negação do trabalho como princípio do processo produtivo, e a segunda posição do capital no processo material de produção.

Para analisar esse terceiro momento, é essencial examinar em detalhe alguns textos - embora longos - dos Grundrisse.

O interesse e a densidade dos textos impõem o comentário. O texto principal é talvez o dos Grundrisse, p. 592-594: Borrador, 2, 227-230) "A troca do trabalho vivo contra o trabalho objetivado, isto é, a posição do trabalho social na forma da oposição entre capital e trabalho - é o último desenvolvimento da relação de valor5 5 (A) , e da produção que repousa sobre o valor. Sua pressuposição é e permanece [sendo] - a massa de tempo de trabalho imediato, o quantum de trabalho utilizado como fator decisivo da produção da riqueza."6 6 (F), Salvo indicação em contrário, os grifos desse texto dos Grundrisse são nossos.

Até a grande indústria, a massa de tempo de trabalho, o quantum de trabalho, é o elemento decisivo. É esse tempo que deixará de ser a "medida do movimento".

"(...) Mas à medida em que a grande indústria se desenvolve-7 7 Observe-se que não se fala de uma terceira fase do capitalismo. , a criação da riqueza efetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e do quantum de trabalho utilizado, do que da força dos agentes (Agentien, agentes materiais, R.F.) que são postos em movimento durante o tempo de trabalho (...)"...

Poder-se-ia dizer que o termo chave aqui é "durante". A valorização não é mais a cristalização de um tempo posto. Ela se dá no tempo. De certo modo, o tempo volta à sua imediatidade. A "valorização" se liberta do tempo de trabalho, mas com isto ela não será mais valorização.

..."(...) [agentes] os quais, eles próprios - sua poderosa efetividade [powerful effectiveness] por sua vez não tem mais nenhuma relação com o tempo de trabalho imediato que custa a sua produção, mas [a criação da riqueza efetiva, R.F.], depende antes da situação geral da ciência, do progresso da tecnologia, ou da utilização da ciência na produção".

Temos assim um "poder" que escapa do tempo como medida. O "valor" passa ser qualitativo, e nesse sentido a "riqueza efetiva" não é mais valor (trabalho abstrato cristalizado, medido pelo tempo), mas "valor negado".

"(...) (...) a riqueza efetiva se manifesta antes - e isto a grande indústria revela - numa desproporção monstruosa entre o tempo de trabalho empregado e o seu produto, assim como na desproporção qualitativa entre o trabalho reduzido a uma pura abstração e o poder (Gewali) do processo de produção que ele vigia (bewacht).

A riqueza efetiva não é mais proporcional ao tempo de trabalho. Há desproporção entre eles, e desproporção qualitativa. Que significa uma "desproporção qualitativa"? Um elemento tem um peso "maior" do que o outro, sem que este "maior" possa ser medido pelo tempo, ou medido em geral. O processo de trabalho é agora essencialmente processo de produção.

"(...) O trabalho não aparece mais até o ponto de (so Sebr als) estar incluído no processo de produção, mas o homem se relaciona antes como guardião e regulador (Wächter und Regulator) do próprio processo de produção".

Aqui se exprime a mutação na construção mesma da frase. O sujeito "homem" emerge de um processo em que ele era apenas termo médio. A noção de vigia (Wächter) da máquina -ou antes o verbo Überwachen, vigiar - havia sido utilizada no nível anterior... que correspondia à função de suporte e mediador8 8 (...) A máquina não aparece em nenhuma relação com o meio de trabalho do trabalhador individual. Sua diferença não é de forma alguma, como no caso do meio de trabalho, a de mediar a atividade do trabalhador; mas, antes, essa atividade é posta de tal modo que ela só serve de mediação ao trabalho da máquina, à sua ação sobre a matéria-prima - [só] a vigia (überwacht) a protege de perturbações" (G., p. 584, Borrador, 2, p. 218, (F). - Na continuação do texto já citado que dá as definições da fábrica por Ure, Marx afirma que este "aprecia (...) representar a máquina central (...) não só como autômato mas como autocrata" (W. 23, K. I., p. 442, (F); C, 1, 2, p. 40) segue-se a citação de Ure), caracterização que sem dúvida Marx aceita. É essa autocracia da máquina que será rompida aqui, pela mutação do sistema mecânico. . Aqui o termo Wächter denota não mais uma função de suporte, mas uma função de sujeito, e isto porque se alterou a natureza da maquinária. De certo modo, se passa de um genitivo subjetivo (guardião da máquina, guardião que está a serviço da máquina), a um genitivo objetivo {guardião da máquina, guardião que tem por objeto a máquina)9 9 Essa diferença não está expressa no texto e, ao que parece, não se exprime em geral em alemão, mas nas línguas latinas. . A passagem do suporte ao sujeito é expressa pela própria ruptura na construção da frase: depois do "mas" se esperaria a repetição do sujeito "trabalho" da principal. Em vez disto, se introduz o "homem" em lugar do "trabalho". Esse anacoluto dialético indica a ruptura10 10 Em exposição oral, P.-J. Labarrière se referiu a um "anacoluto", a propósito de um texto da grande Lógica de Hegel. Adorno já utilizara o termo, ver Dsei Studien zu Hegel ("Skoteinos..."), Surhkamp, Frankfurt, 1974, p. 10, Tres Estudios sobre Hegel, trad. e.sp. de Victor Sanchez de Zaval, Taurus, Madrid, 1969, p. 157. entre o suporte e o sujeito.

"(...) Não é mais o trabalhador que intercala o objeto natural modificado como membro intermediário (Miltelglied) entre ele e o objeto. Mas ele intercala o processo natural que ele transforma em um processo industrial como intermediário (Mitlel) entre ele e a natureza inorgânica que ele submete (Sich bemeistert).

Surge assim um novo "silogismo", que é comparável ao da manufatura. Veremos mais adiante as implicações disto. Marx compara esse novo "silogismo" com o da manufatura, não com o da grande indústria, por que essa nova negação re-toma a situação da pré-grande indústria. De certo modo, o princípio é de novo subjetivo. Mas o médio não é mais "instrumento", nem "objeto natural modificado", isto é, objeto artificial, e sim processo natural que se tornou processo industrial. Que significa isto? A resposta não pode vir apenas desse texto. Digamos por ora que não é propriamente a máquina ou o sistema mecânico que se tornou intermediário, mas algo diferente dele. Este não é mais da ordem do objeto artificial, da natureza modificada, que caracteriza o objeto, até o capitalismo de grande indústria. Finalmente, se deve observar que, nesse modelo, como no anterior, se trata sempre de dominar a natureza.

"(...) Ele [o trabalho] entra ao lado, (neben) do processo de produção em vez de ser o seu agente principal".

O homem não é mais sujeito do processo de produção, ou antes, a segunda negação faz com que se rompa a estrutura do processo de produção como processo de trabalho. O homem é de certo modo "posto para fora", liberado (freigesetzt) do processo, mas é assim mesmo que ele passa a dominar o processo. Desse modo, esse terceiro "silogismo" é ao mesmo tempo - do ponto de vista material, não formal, porque na situação considerada o capitalismo subsiste - a negação dos "silogismos".

"(...) Nessa transformação (Umwandlung') não é nem o trabalho imediato que o homem executa, nem o tempo que ele trabalha, mas a apropriação da sua própria força produtiva universal, sua compreensão (Verständigung) da natureza e sua dominação dela através da sua existência (Daseiri) como corpo social - em palavra [él o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como o grande pilar da produção e da riqueza."

A apropriação do objeto se faz agora pela compreensão da natureza. Observe-se que isto não quer dizer apenas que o processo de produção depende da ciência, porque isto já era o caso para a grande indústria.

"(...) O roubo de tempo de trabalho alheio sobre o qual repousa a riqueza atual11 11 (A) aparece como base miserável diante dessa [base] que se desenvolve pela primeira vez (neuentwickelri) criada pela própria grande indústria12 12 A nova base material é criada pela grande indústria, assim como a manufatura criou materialmente a grande indústria: "Uma das criações (Gebilde) mais perfeitas da manufatura era o próprio ateliê para a produção de instrumentos de trabalho e especialmente dos aparelhos mecânicos que já eram utilizados (...) Esse produto da divisão manufatureira do trabalho produziu por sua vez - máquinas" (W. 23, K. I, p. 390; C.I, 1, p. 288, 289). Temos aqui um juízo de tipo dialético (aparentemente um juízo do devir) no plano material. A divisão manufatureira produz... máquinas. Marx caracteriza a negação através de um travessão (-) (nós a caracterizamos em geral pelo sinal"..."). Encontramos assim um texto (há outros) em que Marx assinala explicitamente a negação do sujeito pelo predicado. . Logo que o trabalho em forma imediata deixa de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar (muss aufhören) de ser a sua medida e por isso o valor de troca [deve deixar de ser a medida] do valor de uso. O sobretrabalho da massa12 12 A nova base material é criada pela grande indústria, assim como a manufatura criou materialmente a grande indústria: "Uma das criações (Gebilde) mais perfeitas da manufatura era o próprio ateliê para a produção de instrumentos de trabalho e especialmente dos aparelhos mecânicos que já eram utilizados (...) Esse produto da divisão manufatureira do trabalho produziu por sua vez - máquinas" (W. 23, K. I, p. 390; C.I, 1, p. 288, 289). Temos aqui um juízo de tipo dialético (aparentemente um juízo do devir) no plano material. A divisão manufatureira produz... máquinas. Marx caracteriza a negação através de um travessão (-) (nós a caracterizamos em geral pelo sinal"..."). Encontramos assim um texto (há outros) em que Marx assinala explicitamente a negação do sujeito pelo predicado. deixou de ser condição para o desenvolvimento da riqueza universal, assim como o não trabalho de poucos 13 13 (A) para o desenvolvimento da força universal do cérebro (Kopf) humano. Com isto, cai a produção fundada no valor de troca e o próprio processo de produção imediato se despoja (erhält... abgeslreift) da forma do carecimento (Notdürftigkeit) e da posição (Gegensäztlichkeit).

"O roubo do tempo de trabalho". A pós-grande indústria revela a base primeira (o Hintergrund) do sistema. Essa base se revela miserável, quando o trabalho deixa de ser a fonte da riqueza. Isso ocorre quando o processo material de produção já se modificou. Ele deixou de ser o lugar da necessidade. A oposição que desaparece é a dos indivíduos reduzidos a apêndices dos meios de trabalho no processo material de produção. Num outro sentido, como veremos, surge agora uma oposição, a que opõe a forma à matéria do capital: a adequação material do capital é posta em xeque como que por um excesso de adequação.

"(...)' [Se obtém] o livre desenvolvimento das individualidades14 14 Falta o verbo. Se entende: "Se abre então a possibilidade d'..." ou "Se obtém...." , e por isso não a redução do tempo de trabalho para por sobretrabalho; mas em geral a redução do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, o qual corresponde então à formação artística, científica etc. dos indivíduos através do tempo que se tornou livre para todos e dos meios criados".

Não só o processo de produção deixou de ser o lugar da necessidade, mas ainda o tempo de trabalho foi reduzido a um mínimo. Se ganha qualitativa e quantitativamente, e dentro e fora do processo de produção.

"(...) o capital é ele próprio a contradição em processo, porque ele reduz (zu reduzieren stört) o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto põe, por outro lado, o tempo de trabalho como única medida e fonte de riqueza. Por isso ele reduz o tempo de trabalho na forma do tempo de trabalho necessário, para aumentá-lo na forma do tempo excedente; por isso põe o [tempo] excedente, em medida crescente, como condição - questão de vida ou de morte - para o trabalho necessário. Assim, conjura [ins Leben rufen] todas as forças da ciência e da natureza assim como da combinação social e do intercâmbio (Verkebr) social, para tornar a criação da riqueza (relativamente) independente do trabalho empregado neles. Por outro lado quer medir essas forças sociais gigantescas, assim criadas, pelo tempo de trabalho, e as conter nos limites exigíveis para manter como valor o valor já criado. As forças produtivas e as relações sociais - ambas lados diferentes do desenvolvimento do indivíduo social - aparecem só como meio, e para ele só são meio para produzir a partir da sua base limitada. Na realidade são entretanto condições materiais para fazê-lo explodir. [Uma nação c realmente (wahr-haft) rica15 15 Marx cita aqui o autor anônimo de The Source and Remedy of the National Difficulties, deduced from Principles of Political Economy in a Letter to Lord John Russell" (1821) Sã o de Marx os grifos da citação. quando se trabalha 6 horas em vez de 12. A riqueza não é comando sobre tempo de trabalho excedente] (riqueza real) {realer Reichlum), \mas tempo disponível (disposable time), fora do que é utilizado na produção imediata, para cada indivíduo e para toda a sociedade]".

A contradição do capital que se assinala aqui não é a que se analisa em O Capital , ou, se se quiser, ela não é considerada no mesmo grau, e por isso muda de caráter. Em O Capital, a contradição consiste em que o desenvolvimento do sistema (desenvolvimento que só pode se fazer pela substituição crescente da força de trabalho pela maquinária), ao aumentar a composição orgânica c/v, tem como resultado, já que a mais-valia vem de v (e supostas certas condições), a redução da taxa de lucro Pl/C. O sistema iria à ruina, porque a sua finalidade é acumular mais-valia, e se a taxa de lucro for muito baixa cai o estímulo (objetivo e subjetivo) para que a acumulação prossiga. Os Grundrisse nos põem diante do mesmo movimento, só que eles consideram não os efeitos formais imediatos de uma mecanização crescente, mas os efeitos materiais anunciando revoluções formais, de uma mecanização que deu origem a uma transfiguração da relação da ciência para com a produção. Estamos, assim, diante de uma verdadeira transformação - como vimos, o termo se encontra no texto - do processo produtivo, de uma mutação tecnológica, e os efeitos formais considerados não atingem apenas o nível, que é afinal, fenomênico, da taxa de lucro, mas os "fundamentos" do sistema. A mutação tecnológica não produz contradições internas no sistema, ele provoca a explosão de suas bases. O resultado é a relação do que é a "verdadeira riqueza". Mas não antecipemos.

Tentemos agora organizar e desenvolver esses resultados. O estágio descrito pelos Grundrisse representa uma terceira forma, cuja predominância define um terceiro momento do modo de produção capitalista. Com essa forma, se tem por um lado uma segunda posição da forma na matéria, c ao mesmo tempo uma segunda negação do processo de trabalho enquanto processo de trabalho. Essa segunda negação é também uma negação da negação, porque se nega com ela à condição de suporte-apêndice que fora posta pela segunda forma, a grande indústria. A condição de suporte, no nível formal, ainda não é negada. Temos assim três formas do capitalismo, no plano do processo material de produção. A essas três formas correspondem formas distintas no plano formal, ou níveis diferentes de desenvolvimento dessas formas. Na primeira forma, o desenvolvimento da exploração da mais-valia relativa só pode ser limitado (mas dada a resistência, ainda possível, com base na natureza da organização material da produção, o prolongamento da jornada é também limitado). Na segunda forma, temos o pleno desenvolvimento da exploração da mais-valia relativa (mas, com essa forma, também a exploração da mais-valia absoluta pode se expandir). Na terceira forma, temos a "negação" do trabalho como fundamento do valor, e do tempo de trabalho como medida da grandeza de valor. Esses três momentos são formas sucessivas do modo de produção capitalista. Até certo ponto, se poderia dizer que esses três momentos têm algo a ver com os três momentos lógicos que se pode reconhecer na estrutura do modo de produção capitalista tal como Marx os apresenta no livro I de O Capital, O primeiro momento lógico é a produção simples enquanto aparência de modo de produção capitalista, O princípio da produção simples é subjetivo, como é também subjetivo o princípio da manufatura. O segundo momento lógico é o da essência do sistema, o da produção capitalista enquanto produção capitalista. Seu princípio é objetivo, como é objetivo o principio da grande indústria. Finalmente, o terceiro momento lógico é o da interversão das relações de apropriação, o qual revela o "fundo" (Hintergrund) do sistema16 16 Ver MLP (I), ensaios 1 e 4, e (II), ensaios 1 e 4. . Já vimos que no plano da sucessão de formas do sistema, a pós-grande indústria revela também esse "fundo", o que significa, mostra o sistema como fundado no "roubo" do tempo de trabalho alheio17 17 (A). Poder-se-ia também observar que há mudanças no estrutura do contrato, conforme se considere cada uma dessas formas. É na manufatura que o contrato se apresenta como contrato individual livre (ou "livre", mas por ora a interversão é essencialmente formal). A propósito da grande indústria, Marx observa que o contrato de trabalho tende a ser revolucionado, porque (nas condições do século XIX) o trabalhador é levado a vender ao mesmo tempo a força de trabalho da mulher e dos filhos (ou simplesmente a mulher e os filhos): "Ela [a máquina] revoluciona fundamentalmente a mediação formal da relação-capital, o contrato entre o trabalhador e o capitalista. Na base da troca de mercadorias, a primeira pressuposição era a de que o capitalista e o trabalhador se afrontavam como pessoas livres, possuidoras independentes de mercadorias, [sendo] um possuidor de dinheiro e meios de produção, e o outro de força de trabalho. Mas agora o capital compra menores ou semi-adultos. Antes o trabalhador vendia sua própria força de trabalho, da qual ele dispunha como pessoa formalmente livre. Agora ele vende mulher e filho. Se torna comerciante de escravos. A procura de trabalho infantil é freqüentemente igual, até na forma, à oferta de escravos negros (...) " (W. 23, K. I, p. 417 e 418, (F); C.I, 2, p. 23 e 24). Observamos em outro lugar (ver MLP (II), 4, p. 317, 318) que com a terceira forma (caracterizada como "negação" do capitalismo no interior dele) o contrato é "negado" e em duplo sentido: por um lado surge a prática do contrato coletivo de trabalho. Por outro lado, o Direito Social reconhece uma desigualdade entre as partes do contrato. (Diga-se de passagem não é o "direito ao trabalho" que se reconhece como direito a ser protegido como escreveram os que tiveram notícia das nossas observações - mas ouviram mal -, é o próprio trabalhador que é reconhecido parte fraca a ser protegida). Se considerarmos assim as três formas, encontramos mudanças na forma da produção, na matéria dela (no processo material da produção), e na estrutura das pressuposições jurídicas do sistema. .

Mas o que significa mais precisamente essa segunda posição material? A primeira posição material -que corresponde à segunda forma - é posição da forma na matéria, criação de urna segunda matéria adequada. Já vimos que isto se faz mediante a apropriação da ciência pelo capital, de que resulta o sistema mecânico. Vimos em outro lugar que essa adequação é comparável à do ouro em relação à forma dinheiro, e que ela representa a criação de uma espécie de alma-corpo do capital. O que ocorre na segunda posição, isto é, na terceira forma? Se, na grande indústria, tínhamos uma posição da forma na matéria através de uma organização material adequada, temos agora uma espécie de posição na matéria da forma enquanto forma. É a forma enquanto tal - mas, atenção, a forma material, a ciência, não a forma formal, o capital - que é posta na matéria. A ciência se objetiva enquanto ciência na matéria. Surge assim uma espécie de ciência objetivada na maquinária da pós-grande indústria. "O desenvolvimento do capital fixo indica até que ponto o saber social universal, knowledge se tornou força produtiva imediata18 18 (A) e por isso as condições do processo social de vida e ele próprio caíram sob o controle do general intelect e são criados de modo conforme a ele". Em que grau as forças produtivas sociais são produzidas não só na forma da ciência, mas como órgãos imediatos da praxis social, do processo de vida real" (G., p. 594, (F); Borrador, 2, p. 230)19 19 "A natureza não constrói máquinas, locomotivas, estradas de ferro, telégrafos elétricos, teares automáticos etc. Eles são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza, ou sua ativação na natureza. São órgãos do cérebro humano criados pela mão humana" (G., p. 594, (A); Borrador, 2.p. 229 e 230). Aqui as máquinas aparecem como corpo inorgânico, mas corpo inorgânico a serviço imediato do cérebro. De certo modo elas são "almas inorgânicas" c não mais corpos. "(...) o tempo de trabalho [se torna] (...) elemento na realidade indispensável, mas subalterno' diante do trabalho científico universal, do uso tecnológico das ciências naturais por um lado, corno da força produtiva universal que nasce da articulação social na produção global (...)" (G., p. 587); Borrador, 2, p. 222 (F)). . Vimos anteriormente um texto em que se diz que não se utilizará mais como "médio" um "objeto material modificado", mas sim um "processo natural transformado em processo industrial". Já observamos o que isto significa negativamente: vai-se além do objeto artificial, a artificialidade caracterizando o universo do capitalismo de grande indústria. Mas o que se tem em seu lugar? A interiorização e objetivação de processos naturais. E sendo a interiorização intelectualização do objeto, a objetivação é posição do "intelecto geral"20 20 A expressão tem ressonâncias aristotélicas. . Isto concorda com a idéia de que a força produtiva - embora seja força objetiva - está na "compreensão da natureza". A compreensão da natureza está objetivada nas novas máquinas. Se na grande indústria, o capital se valia da ciência para adequar a matéria aos seus fins, ele é levado a fazê-lo uma segunda vez, trabalhando "assim para a sua própria dissolução como forma que domina a produção" (G., p. 588; Borrador, 2, p. 222). A ciência, que é a forma material do capital, é posta uma segunda vez. E agora a posição é de tal ordem que a matéria, o esqueleto material enquanto tal, se torna simples suporte da ciência. Nesse sentido, essa posição é muito diferente da primeira, e do seu análogo, a encarnação do dinheiro no ouro. Aqui não há mais encarnação, porque a forma excede a matéria. A forma (sempre a forma material) reduz a matéria (a matéria material) a suporte21 21 De certo modo, não é mais apenas a forma da matéria que se tem aí, mas uma forma de que forma e matéria são suportes. Cf. as considerações de Sartre em Cabiers pour une morale, Galllmard, 1983, p. 568, a propósito da forma artística. Para Sartre a forma do objeto de arte não é a forma que toma o bronze por exemplo, como pretende a tradição aristotélica. A forma do bronze é junto com a matéria, só o suporte da forma artística. Aqui se trata de um análogo da forma artística, a forma científica. . É como se a descrição que Marx faz do trabalho concreto a propósito do processo de trabalho já não fosse válida ("Na sua produção, o homem só pode proceder como a própria natureza, isto é, só mudar as formas das matérias" (W. 23, K. I, p. 57; C. I, 1, p. 50 e 51). "Todos os fenômenos do universo - escreve Verri, citado por Marx - não são verdadeiramente criações novas, mas somente transformações da matéria" (Umformung des Stoffesy (ib.) 22 22 Em outro lugar (W. 2, K. I, p. 19; C. I, 1, p. 150), Marx escreve que o homem "não só realiza uma mudança de forma do [objeto] natural, ele ao mesmo tempo realiza sua finalidade no [objeto] natural (...)". À posição dos fins deixa de ser agora simples modificação da natureza, ela é criação de formas. . Assim, já não se tem mais, propriamente, um objeto artificial. Antes uma espécie de objeto intelectual ou espiritual: é o logos - que é entretanto o logos da natureza assimilado pelo intelecto - que é posto no processo de produção23 23 Um texto já citado (G., p. 592; Borrador, 2, p. 228) em que se fala da substituição do objeto mediador pelo processo natural, vai no mesmo sentido. . Com isto, a ruptura entre trabalho vivo e trabalho morto é relativizada, a máquina passa a ser uma espécie de força de trabalho (intelectual) no sentido de que ela não necessita mais (quase) nenhum trabalho para ser vivificada. O autômato é agora autômato espiritual, não simples autômato "vivo". Se passa do conceito de vida, ou da vida corno conceito (cf. a Lógica de Hegel), ao conceito de espírito24 24 Em francês, o "software" dos computadores se diz "logiciel", em oposição ao "hardware" que se diz "matériel". O "logiciel" é o conjunto de programas, o "matériel" o conjunto de "elementos físicos empregados para o tratamento da informação" (Dictionnaire de L'Informatique, sob a direção de P. Morvan, Larousse, Paris, 1981, verbete "matériel"). A divisão entre "logiciel" e matériel" não coincide com a divisão entre o lado em que a ciência se objetiva e o puro esqueleto material. A ciência está também no "matériel". Mas a terminologia não deixa de ser sintomática: há uma posição material do logos enquanto tal. .

Mas no momento em que a forma material se adequa inteiramente à matéria, no sentido de que ele a domina inteiramente, a forma (formal) enquanto tal, isto é, o capital, já não se adequa mais á matéria (à forma material mais a matéria material). A posição plena da forma material, pelo próprio fato de que ela é plena, já não serve mais à forma enquanto tal. A forma material passa a servir a si própria em vez de servir à forma formal. Esta última, o capital, funciona assim como aprendiz de feiticeiro25 25 Há uma astúcia da forma formal de que a forma material é vítima. Em O Capital, há uma astúcia da matéria contra a forma. . Ela utiliza uma "alma material" que se volta contra ela. Isto não ocorre com o dinheiro, precisamente porque este não se subjetiviza enquanto dinheiro: ele só utiliza "corpos". É como se o capital, processo quase-vivo, se perdesse, no momento em que ele mobiliza o espírito enquanto tal. É evidente a extração hegeliana de todo esse desenvolvimento. Entretanto, a ciência de que se trata aqui é a ciência natural, a ciência do entendimento; há mesmo uma referência expressa à Verstand. Essa ciência do entendimento desempenha assim um papel muito próximo do da Vernunft hegeliana. Ainda aqui, se mostra como o marxismo reabilita o entendimento (ou antes, opera uma segunda reabilitação do entendimento, já que Hegel não se "opunha" a ele) no contexto de uma lógica da razão. Entendimento e razão se limitam em Marx de uma forma original26 26 Ver a respeito MLP (II), 2, "Pressuposição e posição: dialética e significações 'obscuras'". . Assim, o capital que era uma alma apetitiva (ele tem "fome devoradora" (Heisshunger) de trabalho alheio (W. 23, K. 1, p. 425; C. I, 2, p. 29), se apossa de um intelecto, mas acaba sendo dominado por ele.

É preciso acompanhar as mudanças que se operam tanto dentro do processo de produção como sua relação com a exterioridade, no tempo e no espaço. A emergência do homem no processo material como vigia da máquina e não mais vigia da máquina indica o fim da subordinação do trabalho ao capital Vimos que na primeira fase, a manufatura, a subordinação é apenas formal, ela não existe no interior do processo material de produção, senão na relação para com uma subjetividade global (que, sem dúvida, nega à sua maneira a individualidade, ela mesma reduzida a parte). Na segunda fase, a grande indústria, onde ocorre a primeira posição adequada da forma na matéria, se tem a subsunção real27 27 O termo "subsunção" é no fundo preferível a subordinação, porque nele se investe também o sentido lógico do processo (silogismo). Ver a respeito uma nota de G. Badia, na sua tradução francesa das Teorias sobre a Mais-Valia (Théories sur la Plusvalue, Ed. Sociales, Paris, 1974, I, p. 455, n.3). , isto é, formal e material. Com a pós-grande-indústria desaparece a subordinação material, e é nesse sentido e só nesse sentido que se retoma a primeira situação. Na realidade, se tem uma negação da negação. Se a subordinação material desaparece é porque o processo de trabalho perdeu plenamente o seu caráter de processo de trabalho. O processo de produção tem um caráter muito próximo ao de um processo de produção da ciência. São as novas máquinas que o executam, o indivíduo sai até certo ponto do processo ("Ele entra ao lado do processo de produção" [G., p. 593; Borrador, 2. p. 228 (F)]). Assim, a subordinação material desaparece. Não há mais interversão da liberdade, da propriedade, da riqueza ou da satisfação no plano material, isto é, no interior do processo de produção. Não há mais "oposição" entre o indivíduo e o processo material, embora ou precisamente porque se restabelece a oposição matéria e forma. Mas esta oposição tem um sentido novo: a matéria, e em particular a "forma material", comanda o processo. É como se a forma material exigisse uma posição adequada na forma. O capital é inadequado a esse novo processo material de produção. Em relação aos indivíduos, fica apenas a interversão forma/conteúdo, não mais a interversão do plano material. Teríamos assim a sucessão: subordinação formal, subordinação real, subordinação formal novamente. Sucessão que corresponde a: oposição não plena (entre indivíduos e condições objetivas), oposição plena28 28 Cf. W. 23, K. I, p. 455; C.I. 2. p. 49, já citado, e G., p. 593, Borrador, 2, p. 229. , oposição não plena outra vez.

Este não é o lugar em que pretendemos fazer a crítica de Marx. Mas já aqui se pode observar: se é verdade que Marx não afirma que com a pós-grande indústria (e antes da revolução) possa haver verdadeira libertação, ele supõe nesse estágio o fim da subordinação material do trabalho ao capital. Entretanto se poderia perfeitamente dizer que com as novas máquinas não desaparece a subordinação material (entendendo "material" no sentido amplo que remete ao que se passa no processo de trabalho). Marx pensa num modelo que poderia ser, por exemplo, o do engenheiro que pilota um avião supersônico. Mas há também o modelo do trabalhador que faz uma longa jornada trabalhando com um computador. Seria difícil dizer que ele é materialmente livre diante do instrumento. Marx crê que a espiritualização do objeto implica numa libertação (que, bem entendido, é para ele apenas libertação material, isto é, no interior do processo de trabalho. Mesmo isso é, entretanto, excessivo. Arriscaríamos aqui alguns conceitos novos. Diríamos que pode haver uma espécie de subordinação intelectual (ou espiritual) do trabalho ao capital. Teríamos assim a subordinação formal, a subordinação formal-material (em sentido próprio), e a subordinação formal-intelectual (ou espiritual) do trabalho ao capital. As duas últimas seriam reais (na nossa versão, na de Marx só a segunda é real, a primeira e a terceira são formais). E se no caso da subordinação formal o trabalhador é (formalmente) suporte, sem ser (materialmente) apêndice, se no caso da subordinação formal-material ele é apêndice, além de ser suporte, na subordinação formal-intelectual ele é de certo modo servidor do novo mecanismo, que é um autônomo espiritual. A transformação da natureza em "espírito" não garante a libertação, mesmo a libertação "material", isto é, a que se dá no processo de trabalho. Essa transformação pode ser uma condição da libertação material (Marx parece afirmar que ela pode ser condição da liberdade no plano da forma, mas que ela é condição suficiente de liberdade no plano material). Nesse ponto, Proudhon é menos otimista do que Marx, embora exagere em sentido contrário: "Quaisquer que sejam os progressos da mecânica, quando forem inventadas máquinas cem vezes mais maravilhosas do que a mule-jenny, o tear de braço, a prensa com cilindro; quando se descobrirem forças cem vezes mais poderosas do que o vapor, muito longe de libertar a humanidade, de lhe criar lazeres, de tornar a produção de todas as coisas gratuitas, não se fará senão multiplicar o trabalho, incitar a população, tornar mais pesada a servidão, tornar a vida cada vez mais cara, e cavar o abismo que separa a classe que comanda da classe que obedece e sofre"29 29 Notas marginais de Proudhon à Miséria da Filosofia de Marx, citado por M. Rubel, in Oeuvres, Bib. de la Pleiade, Gallimard, 1965, É conomie I, p. 1563 e 1564.

As modificações que descrevem os Grundrisse só são plenamente compreensíveis, se se pensar que elas revolucionam as relações entre o tempo (e o espaço) de trabalho, e o tempo (e o espaço) de não-trabalho. Já vimos que os limites do espaço de trabalho são quebrados pela nova forma de produção material. O produtor se situa fora da produção. Longe de significar uma invasão do espaço de não-trabalho pelo do trabalho, esse movimento representa o contrário disto. É no capitalismo de grande indústria que os espaços exteriores ao do trabalho são "invadidos" formal ou mesmo materialmente pelo processo de trabalho. Para o tempo, ocorre a mesma coisa. Mas a análise do tempo exige que se passe pela pressuposição fundamental, que é aqui a riqueza. Até a pós-grande indústria, a riqueza dependia do trabalho. A riqueza concreta era formada pelo trabalho concreto, a riqueza abstrata - valor - era criada pelo trabalho abstraio. O tempo de trabalho media a produção da riqueza. De certo modo, a riqueza sempre representou uma pressuposição objetiva, diante da liberdade e da satisfação que, em, sentido muito geral, e comparadas à riqueza, tiveram sempre um caráter subjetivo. A riqueza estabelecia a contradição entre as pressuposições, porque ela dependia da não-liberdade e da não-satisfação. É como se para passar da liberdade à satisfação - exigência que vai na linha da dialética da razão prática - fosse necessário passar pela riqueza. Mas a riqueza pressupõe o trabalho, e o trabalho é não-liberdade30 30 G., p. 595; Borrador, 2, p. 231: (...) não tempo de trabalho, tempo livre (...)". E verdade que há um texto de crítica de Smith, em que o trabalho não aparece só como não-liberdade. Mas, como veremos, não se trata pura e simplesmente do trabalho. . Tudo se passa como se o percurso necessário até aqui fosse sempre liberdade - riqueza - satisfação, "silogismo" em que a riqueza é o médio. Mas no capitalismo, até a grande indústria, essa mediação institui um bloqueio, a riqueza é riqueza pela riqueza. 1:1a se transformou em extremo, ou antes nos extremos (os extremos são ela e ela mesma acrescida de uma diferença quantitativa), enquanto a liberdade e a satisfação se tornaram médios. De forma que não havia apenas contradição interna nas pressuposições (entre liberdade c liberdade, riqueza e riqueza etc), mas contradição entre as pressuposições. Na antiguidade, isso se evitava porque a produção da riqueza cabia a outros homens ( que passavam ao estatuto de coisas, sem perder, entretanto, na leitura aristotélica, o seu estatuto de homens)31 31 Aristóteles faz tudo para separar os dois domínios. A atividade de dirigir ou vigiar os escravos não tem maior dignidade; por exemplo: "Todos os conhecimentos desse gênero são, pois, ciências do escravo. Quanto à ciência do senhor, ela é a [ciência] da utilização do escravo. Esta ciência não tem nada de grande, nem de venerável: o senhor deve somente saber prescrever as tarefas que o escravo deve saber executar. Eis porque aqueles que têm a possibilidade de poupar a si mesmos os incômodos domésticos têm um preposto que se exerce nessa tarefa, enquanto eles mesmos se ocupam de política ou de filosofia" (Aristóteles Potítica, I, 7, 1255, (30-36) (F). Como já vimos, é possível que textos como estes iluminem só uma vertente da teoria aristotélica da escravidão. . Assim, a riqueza era sempre o operador negativo, num sentido ou em outro. Com a pós-grande indústria, há ruptura dessa situação. A riqueza não é mais produzida pelo trabalho, mas pelo não-trabalho. Isto num duplo sentido. Em primeiro lugar, a riqueza material já não depende essencialmente do trabalho. Em segundo lugar, a riqueza passa a ser essencialmente a ciência (a arte etc) e esta é produzida no tempo de não-trabalho. Assim, a substância da riqueza não é mais o trabalho, mas ê o não-trabalho32 32 O trabalho era a substância da riqueza abstrata. A matéria (mas matéria substancial) da riqueza concreta era a natureza (o trabalho concreto só modificava a forma). Tinha-se assim uma oposição entre, de um lado, o universo concreto, o dos valores de uso, no interior do qual se tinha matéria e forma, e de outro lado o universo abstrato, do valor e do trabalho abstrato, que era pura forma (incluindo a substância da forma, o próprio trabalho abstrato). - Agora a substância da forma não é mais o trabalho, mas o não-trabalho (é a ciência que cria "valor"). Porém, enquanto "não-trabalho" concreto, a (nova) ciência fará mais do que modificar a forma dos objetos naturais. O que era assim forma abstraía (do lado da forma) c simples forma (do lado do conteúdo) diante do conteúdo substancial, passa a ser forma "concreta", diante de um simples suporte material. A forma abstrata se torna forma concreta, e a matéria substancial se reduz a simples matéria. Movimento inverso ao da passagem da matéria ao conteúdo (e correspondente redução da forma a simples forma), que vimos em outro lugar (ver MLP II, 3, p. 230). . Ela é cristalização do "trabalho" científico, mas o trabalho científico "entra" no tempo livre. "(...) A poupança de tempo de trabalho é igual ao aumento do tempo livre, tempo livre para o pleno desenvolvimento do indivíduo, tempo que, ele mesmo, age por sua vez sobre a força produtiva do trabalho. (...) Que de resto o próprio tempo de trabalho imediato não possa permanecer em oposição direta ao tempo livre - como ele aparece do ponto de vista da economia burguesa - se entende por si mesmo. O trabalho não pode se tornar jogo como quer Fourier, cuja grande contribuição é ter afirmado como objetivo último a supressão, numa forma mais alta, não da distribuição mas do próprio modo de produção. O tempo livre - que ê tanto tempo livre como tempo para atividade mais alta - transformou naturalmente o seu possuidor num outro sujeito e, enquanto esse outro sujeito, ele entra no processo de produção imediato" (G., p. 599, Borrador, 2, p. 236 (F)) 33 33 (...) o trabalho imediato (...) se torna momento subordinado (...) do trabalho científico universal (...)" (G., p. 587, Borrador, 2, p. 222). Assim se tem uma anti-economia política, uma economia política negativa. O tempo de não-trabalho é a substância da riqueza. A riqueza aparece "do outro lado do espelho", do lado do tempo livre. O tempo de não-trabalho é a medida da riqueza enquanto riqueza objetiva , e ela é tempo livre enquanto riqueza subjetiva. Todo o sistema se inverte. O importante é que a pressuposição riqueza se subjetiviza e se interverte em liberdade. O fundo passa a ser forma, e a forma fundo, o que era residual e pressuposto, passa a ser primeiro e posto. Essa economia política negativa opera evidentemente uma negação da negação, e nesse sentido é ela que é realmente positiva. "A criação de muito tempo disponível (viel disposable time)34 34 (A) fora do tempo de trabalho necessário para a sociedade em geral e para cada membro dela Cisto é, espaço para o desenvolvimento da plena força produtiva dos indivíduos [e] por isso da sociedade), essa criação do não-tempo de trabalho aparece do ponto de vista do capital como de todos os níveis anteriores como não-tempo de trabalho, tempo livre para alguns. O capital acrescenta o seguinte. Ele aumenta o trabalho excedente da massa através de todos os meios da arte e da ciência, porque a sua riqueza consiste diretamente na apropriação de tempo de trabalho excedente; porque a sua finalidade direta ê o valor35 35 (A) não o valor do uso. Ele é assim, malgré lui, instrumental, ao criar os meios do tem po social disponível, para reduzir o tempo de trabalho para toda sociedade a um mínimo em diminuição e assim tornar livre o tempo de todos, para o seu próprio desenvolvimento. Mas a sua tendência é sempre, por um lado, criar tempo disponível, por outro convertê-lo em tempo excedente (...)36 36 (A) . Quanto mais essa contradição se desenvolve, tanto mais se põe em evidência que o crescimento das forças produtivas não pode mais ser contido na apropriação do trabalho excedente, mas que a massa dos trabalhadores, ela mesma, deve se apropriar do trabalho excedente. Que ela faça isto37 37 Aqui se supõe, portanto, a revolução, qualquer que seja a sua forma. Mas o texto interessa também para uma situação que se suponha interior ao capitalismo. e o tempo livre (disposable time)38 38 (A) deixa de ter existência contraditória (gegensätzlich) - por um lado, o tempo de trabalho necessário terá sua medida nas necessidades do indivíduo social, por outro lado o desenvolvimento da força produtiva social crescerá tão rapidamente que, embora agora a produção seja calculada sobre a riqueza de todos, o tempo disponível39 39 (A) Marx grifa algumas das expressões do texto seguinte que grifamos integralmente. de todos cresce. Pois a verdadeira riqueza40 40 cf. o texto de Aristóteles (Política, I, 8, 1256b, 26 a 30) sobre a "verdadeira riqueza", citado em outro lugar. é a força produtiva desenvolvida de todos os indivíduos. Então, o tempo de trabalho não é mais de modo algum a medida da riqueza, e sim o tempo livre (disposable time). O tempo de trabalho como medida da riqueza põe a riqueza como fundada sobre a pobreza e o tempo livre (disposable time) como existindo na e através da oposição ao trabalho excedente ou [através da] posição de todo tempo de trabalho de um indivíduo como tempo de trabalho e por isso degradação do mesmo a mero trabalhador, subsunção sob o trabalho" (G., p 595, 6; Borrador, 2, p. 231, 2 (F))41 41 Ver também G., p. 506, 301 e 305; Borrador, 2, p. 120-122, 348-9 e 352-3. .

O tempo destinado à produção do capital fixo representa no interior do capitalismo o tempo livre, no sentido de que não é um tempo dedicado à produção de objeto de consumo ou imediatamente consumíveis: "A poupança de tempo de trabalho é igual ao aumento de tempo livre, tempo para o pleno desenvolvimento do indivíduo, o qual por sua vez age sobre a força produtiva do trabalho. Do ponto de vista do processo de produção imediato, ela [a poupança de tempo de trabalho] pode ser considerada como produção do capital fixo, sendo o capital fixo o próprio homem" (G., p. 599; Borrador, 2, p. 236)42 42 Fizemos uma leitura desse texto em MLP (II), 1, p. 22, 23. . Isto é, o tempo de produção de um objeto não imediatamente consumível anuncia o tempo de não-produção.

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Assim, o que se tem com a pós-grande indústria é urna interversão do tempo, O tempo de trabalho se torna tempo de não-trabalho, em parte porque o tempo de trabalho não é mais tempo de trabalho, em parte porque a criação da verdadeira riqueza não se faz nele mas no seu outro. O mesmo se pode dizer do espaço. O espaço do trabalho se intervente em espaço de não-trabalho. Anteriormente, o tempo (como o espaço) de trabalho era idêntico a si mesmo (ele não passava num outro) e ao mesmo tempo ele era o elemento da contradição (um dos elementos em que se dava a contradição). No interior dele, havia a interversão material da liberdade em não-liberdade, da satisfação em insatisfação etc. Por sua vez, o tempo (como o espaço) de não-trabalho era enquanto tal afetado pela contradição. Ele passava em tempo de trabalho43 43 Ver as análises de O Capital, cm torno da idéia de que também durante o tempo livre o trabalhador serve o capital,( W. 23, K. I, 598, 9; Cl 2, p. 157, 158). Voltaremos a esse problema em outro lugar. . Em si mesmo, entretanto, ele não era elemento da contradição. Agora temos uma situação inversa. É o tempo de trabalho que passa em tempo de não-trabalho. E o tempo de não-trabalho passa a ser idêntico a si mesmo. Mas esse tempo idêntico a si mesmo não é (continua não sendo, e agora em sentido pleno) elemento de interversão. Nele, a liberdade = liberdade, a satisfação = satisfação etc. Essa mutação se faz através da riqueza. É a riqueza - uma das pressuposições - que se intervente em liberdade (sempre no plano material), operando uma negação da negação. A riqueza volta a ser - ou vem a ser -uma mediação que opera uma mediação sem bloqueio. Mas para que isto ocorra e preciso que a riqueza opere uma interversão do tempo como do espaço. O tempo de trabalho - vimos - é o lugar, o elemento em que se operam as interversões. Ele ê o operador lógico da interversão, e de certo modo a ligação lógica (a cópula). Quanto à riqueza, ela é na realidade, ela mesma, um termo que se intervente como os outros através dessa ligação. Ora, com a mutação que se opera após a grande indústria, a riqueza intervertirá o próprio tempo de trabalho em tempo de não-trabalho. E, mais ainda, ela mesma se tornará tempo de não-trabalho. Isto significa que um termo (a riqueza) atua sobre a ligação lógica, e acaba passando nessa ligação lógica (ou antes no resultado da interversão desta, que ela mesma produziu: o tempo livre). O termo riqueza passa assim, depois de operar a interversão do trabalho em não-trabalho, na ligação lógica oposta à que representa o trabalho. A riqueza passa a ser tempo livre. Assim, se a passagem da produção simples, enquanto aparência do sistema, ao capitalismo, enquanto capitalismo, pode ser representada pela mudança de um silogismo do entendimento em silogismo dialético, a passagem do capitalismo de grande indústria ao capitalismo de pós-grande indústria pode ser pensada como nova mutação, mais radical, em que não apenas se altera o conteúdo do termo médio, mas em que um termo se resolve em ligação lógica, e em ligação lógica identitária que elimina a interversão. É como se tivéssemos: "a riqueza é (no tempo de trabalho) não riqueza." "A riqueza é riqueza (no tempo livre)". (Esse "tempo livre" é resultado da interversão da ligação "tempo de trabalho, operada peia riqueza). "A riqueza é tempo livre". Ou se se quiser, partindo da riqueza objetiva: "A riqueza é tempo de trabalho cristalizado", "a riqueza c tempo de não-trabalho cristalizado", "a riqueza é tempo de não-trabalho". No primeiro caso temos, .assim, uma espécie de promiscuidade entre termo e ligação lógica44 44 Talvez se pudesse comparar esse tipo de movimento com certos redobra mentos logicamente escandalosos do ponto de vista da tradição, que podem ser encontrados na Lógica de Hegel e também cm Marx. Ver por exemplo "O desaparecer do desaparecer" in Wissenschafl der Logik, cd. Lasson, Meiner, Hamburgo, 1967, Erster Teil, p. 93, e o mesmo movimento em Marx, G., p. 539. . No segundo caso, o tempo, meio para a constituição da riqueza, a qual tem uma substância própria, o trabalho, passa a ser ele mesmo a substância. O tempo se torna substância, substância da riqueza. Também aqui, do ponto de vista da tradição, se opera uma passagem ilegítima de uma categoria a outra categoria. Isto ocorre quando o sistema material vai ao "abismo", depois de revelar o seu "fundo".

  • 1 Ver Marx: Lógica e Política... (abreviaremos por MLP), tomo II, Brasiliense, 1987,
  • sobretudo o final dos ensaios 3 e 4, respectivamente sobre as classes e o Estado. Para os textos, ver sobretudo, Werke (abreviaremos por W.), vol. 25, Das Kapital (abreviaremos por K.), livro III, Dietz, p. 452 a 456, capítulo 27.
  • 2 Ver W. 23, K. í, p. 442; O Capital, trad, de R. Barbosa e F.R. Kothe, coord, e rev. de P. Singer (abreviaremos por C), vol. I, tomo 2, Abril (Os Economistas), 1984, p. 40.
  • 4
    4 Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie, Europäische Verlagsanstak, Frankfurt, Europa Verlag, Wien, s/data (reproduz a edição Dietz de 1953) (abreviaremos por G.), p. 585,
  • grifo nosso. O texto continua assim: "O trabalho aparece antes só como órgão consciente, em muitos pontos do sistema mecânico, sob a forma de trabalhadores vivos individuais; [ele aparece] disperso (zerstreit), submetido ao processo global da própria maquinária, ele próprio só [como] um membro do sistema, cuja unidade existe não nos trabalhores vivos, mas na maquinaria viva (ativa), que diante do fazer individual não significativo (unbedeutenden) do trabalhador, aparece em face deste como organismo poderoso. Na maquinaria, o trabalho objetivado enfrenta o trabalho vivo como sua força dominante no próprio processo de trabalho, [força] que o capital como apropriação do trabalho vivo é segundo a forma" (G., p. 585, grifo nosso), (quando o texto for grifado por nós, indicaremos por (F); quando o grifo for do autor, por (A); Elementos fundamentales para Ia Critica de la Economia Política (Borrador) 1857-1858, trad, de Pedro Scarón, ed. a cargo de José Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scaron, Siglo Veintiuno, Argentina, B. Aires, 1979, vol. 2, p. 219 (abreviaremos por "Borrador").
  • 10 Em exposição oral, P.-J. Labarrière se referiu a um "anacoluto", a propósito de um texto da grande Lógica de Hegel. Adorno já utilizara o termo, ver Dsei Studien zu Hegel ("Skoteinos..."), Surhkamp, Frankfurt, 1974, p. 10,
  • Tres Estudios sobre Hegel, trad. e.sp. de Victor Sanchez de Zaval, Taurus, Madrid, 1969, p. 157.
  • 15 Marx cita aqui o autor anônimo de The Source and Remedy of the National Difficulties, deduced from Principles of Political Economy in a Letter to Lord John Russell" (1821) Sã
  • 21 De certo modo, não é mais apenas a forma da matéria que se tem aí, mas uma forma de que forma e matéria são suportes. Cf. as considerações de Sartre em Cabiers pour une morale, Galllmard, 1983, p. 568,
  • 24 Em francês, o "software" dos computadores se diz "logiciel", em oposição ao "hardware" que se diz "matériel". O "logiciel" é o conjunto de programas, o "matériel" o conjunto de "elementos físicos empregados para o tratamento da informação" (Dictionnaire de L'Informatique, sob a direção de P. Morvan, Larousse, Paris, 1981, verbete "matériel").
  • 27 O termo "subsunção" é no fundo preferível a subordinação, porque nele se investe também o sentido lógico do processo (silogismo). Ver a respeito uma nota de G. Badia, na sua tradução francesa das Teorias sobre a Mais-Valia (Théories sur la Plusvalue, Ed. Sociales, Paris, 1974, I, p. 455, n.3).
  • 29 Notas marginais de Proudhon à Miséria da Filosofia de Marx, citado por M. Rubel, in Oeuvres, Bib. de la Pleiade, Gallimard, 1965, Économie I, p. 1563 e 1564.
  • 41 Ver também G., p. 506, 301 e 305; Borrador, 2, p. 120-122, 348-9 e 352-3.
  • 44 Talvez se pudesse comparar esse tipo de movimento com certos redobra mentos logicamente escandalosos do ponto de vista da tradição, que podem ser encontrados na Lógica de Hegel e também cm Marx. Ver por exemplo "O desaparecer do desaparecer" in Wissenschafl der Logik, cd. Lasson, Meiner, Hamburgo, 1967, Erster Teil, p. 93,
  • *
    Esse texto faz parte de urn texto maior sobre a apresentação marxista da história, que será incluído no tomo III de
    Marx: Lógica e Política, investigações para urna reconstituição do sentido da dialética.
  • 1
    Ver
    Marx: Lógica e Política... (abreviaremos por MLP), tomo II, Brasiliense, 1987, sobretudo o final dos ensaios 3 e 4, respectivamente sobre as classes e o Estado. Para os textos, ver sobretudo,
    Werke (abreviaremos por W.), vol. 25,
    Das Kapital (abreviaremos por K.), livro III, Dietz, p. 452 a 456, capítulo 27.
  • 2
    Ver W. 23, K. í, p. 442; O
    Capital, trad, de R. Barbosa e F.R. Kothe, coord, e rev. de P. Singer (abreviaremos por C), vol. I, tomo 2, Abril (Os Economistas), 1984, p. 40.
  • 3
    Observe-se que também o
    movimento das máquinas exprime materialmente o capital.
  • 4
    Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie, Europäische Verlagsanstak, Frankfurt, Europa Verlag, Wien, s/data (reproduz a edição Dietz de 1953) (abreviaremos por G.), p. 585, grifo nosso. O texto continua assim: "O trabalho aparece antes só como órgão consciente, em muitos pontos do sistema mecânico, sob a forma de trabalhadores vivos individuais; [ele aparece]
    disperso (zerstreit), submetido ao processo global da própria maquinária, ele próprio só [como] um membro do sistema, cuja unidade
    existe não nos trabalhores vivos, mas na maquinaria
    viva (ativa), que diante do fazer individual não significativo
    (unbedeutenden) do trabalhador, aparece em face deste como organismo poderoso. Na maquinaria, o trabalho objetivado enfrenta o trabalho vivo como sua força dominante no próprio processo de trabalho, [força] que o capital como apropriação do trabalho vivo é segundo a
    forma" (G., p. 585, grifo nosso), (quando o texto for grifado por nós, indicaremos por (F); quando o grifo for do autor, por (A);
    Elementos fundamentales para Ia Critica de la Economia Política (Borrador) 1857-1858, trad, de Pedro Scarón, ed. a cargo de José Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scaron, Siglo Veintiuno, Argentina, B. Aires, 1979, vol. 2, p. 219 (abreviaremos por "Borrador").
  • 5
    (A)
  • 6
    (F), Salvo indicação em contrário, os grifos desse texto dos
    Grundrisse são nossos.
  • 7
    Observe-se que não se fala de uma terceira fase do capitalismo.
  • 8
    (...) A máquina não aparece em nenhuma relação com o meio de trabalho do trabalhador individual. Sua diferença não é de forma alguma, como no caso do meio de trabalho, a de mediar a atividade do trabalhador; mas, antes, essa atividade é posta de tal modo que ela só serve de mediação ao trabalho da máquina, à sua ação sobre a matéria-prima - [só] a
    vigia (überwacht) a protege de perturbações" (G., p. 584,
    Borrador, 2, p. 218, (F). - Na continuação do texto já citado que dá as definições da fábrica por Ure, Marx afirma que este "aprecia (...) representar a máquina central (...) não só como autômato mas como
    autocrata" (W. 23, K. I., p. 442, (F); C, 1, 2, p. 40) segue-se a citação de Ure), caracterização que sem dúvida Marx aceita. É essa autocracia da máquina que será rompida aqui, pela mutação do sistema mecânico.
  • 9
    Essa diferença não está expressa no texto e, ao que parece, não se exprime em geral em alemão, mas nas línguas latinas.
  • 10
    Em exposição oral, P.-J. Labarrière se referiu a um "anacoluto", a propósito de um texto da grande
    Lógica de Hegel. Adorno já utilizara o termo, ver
    Dsei Studien zu Hegel ("Skoteinos..."), Surhkamp, Frankfurt, 1974, p. 10,
    Tres Estudios sobre Hegel, trad. e.sp. de Victor Sanchez de Zaval, Taurus, Madrid, 1969, p. 157.
  • 11
    (A)
  • 12
    A nova base material é criada pela grande indústria, assim como a manufatura criou materialmente a grande indústria: "Uma das criações
    (Gebilde) mais perfeitas da manufatura era o próprio ateliê para a produção de instrumentos de trabalho e especialmente dos aparelhos mecânicos que já eram utilizados (...) Esse produto da divisão manufatureira do trabalho produziu por sua vez - máquinas" (W. 23, K. I, p. 390; C.I, 1, p. 288, 289). Temos aqui um juízo de tipo dialético (aparentemente um juízo do devir) no plano material. A divisão manufatureira produz... máquinas. Marx caracteriza a negação através de um travessão (-) (nós a caracterizamos em geral pelo sinal"..."). Encontramos assim um texto (há outros) em que Marx assinala explicitamente a negação do sujeito pelo predicado.
  • 13
    (A)
  • 14
    Falta o verbo. Se entende: "Se abre então a possibilidade d'..." ou "Se obtém...."
  • 15
    Marx cita aqui o autor anônimo de
    The Source and Remedy of the National Difficulties, deduced from Principles of Political Economy in a Letter to Lord John Russell" (1821) Sã o de Marx os grifos da citação.
  • 16
    Ver MLP (I), ensaios 1 e 4, e (II), ensaios 1 e 4.
  • 17
    (A). Poder-se-ia também observar que há mudanças no estrutura do contrato, conforme se considere cada uma dessas formas. É na manufatura que o contrato se apresenta como contrato individual livre (ou "livre", mas por ora a interversão é essencialmente formal). A propósito da grande indústria, Marx observa que o contrato de trabalho tende a ser revolucionado, porque (nas condições do século XIX) o trabalhador é levado a vender ao mesmo tempo a força de trabalho da mulher e dos filhos (ou simplesmente a mulher e os filhos): "Ela [a máquina] revoluciona fundamentalmente a mediação formal da relação-capital, o contrato entre o trabalhador e o capitalista. Na base da troca de mercadorias, a primeira pressuposição era a de que o capitalista e o trabalhador se afrontavam como pessoas livres, possuidoras independentes de mercadorias, [sendo] um possuidor de dinheiro e meios de produção, e o outro de força de trabalho. Mas agora o capital compra menores ou semi-adultos. Antes o trabalhador vendia sua própria força de trabalho, da qual ele dispunha como pessoa
    formalmente livre. Agora ele vende mulher e filho. Se torna comerciante de escravos. A procura de trabalho infantil é freqüentemente igual, até na forma, à oferta de escravos negros (...) " (W. 23, K. I, p. 417 e 418, (F); C.I, 2, p. 23 e 24). Observamos em outro lugar (ver MLP (II), 4, p. 317, 318) que com a terceira forma (caracterizada como "negação" do capitalismo no interior dele) o contrato é "negado" e em duplo sentido: por um lado surge a prática do contrato coletivo de trabalho. Por outro lado, o Direito Social reconhece uma desigualdade entre as partes do contrato. (Diga-se de passagem não é o "direito ao trabalho" que se reconhece como direito a ser protegido como escreveram os que tiveram notícia das nossas observações - mas ouviram mal -, é o próprio trabalhador que é reconhecido parte fraca a ser protegida). Se considerarmos assim as três formas, encontramos mudanças na forma da produção, na matéria dela (no processo material da produção), e na estrutura das pressuposições jurídicas do sistema.
  • 18
    (A)
  • 19
    "A natureza não constrói máquinas, locomotivas, estradas de ferro, telégrafos elétricos, teares automáticos etc. Eles são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza, ou sua ativação na natureza.
    São órgãos do cérebro humano criados pela mão humana" (G., p. 594, (A);
    Borrador, 2.p. 229 e 230). Aqui as máquinas aparecem como corpo inorgânico, mas corpo inorgânico a serviço imediato do cérebro. De certo modo elas são "almas inorgânicas" c não mais corpos. "(...) o tempo de trabalho [se torna] (...) elemento na realidade indispensável, mas subalterno' diante do
    trabalho científico universal, do uso tecnológico das ciências naturais por um lado, corno da força produtiva universal que nasce da articulação social na produção global (...)" (G., p. 587);
    Borrador, 2, p. 222 (F)).
  • 20
    A expressão tem ressonâncias aristotélicas.
  • 21
    De certo modo, não é mais apenas a forma da matéria que se tem aí, mas uma forma de que forma e matéria são suportes. Cf. as considerações de Sartre em
    Cabiers pour une morale, Galllmard, 1983, p. 568, a propósito da forma artística. Para Sartre a forma do objeto de arte não é a forma que toma o bronze por exemplo, como pretende a tradição aristotélica. A forma do bronze
    é junto com a matéria, só o suporte da forma artística. Aqui se trata de um análogo da forma artística, a forma científica.
  • 22
    Em outro lugar (W. 2, K. I, p. 19; C. I, 1, p. 150), Marx escreve que o homem "não só realiza uma mudança de forma do [objeto] natural, ele ao mesmo tempo realiza sua finalidade no [objeto] natural (...)". À posição dos fins deixa de ser agora simples modificação da natureza, ela é criação de formas.
  • 23
    Um texto já citado (G., p. 592;
    Borrador, 2, p. 228) em que se fala da substituição do objeto mediador pelo processo natural, vai no mesmo sentido.
  • 24
    Em francês, o "software" dos computadores se diz "logiciel", em oposição ao "hardware" que se diz "matériel". O "logiciel" é o conjunto de programas, o "matériel" o conjunto de "elementos físicos empregados para o tratamento da informação"
    (Dictionnaire de L'Informatique, sob a direção de P. Morvan, Larousse, Paris, 1981, verbete "matériel"). A divisão entre "logiciel" e matériel" não coincide com a divisão entre o lado em que a ciência se objetiva e o puro esqueleto material. A ciência está também no "matériel". Mas a terminologia não deixa de ser sintomática: há uma posição material do logos enquanto tal.
  • 25
    Há uma astúcia da forma formal de que a forma material é vítima. Em O
    Capital, há uma astúcia da matéria contra a forma.
  • 26
    Ver a respeito MLP (II), 2, "Pressuposição e posição: dialética e significações 'obscuras'".
  • 27
    O termo "subsunção" é no fundo preferível a subordinação, porque nele se investe também o sentido lógico do processo (silogismo). Ver a respeito uma nota de G. Badia, na sua tradução francesa das
    Teorias sobre a Mais-Valia (Théories sur la Plusvalue, Ed. Sociales, Paris, 1974, I, p. 455, n.3).
  • 28
    Cf. W. 23, K. I, p. 455; C.I. 2. p. 49, já citado, e G., p. 593,
    Borrador, 2, p. 229.
  • 29
    Notas marginais de Proudhon à
    Miséria da Filosofia de Marx, citado por M. Rubel, in
    Oeuvres, Bib. de la Pleiade, Gallimard, 1965, É
    conomie I, p. 1563 e 1564.
  • 30
    G., p. 595;
    Borrador, 2, p. 231: (...) não tempo de trabalho, tempo livre (...)". E verdade que há um texto de crítica de Smith, em que o trabalho não aparece só como não-liberdade. Mas, como veremos, não se trata pura e simplesmente do trabalho.
  • 31
    Aristóteles faz tudo para separar os dois domínios. A atividade de dirigir ou vigiar os escravos não tem maior dignidade; por exemplo: "Todos os conhecimentos desse gênero são, pois, ciências do escravo. Quanto à ciência do senhor, ela é a [ciência] da utilização do escravo.
    Esta ciência não tem nada de grande, nem de venerável: o senhor deve somente saber prescrever as tarefas que o escravo deve saber executar. Eis porque aqueles que têm a possibilidade de poupar a si mesmos os incômodos domésticos têm um preposto que se exerce nessa tarefa, enquanto eles mesmos se ocupam de política ou de filosofia" (Aristóteles
    Potítica, I, 7, 1255, (30-36) (F). Como já vimos, é possível que textos como estes iluminem só uma vertente da teoria aristotélica da escravidão.
  • 32
    O trabalho era a substância da riqueza
    abstrata. A matéria (mas matéria substancial) da riqueza concreta era a natureza (o trabalho concreto só modificava a forma). Tinha-se assim uma oposição entre, de um lado, o universo concreto, o dos valores de uso, no interior do qual se tinha matéria e forma, e de outro lado o universo abstrato, do valor e do trabalho abstrato, que era pura forma (incluindo a substância da forma, o próprio trabalho abstrato). - Agora a substância da forma não é mais o trabalho, mas o não-trabalho (é a ciência que cria "valor"). Porém, enquanto "não-trabalho" concreto, a (nova) ciência fará mais do que modificar a forma dos objetos naturais. O que era assim forma abstraía (do lado da forma) c simples forma (do lado do conteúdo) diante do conteúdo substancial, passa a ser forma "concreta", diante de um simples suporte material. A forma abstrata se torna forma concreta, e a matéria substancial se reduz a simples matéria. Movimento inverso ao da passagem da matéria ao conteúdo (e correspondente redução da forma a simples forma), que vimos em outro lugar (ver MLP II, 3, p. 230).
  • 33
    (...) o trabalho imediato (...) se torna momento subordinado (...) do trabalho científico universal (...)" (G., p. 587,
    Borrador, 2, p. 222).
  • 34
    (A)
  • 35
    (A)
  • 36
    (A)
  • 37
    Aqui se supõe, portanto, a revolução, qualquer que seja a sua forma. Mas o texto interessa também para uma situação que se suponha interior ao capitalismo.
  • 38
    (A)
  • 39
    (A) Marx grifa algumas das expressões do texto seguinte que grifamos integralmente.
  • 40
    cf. o texto de Aristóteles
    (Política, I, 8, 1256b, 26 a 30) sobre a "verdadeira riqueza", citado em outro lugar.
  • 41
    Ver também G., p. 506, 301 e 305;
    Borrador, 2, p. 120-122, 348-9 e 352-3.
  • 42
    Fizemos uma leitura desse texto em MLP (II), 1, p. 22, 23.
  • 43
    Ver as análises de O
    Capital, cm torno da idéia de que também durante o tempo livre o trabalhador serve o capital,( W. 23, K. I, 598, 9; Cl 2, p. 157, 158). Voltaremos a esse problema em outro lugar.
  • 44
    Talvez se pudesse comparar esse tipo de movimento com certos redobra mentos logicamente escandalosos do ponto de vista da tradição, que podem ser encontrados na
    Lógica de Hegel e também cm Marx. Ver por exemplo "O desaparecer do desaparecer" in
    Wissenschafl der Logik, cd. Lasson, Meiner, Hamburgo, 1967, Erster Teil, p. 93, e o mesmo movimento em Marx, G., p. 539.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 1989
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