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Transformações no sistema leste -sul

INTEGRAÇÃO E DESINTEGRAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

PROJETO

Transformações no sistema leste -sul* * Este texto é uma versão ampliada e revisada de projeto de pesquisa apresentado à Fundação MacArthur. Ele reflete diversos comentários em resposta à carta -convite inicial, feitos pelos participantes do projeto. ,** ** Tradução de Isa Mara Lando.

Adam Przeworski

Professor de Ciência Política da Universidade de Chicago

Nos últimos anos Grécia, Portugal, Espanha, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Uruguai, Coréia do Sul, Paquistão, Filipinas, Turquia e Polônia tiveram eleições livres - a primeira eleição jamais realizada no país, ou a primeira em décadas. E ao contrário do que diziam as previsões pessimistas, essa lista logo incluirá outros países do Leste europeu. Até na União Soviética, uma tímida abertura inicial encontrou uma expressão maciça da vontade popular, e forçou a democracia a entrar na agenda política. Nunca houve tantos países desfrutando da democracia, ou ao menos experimentando as instituições democráticas.

Ao mesmo tempo, modelos de desenvolvimento econômico que tiveram sucesso durante várias décadas parecem estar ruindo em diversos países da América Latina e do Leste europeu. As crises econômicas que assolam a Argentina, o Brasil e o México, assim como a Hungria, a Polônia e a Iugoslávia não têm precedentes em toda a história dessas nações. Em conseqüência, parece que estamos testemunhando, ao mesmo tempo, um reconhecimento quase fatalista das coerções econômicas e uma busca frenética de novos modelos e novas estratégias que possam gerar um crescimento sustentado. Particularmente em alguns países socialistas, depois de muitas reformas fracassadas, as instituições econômicas fundamentais estão agora sendo transformadas.

O objetivo deste projeto é promover uma discussão inter -regional das questões que surgem durante os processos de mudança democrática e de transformações econômicas. Pretendemos fazer uma revisão dos conhecimentos atuais, coordenar atividades de pesquisa e elaborar um ou mais quadros de referência para analisar possíveis reformas. Nossos motivos são declaradamente políticos: esperamos empreender aquilo que Guillermo O' Donnell e Philippe Schmitter chamaram de "desejo refletido" (Ihoughtful wishing), procurando contribuir para o sucesso dessas reformas. Ao mesmo tempo, pretendemos nos apoiar nos mais avançados instrumentos teóricos e metodológicos das ciências sociais para identificar um núcleo de conhecimentos suficientemente sólido para servir como guia de atividade prática.

Nosso plano é formar um grupo de no máximo 25 intelectuais de todas as partes da Europa, assim como da América Latina, da Ásia e dos Estados Unidos, cuja tarefa seria realizar uma revisão do corpus de pesquisa já existentes, preparar uma série de artigos sobre as diversas questões e elaborar conclusões conjuntas. Nós nos encontraríamos três vezes: para passar em revista o estado atual dos conhecimentos e planejar os artigos; para revisar os artigos e esboçar as conclusões; e, no último encontro, para discutir as conclusões e compartilhá -las com os participantes do próximo Congresso da Associação Internacional de Ciência Política.

Pretendemos incluir nesse projeto pessoas que são reformadoras veementes, que têm uma atuação pública em seu país e, ao mesmo tempo, fazem uma pesquisa rigorosa e de alto nível. A lista dos convidados segue de perto esses critérios. É uma lista que inclui um número aproximadamente igual de economistas, cientistas políticos e sociólogos; todos têm reconhecimento internacional, e diversos participam ativamente da vida política de seus países. Esperamos que eles formem um grupo ativo e funcional de pesquisadores, cooperando numa atmosfera informal a fim de gerar resultados conjuntos. É claro que acreditamos que o grupo terá algo a dizer, e que falará com alguma autoridade: vemos a internacionalização das reflexões sobre as reformas como um fator que contribui para o sucesso que estas podem atingir.

Estas notas pretendem oferecer um rol de questões que surgem nos países que estão passando por um processo de transformações democráticas e econômicas. Meu objetivo é identificar as opções que se apresentam às forças políticas em países com histórias totalmente diferentes; olhar de uma certa distância, tentando superar tanto a fragmentação inerente aos empreendimentos acadêmicos, como a preocupação com o momento atual - preocupação que obceca os pesquisadores que não só estudam, mas vivenciam importantes transformações diariamente. Apresentaremos esta lista como uma proposta para os temas dos artigos; entretanto, dada a natureza cooperativa desse empreendimento, a identificação dos tópicos relevantes deve ser responsabilidade do grupo como um todo.

QUESTÕES PRINCIPAIS

1. A EXPERIÊNCIA ECONÔMICA DO PASSADO

As experiências econômicas do pós -guerra, na Europa do Leste e na América Latina, constituem duas tentativas diferentes de superar o subdesenvolvimento e estabelecer a independência econômica. O modelo adotado no Leste europeu tem sido a propriedade estatal dos recursos produtivos, a alocação através do comando centralizado e uma estratégia de desenvolvimento conduzida pelas indústrias de bens de produção. O padrão latino -americano, com freqüência chamado de "desenvolvimento capitalista dependente -associado", baseava -se na propriedade privada, mas envolvia também amplos setores públicos, um papel ativo do Estado e uma boa dose de protecionismo, voltado para a industrialização de substituição às importações.

Essas duas estratégias tiveram sucesso durante um longo período, e vários países conseguiram estabelecer uma base industrial significativa. De 1960 a 1980 o PIB dos países latino -americanos cresceu a uma média não ponderada de 5,2%, enquanto na Europa do Leste a taxa de crescimento foi de mais de 6%. Vários países passaram por períodos em que a produção industrial cresceu a uma taxa de dois dígitos. Se na prática foi o modelo socialista ou o capitalista o mais bem sucedido, é impossível dizer: as discrepâncias nas convenções de contabilidade e na ponderação das diferentes produções, a assustadora disparidade no uso dos dados de entrada, as diferenças nas posições iniciais e nas vantagens comparativas tornam tais julgamentos quase sem sentido.1 1 Sobre uma revisão recente desses estudos e uma coletânea abrangente de estatísticas, ver Robert Bideleux, Communism and Development (Londres, Methuen, 1985). Quanto às dificuldades metodológicas para se fazer essas comparações, ver, de minha autoria, "Could we feed everyone? The irrationality of capitalism and the infeasibility of socialism", a sair em Politics and Society. Baseei -me nesse texto em diversos pontos mais abaixo. As comparações detalhadas de aspectos particulares do desempenho econômico e do bem -estar material geram veredictos que dependem da dimensão e do período em foco.2 2 Não há nem sequer bons argumentos para se afirmar que, enquanto as economias capitalistas são mais eficientes, os sistemas socialistas são superiores por oferecerem.garantia de emprego, igualdade e segurança material. Por um lado, a longo prazo o agregado das taxas de crescimento dos países socialistas já chegou a igualar -se ao das economias capitalistas com desenvolvimento mais rápido, e mesmo agora que se afirma que a União Soviética é presa de uma crise sem precedentes, ela está crescendo mais depressa do que os Estados Unidos - país que está em meio a um boom. Por outro lado, se acumulam as provas quanto à desigualdade de rendas na União Soviética e no Leste europeu, e há testemunhos cada vez mais numerosos da deterioração dos serviços de bem -estar social.

Uma vez que as provas sistemáticas não sustentam nenhum veredicto, nem mesmo o mais aproximativo, é desconcertante o consenso de que o modelo socialista simplesmente fracassou. E esse consenso é muito difundido: a nacionalização dos bens de produção não inspira mais movimentos socialistas no Ocidente, nem mesmo no Sul capitalista, enquanto em diversos países do Leste europeu o planejamento central caiu em total descrédito. O sentimento de privação é agudo, mas a experiência da miséria não é exclusiva dos países socialistas. Mesmo assim, na Polônia as pesquisas de opinião demonstram que as pessoas atribuem as suas privações à irracionalidade do sistema socialista.3 3 Ver diversas tabelas em Polacy 88: Dynamika konflikty a szanse reform (Varsóvia, CBPB, 1989).

No entanto, o que é marcante hoje em dia é que em muitos países do Leste e do Sul este desenvolvimento simplesmente entrou em colapso no final da década de 1970.4 4 É difícil entender por que isto aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo no Sul capitalista e no Leste socialista. Uma explicação possível é a dívida, mas isso não parece suficiente. Como observa Comisso, mencionando uma série de cincadas econômicas, "mesmo que o capital financeiro fornecesse a corda, alguma outra pessoa tinha de fornecer o carrasco". E não é só isso: ainda não vi nenhum estudo que correlacione a dívida com o crescimento. Comisso atribui o problema às barreiras que obstruem a competição — que nos países socialistas resultam da alocação centralizada, e nos países capitalistas provêm da posição monopolista das empresas estatais. Porém, a simultaneidade desse colapso indica uma causa subjacente comum. Ellen Comisso, "Crisis in Socialism or Crisis of Socialism? A Review Essay", em World Politics, a sair. Entre 1980 e 1985, a taxa média de crescimento do PIB na América Latina foi de 0,0. Durante esses anos, os três países do Leste europeu que fornecem dados ao FMI - Hungria, Polônia e Iugoslávia - tiveram uma taxa média de crescimento de 1,0%. O consumo per capita caiu em quase todos os países.5 5 Entre 1977 e 1983, o PIB per capita declinou 16% no Uruguai, 12% na Argentina, 11% no Chile e 9% no Brasil. Dados do CEPAL, citados por Francisco Weffort, "Incertezas da transição na América Latina", Lua Nova, 16, 1989: 5 -47. Na Polônia a renda per capita caiu 8% entre 1978 e 1985. Na União Soviética, o número total de casas construídas em 1985 foi o mesmo do que nos anos 60, e a produção agrícola per capita não aumentou desde 1978. A taxa bruta de mortalidade aumentou de 6,7 por mil na década de 1960 para 10,6 por mil em 1985; a expectativa de vida caiu de 70 para 68 anos e a mortalidade infantil aumentou. Ver Abel G. Agabengyan, "Economic Reforms", em Agabengyan, ed., Perestfoika, 1989 (Nova York, Charles Scribner's Sons, 1988). Nenhum dos dois modelos conseguiu gerar um crescimento auto -sustentado.

Quatro motivos competem para explicar este colapso: (1) As altas taxas de crescimento só foram possíveis enquanto o desenvolvimento foi extensivo, pouco limitado pela escassez de insumos materiais e de mão -de -obra. (2) A conjuntura internacional pós -1975 - o súbito aumento no preço do petróleo e de alguns outros insumos primários, combinado com a dívida externa — solapou as estratégias de desenvolvimento baseadas na industrialização. (3) Os modelos econômicos, com os respectivos papéis que atribuem ao Estado como mecanismo primário para forçar a poupança, só funcionam quando as economias são simples.6 6 Note -se, porém, o argumento de Asselain de que no Leste europeu o sistema de planejamento tornou -se complexo independentemente da complexidade da economia. Jean -Charles Asselain, Planning and Profits in a Socialist Economy (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1984). (4) As estratégias de desenvolvimento - no Leste, autarquia orientada para a indústria pesada; no Sul, proteção orientada para os bens de consumo duráveis - não foram capazes de levar ao desenvolvimento uto -sustentado porque não conseguiam estabelecer os necessários vínculos com outros setores.7 7 Quanto a análises da industrialização na América Latina, ver Fernando Fejnzylberg, La lndustrialización Tronca de America Latina, 1984, e Oswaldo Sunkel, lndustrialización de America Latina, 1987. Uma análise teórica do Brasil encontra -se em Luiz Carlos Bresser Pereira, Development and Crisis in Brazil, 1930 -1983 (Boulder, Westview Press, 1984). O caso que se desvia da norma é a Argentina; ver Carlos H. Waisman, Reversal of Development in Argentina (Princeton, Princeton University Press, 1987). O potencial dessas estratégias se exauriu ou a crise foi causada por mudanças no sistema econômico internacional? Qual o motivo dos sucessos iniciais? Talvez o desenvolvimento extensivo, sem restrições de recursos? Ou o fato de que as economias não eram complexas e, portanto, eram fáceis de administrar? Terão sido esses sucessos devidos à repressão das organizações trabalhistas, o que isolou a alocação de recursos das demandas pelo consumo imediato? Ou foram devidos ao papel do Estado, seja ao forçar a poupança ou ao proteger as indústrias locais?

2. SISTEMAS ECONÔMICOS: MECANISMOS PARA A ALOCAÇÃO DE RECURSOS, FORMAS DE PROPRIEDADE E ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

Introdução

Mesmo durante as épocas que hoje são vistas com nostalgia como sendo de exuberante crescimento, as instituições econômicas eram criticadas com vigor no Sul e no Leste. Se é verdade que, como disse Lukács, "as crises não passam de uma intensificação da vida diária da sociedade capitalista", as reformas - da administração territorial, do controle econômico, do sistema de planejamento, dos sistemas de incentivo - eram um ritual que acontecia regularmente nos países socialistas.8 8 Segundo um argumento muito adotado, a própria natureza de comando da economia cria a necessidade de reformas periódicas. O desenvolvimento da economia gera contradições, mas o sistema de comando não se auto -regula; portanto, todas as tentativas de se restaurar o equilíbrio devem passar pelo sistema político. A mais completa exposição desse argumento se deve a Jadwiga Staniszkis, Pologne: la Révolution Autolimitée (Paris, 1983), mas o mesmo raciocínio se encontra em Jerzy J. Wiatr, "Socyalizm a historyczna koniecznosc reform", em Polska Szansa (Cracóvia, Wydawnictwo Literackie, 1989) e em Leonid Abalkin, "Political -economic bases of the radical reform of the economic mechanism" (Sovietskaia Ekonomitcheskaia Reforma: Polski i Reshenia (Moscou, Nauka, 1988). Uma análise excelente das reformas econômicas e das razões que as levaram ao fracasso está em Jean -Charles Asselain, Planning and Profits in a Socialist Economy. Ver também Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality", Journal of Economic Literatura, 1M, 1986: 1687 -1737, e Alec Nove, The Economics of Feasible Socialism, capítulo 4 (Londres, George Allen and Unwin, 1983. [Há tradução brasileira: A economia do socialismo possível (São Paulo, Ática, 1989). As páginas aqui citadas são da edição inglesa. (N.T.) ] Hoje, na Hungria, Polônia e Iugoslávia, há um sentimento generalizado de que as reformas parciais não conseguem ser efetivas: é a própria organização do sistema econômico que está errada.9 9 Ver Thomas Baucr, "Hungarian Economic Reform in East European Perspective", Bastem European Politics and Societies, 2, 1988: 418 -432. Nada é sacrossanto: nem as formas de propriedade, nem os mecanismos de alocação de recursos, nem as estratégias de desenvolvimento. E tanto as questões em discussão como a direção que tomam as reformas no Leste convergem para as que são debatidas no Sul: o papel correto do Estado, a estratégia para com o capital estrangeiro, os mecanismos para gerar poupança, as prioridades setoriais, as formas de prestar os serviços sociais.

As opções que temos hoje envolvem mecanismos para alocação de recursos e distribuição de renda, formas de propriedade e estratégias de desenvolvimento. Vou discuti -las uma a uma e em seguida considerar algumas questões sobre a sua interdependência.

Mecanismos de alocação

A idéia socialista que levou ao planejamento centralizado era que, no capitalismo, algumas alocações de serviços de bem -estar que são tecnologicamente viáveis tornam -se inacessíveis porque o mercado tem que recompensar os proprietários dos meios de produção. As alocações de recursos e distribuições de renda que divergem das que seriam geradas por mercados completos e competitivos fazem com que alguns proprietários dos meios de produção os forneçam menos que o necessário. Assim sendo, a produção total é mais baixa do que poderia ser se considerássemos apenas o ponto de vista tecnológico e organizacional.10 10 Outra maneira de expressar o mesmo argumento e que sem contratos de longo prazo cumpridos por pressão externa, a exploração conjunta dos recursos leva a resultados ineficientes. Especificamente, quando tanto os. capitalistas como os trabalhadores podem afetar a distribuição do consumo, a taxa de investimento será mais baixa do que seria se uma única classe de agentes recebesse todo o retorno (para além da segunda melhor opção de subsistência). Esta formulação seminal foi de Kevin Lancaster, "The Dynamic Inefficiency of Capitalism", Journal of Political Economy, 81, 1973: 1098 -1109; ver também Adam Przeworski e Michael Wallerstein, "The Structure of Class Conflict Under Dèmocratic Capitalism", American Political Science Review, 76, 1982: 215 -238, e D. Levhari e L. J. Mirman, "The Great Fish -War: An Example Using the Cournot -Nash Solution", Bell Journal of Economics, 11, 1980: 322 -324. O capitalismo é irracional porque desperdiça o potencial produtivo: há gente morrendo de fome enquanto muitos recursos permanecem inexplorados. Foi por isso que os socialistas propuseram nacionalizar os recursos produtivos e alocá -los segundo um comando central.

Contudo, o modelo socialista, pelo menos da maneira com que foi implementado, revelou -se inexequível. As críticas à exeqüibilidade do socialismo caem em duas categorias: (1) Mesmo que os planejadores tivessem informações verídicas, seriam incapazes de lidar com elas em virtude da complexidade do problema. (2) Se os indivíduos agem em interesse próprio, eles não revelam de modo verídico nem a sua necessidade nem a sua capacidade produtiva, e os planejadores também não agem de modo a promover o bem -estar geral.

O "debate do cálculo socialista" tem a sua própria história, e não vou resumi -la aqui.11 11 Para se acompanhar o último round, ver Daniel Lavoie, Rivalry and Central Planning, The Socialist Calculation Debate Revisited (Cambridge, Cambridge University Press); Israel M. Kirzner, "Some Ethical Implications for Capitalism of the Socialist Calculation Debate", Social Philosophy & Policy, 6, 1988: 165 -183, e Daniel Shapiro, "Reviving the Socialist Calculation Debate: A Defense of Hayek Against Lange", Social Philosophy & Policy, 6, 1989: 139 -160. Mesmo que o problema dos planejadores possa ser resolvido em princípio, a tarefa que eles têm de enfrentar é enorme: os economistas soviéticos prevêem que com o sistema reformado de preços, entre 1.500 e 2 mil preços de produtos básicos serão fixados pelo Gosplan, outros 20 mil a 30 mil preços serão administrados por agências especializadas e os preços restantes serão determinados por contratos entre fornecedores e usuários.12 12 Nikolai Petrakov e Evgueni Yassine, "Economic methods of planned centralized management", Sovietskaia Ekonomitcheskaia Reforma: Polski i Reshenia (Moscou, Nauka, 1988). É difícil imaginar como tantos preços possam ser calculados corretamente, mesmo com o uso de computadores e das aproximações de Lange.13 13 Nove, por exemplo, acredita que "é inconcebível 'matematicizar' as complexidades do atual planejamento operacional relativo à produção e oferta, e assim garantir uma operação mais eficiente do sistema centralizado". Op. cit., p. 105. Ele ressalta que nenhum sistema de planejamento, por mais tecnologicamente avançado que seja, é capaz de lidar com a variedade. Mesmo assim, eu me pergunto: a economia soviética será mais complexa do que o sistema mundial de reserva de passagens aéreas?

Assumindo que os planejadores consigam resolver o problema do cálculo, o argumento em favor da exeqüibilidade do socialismo baseia -se na suposição de que uma vez que os indivíduos se tornam co -proprietários da riqueza produtiva, eles passam a agir espontaneamente de maneiras que promovem o bem -estar coletivo. Especificamente, os indivíduos fornecem ao planejador informações verídicas sobre a hierarquia das suas necessidades e sobre as suas capacidades produtivas, enquanto os planejadores atuam como agentes perfeitos do público. Mais ainda: uma vez que os agentes recebem do planejador as tarefas que devem cumprir, eles as executam da melhor maneira, sem supervisão externa.

Nenhuma dessas suposições funcionou no socialismo realmente existente. Talvez este não seja um argumento decisivo, pois é fácil alegar que a natureza não -democrática da tomada de decisões econômicas nos países socialistas subverteu a própria noção de propriedade social.14 14 Quando Bukharin criticou o projeto do primeiro plano quinquenal, num artigo publicado pelo Pravda (30 de setembro de 1928), o Bureau Político do Partido Comunista Soviético imediatamente chegou à conclusão de que "questões como essa devem ser discutidas primeiro num grupo mais limitado de membros do Partido". Marian Wilk, Czlowiek i Stal (Varsóvia, Panstwowy Instytut Wydawniczy, 1988), pp. 79 -80. Porém é óbvio que essa noção ignora os problemas de "caronismo". "A propriedade de todas as pessoas (propriedade estatal), a forma -mestra de propriedade social", como diz a expressão do cânone soviético, é propriedade de ninguém. Butenko observou recentemente que os produtores individuais diretos não são proprietários dos bens de produção, mas apenas co -proprietários, uma vez que são membros da organização que administra a propriedade comum. Este fato tem várias conseqüências. Uma delas é que "roubar de si mesmo" é individualmente racional, uma vez que a parte de que o indivíduo se apropria privadamente (ou deixa de executar) é maior do que seu quinhão individual da perda comum. Outra conseqüência é que, numa análise que lembra Karl Korsch, Butenko mostra que a nacionalização dos meios de produção não é uma condição suficiente para a socialização desses meios, uma vez que a relação entre o papel dos indivíduos como co -produtores e como co -proprietários passa através de todo o sistema econômico e político.15 15 Anatoli P. Butenko, Soyremennyi Socializm: Aktualnyie Teoretitcheskyie Problemi (Moscou, 1988), cap. 5.

Se os indivíduos continuam á agir em interesse próprio mesmo quando são co -proprietários da riqueza produtiva, em seus relatórios eles exageram suas necessidades e subestimam sua capacidade produtiva.16 16 Ver uma formulação excepcionalmente clara feita por John Roemer, "Descentralization, Duplicity, and Minirnal Equity", artigo inédito, University of Califórnia at Davis, 1989. Portanto, o planejador fica mal informado. Além disso, os indivíduos podem negligenciar a produção.17 17 Este me parece ser o argumento mais fraco contra o socialismo. Em primeiro lugar, os poucos dados de que dispomos, em especial os citados por Burawoy, indicam que no sistema socialista trabalha -se o mesmo tanto, se não mais. Em segundo lugar, ainda estamos longe de um consenso quanto ao motivo pelo qual se trabalha tanto no sistema capitalista. E finalmente, se os planejadores agem em interesse próprio e se não há competição entre eles18 18 Pode -se pensar num sistema em que o planejamento seria democrático, no sentido de que os partidos políticos competiriam na oferta do melhor plano. Ver Cornelius Castoriadis, Le Contenu du Socialisme (Paris, Editions du Seuil, 1979). Por exemplo, eles poderiam fazer uma campanha propondo diferentes taxas de preferência temporal (ou taxas de investimento); a plataforma correspondente à preferência mediana ganharia, e este seria o plano a ser detalhado pelo partido vencedor. As dificuldades dessa proposta são as mesmas de qualquer plataforma eleitoral: só os planos rudimentares poderiam ser compreendidos pelo grande público, e os problemas de escolha social mostrariam suas feias garras. Nove ( op. cit., p. 179) examina essa complexidade, afirmando: "Não se pode inventar nenhuma maneira de 'democratizar' este processo [o planejamento ], a menos que se pense seriamente que a alocação de dez toneladas de metal, de mil metros de fazenda ou de componentes elétricos é algo que deva ser decidido pelo voto". Nathaniel Beck, "Social Choice and Economic Growth", Public Choice, 33, 1978: 33 -48, mostra que a escolha social relativa às taxas de preferência temporal seria cíclica se a pauta incluísse planos subótimos. , seu comportamento é como o dos burocratas, isto é, segundo a citação favorita de Trotsky por Alec Nove, "eles nunca se esquecem de si mesmos quando têm algo para distribuir".

As opções que temos hoje incluem modelos puros, assim como diversas combinações entre eles. Por um lado, após o artigo seminal de Hurwicz, houve diversas tentativas de se inventar um mecanismo descentralizado que forneça ao planejador informações verdadeiras, mesmo que os indivíduos ajam em interesse próprio e seus conhecimentos sejam privados.19 19 Leo Hurwicz, "The Design of Mechanisms for Resource Allocation", American Economic Review, 63, 1973. Contudo, todos esses mecanismos são demasiado complexos para serem exequíveis, ou então eles violam uma das suposições básicas.20 20 John Roemer afirma que as suposições e as conclusões pessimistas da teoria da implementação são demasiado severas, uma vez que essa teoria assume que o planejador não sabe de nada. Na verdade, os planejadores não precisam conhecer as características de cada indivíduo; talvez seja suficiente que eles conheçam a distribuição estatística dos dados. Contudo, até agora Roemer não conseguiu encontrar um mecanismo descentralizado que fosse institucionalmente praticável e não violasse um dos axiomas que ele considera desejáveis em qualquer implementação descentralizada da propriedade pública. Ver a série recente de seus artigos, em particular, "Decentralization, Duplicity and Minimal Equity", op. cit. No outro extremo, a euforia antiestatal levou alguns responsáveis pela política econômica, no Chile e na Polônia, a adotar modelos puros de mercado.

As opções realistas, mesmo grosso modo, não são entre um comando central e uma confiança exclusiva do mercado, mas sim entre combinações de vários tipos de alocação: determinada pelo comando centralizado, por medidas tomadas livremente pelo mercado segundo regras preestabelecidas, ou por acordos entre empresas. Todos os Estados alocam diretamente uma grande parte dos recursos, respondem às flutuações econômicas ex post e comprometem -se a seguir regras anunciadas ex ante, ao passo que as empresas fazem acordos que reduzem os custos das transações. Mesmo assim, não é nada óbvio que uma dada combinação desses mecanismos poderia evitar tanto a ineficiência quanto os custos sociais. Como observou Alec Nove, "Seria bom imaginar que é possível eliminar tanto o desperdício inerente a um mercado competitivo como o desperdício causado pelo planejamento centralizado 'stalinista'. Ninguém ainda encontrou este ponto ótimo".21 21 Political Economy and Soviet Socialism. (Londres, George Allen & Unwin, 1979). Bresser Pereira, que concorda com essa avaliação, argumenta que é inevitável que tenhamos de suportar ciclos de intervenção estatal e de dependência do mercado. Ver "O padrão cíclico da intervenção estatal", comunicação apresentada no seminário Democratizando a Economia, Universidade de São Paulo, julho de 1988. Além disso, a intervenção estatal nas situações em que a taxa de retorno privada diverge da social - situações que envolvem externalidades, ganhos crescentes de escala, bens que não competem no consumo, ou visão estreita - tem um sentido diferente do que nas situações onde o mercado pode ser eficiente. No primeiro caso, a intervenção estatal pode ser sustentada por argumentos em termos de eficiência.22 22 Os neoliberais, porém, elaboraram uma série de argumentos contra o envolvimento do Estado na correção das imperfeições de mercado: (1) Demonstrando que, na ausência de custos de transação, o mercado consegue lidar eficientemente com as externalidades, havendo uma distribuição desejável de direitos de propriedade (Coase); (2) Destacando que a noção de imperfeições de mercado, incluindo bens públicos, não é clara, e nenhuma teoria determina a priori quais sejam elas (Stigler); (3) Observando que, mesmo que os mercados não atuem com eficiência, não há garantia de que o Estado faria melhor (Stigler; para uma classificação dos "fracassos públicos", ver Wolf); e (4) Alegando que os estados costumam intervir não porque essa intervenção seja benéfica para o público, que a exige, mas sim porque é lucrativa para os interesses privados que a ela fornecem (novamente, Stigler). Geoge Stigler, The Citizen and the State (Chicago, University of Chicago Press, 1975); Charles Wolf, "A Theory of Nonmarket Failure: Framework for Implementation Analysis", Journal of Law and Economics 22, , 1979: 107 -139. No segundo caso, é preciso usar outros argumentos.23 23 Minha própria opinião é que a intervenção do Estado se justifica pela norma da soberania popular sempre que a alocaçao do mercado diverge da alocaçao escolhida através do processo democrático. Ver "Could We Feed Everyone?".

Formas de propriedade

Uma vez que as decisões sobre alocação de recursos são descentralizadas e a recompensa material se vincula ao desempenho, a questão da propriedade se torna tripla: quem decide, quem produz e quem se beneficia? As respostas a essas perguntas não distinguem mais apenas duas, ou mesmo três formas de propriedade: estatal, cooperativa e privada. Permitam -me mencionar apenas algumas das possibilidades:

(1) A empresa estatal que paga salários de acordo com uma escala determinada centralmente, e que não tem o direito de investir parte da sua renda, nem de pedir emprestado dos mercados de capital. Esta é a empresa socialista tradicional, na China atual e na Polônia antes de 1982.

(2) A empresa estatal que toma decisões autônomas. É uma empresa de propriedade do Estado, o qual é financeiramente responsável (uma empresa desse tipo pode ser fechada, mas não ir à falência). Pode pagar impostos ou não.

(3) A empresa estatal que toma decisões autônomas, é de propriedade do Estado mas é financeiramente autônoma, isto é, pode ir à falência e paga impostos tal como as empresas particulares.24 24 Note -se que em cada uma das empresas estatais a administração pode ser indicada pelo Estado, ou o Estado pode delegar aos empregados esse direito.

(4) A corporação "de propriedade cruzada". Trata -se de uma proposta húngara, segundo a qual as corporações públicas seriam de propriedade uma da outra.

(5) A corporação de "organismos públicos". Outra proposta húngara, segundo a qual todas as organizações e associações que até agora dependem do orçamento estatal se tornariam proprietárias de empresas de fins lucrativos.

(6) A corporação "social". É uma firma controlada por uma diretoria que inclui representantes dos empregados, do governo e do público. Deve desembolsar toda a renda residual. O "socialismo corporativo", o plano Meidner e as propostas da SDS (Students for Democratic Action) nos Estados Unidos apresentam diferentes projetos para firmas desse tipo.25 25 Esta forma não parece estar incluída na pauta do Leste europeu, e ela não havia me ocorrido até ser lembrada por Luiz Carlos Bresser Pereira.

(7) A cooperativa na qual são membros todos os empregados, e só os empregados. Os membros não podem ser expulsos nem suspensos.

(8) A cooperativa que emprega não -membros. Estes recebem salários mas não compartilham dos excedentes.

(9) A cooperativa na qual todos os empregados são membros, mas alguns acionistas não trabalham na empresa.26 26 Sobre as dificuldades de se definir uma "cooperativa", ver Jon Elster e Karl Ove Moene, "Introduction" para Alternatives to Capitalism (Cambridge, Cambridge University Press, 1989).

(10) A empresa privada, de propriedade privada.

(11) A empresa privada, de propriedade pública.

(...) Combinações dessas formas.

Recentemente as discussões sobre as formas de propriedade vêm se concentrando nas conseqüências que o "socialismo de mercado" traz para o bem -estar: um sistema que combinaria empresas pertencentes aos empregados com alocações de mercado. Contudo, ainda há várias questões por esclarecer.

Note -se, em primeiro lugar, que, se o "socialismo de mercado" é um sistema que apenas legisla contra algumas poucas formas de propriedade e aloca a maioria dos recursos usando o mercado, então ele é idêntico ao capitalismo. Todos os países capitalistas reservam para o Estado a propriedade de algumas empresas, não só as prisões e as agências coletoras de impostos, mas também, em muitos casos, os monopólios naturais (indústrias que têm retornos crescentes, ou externidades no consumo), e por vezes até mesmo a extração de sal, a produção de fósforos ou a venda de álcool. De fato, todas as economias capitalistas são "mistas": o setor público abrange desde 6% na Suécia até mais de 50% na Austrália ou em Israel. E fora dos setores que não são reservados para o Estado, as cooperativas não são ilegais no capitalismo. O que é intrigante, e continua ainda mal compreendido, é por que motivo, quando as pessoas podem constituir qualquer tipo de empresa que quiserem, a grande maioria das firmas termina por combinar a propriedade privada do capital com a mão -de -obra assalariada.27 27 Um desafio à exeqüibilidade do socialismo de mercado é o argumento de Axel Leijonhufvud. Segundo ele, uma vez que as máquinas são mais especializadas do que os trabalhadores especializados, as firmas que trabalham com capital em pool e contratam mão -de -obra são mais eficientes do que as firmas que trabalham com mão -de -obra era pool e alugam máquinas. Afirma Leijonhufvud: "Os trabalhadores não podem colocar sua força de trabalho em pool (da mesma forma que os capitalistas fazem pool com seu capital físico) a fim de alugar máquinas, distribuindo a renda conjunta entre os trabalhadores da empresa que eles próprios dirigem. A mão -de -obra não pode ser possuída, e as máquinas especializadas não podem ser alugadas. A cooperativa de produtores é uma forma possível de meio -termo, mas, de modo geral, as empresas de sucesso que começaram como sociedades de trabalhadores acabam possuindo capital e contratando mão -de -obra - ou seja, terminam sendo empresas capitalistas". Nesta situação, a sindicalização das empresas capitalistas é a melhor solução para os trabalhadores. Axel Leijonhufvud, "Capitalism and the Factory System", em Richard N. Langlois, ed. Econonacs as a Process(Cambridge, Cambridge University Press. 1986), p. 219. Portanto, se o "socialismo de mercado" pretende ser um sistema distinto, ele deve discriminar legalmente em favor das cooperativas pertencentes aos trabalhadores, tal como na proposta de Nove para o socialismo possível.28 28 Nove propõe abolir as grandes empresas privadas e deixar o campo reservado para as cooperativas. Op. cit., p. 200 e segs.

A questão é: quem vai decidir o que deve ser cooperativo e o que pode ser capitalista? Elster destaca que as escolhas descentralizadas dariam, em geral, um resultado diferente de uma votação: na presença de externalidades, as pessoas podem votar a favor de uma economia com 70% de cooperativas, mas podem formar espontaneamente apenas 20%. A meu ver, esta situação apresenta um dilema importante: a escolha democrática pode ser subótima, ao passo que as decisões descentralizadas livres resultaram, no passado, em capitalismo.

Os argumentos apresentados em debates a respeito da superioridade das cooperativas sobre as empresas capitalistas incluem seus efeitos sobre a produtividade do trabalho, nível de emprego, investimentos, propensão para adotar inovações, distribuição de renda e posturas em relação ao risco.29 29 O argumento clássico contra as empresas pertencentes aos empregados foi apresentado por Benjamin Ward, "The Firm in Illyria: Market Syndicalism", American Economic Review, 48, 1957: 566 -589. Quanto a revisões recentes dessa literatura, ver Jon Elster, "From Here to There; or, If Cooperative Ownership Is So Desirable, Why Are There So Few Cooperatives?", Social Pbilosopby and Policy, 6, 1989: 74 -93, e Jon Elster e Karl Ove Moene, "Introduction" para Alíernatives to Capitalism (Cambridge, Cambridge University Press, 1989). Lucros "austríacos" são lucros devidos à posse de informação privada. Não irei resumi -las aqui. Note -se, contudo, que essa literatura tende a concentrar -se nas características de empresas isoladas. Em primeiro lugar, porém, Elster está certo em destacar a importância das externalidades: as cooperativas podem ter um desempenho totalmente diferente segundo o meio ambiente. Isso é verdade não só no capitalismo mas também no socialismo: nos últimos tempos as cooperativas vêm conseguindo um lucro espetacular, até inaceitável, na Polônia e na União Soviética, porque o sistema de alocação centralizado é tão ineficiente que lucros "austríacos",* sejam eles empresariais ou mesmo "puros", caem do céu como um maná para qualquer um que tenha permissão para tentar obtê -los.30 30 Bauer ressalta, porém, que os empresários do setor privado que operam num sistema de alocação administrativa ficam intimidados e não se comportam de uma maneira totalmente orientada para o lucro porque os preços que eles conseguiriam cobrar e a renda que conseguiriam auferir poderiam despertar reações políticas. Thomas Bauer, "The Unclearing Market", em Elster e Moene, eds., Alternatives to Capitalism, op. cit. E eles têm razão de se sentirem intimidados: Wladyslaw Baka, ex -ministro da economia da Polônia e autor do "segundo estágio" da reforma econômica, preveniu que "as fortunas que resultam da utilização das ineficiências das soluções sistémicas não serão toleradas". Baka, Czas Reformy (Varsóvia, Ksiazka i Wiedza, 1986), p. 130. Em segundo lugar, as questões relativas ao papel do Estado permanecem as mesmas neste como em qualquer outro sistema de alocação descentralizada de recursos.

Estratégias de desenvolvimento

Estas diferem com relação a, no mínimo, quatro critérios: (1) grau de abertura; (2) papel do Estado; (3) prioridades setoriais; (4) orientação para importação versus exportação. As estratégias do Extremo Oriente parecem incluir um papel ativo do Estado em promover as exportações e proteger o mercado local. Não se sabe se o sucesso que essas estratégias já obtiveram pode ser imitado: depende de até que grau esse sucesso se deve a uma excepcional conjuntura estratégica internacional, na qual os Estados Unidos se dispuseram a tolerar a política de promoção das exportações combinada com restrição às importações. A meu ver, as estratégias de desenvolvimento, em si, não devem ser um tema de nosso trabalho, simplesmente porque já se está escrevendo muito sobre elas.

Conclusões

Não há consenso para saber se as questões que dizem respeito às formas de propriedade podem ser separadas das que se referem aos mecanismos para alocação de recursos31 31 Note -se que Von Mises e Hayek acreditavam que essas duas coisas não podem ser separadas. e das relativas a estratégias gerais de desenvolvimento. Pelo menos na América Latina, o "desenvolvimento dependente -associado" foi visto como uma conseqüência necessária das formas capitalistas de propriedade.32 32 Fernando H. Cardoso e Enzo Falleto, Dependency and Development in Latin America (Berkeley, University of California Press, 1979). Contudo, as experiências do Extremo Oriente já foram utilizadas para se argumentar que a dependência da América Latina é uma estratégia, e não uma condição necessária ao capitalismo.33 33 Stephen Haggard, "The Newly Industrializing Countries in the International System", World Politics, 38, 1986: 343 -370. No Leste europeu, por sua vez, nem todos concordam que o crescimento auto -sustentado pode ser conseguido por meio de reformas no mecanismo econômico, e não pela adoção de medidas macroeconômicas adequadas. Nas palavras de um economista, tanto na Hungria como na Polônia "estão sendo adotadas medidas microeconômicas para se lidar com um problema que é essencialmente macroeconômico".34 34 Joseph C. Brada, "Is Hungary lhe Future of Poland or Is Poland the Future of Hungary?", Eastern European Politics and Society, 2, 1988: 466 -483, p. 478.

Quais as formas de propriedade e quais os mecanismos de alocação de recursos que são exeqüíveis e viáveis hoje em dia? Quais são as conseqüências das diversas formas de propriedade para os empregos, os investimentos, as inovações tecnológicas e a distribuição de renda? Devem as leis discriminar contra certas formas de propriedade? Qual é o papel adequado do planejamento central, da condução por mecanismos indiretos, do mercado e dos acordos descentralizados? Podem as estratégias de desenvolvimento ser escolhidas independentemente do modelo econômico, isto é, das formas de propriedade e dos mecanismos de alocação? Devemos procurar as soluções para a crise atual nas reformas estruturais destinadas a modificar o micro comportamento ou em medidas orientadas para novas macro prioridades?

3. A DINÂMICA DAS REFORMAS ECONÔMICAS

Introdução

O objetivo final das reformas econômicas é organizar um sistema que conseguiria (1) produzir o máximo possível dos bens que as pessoas querem35 35 Note -se: não apenas "o máximo possível", mas também "dos bens que as pessoas querem". O valor das mercadorias que ninguém queria levar de graça das lojas tchecas era equivalente, um ano atrás, ao crescimento da economia durante dois anos. ; (2) fazer isso a um custo mínimo de materiais e mão -de -obra; e (3) satisfazer outros critérios de bem -estar social. A fim de satisfazer os primeiros dois objetivos, uma economia deve conter mecanismos que revelem as necessidades, selecionem maneiras eficientes de produzir e façam as pessoas quererem trabalhar. Porém os primeiros dois critérios não dão uma solução única para o problema da distribuição do bem -estar: a eficiência é compatível com qualquer forma de distribuição. Portanto, alguns critérios adicionais são necessários, e o cerne da controvérsia sobre a racionalidade dos sistemas econômicos é saber se os primeiros dois critérios são compatíveis com os vários candidatos ao terceiro critério.

O caminho que leva a esses objetivos é socialmente caro e politicamente arriscado. Seria bom se fosse possível fazer aquilo que um ex -ministro da economia da Polônia anunciou que as reformas fariam: motivar, satisfazer a justiça social e produzir a abertura do mercado.36 36 Wladyslaw Baka, op. cit., p. 46. Porém as reformas costumam provocar custos de transição, e inevitavelmente têm efeitos distributivos. A adoção de mecanismos de mercado, em geral considerada o primeiro passo para quaisquer reformas, causa um imediato desemprego da mão -de -obra e ociosidade de capital e, contudo, não cria um imediato estímulo à produção.37 37 De fato, como um observador comentou, uma indicação do fracasso das reformas polonesas é que elas não causaram desemprego nem falências de empresas. Brada, "Is Hungary...", op. cit. E mesmo que os mecanismos de mercado sejam superiores ao planejamento em termos da eficiência da alocação, o movimento em direção a esses mecanismos não é o máximo paretiano: o bem -estar de alguns grupos declina quando se introduzem reformas. Portanto, as reformas são capazes de despertar a oposição política de importantes forças sociais.

Podem as reformas estruturais manter -se sob condições democráticas? Esta é uma pergunta de duas faces: (1) Que tipo de reformas são menos passíveis de gerar uma reação política, ao mesmo tempo que promovem as transformações estruturais?

(2) Sob quais condições políticas o custo dessas transformações é mais passível de ser tolerado?

Reformas

Há várias características comuns aos países que estão tentando transformar suas estruturas econômicas, tanto no Sul como no Leste. Nelas se incluem: (1) Estado vulnerável às pressões das grandes empresas38 38 A meu ver, os Estados têm se mostrado fracos enquanto organizações, tanto no Leste europeu como na maioria dos países latino -americanos. Não conseguiram enfrentar as pressões vindas das grandes empresas que exigem subsídios e proteção; ao mesmo tempo, foram incapazes de coletar rendas dessas firmas (ou de seus proprietários particulares), e não conseguiram que elas aceitassem suas regras e regulamentos. ; (2) alto grau de monopólio e protecionismo; (3) burocracia hipertrofiada; (4) sistemas rudimentares e fragmentários de manutenção de renda e de distribuição do bem -estar39 39 Na Europa do Leste, os serviços de bem -estar eram distribuídos pelo comando centralizado. O planejador alocava aço, mobília, carne, consultas médicas e vagas em hotéis de veraneio. Os serviços se desintegraram juntamente com o resto do planejamento central. ; (5) sistemas falhos de coleta de impostos.

Outras características diferem sistematicamente entre os países: (1) A alocação centralizada de recursos físicos e a fixação administrativa de preços são muito mais comuns no Leste europeu do que nos países capitalistas; (2) As economias do Leste europeu são tecnicamente muito menos eficientes40 40 Há uma vasta quantidade de dados que provam isso, tanto sistemáticos como baseados em relatos. As economias socialistas usam 1,8 vezes mais energia e mais de duas vezes a quantidade de aço do que os países capitalistas desenvolvidos para obter uma unidade de produção. O tamanho das fábricas é várias vezes maior do que no Ocidente. Nas fábricas húngaras a taxa de insumos vs. produção é cinco vezes maior do que no Ocidente. As histórias que correm sobre a irracionalidade são abundantes: diz -se que metade da produção agrícola da União Soviética se perde antes de chegar ao mercado consumidor; no inverno as crianças se divertem deslizando com trenós sobre as montanhas de fertilizantes que se acumulam ao lado das estações de trem, esperando para serem transportados até as fazendas. Os indicadores de bem -estar também são espantosos: os países socialistas têm, em geral, mais médicos per capita, maiores taxas de alunos matriculados nas escolas, mais construção de casas, e, ao mesmo tempo, uma expectativa de vida mais curta, maior mortalidade em termos totais, menos produtividade no trabalho e padrões inferiores de moradia. ; (3) Por outro lado, a distribuição de renda é incomparavelmente mais desigual na América Latina e na Turquia do que na Europa do Leste ou na Coréia41 41 A desigualdade de rendas na União Soviética e na Hungria é um pouco menor do que nos países capitalistas desenvolvidos, mas provavelmente não muito diferente da Suécia ou do Japão. Sobre a União Soviética, ver Abram Bergson, "Income Inequality Under Soviet Socialism", Journal of Economic Literature, 22, 1984: 1052 -1100; sobre a Hungria, Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process", Journal oj Economic Literature, 24, 1986: 1687 -1738; sobre a Polônia, Edmund Wnuk -Lipinski, "Nierownosci, deprywacje i przywileje jako podloze konfliktu spolecznego", Polacy 88, Dynamika Konflikty a Szanse Reform (Varsóvia, CBPB, 1989). Um economista soviético revelou há pouco que a quota da mão -de -obra no produto nacional bruto da União Soviética é de 37% - bem abaixo dos países capitalistas desenvolvidos e mais ou menos igual ao México ou a Venezuela. Victor Zaslavsky cita dados segundo os quais cerca de metade dos depósitos bancários na União Soviética foi feita por apenas 3% das contas. "Three Years of Perestroyka", Telos, 74, 1987 -88: 35. Segundo uma entrevista em Le Nouvel Observateur, 15 -21 de junho de 1989, p. 99, o gasto por paciente nos hospitais especiais para a nomenklatura é de 111 rublos por dia; nos hospitais comuns, 24 rublos. .

As reformas que estão sendo implementadas, anunciadas ou previstas em diversos países incluem combinações dos seguintes passos:42 42 Segundo Bresser Pereira, as reformas básicas necessárias no Brasil incluem: (1) "eliminação de subsídios [a empresas ]; (2) liberalização do comércio a fim de estimular a competitividade internacional; e (3) privatização, para ajudar a resolver a crise fiscal do Estado". Luiz Carlos Bresser Pereira, "A Pragmatic Approach to State Intervention: the Brazilian Case", manuscrito.

(1) Racionalizar o processo de investimentos: (i) tornando as empresas financeiramente autônomas e responsáveis; (ii) conseguindo preços corretos para os bens de capital, o que na prática significa diminuir a proteção.

(2) Equilibrar o mercado de bens de consumo: (i) desregulando a maioria dos preços; (ii) reduzindo os subsídios aos preços.

(3) Construir mecanismos para eliminar empresas e processos ineficientes: (i) permitindo a falência e o desemprego; 00 organizando o mercado financeiro;43 43 Note -se que os mercados financeiros são necessários para permitir uma utilização contínua dos recursos físicos das firmas que vão à falência. (iii) organizando o mercado de trabalho e programas de capacitação de mão -de -obra; 0v) adotando medidas antimonopólio, incluindo medidas contra os monopólios estatais.

(4) Reduzir o déficit orçamentário: (i) reduzindo os gastos, ou (ii) aumentando os impostos e (HO vendendo empresas estatais.44 44 Não vejo nenhum bom argumento a favor ou contra a privatização, expresso em termos de eficiência.

Cada seqüência particular de tais passos define uma determinada estratégia de reforma. Eis algumas estratégias:

(1) "Conservadora". A reforma se concentra no processo de investimentos, mas mantém os preços administrados. As atuais reformas na União Soviética limitam -se a essas medidas.45 45 Mesmo considerando que os preços dos bens de consumo deverão ser "corrigidos" em 1991, as reformas na União Soviética pretendem introduzir a autonomia financeira e a responsabilidade nas empresas, mas não nos mercados. Numa afirmação programática, Leonid Abalkin rejeita todos os mecanismos econômicos "estranhos à propriedade social, isto é, tudo que provoque crises, anarquia na produção, desemprego e a divisão da sociedade em classes". Ele argumenta que dentro do sistema socialista de produção, os mecanismos de preço funcionam de modo diferente do que ocorre sob o capitalismo, e "se tornam instrumentos do mecanismo da administração econômica planejada". Op. cit., p. 44 e 47. É surpreendente constatar que o mais duro ataque às reformas orientadas para a economia de mercado vem de Boris Kagarlitsky, que afirma que são os "tecnocratas", e não os "democratas", que optam pelo mercado. Kagarlitsky alega que na estrutura da economia soviética, "a proposta de 'jogo de mercado' só pode causar aumento de preços, inflação e maior exploração do consumidor pelas organizações monopolistas". Ele também cita pesquisas segundo as quais mais de 70% da população é contra as reformas orientadas para a economia de mercado. "Perestroika: the Dialectic of Change", New Left Review, 169, maio -junho de 1988, em particular as pp. 80 -81. Tais reformas aumentam o papel dos incentivos econômicos, intensificam o controle administrativo sobre os investimentos e reorientam as prioridades setoriais: uma combinação que no passado não alcançou grandes resultados.46 46 Uma excelente análise das reformas econômicas e das razões que as levavam ao fracasso está em Jean -Charles Asselain, Planning and Profits in a Socialist Economy. Ver também Alec Nove, The Economics of Feasible Socialism, capítulo 4, e Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality", Journal of Economic Literaiure, 24, 1986: 1687 -1737. Esse fracasso tem duas causas suficientes e bem conhecidas: (1) a lucratividade é inútil como critério para alocação de recursos quando o lucro é apenas uma diferença entre o preço dos insumos, determinado por burocratas sentados numa sala, e p preço dos produtos, determinado em outra sala; (2) as pressões para recentralizar a alocação de recursos vêm de baixo, uma vez que os administradores não têm como obter os insumos necessários a não ser por ordens vindas de cima.47 47 Segundo consta, um administrador polonês observou: "Nós sabemos que somos independentes, mas quem vai nos dizer o que devemos produzir?" Roger Thurow, "Poland Finds Economic 'Reforms' Don't Necessarily Produce Results", Wall Street Journal, 27 de fevereiro de 1986. Portanto, as reformas que não incluem mecanismos de mercado não conseguem racionalizar a alocação de recursos, e acabam sendo subvertidas espontaneamente, mesmo sem a resistência dos burocratas.

(2) "Prudentes". Tais reformas começam com o processo de investimento. Logo que o investimento é racionalizado e a produção aumenta, o mercado consumidor fica desregulado. Uma vez que a oferta cresceu durante o intervalo, enquanto a renda nominal foi controlada, a desregulação dos preços de consumo não causa inflação. Foi essa a estratégia de Baka na Polônia. O problema óbvio dessa estratégia é que, mesmo que acabe sendo eficiente, exige tempo. É por isso que ela costuma ser associada com a estratégia política da "rédea curta": a repressão é necessária durante o período de transição para fazer face à impaciência e controlar a renda.48 48 Sobre o planejamento sistemático de uma estratégia de "transição do totalitarismo para a democracia através do autoritarismo", ver A. M. Migranyan, Terehod ot totalitarno -avtoritarnih regimov ka democratsii", em Ê. A. Ambarstumov e J. M. Kliamkin, eds., Politicheskie Reformy y Stranakh Socializma (Moscou, Akadiemia Nauk, SSSR, 1988).

(3) "Decisivas". São as reformas que começam com o mercado de bens de consumo. Elas podem consistir de elevações administrativas de preços ou desregulação do mercado de bens de consumo. Elas se realizam por "choques", muitas vezes lançados em "pacotes" juntamente com o compromisso de se adotar outras medidas. Essas reformas costumam criar uma forte reação política, e muitas vezes prosseguem com vacilações. Na Polônia, a proporção entre a oferta de dinheiro e o valor monetário dos bens e serviços disponíveis dobrou logo após a reforma de preços feita por Sadowski: o que os economistas não levaram em consideração é que os trabalhadores fariam greves e os políticos cederiam a essas greves.

Uma vez que a inflação se estabelece, aplicam -se choques para detê -la, congelando salários e preços. Esses choques costumam ser politicamente populares num primeiro momento, mas suscitam menos confiança quando os efeitos se desgastam e os choques têm de ser reaplicados. Eles despertam uma oposição acerba quando são usados para reduzir a renda real.

Note -se que a estratégia de deixar os preços subirem a fim de deter a inflação não é tão paradoxal como parece em condições de escassez. Presume -se que, uma vez que o excesso da oferta de dinheiro é absorvido, os preços se estabilizam.49 49 A dinâmica da inflação que resulta na transição da escassez para a economia de mercado não é clara para mim.

(4) "Pílula Amarga". Tudo é feito de uma só vez, inclusive as medidas destinadas a tornar a economia eficiente e o Estado financeiramente solúvel. Esta estratégia baseia -se no reconhecimento de que os custos da transição serão significativos. Supõe -se que o PIB per capita cairá em 20% na Hungria e na Polônia em 1991, e espera -se um desemprego em massa. Mas essa estratégia se baseia também na crença de que qualquer coisa que seja amarga deve ser boa para o paciente.

Para se avaliar o impacto político dessas estratégias de reforma, deve -se primeiro responder a duas questões: (1) Quais são seus respectivos custos de transição? (2) Quais são seus efeitos distributivos? Alguns custos de transição são óbvios: resultam de se fechar fábricas e despedir trabalhadores. A inflação já é um problema muito mais complicado. E os erros parecem inevitáveis, uma vez que a situação está cheia de elementos imponderáveis: o governo não pode prever a produção, nem a sua própria renda, nem o custo das medidas políticas com as quais já se comprometeu.50 50 Note -se que na Polônia as previsões quanto ao desemprego variam de 300 mil a 4 milhões de desempregados. Ainda não há nenhum sistema de impostos, mas o governo já se comprometeu a adotar um esquema de seguro desemprego que garanta as taxas de recolocação. Como pode o governo prever sua balança orçamentária nessas condições? Os efeitos distributivos parecem mais aparentes, assim como as bases sociais da oposição às reformas: são os trabalhadores não -especializados e os funcionários públicos.51 51 Quanto a dados de pesquisas na Polônia, ver Lena Kolarska -Bobinska, "Social Interests, Egalitarian Attitudes, and the Change of Economic Interests", Social Research, 55, 1988: 111 -139; sobre a Hungria, ver Laszlo Bruszt, "'Without Us But For Us?' Political Orientation in Hungary in the Period of Late Paternalism", Social Research, 55, 1988: 43 -77; para uma análise da União Soviética, ver Tatyana I. Zasiavskaya, "Friends or Foes? Social Forces Working For and Against Perestroika", em Abel G. Agabengyan, ed., Perestroika, 1989 (Nova York, Charles Scribner's Sons, 1988).

Mesmo que a longo prazo as reformas terminem melhorando a eficiência da alocação, os programas de reforma podem ser economicamente autodestrutivos em virtude dos efeitos transicionais que eles criam. Como afirma Ellen Comisso, "o problema não está simplesmente numa reforma mal planejada ou impropriamente implementada, mas na forma da estrutura industrial que já havia se desenvolvido antes da reforma". Ela destaca que com a presença de monopólios, a ausência de mercados financeiros e uma estrutura de propriedade mal definida, o lançamento das reformas pode aumentar a ineficiência da alocação. Assim a hierarquia pode reemergir, "uma vez que o mercado não produziu resultados eficientes".52 52 Ellen Comisso, "Market Failures and Market Socialism: Economic Problems of the Transition", Eastern European Politics and Societies, 2, 1988: 433 -465.

Quem vai engolir a pílula depende da relação das forças políticas. A eliminação dos subsídios inevitavelmente vai ferir as grandes firmas; as dispensas inevitavelmente irão ferir os trabalhadores e os funcionários públicos: isso não se pode evitar. Mas a redução do déficit público pode ser conseguida de duas maneiras: restringindo -se as despesas ou elevando -se a renda pública através da taxação. A questão crucial é saber se um determinado Estado é capaz, política e administrativamente, de recolher impostos daqueles que podem pagar: em vários países da América Latina, em especial a Argentina, o Estado está tão falido que sua única maneira de sobreviver no dia -a -dia é tomar dinheiro emprestado daqueles que poderiam ser contribuintes. Nestas condições, o Estado não consegue recolher impostos (a não ser marginalmente) e só pode reduzir seu déficit limitando os gastos com o bem -estar e outros serviços públicos. Mas as reformas não precisam ter efeitos regressivos tão pronunciados se o Estado for capaz de impor taxas sobre o consumo e a receita, protegendo a renda dos cidadãos e construindo instituições eficientes no mercado de trabalho.53 53 Na Europa do Leste isso é mais fácil de dizer do que de fazer, pois não há mercado imobiliário, e, portanto, a mão -de -obra é geograficamente imóvel. A dificuldade é que o sistema de manutenção da renda deve ser construído a partir da estaca zero: tanto o recolhimento de taxas como as instituições de prestação de serviços. Uma enorme burocracia que costumava comandar a economia deve ser transformada da noite para o dia numa burocracia igualmente grande que recolhe e transfere as rendas.

Qualquer que sejam as conseqüências a longo prazo, a curto prazo as reformas causam inflação e desemprego, e em parte alguma do mundo essas conseqüências têm popularidade. Sem uma política eficiente de sustentação da renda, as reformas levarão ao empobrecimento drástico de grandes setores da sociedade e poderão gerar uma forte reação política. E nessas condições, a democracia no terreno político trabalha contra as reformas econômicas. Na Polônia só uma minoria dos cidadãos votou a favor das reformas, num plebiscito organizado pelo governo em novembro de 1987. E na China o movimento esmagado em junho de 1989 era ao mesmo tempo pela democracia e contra as reformas orientadas para a economia de mercado - o que os trabalhadores vêem como "exploração". O único valor que os sistemas socialistas podem ter conseguido inculcar com sucesso é a igualdade, e este valor solapa as reformas econômicas em condições de democracia.54 54 Essa é uma questão complicada, como mostra Lena Kolarska -Bobinska em sua análise dos dados de pesquisas na Polônia. Ela afirma que a sociedade polonesa é intolerante para com as desigualdades, mas só porque essas desigualdades são vistas como injustas. De fato, como mostra a autora, tanto a tolerância às desigualdades como o desemprego aumentaram muito desde 1980. Porém as atitudes para com a igualdade também são instrumentais: os operários, os grupos de baixa renda e de pouca instrução, e os que não ocupam posições administrativas são os mais intolerantes em relação às diferenças de renda, e mais propensos a favorecer o direito incondicional ao trabalho. "Social Interests, Egalitarian Attitudes, and the Change of Economic Order", Social Research, 55, 1988: 111 -139. Uma análise semelhante é apresentada por Jerszy J. Wiatr, "Slowo wprowadzajace", em Zbigniew Sufin, ed., Egalitaryzm: Problemy teorii i praktyki spolecznei (Varsóvia, 1982).

Quais são os possíveis resultados das reformas econômicas? Quais os custos de transição associados a cada uma? Será a inflação inevitável e, em caso positivo, pode ser detida? Quais são as conseqüências distributivas das reformas? Que efeitos políticos podem ser esperados a cada estágio? Qual deve ser a política em relação à manutenção de renda e ao bem -estar social, sob condições de inflação dos preços e reestruturação industrial? Que tipo de instituições políticas são necessárias: será suficiente estabelecer um sistema baseado na soberania da lei, um Rechtstaat que diferencie entre a lei e a política, ou será preciso criar instituições competitivas sólidas, que forneceriam mecanismos participativos para obrigar os tomadores de decisão a prestarem contas aos cidadãos periodicamente?

Democracia e desenvolvimento

As reações políticas às reformas, e seu sucesso ou fracasso final não dependem apenas de seus efeitos econômicos, mas também das condições políticas. Se as reformas caminham em condições democráticas, os conflitos distributivos devem ser institucionalizados. Por mais urgentes que sejam as suas necessidades, os grupos politicamente relevantes devem estar dispostos a submeter seus interesses ao veredicto das instituições democráticas. Devem estar dispostos a aceitar as derrotas, na confiança de que as instituições democráticas continuarão a oferecer oportunidades na próxima rodada. Devem adotar o calendário institucional como o horizonte temporal de suas ações, pensando em termos da próxima eleição, da próxima negociação de dissídios ou, pelo menos, do próximo ano fiscal.55 55 Esta noção de tempo institucional se deve a Norbert Lechner. E para que as instituições democráticas estimulem este autocontrole, o resultado distributivo deve permanecer dentro de dois limites: por um lado, alguns grupos devem melhorar sua situação como resultado de sua participação no processo democrático; e, por outro lado, os ganhos no consumo imediato não devem ameaçar o investimento, o qual, quer permaneça em mãos públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, é sempre guiado por critérios de lucro. Nem é preciso dizer o quanto estes limites são estreitos.56 56 Uma análise exemplar das alternativas que se apresentam para o futuro governo democrático do Chile é a de Alejandro Foxley, "After Authoritaria -nism: Political Alternatives", in Alejandro Foxley, Michael S. McPherson e Guillermo O'Donnell, Development, Democracy and lhe Art of Trespassing. (Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1986). Uma análise que tenta superar esses limites é a de Paul Singer, "Reflexões sobre inflação, conflito distributivo e democracia", em Fábio Wanderley Reis e Guillermo O'Donnell, eds., A Democracia no Brasil, Dilemas e Perspectivas (São Paulo, Vértice, 1988).

A questão central, que tem conseqüências tanto para a orientação política como para as normas, se refere ao efeito da democracia competitiva no campo político sobre o desenvolvimento econômico, sobre a igualdade e sobre a democracia no campo social e econômico. Ainda não sabemos se a democracia política favorece, inibe ou é irrelevante para o desenvolvimento econômico e para a igualdade. O enfoque tradicional, que data da primeira metade do século XIX, é que a democracia, especificamente o sufrágio universal e o direito de associação, ameaça a propriedade. Macaulay, Ricardo e Marx concordavam que as pessoas sem propriedades usariam seus direitos políticos para apropriar -se das riquezas, e assim solapariam, com resultados positivos ou negativos, o sistema econômico capitalista. Esta visão renasce de tempos em tempos: sua forma moderna talvez seja a de Walter Galenson, que em 1959 afirmou que a democracia solta as pressões que exigem consumo imediato, o que ocorre às expensas do investimento e, portanto, do crescimento.57 57 Walter Galenson, "Introduction", Labor and Economic Development (Nova York, John Wiley and Sons, 1959). É esta, provavelmente, a opinião que a maioria das pessoas adota intuitivamente.58 58 Contudo, pelo menos nos países já desenvolvidos a democracia não causou uma diminuição do crescimento econômico. De fato, há sólidos dados estatísticos indicando que a taxa de crescimento e de igualdade de rendas (pré e pós -taxação) tem sido mais alta nos países que têm um movimento sindical forte e um governo de esquerda. Ver Michael Bruno e Jeffrey Sachs, Economics of Worldwide Stagflation (Cambridge, Harvard University Press, 1985); Alexander Hicks, "Social Democratic Corporatism and Economic Growth", Journal of Politics, a sair; Peter Lange e Geoffrey Garrett, "The Politics of Growth: Strategic Interaction and Economic Performance in the Advanced Industrial Democracies, 1974 -1980", Journal of Politics, 47, 1985: 792 -827.

Uma visão mais otimista da relação entre a democratização e o desenvolvimento econômico surge no contexto das reformas do Leste europeu. Diversos articulistas, assim como protagonistas do processo, afirmam que as reformas econômicas não são possíveis sem reformas políticas, especificamente sem democracia na área política. Alegam eles que a democracia é necessária para mobilizar as energias e suficiente para gerar garantias de benefícios futuros para os grupos que mais sofrem privações no momento presente.59 59 Ver Wlodzimierz Brus, "Political System and Economic Efficiency: The East European Context", Journal of Comparative Economics, 4, 1980: 40 -55. Uma visão mais cética é a de Stanislaw Gomulka, "Economic factors in the democratization of socialism and the socialization of capitalism", Journal of Comparative Economics, 1, 1977: 389 -406.

As duas estratégias principais que os governos adotam para controlar os conflitos econômicos colocam uma ênfase diferente na lógica econômica e na participação política. Por um lado, os novos governos democráticos, face à onda de esperanças que acompanha a transição para a democracia, e às demandas específicas articuladas através das instituições nascentes, encontram -se numa situação em que precisam isolar -se das exigências populares, e acabam por impor suas medidas econômicas por decreto, às vezes sob a pressão dos credores estrangeiros. Como notou um ex -vice -ministro da economia da Argentina, as exigências de participação entram em conflito com os requisitos da competência.60 60 Juan Carlos Torre, faiando no simpósio Transição Política, Necessidade e Limites da Negociação, na Universidade de São Paulo, junho de 1987 (São Paulo, USP, 1987; editado por José Augusto Guilhon de Albuquerque e Eunice Ribeiro Durham). Por outro lado, busca -se nos "pactos sociais" obter o autocontrole voluntário por parte dos sindicatos e das empresas.61 61 A lógica econômica e as pré -condições políticas desses pactos são discutidas por Norbert Lechner, "Pacto social nos processos de democratização: a experiência latino -americana", Novos Estudos, 13, 1985: 29 -44, e Adam Przeworski, "Capitalismo, Democracia, Pactos", em Guilhon de Albuquerque e Ribeiro Durham, op. cit. Entre as revisões da experiência de vários países incluem -se: Efren Cordova, Pactos Sociais: Experiência Internacional, Tipologia e Modelos (São Paulo, IBRART, 1985); Mário R. dos Santos, ed., Concertación político -social y democratización (Buenos Aires, Clacso, 1987); Adriano Pappalardo, il Governo dei Salario nelle Democrazie Industriali (Milão, Franco Agneli, 1985).

A conclusão principal que se tira da vasta literatura disponível sobre o assunto é que os pactos sociais só têm sucesso na presença de sindicatos abrangentes e centralizados, que acreditam que no futuro previsível os governos pró -trabalhadores se manterão no poder. Os sindicatos estão dispostos a aceitar custos temporários quando têm uma garantia política de que irão beneficiar -se no futuro. Até agora essa atitude foi adotada pela liderança do Solidariedade na Polônia, e pode ser seguida também em alguns outros países do Leste europeu. Contudo, as condições para o autocontrole voluntário são bem restritivas.62 62 Sobre a lógica do autocontrole voluntário, ver Adam Przeworski, Capitalismo e Social Democracia. Companhia das Letras, 1989. Capitalism and Social Democracy (Cambridge, Cambridge University Press, 1985), e Przeworski, "Capitalismo, Democracia, Pactos", op. cit. Mais ainda, como destacou Schmitter, quando os pactos são bem sucedidos, eles são exclusivistas: favorecem as forças organizadas - basicamente os sindicatos e os empregadores.63 63 Philippe C. Schmitter, "Patti e Transizioni: Mezzi Non -Democratici a Fini Democratici", Rivista Italiana di Scienza Política, 14: 363 -382. Pactos desse tipo obtiveram muito sucesso na Espanha pós -1976, país que, sob um governo socialista, impulsionou seu programa de modernização industrial em condições de alto desemprego, até há pouco com o consentimento dos sindicatos. Por outro lado, já houve várias tentativas fracassadas de organizar tais pactos na Argentina e no Brasil.

Uma vez que nem decretos nem acordos geram efeitos econômicos imediatos, muitos governos vacilam entre o decretismo e o pactismo, na busca de uma resolução pacífica dos conflitos distributivos. Em conseqüência, eles parecem não ter um conceito claro das reformas, nem a determinação de levá -las adiante. Tais governos acabam por ser vistos pelas empresas e pelos sindicatos como uma fonte de instabilidade econômica.

Haverá um trade -off entre a democracia e o desenvolvimento? Pode a democracia justificar -se normativamente pelos efeitos que exerce sobre o bem -estar econômico? A democracia gera pressões pelo consumo imediato? A autonomia dos sindicatos e de outras organizações da sociedade civil facilita ou prejudica as reformas econômicas estruturais?64 64 Sobre o papel dos sindicatos durante a democratização, ver Samuel Valenzuela, "Labor Movements in Transitions to Democracy: A Framework for Analysis", (Working Paper 104, The Helen Kellogg Institute for International Studies, Notre Dame, 1988); Maria Hermínia Tavares de Almeida, "Difícil Caminho: Sindicatos e Política na Construção da Democracia", em Reis e O'Donnell, op. cit. Quais são as condições econômicas e políticas para os "pactos sociais"?

4. "DEMOCRACIA" E INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

Certas questões são autonomamente políticas. Talvez a mais fundamental seja saber se as instituições são importantes ou não. Nos Estados Unidos muitas pessoas, inclusive intelectuais, atribuem à sua Constituição um valor causal: acreditam que as instituições modificam o comportamento das pessoas, e atribuem a estabilidade de que desfrutam ao gênio dos fundadores do país. Porém fora do mundo anglo -saxônico, as instituições são consideradas muito menos eficientes; um conhecido intelectual e político brasileiro observou certa vez: "Não se pode impedir um golpe de Estado com um artigo da Constituição".

Com a notável exceção do Reino Unido, todos os países têm uma constituição escrita e formalmente adotada. Entretanto, parece que essas constituições desempenham papéis muito diferentes na vida política real de cada país. Nos Estados Unidos, a mesma Constituição já sobrevive há duzentos anos, e durante este período exerceu contínua influência sobre a vida política — pelo menos no sentido de que os principais conflitos políticos, com uma só exceção importante, foram realizados nos termos da Constituição. Na Argentina, a constituição adotada em 1853 ficou no papel, exceto no curto período entre 1949 e 1957. Entretanto, nos últimos cinqüenta anos os conflitos políticos na Argentina raramente se realizaram de acordo com as normas e estatutos constitucionais. Na França, as constituições foram modificadas várias vezes desde 1791; na verdade, cada levante político importante produziu uma nova constituição. Contudo, enquanto estavam em vigor, essas constituições conseguiram regulamentar o exercício do poder e os esquemas de sucessão. Por fim, na última subdivisão dessa tabela quádrupla, na Coréia do Sul ocorreram grandes reformas constitucionais a cada três anos e nove meses desde 1948, e nenhuma sucessão seguiu as regras. Temos assim uma constituição que é duradoura e respeitada, outra que é duradoura e ignorada, algumas que são modificadas com freqüência e respeitadas durante certos períodos, e outras que são modificadas muitas vezes e permanecem irrelevantes: a relação entre as constituições e a realidade política não parece óbvia.

Quais são as soluções institucionais com maior probabilidade de durar? Quais são as que mais favorecem o bem -estar econômico e a justiça social? Qual é o motivo pelo qual algumas constituições são de fato influentes, enquanto outras permanecem, de modo geral, irrelevantes? Haverá algo nas próprias instituições que explique essa diferença? Será ela devida aos temas que são "constitucionalizados" e os que são deixados de fora, à estrutura específica das instituições ou às regras específicas da sucessão?65 65 Uma lista de questões institucionais que foram tema de discussões durante os processos constitucionais americano e francês, há duzentos anos, inclui: (1) sufrágio universal vs. restrito; (2) eleições diretas vs. indiretas, (3) renovação do quadro de deputados, integral vs. por etapas, (4) unicameralismo vs. bicameralismo, (5) voto secreto vs. público, (6) parlamentarismo vs. presidencialismo, (7) eleições em datas fixas vs. decisão do governo sobre a época das eleições, (8) executivo reelegível vs. nâo -reelegível, (9) impunidade dos deputados, (10) veto do executivo, (11) executivo responsabilizável, sujeito a demissão, (12) direito à dissolução, (13) poder legislativo para propor e rejeitar leis, (14) monopólio legislativo do poder do tesouro, (15) um judiciário independente, (16) julgamento por júri, aberto ao público, (17) abolição das leis retroativas, (18) liberdade absoluta da imprensa, (19) liberdade de religião, (20) barreiras institucionais entre o exército e a polícia, e (21) descentralização territorial do poder de tomada de decisão. Esta lista foi elaborada por Stephen Holmes. Ver Russell Hardin, Stephen Holmes e Adam Przeworski, "The Constitution of Democracy", artigo inédito, University of Chicago, 1988. Ou será a eficiência das instituições devida exclusivamente às condições, políticas e outras, às quais elas estão expostas e, portanto, todos os sistemas institucionais desabam quando expostos a certas crises?66 66 Uma comparação entre a experiência americana e a francesa indica a seguinte interpretação. As constituições que resultam de negociações entre forças políticas relativamente iguais são cumpridas e duram muito tempo, pois reduzem os fatores de risco nas batalhas políticas. Os pretendentes a um cargo podem ter a razoável certeza de que irão consegui -lo, e os perdedores podem ter a razoável certeza de que poderão voltar a pleitear. Por sua vez, as constituições adotadas a fim de fortificar vantagens políticas passageiras, constituições que não passam de pactos de dominação entre os vitoriosos mais recentes, só duram enquanto duram as condições que geraram a última vitória política. Se essa hipótese é verdadeira, então não só a longevidade e a efetividade das constituições, mas também a própria estrutura das instituições, deve ser visivelmente diferente.

Uma questão mais limitada é a relação entre o conceito genérico de "democracia" e suas materializações institucionais. O modelo liberal, anglo -saxônico de democracia - um sistema competitivo, baseado na participação voluntária, centrado no parlamento - é criticado por ser etnocêntrico e não -realista sob diferentes condições sociais. Os modelos "consociacionais" e "neocorporativos" servem como alternativas no Ocidente, enquanto que, em outras partes do mundo, regimes de todos os tipos alegam ser "democráticos".

Todas as forças políticas que buscam estabelecer instituições democráticas confrontam -se com dois problemas genéricos: substância versus procedimento, e acordo versus competição. Até que ponto os resultados sociais e econômicos devem ser deixados em aberto, e em que medida alguns deles devem ser garantidos e protegidos, quaisquer que sejam os resultados do jogo competitivo? Deve a constituição ser um conjunto de regras para se lidar com os conflitos, ou um compromisso com determinados valores? Entre as experiências recentes, a Constituição espanhola de 1977 foi a que chegou mais perto de ser uma constituição liberal clássica, que apenas especifica as regras do jogo e não diz quase nada sobre os resultados (exceto quanto à propriedade privada). Já a Constituição brasileira de 1988 foi ao extremo oposto, listando detalhadamente os direitos sociais e econômicos.67 67 Sobre a tensão entre os aspectos procedimentais e substantivos das constituições, ver Gerhard Casper, "Changing Concepts of Constitutionalism: 18th to 20th Century", artigo inédito, Universidade de Chicago, 1989. Meu artigo de 1985, que afirmava que a democracia deve necessariamente deixar indeterminados a maioria dos resultados substantivos, e que a incerteza sobre esses resultados é, portanto, inerente à democracia, suscitou diversas respostas polêmicas de intelectuais latino -americanos. Przeworski, "Ama a incerteza e serás democrático", Novos Estudos, 1985; Norbert Lechner, "Corresponde la democracia a Ia búsqueda de incertidumbre?", Zona Abierta, 1987; Francisco C. Weffort, "Incertezas da transição na América Latina", Lua Nova, 16, 1989: 5 -47. Quais decisões devem ser tomadas por acordo e quais devem ser sujeitas à competição? Devem algumas instituições, como os tribunais constitucionais, as forças armadas ou os chefes de Estado, servir como árbitros acima do processo competitivo, ou devem todas elas submeter -se a um veredicto eleitoral periódico? Até que ponto e por quais meios deve a sociedade submeter -se a restrições a fim de impedir certas transformações futuras?68 68 Sobre esse tópico, ver os ensaios em Jon Elster e Rune Slagstad, eds., Constitutionalism and Democracy (Cambridge, Cambridge University Press, 1988).

Outro conjunto distinto de questões diz respeito à organização dos interesses. O modelo da democracia liberal parlamentarista assume que os atores políticos são indivíduos que se associam voluntariamente para levar avante seus interesses.69 69 Como disse Becker recentemente, "Em todas as sociedades há um número virtualmente ilimitado de grupos de pressão que poderiam fazer lobbies para obter ajuda política para seus membros, categorizados por ocupação, indústria, renda, sexo, idade, altura, consumo c outras características". Gary S. Becker, "A Theory of Competition Arnong Interest Groups for Political Influence", Quarterly Journal of Economics, 98, 1983: 388. Contudo, é evidente que a representação dos interesses não se limita a grupos efêmeros de interesse, e que muitas decisões importantes em países normalmente cosiderados como democracias não passam pela política eleitoral. De fato, como Schmitter salientou repetidas vezes, as chamadas "associações voluntárias" normalmente envolvem monopólio e coerção.70 70 Philippe C. Schmitter, "Still lhe Century of Corporatism?", Review of Politics, 36, 1974: 85 -131; "Modes of Interest Intermediation and Models of Societal Change in Western Europe", Comparative Political Studies, 10, 1977: 7 -38; "Democratic Theory and Neocorporatist Practice", Social Research, 50, 1983: 885 -928; "Neo -Corporatism and the State", in Wyn Grant, ed., The Political Economy of Corporatism (Londres, Macrnillan, 1986). No sistema "neocorporativo" um punhado de organizações, principalmente as comerciais e os sindicatos, desfrutam de um monopólio virtual, e por vezes legal, de representar os interesses funcionalmente definidos. Esse monopólio confere às associações poderes coercitivos sobre seus membros, e lhes dá o status daquilo que Schmitter e Streeck chamaram de "governo privado". Nas palavras de Stepan, "na maioria das sociedades, ao longo da maior parte da História, os grupos de interesse não tiveram a liberdade de "associar -se livremente".71 71 Alfred Stepan, The State and Society; Peru in Comparative Perspective (Princeton: Princeton University Press, 1978), p. 15.

Uma questão controversa é saber se o "parlamentarismo", usando a terminologia européia, e o "corporativismo" são substitutos ou complementos um do outro. Na opinião de Schmitter e vários outros, o sistema corporativista substituiu a representação feita através de partidos políticos e parlamentos. Dado que o acesso ao sistema corporativo é limitado e as associações exercem um poder monopolista, o corporativismo se desenvolve às expensas da democracia e se constitui numa ameaça para ela. Lembruch e outros, porém, alegam que o corporativismo não substitui, mas complementa as instituições parlamentares: os países onde os acordos corporativistas são fortes são aqueles em que a esfera funcional das atividades estatais é a mais ampla.72 72 Gerhard Lembruch, "Neo -Corporatism and the Function of Representative Institutions", artigo apresentado na Conferência sobre Representação e Estado (Conference on Representation and the State), Stanford University, 1982.

Quais são as formas de organizações dos interesses que fortalecem as instituições democráticas nascentes? Qual é o papel dos sistemas corporativista e parlamentar de representação na transição para a democracia? Qual é o papel dos partidos políticos?

5. DEMOCRATIZAÇÃO COMO PROCESSO E COMO RESULTADO

Apesar dessa miríade de circunstâncias, a lógica da transição é bem sólida. Talvez a questão mais interessante do momento seja a de saber se o modelo que deriva da experiência da Europa do sul e da América Latina serve como um bom guia para o desenvolvimento no Leste europeu.73 73 O resumo mais abalizado sobre o estado atual dos conhecimentos sobre a transição para a democracia na Europa meridional e na América Latina é de Guillermo 0'Donnell e Philippe C. Schmitter, Tentative Conclusions About Uncertain Democracies (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986). O problema estratégico central nos países socialistas era optar entre dirigir os esforços para se criar uma "segunda sociedade", independente dos poderes existentes, ou procurar nas negociações uma solução institucional. Ver Elemer Hankiss, "The 'Second Society": Is There an Alternative Social Model Emerging in Contemporary Hungary?", Social Research, 55, 1988: 13 -43, e Staniszkis, op. cit.

O problema central da transição para a democracia é saber se quaisquer instituições que permitem uma contestação aberta, mesmo que limitada, seriam aceitas pelas forças políticas relevantes. E assim que essas instituições se estabelecem, surge a questão de saber se elas despertarão uma aquiescência espontânea, isto é, se irão assimilar as forças políticas relevantes, que se tornarão participantes dispostos a submeter os seus interesses a uma competição incerta e aceitar os resultados.

A imagem da campanha da democracia como uma luta da "sociedade" contra o "Estado" é uma ficção útil durante o primeiro período de transição, como um slogan unificador de todas as forças que se opõem ao regime autoritário vigente. Mas as sociedades se dividem de muitas maneiras, e a própria essência da democracia é a competição entre forças políticas com interesses conflitantes. Essa situação cria um dilema: para construir a democracia, as forças antiautoritárias devem se unir contra o autoritarismo, porém para serem vitoriosas no regime democrático, têm de competir entre si. Segue -se que a luta pela democracia sempre acontece em duas frentes: contra o regime autoritário, pela democracia, e contra os próprios aliados, pelo melhor lugar no regime democrático.

Assim, mesmo que os dois aspectos distintos da democratização possam coincidir temporariamente, convém focalizá -los separadamente: a fase de "saída" do regime autoritário e a fase de "constituir" um regime democrático. A importância relativa dos aspectos de saída e de constituição depende do lugar que ocupam dentro do regime autoritário as forças políticas que controlam o aparato da repressão, em geral as "forças armadas".74 74 Nem sempre estas são monolíticas. Note -se que no Leste europeu, como um legado da era de Stalin, havia duas forças de repressão organizadas: as forças armadas para a defesa externa, sob o controle do Ministério da Defesa, e o exército para manutenção da ordem interna, sob o controle do Ministério do Interior. A autonomia da polícia secreta variava conforme o país e o período. Nos países onde os militares permanecem como um ator coeso e autônomo, os elementos de saída dominam o processo de transição. O Chile e a Polônia são os casos paradigmáticos de saída; porém o aspecto da saída também predominou durante a transição na Espanha, Brasil, Uruguai e Coréia do Sul. Em contraste, nos países onde a coesão militar desintegrou -se como resultado de uma aventura fracassada no estrangeiro - Grécia, Portugal e Argentina - e nos regimes onde os militares foram efetivamente sujeitos ao controle civil - ou seja, todos os países do Leste europeu exceto a Polônia - as fases de saída e constituição ocorreram conjuntamente.

Contudo, quer predomine o aspecto da saída ou da constituição, todas as transições para a democracia são negociadas: algumas com representantes do antigo regime; outras, apenas entre as forças pró -democracia que procuram formar o novo sistema. As negociações nem sempre são necessárias para livrar a sociedade do regime autoritário, mas elas são necessárias para constituir as instituições democráticas.

O problema estratégico da transição consiste em chegar à democracia sem padecer de uma penúria imposta pelos que controlam os recursos produtivos, e sem ser morto por aqueles que detêm as armas. Como essa própria formulação indica, o caminho para a democracia está minado. E o destino final depende do caminho adotado. Nos países onde a democracia foi consolidada, ela acabou sendo bem conservadora do ponto de vista econômico e social. E em muitos outros países, a transição emperrou a meio caminho.

A grande lição que aprendemos em retrospecto a partir da experiência latino -americana é que a estratégia ótima é inconsistente: prudência ex ante e determinação ex post. Este é o dilema central da democratização. O sucesso da transição requer prudência e concessões: garantias para aqueles que ainda são capazes de subverter o processo e incentivos para os que o lideram. A questão não é apenas escolher o melhor ritmo, mas também o destino final. A saída negociada só é possível se os setores da sociedade civil representados pelos reformadores dentro do aparato do poder autoritário esperam ter uma presença política significativa sob as condições democráticas e, mesmo quando esses setores têm um apelo político autônomo, o fato de consentirem na democracia pode exigir garantias institucionais extras. Mas o conservadorismo econômico e social das instituições democráticas não resulta apenas das restrições do processo de saída do autoritarismo. A democracia é um meio -termo, uma segunda opção para todas as forças políticas capazes de impedir a sua existência ou subvertê -la, e por esse exato motivo ela deve proteger, mesmo em grau mínimo, cada um dos interesses múltiplos e conflitantes. Quer a democracia resulte da saída negociada ou apenas da constituição negociada, as instituições democráticas devem proteger ou suprimir os interesses básicos de todas as forças políticas capazes de subverter a democracia. Elas devem abrir oportunidades suficientes para promover os interesses de grupos específicos, de modo a incentivar todas as grandes forças sociais a participarem, ou então devem fechar o acesso e reprimir as maneiras extra -institucionais de luta política.

Assim, mesmo quando a saída do autoritarismo resulta de uma desintegração do aparato repressivo, as instituições democráticas que provêm da constituição negociada são planejadas de maneira a minimizar a sensibilidade das medidas políticas aos movimentos de opinião pública: elas costumam incluir a separação dos poderes, as câmaras duplas, um forte constitucionalismo e até mesmo normas substantivas, tais como o compromisso com a propriedade privada nas constituições venezuelana e espanhola. Assim, a democracia costuma ter uma forte tendência conservadora contra as transformações sociais e econômicas.

Mais ainda, o nascimento da democracia levanta o problema do papel adequado da oposição: o quanto se deve fazer oposição, e por quais meios. Se a oposição não se opõe, não apresenta alternativas e não luta com energia por essas alternativas, o poder representativo das instituições políticas, a capacidade que elas têm de mobilizar e incorporar, é fraco. A democracia é anêmica. Porém se a oposição se opõe vigorosamente, a democracia pode ficar ameaçada. Em particular em condições econômicas difíceis, uma oposição intransigente pode criar uma situação ingovernável. Se cada vez que um partido perder uma eleição, ou cada vez que o governo adotar uma política impopular, a oposição lançar uma greve geral, ela pode enfraquecer as instituições democráticas e criar um clima para a restauração do autoritarismo.75 75 Na Argentina, o governo democrático do presidente Raul Alfonsín enfrentou treze greves gerais durante seus cinco anos no poder. Uma saída frequente para esse dilema são os "pactos políticos", ou seja, acordos entre partidos políticos para distribuir cargos e implementar determinadas medidas. Contudo, todos os pactos são exclusivistas. Eles constituem cartéis de beneficiários contra os rivais: cartéis que restringem a competição, barram o acesso e distribuem os benefícios do poder político entre seus membros. A democracia se transforma num projeto particular dos líderes de certos partidos políticos e associações corporativas, que extraem benefícios privados e protegem a sua renda excluindo os de fora.76 76 Quanto ao argumento que alega que tais pactos podem ser um preço necessário da democracia, ver Philippe C. Schmitter, "Patti e Transizioni: Mezzi Non -Democratici a Fini Democratici", Rivista Italiana di Scienza Política, 14: 363 -382.

Porém mesmo quando a democracia no campo político é aceita como um valor autônomo, o perigo é que essa democracia permaneça frágil a menos que prove seu valor instrumental para o bem -estar material. Weffort pode estar certo quando afirma que a democracia só pode se consolidar se ela adquire um conteúdo social.77 77 Francisco Weffort, "Incertezas da Transição na América Latina", op. cit. Aqui, porém, novamente encontramos um dilema. As reformas podem consistir em ampliação dos direitos ou na concessão de benefícios; em garantir aos setores populares os instrumentos institucionais e políticos de luta, ou em realizar a transferência de renda e fornecer serviços sociais. Os benefícios são menos ameaçadores para os que controlam os recursos produtivos e para os que manipulam os instrumentos da repressão. Porém são caros, e podem ser inexequíveis em situações de crise econômica. Os direitos, por sua vez, podem oferecer uma garantia suficiente para os que são chamados a fazer sacrifícios econômicos; estes estariam dispostos a exercer autocontrole se tivessem a segurança de que poderão extrair a sua parcela do crescimento que foi posssibilitado por esses sacrifícios. Contudo, os direitos realmente ameaçam aqueles que controlam o processo de transição.78 78 Uma prova desse dilema é a atitude das associações de empresários brasileiros quanto aos sindicatos: por um lado, os empregadores garantem publicamente que não se importam de pagar maiores salários e que podem chegar a um acordo com os sindicatos, bastando que o governo os deixe em paz; porém, por outro lado, lutaram com todas as forças para impedir a ampliação dos direitos do trabalhador na Assembléia Constituinte. Não há solução óbvia para esse dilema: tudo o que podemos dizer é que a questão das estratégias de democratização que não impeçam as reformas sociais deve ser recolocada na pauta das discussões.

UM PÓS -ESCRITO AO MÉTODO

Uma coisa que aprendemos nos incontáveis estudos sobre a democratização na Europa do sul, na América Latina e em outras regiões é que a lógica desse processo é bem consistente. É óbvio que há condições de todos os tipos que variam de país para país. Porém, a estrutura das opções inerentes à transição impõe a sua própria lógica, que supera as condições específicas de cada país e cada época. Em conseqüência, as transições parecem ser governadas por uma regularidade que independe dessas condições.

É esta a suposição subjacente às questões formuladas acima. É claro que essa suposição é controversa. De fato, alguns leitores poderão atacar esse ponto de partida, afirmando que as condições e as escolhas estratégicas são específicas de cada país ou região. Mas a afirmação de que a estrutura das opções e a lógica do processo são genéricas não deve ser abandonada só porque essas opções são formuladas em linguagens diferentes, ou só porque as condições aparentes são diferentes.79 79 A crítica que o bom senso faz a essa ideia é que ela "compara maçãs com bananas". Mas, como notou certa vez George Bernard Shaw, é o bom senso que nos diz que a terra é plana. "Comparabilidade" não é uma característica que reside nos objetos, como a textura ou a cor, mas sim uma propriedade da linguagem usada para analisá -los: a resposta simples ao adágio sobre maçãs e bananas é que elas são •'frutas". E mais, o propósito da pesquisa comparativa não é comparar, mas sim explicar.

Estamos interessados na experiência histórica de determinados países, para verificar até que ponto essas experiências estruturam as alternativas atuais. Mas se isso de fato acontece, a maneira como elas afetam a dinâmica das transformações e moldam as alternativas de longo prazo não é, em absoluto, evidente. Pelo fato de terem tido uma História diferente, serão as opções que se apresentam ao "Leste" diferentes daquelas que confrontam o "Sul"? Não sei; e esta é uma boa pergunta para se começar.

  • 1 Sobre uma revisão recente desses estudos e uma coletânea abrangente de estatísticas, ver Robert Bideleux, Communism and Development (Londres, Methuen, 1985).
  • 3 Ver diversas tabelas em Polacy 88: Dynamika konflikty a szanse reform (Varsóvia, CBPB, 1989).
  • 4 É difícil entender por que isto aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo no Sul capitalista e no Leste socialista. Uma explicação possível é a dívida, mas isso não parece suficiente. Como observa Comisso, mencionando uma série de cincadas econômicas, "mesmo que o capital financeiro fornecesse a corda, alguma outra pessoa tinha de fornecer o carrasco". E não é só isso: ainda não vi nenhum estudo que correlacione a dívida com o crescimento. Comisso atribui o problema às barreiras que obstruem a competição â que nos países socialistas resultam da alocação centralizada, e nos países capitalistas provêm da posição monopolista das empresas estatais. Porém, a simultaneidade desse colapso indica uma causa subjacente comum. Ellen Comisso, "Crisis in Socialism or Crisis of Socialism? A Review Essay", em World Politics,
  • 5 Entre 1977 e 1983, o PIB per capita declinou 16% no Uruguai, 12% na Argentina, 11% no Chile e 9% no Brasil. Dados do CEPAL, citados por Francisco Weffort, "Incertezas da transição na América Latina", Lua Nova, 16, 1989: 5 -47.
  • Na Polônia a renda per capita caiu 8% entre 1978 e 1985. Na União Soviética, o número total de casas construídas em 1985 foi o mesmo do que nos anos 60, e a produção agrícola per capita não aumentou desde 1978. A taxa bruta de mortalidade aumentou de 6,7 por mil na década de 1960 para 10,6 por mil em 1985; a expectativa de vida caiu de 70 para 68 anos e a mortalidade infantil aumentou. Ver Abel G. Agabengyan, "Economic Reforms", em Agabengyan, ed., Perestfoika, 1989 (Nova York, Charles Scribner's Sons, 1988).
  • 6 Note -se, porém, o argumento de Asselain de que no Leste europeu o sistema de planejamento tornou -se complexo independentemente da complexidade da economia. Jean -Charles Asselain, Planning and Profits in a Socialist Economy (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1984).
  • 7 Quanto a análises da industrialização na América Latina, ver Fernando Fejnzylberg, La lndustrialización Tronca de America Latina, 1984,
  • e Oswaldo Sunkel, lndustrialización de America Latina, 1987.
  • Uma análise teórica do Brasil encontra -se em Luiz Carlos Bresser Pereira, Development and Crisis in Brazil, 1930 -1983 (Boulder, Westview Press, 1984).
  • O caso que se desvia da norma é a Argentina; ver Carlos H. Waisman, Reversal of Development in Argentina (Princeton, Princeton University Press, 1987).
  • 8 Segundo um argumento muito adotado, a própria natureza de comando da economia cria a necessidade de reformas periódicas. O desenvolvimento da economia gera contradições, mas o sistema de comando não se auto -regula; portanto, todas as tentativas de se restaurar o equilíbrio devem passar pelo sistema político. A mais completa exposição desse argumento se deve a Jadwiga Staniszkis, Pologne: la Révolution Autolimitée (Paris, 1983),
  • mas o mesmo raciocínio se encontra em Jerzy J. Wiatr, "Socyalizm a historyczna koniecznosc reform", em Polska Szansa (Cracóvia, Wydawnictwo Literackie, 1989) e em Leonid Abalkin,
  • "Political -economic bases of the radical reform of the economic mechanism" (Sovietskaia Ekonomitcheskaia Reforma: Polski i Reshenia (Moscou, Nauka, 1988).
  • Uma análise excelente das reformas econômicas e das razões que as levaram ao fracasso está em Jean -Charles Asselain, Planning and Profits in a Socialist Economy.
  • Ver também Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality", Journal of Economic Literatura, 1M, 1986: 1687 -1737,
  • e Alec Nove, The Economics of Feasible Socialism, capítulo 4 (Londres, George Allen and Unwin, 1983.
  • [Há tradução brasileira: A economia do socialismo possível (São Paulo, Ática, 1989).
  • 9 Ver Thomas Baucr, "Hungarian Economic Reform in East European Perspective", Bastem European Politics and Societies, 2, 1988: 418 -432.
  • 10 Outra maneira de expressar o mesmo argumento e que sem contratos de longo prazo cumpridos por pressão externa, a exploração conjunta dos recursos leva a resultados ineficientes. Especificamente, quando tanto os. capitalistas como os trabalhadores podem afetar a distribuição do consumo, a taxa de investimento será mais baixa do que seria se uma única classe de agentes recebesse todo o retorno (para além da segunda melhor opção de subsistência). Esta formulação seminal foi de Kevin Lancaster, "The Dynamic Inefficiency of Capitalism", Journal of Political Economy, 81, 1973: 1098 -1109;
  • ver também Adam Przeworski e Michael Wallerstein, "The Structure of Class Conflict Under Dèmocratic Capitalism", American Political Science Review, 76, 1982: 215 -238,
  • e D. Levhari e L. J. Mirman, "The Great Fish -War: An Example Using the Cournot -Nash Solution", Bell Journal of Economics, 11, 1980: 322 -324.
  • 11 Para se acompanhar o último round, ver Daniel Lavoie, Rivalry and Central Planning, The Socialist Calculation Debate Revisited (Cambridge, Cambridge University Press);
  • Israel M. Kirzner, "Some Ethical Implications for Capitalism of the Socialist Calculation Debate", Social Philosophy & Policy, 6, 1988: 165 -183,
  • e Daniel Shapiro, "Reviving the Socialist Calculation Debate: A Defense of Hayek Against Lange", Social Philosophy & Policy, 6, 1989: 139 -160.
  • 12 Nikolai Petrakov e Evgueni Yassine, "Economic methods of planned centralized management", Sovietskaia Ekonomitcheskaia Reforma: Polski i Reshenia (Moscou, Nauka, 1988).
  • 14 Quando Bukharin criticou o projeto do primeiro plano quinquenal, num artigo publicado pelo Pravda (30 de setembro de 1928), o Bureau Político do Partido Comunista Soviético imediatamente chegou à conclusão de que "questões como essa devem ser discutidas primeiro num grupo mais limitado de membros do Partido". Marian Wilk, Czlowiek i Stal (Varsóvia, Panstwowy Instytut Wydawniczy, 1988), pp. 79 -80.
  • 15 Anatoli P. Butenko, Soyremennyi Socializm: Aktualnyie Teoretitcheskyie Problemi (Moscou, 1988), cap. 5.
  • 16 Ver uma formulação excepcionalmente clara feita por John Roemer, "Descentralization, Duplicity, and Minirnal Equity", artigo inédito, University of Califórnia at Davis, 1989.
  • 18 Pode -se pensar num sistema em que o planejamento seria democrático, no sentido de que os partidos políticos competiriam na oferta do melhor plano. Ver Cornelius Castoriadis, Le Contenu du Socialisme (Paris, Editions du Seuil, 1979).
  • Por exemplo, eles poderiam fazer uma campanha propondo diferentes taxas de preferência temporal (ou taxas de investimento); a plataforma correspondente à preferência mediana ganharia, e este seria o plano a ser detalhado pelo partido vencedor. As dificuldades dessa proposta são as mesmas de qualquer plataforma eleitoral: só os planos rudimentares poderiam ser compreendidos pelo grande público, e os problemas de escolha social mostrariam suas feias garras. Nove (op. cit., p. 179) examina essa complexidade, afirmando: "Não se pode inventar nenhuma maneira de 'democratizar' este processo [o planejamento ], a menos que se pense seriamente que a alocação de dez toneladas de metal, de mil metros de fazenda ou de componentes elétricos é algo que deva ser decidido pelo voto". Nathaniel Beck, "Social Choice and Economic Growth", Public Choice, 33, 1978: 33 -48,
  • 19 Leo Hurwicz, "The Design of Mechanisms for Resource Allocation", American Economic Review, 63, 1973.
  • 21 Political Economy and Soviet Socialism. (Londres, George Allen & Unwin, 1979). Bresser Pereira, que concorda com essa avaliação, argumenta que é inevitável que tenhamos de suportar ciclos de intervenção estatal e de dependência do mercado. Ver "O padrão cíclico da intervenção estatal", comunicação apresentada no seminário Democratizando a Economia, Universidade de São Paulo, julho de 1988.
  • 22 Os neoliberais, porém, elaboraram uma série de argumentos contra o envolvimento do Estado na correção das imperfeições de mercado: (1) Demonstrando que, na ausência de custos de transação, o mercado consegue lidar eficientemente com as externalidades, havendo uma distribuição desejável de direitos de propriedade (Coase); (2) Destacando que a noção de imperfeições de mercado, incluindo bens públicos, não é clara, e nenhuma teoria determina a priori quais sejam elas (Stigler); (3) Observando que, mesmo que os mercados não atuem com eficiência, não há garantia de que o Estado faria melhor (Stigler; para uma classificação dos "fracassos públicos", ver Wolf); e (4) Alegando que os estados costumam intervir não porque essa intervenção seja benéfica para o público, que a exige, mas sim porque é lucrativa para os interesses privados que a ela fornecem (novamente, Stigler). Geoge Stigler, The Citizen and the State (Chicago, University of Chicago Press, 1975);
  • Charles Wolf, "A Theory of Nonmarket Failure: Framework for Implementation Analysis", Journal of Law and Economics 22, , 1979: 107 -139.
  • 26 Sobre as dificuldades de se definir uma "cooperativa", ver Jon Elster e Karl Ove Moene, "Introduction" para Alternatives to Capitalism (Cambridge, Cambridge University Press, 1989).
  • 27 Um desafio à exeqüibilidade do socialismo de mercado é o argumento de Axel Leijonhufvud. Segundo ele, uma vez que as máquinas são mais especializadas do que os trabalhadores especializados, as firmas que trabalham com capital em pool e contratam mão -de -obra são mais eficientes do que as firmas que trabalham com mão -de -obra era pool e alugam máquinas. Afirma Leijonhufvud: "Os trabalhadores não podem colocar sua força de trabalho em pool (da mesma forma que os capitalistas fazem pool com seu capital físico) a fim de alugar máquinas, distribuindo a renda conjunta entre os trabalhadores da empresa que eles próprios dirigem. A mão -de -obra não pode ser possuída, e as máquinas especializadas não podem ser alugadas. A cooperativa de produtores é uma forma possível de meio -termo, mas, de modo geral, as empresas de sucesso que começaram como sociedades de trabalhadores acabam possuindo capital e contratando mão -de -obra - ou seja, terminam sendo empresas capitalistas". Nesta situação, a sindicalização das empresas capitalistas é a melhor solução para os trabalhadores. Axel Leijonhufvud, "Capitalism and the Factory System", em Richard N. Langlois, ed. Econonacs as a Process(Cambridge, Cambridge University Press. 1986), p. 219.
  • 29 O argumento clássico contra as empresas pertencentes aos empregados foi apresentado por Benjamin Ward, "The Firm in Illyria: Market Syndicalism", American Economic Review, 48, 1957: 566 -589.
  • Quanto a revisões recentes dessa literatura, ver Jon Elster, "From Here to There; or, If Cooperative Ownership Is So Desirable, Why Are There So Few Cooperatives?", Social Pbilosopby and Policy, 6, 1989: 74 -93,
  • e Jon Elster e Karl Ove Moene, "Introduction" para Alíernatives to Capitalism (Cambridge, Cambridge University Press, 1989).
  • 30 Bauer ressalta, porém, que os empresários do setor privado que operam num sistema de alocação administrativa ficam intimidados e não se comportam de uma maneira totalmente orientada para o lucro porque os preços que eles conseguiriam cobrar e a renda que conseguiriam auferir poderiam despertar reações políticas. Thomas Bauer, "The Unclearing Market", em Elster e Moene, eds., Alternatives to Capitalism, op. cit.
  • E eles têm razão de se sentirem intimidados: Wladyslaw Baka, ex -ministro da economia da Polônia e autor do "segundo estágio" da reforma econômica, preveniu que "as fortunas que resultam da utilização das ineficiências das soluções sistémicas não serão toleradas". Baka, Czas Reformy (Varsóvia, Ksiazka i Wiedza, 1986), p. 130.
  • 32 Fernando H. Cardoso e Enzo Falleto, Dependency and Development in Latin America (Berkeley, University of California Press, 1979).
  • 33 Stephen Haggard, "The Newly Industrializing Countries in the International System", World Politics, 38, 1986: 343 -370.
  • 34 Joseph C. Brada, "Is Hungary lhe Future of Poland or Is Poland the Future of Hungary?", Eastern European Politics and Society, 2, 1988: 466 -483, p. 478.
  • 41 A desigualdade de rendas na União Soviética e na Hungria é um pouco menor do que nos países capitalistas desenvolvidos, mas provavelmente não muito diferente da Suécia ou do Japão. Sobre a União Soviética, ver Abram Bergson, "Income Inequality Under Soviet Socialism", Journal of Economic Literature, 22, 1984: 1052 -1100;
  • sobre a Hungria, Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process", Journal oj Economic Literature, 24, 1986: 1687 -1738;
  • sobre a Polônia, Edmund Wnuk -Lipinski, "Nierownosci, deprywacje i przywileje jako podloze konfliktu spolecznego", Polacy 88, Dynamika Konflikty a Szanse Reform (Varsóvia, CBPB, 1989).
  • Um economista soviético revelou há pouco que a quota da mão -de -obra no produto nacional bruto da União Soviética é de 37% - bem abaixo dos países capitalistas desenvolvidos e mais ou menos igual ao México ou a Venezuela. Victor Zaslavsky cita dados segundo os quais cerca de metade dos depósitos bancários na União Soviética foi feita por apenas 3% das contas. "Three Years of Perestroyka", Telos, 74, 1987 -88: 35.
  • Segundo uma entrevista em Le Nouvel Observateur, 15 -21 de junho de 1989, p. 99,
  • 42 Segundo Bresser Pereira, as reformas básicas necessárias no Brasil incluem: (1) "eliminação de subsídios [a empresas ]; (2) liberalização do comércio a fim de estimular a competitividade internacional; e (3) privatização, para ajudar a resolver a crise fiscal do Estado". Luiz Carlos Bresser Pereira, "A Pragmatic Approach to State Intervention: the Brazilian Case",
  • 45 Mesmo considerando que os preços dos bens de consumo deverão ser "corrigidos" em 1991, as reformas na União Soviética pretendem introduzir a autonomia financeira e a responsabilidade nas empresas, mas não nos mercados. Numa afirmação programática, Leonid Abalkin rejeita todos os mecanismos econômicos "estranhos à propriedade social, isto é, tudo que provoque crises, anarquia na produção, desemprego e a divisão da sociedade em classes". Ele argumenta que dentro do sistema socialista de produção, os mecanismos de preço funcionam de modo diferente do que ocorre sob o capitalismo, e "se tornam instrumentos do mecanismo da administração econômica planejada". Op. cit., p. 44 e 47. É surpreendente constatar que o mais duro ataque às reformas orientadas para a economia de mercado vem de Boris Kagarlitsky, que afirma que são os "tecnocratas", e não os "democratas", que optam pelo mercado. Kagarlitsky alega que na estrutura da economia soviética, "a proposta de 'jogo de mercado' só pode causar aumento de preços, inflação e maior exploração do consumidor pelas organizações monopolistas". Ele também cita pesquisas segundo as quais mais de 70% da população é contra as reformas orientadas para a economia de mercado. "Perestroika: the Dialectic of Change", New Left Review, 169, maio -junho de 1988, em particular as pp. 80 -81.
  • 46 Uma excelente análise das reformas econômicas e das razões que as levavam ao fracasso está em Jean -Charles Asselain, Planning and Profits in a Socialist Economy.
  • Ver também Alec Nove, The Economics of Feasible Socialism, capítulo 4,
  • e Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality", Journal of Economic Literaiure, 24, 1986: 1687 -1737.
  • 47 Segundo consta, um administrador polonês observou: "Nós sabemos que somos independentes, mas quem vai nos dizer o que devemos produzir?" Roger Thurow, "Poland Finds Economic 'Reforms' Don't Necessarily Produce Results", Wall Street Journal, 27 de fevereiro de 1986.
  • 48 Sobre o planejamento sistemático de uma estratégia de "transição do totalitarismo para a democracia através do autoritarismo", ver A. M. Migranyan, Terehod ot totalitarno -avtoritarnih regimov ka democratsii", em Ê. A. Ambarstumov e J. M. Kliamkin, eds., Politicheskie Reformy y Stranakh Socializma (Moscou, Akadiemia Nauk, SSSR, 1988).
  • 51 Quanto a dados de pesquisas na Polônia, ver Lena Kolarska -Bobinska, "Social Interests, Egalitarian Attitudes, and the Change of Economic Interests", Social Research, 55, 1988: 111 -139;
  • sobre a Hungria, ver Laszlo Bruszt, "'Without Us But For Us?' Political Orientation in Hungary in the Period of Late Paternalism", Social Research, 55, 1988: 43 -77;
  • para uma análise da União Soviética, ver Tatyana I. Zasiavskaya, "Friends or Foes? Social Forces Working For and Against Perestroika", em Abel G. Agabengyan, ed., Perestroika, 1989 (Nova York, Charles Scribner's Sons, 1988).
  • 52 Ellen Comisso, "Market Failures and Market Socialism: Economic Problems of the Transition", Eastern European Politics and Societies, 2, 1988: 433 -465.
  • 54 Essa é uma questão complicada, como mostra Lena Kolarska -Bobinska em sua análise dos dados de pesquisas na Polônia. Ela afirma que a sociedade polonesa é intolerante para com as desigualdades, mas só porque essas desigualdades são vistas como injustas. De fato, como mostra a autora, tanto a tolerância às desigualdades como o desemprego aumentaram muito desde 1980. Porém as atitudes para com a igualdade também são instrumentais: os operários, os grupos de baixa renda e de pouca instrução, e os que não ocupam posições administrativas são os mais intolerantes em relação às diferenças de renda, e mais propensos a favorecer o direito incondicional ao trabalho. "Social Interests, Egalitarian Attitudes, and the Change of Economic Order", Social Research, 55, 1988: 111 -139.
  • Uma análise semelhante é apresentada por Jerszy J. Wiatr, "Slowo wprowadzajace", em Zbigniew Sufin, ed., Egalitaryzm: Problemy teorii i praktyki spolecznei (Varsóvia, 1982).
  • 56 Uma análise exemplar das alternativas que se apresentam para o futuro governo democrático do Chile é a de Alejandro Foxley, "After Authoritaria -nism: Political Alternatives", in Alejandro Foxley, Michael S. McPherson e Guillermo O'Donnell, Development, Democracy and lhe Art of Trespassing. (Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1986).
  • Uma análise que tenta superar esses limites é a de Paul Singer, "Reflexões sobre inflação, conflito distributivo e democracia", em Fábio Wanderley Reis e Guillermo O'Donnell, eds., A Democracia no Brasil, Dilemas e Perspectivas (São Paulo, Vértice, 1988).
  • 57 Walter Galenson, "Introduction", Labor and Economic Development (Nova York, John Wiley and Sons, 1959).
  • 58 Contudo, pelo menos nos países já desenvolvidos a democracia não causou uma diminuição do crescimento econômico. De fato, há sólidos dados estatísticos indicando que a taxa de crescimento e de igualdade de rendas (pré e pós -taxação) tem sido mais alta nos países que têm um movimento sindical forte e um governo de esquerda. Ver Michael Bruno e Jeffrey Sachs, Economics of Worldwide Stagflation (Cambridge, Harvard University Press, 1985);
  • Alexander Hicks, "Social Democratic Corporatism and Economic Growth", Journal of Politics, a sair;
  • Peter Lange e Geoffrey Garrett, "The Politics of Growth: Strategic Interaction and Economic Performance in the Advanced Industrial Democracies, 1974 -1980", Journal of Politics, 47, 1985: 792 -827.
  • 59 Ver Wlodzimierz Brus, "Political System and Economic Efficiency: The East European Context", Journal of Comparative Economics, 4, 1980: 40 -55.
  • Uma visão mais cética é a de Stanislaw Gomulka, "Economic factors in the democratization of socialism and the socialization of capitalism", Journal of Comparative Economics, 1, 1977: 389 -406.
  • 60 Juan Carlos Torre, faiando no simpósio Transição Política, Necessidade e Limites da Negociação, na Universidade de São Paulo, junho de 1987 (São Paulo, USP, 1987; editado por José Augusto Guilhon de Albuquerque e Eunice Ribeiro Durham).
  • 61 A lógica econômica e as pré -condições políticas desses pactos são discutidas por Norbert Lechner, "Pacto social nos processos de democratização: a experiência latino -americana", Novos Estudos, 13, 1985: 29 -44,
  • e Adam Przeworski, "Capitalismo, Democracia, Pactos", em Guilhon de Albuquerque e Ribeiro Durham, op. cit
  • Entre as revisões da experiência de vários países incluem -se: Efren Cordova, Pactos Sociais: Experiência Internacional, Tipologia e Modelos (São Paulo, IBRART, 1985);
  • Mário R. dos Santos, ed., Concertación político -social y democratización (Buenos Aires, Clacso, 1987);
  • Adriano Pappalardo, il Governo dei Salario nelle Democrazie Industriali (Milão, Franco Agneli, 1985).
  • 62 Sobre a lógica do autocontrole voluntário, ver Adam Przeworski, Capitalismo e Social Democracia. Companhia das Letras, 1989.
  • Capitalism and Social Democracy (Cambridge, Cambridge University Press, 1985),
  • e Przeworski, "Capitalismo, Democracia, Pactos", op. cit.
  • 63 Philippe C. Schmitter, "Patti e Transizioni: Mezzi Non -Democratici a Fini Democratici", Rivista Italiana di Scienza Política, 14: 363 -382.
  • 64 Sobre o papel dos sindicatos durante a democratização, ver Samuel Valenzuela, "Labor Movements in Transitions to Democracy: A Framework for Analysis", (Working Paper 104, The Helen Kellogg Institute for International Studies, Notre Dame, 1988);
  • Maria Hermínia Tavares de Almeida, "Difícil Caminho: Sindicatos e Política na Construção da Democracia", em Reis e O'Donnell, op. cit.
  • 65 Uma lista de questões institucionais que foram tema de discussões durante os processos constitucionais americano e francês, há duzentos anos, inclui: (1) sufrágio universal vs. restrito; (2) eleições diretas vs. indiretas, (3) renovação do quadro de deputados, integral vs. por etapas, (4) unicameralismo vs. bicameralismo, (5) voto secreto vs. público, (6) parlamentarismo vs. presidencialismo, (7) eleições em datas fixas vs. decisão do governo sobre a época das eleições, (8) executivo reelegível vs. nâo -reelegível, (9) impunidade dos deputados, (10) veto do executivo, (11) executivo responsabilizável, sujeito a demissão, (12) direito à dissolução, (13) poder legislativo para propor e rejeitar leis, (14) monopólio legislativo do poder do tesouro, (15) um judiciário independente, (16) julgamento por júri, aberto ao público, (17) abolição das leis retroativas, (18) liberdade absoluta da imprensa, (19) liberdade de religião, (20) barreiras institucionais entre o exército e a polícia, e (21) descentralização territorial do poder de tomada de decisão. Esta lista foi elaborada por Stephen Holmes. Ver Russell Hardin, Stephen Holmes e Adam Przeworski, "The Constitution of Democracy", artigo inédito, University of Chicago, 1988.
  • 67 Sobre a tensão entre os aspectos procedimentais e substantivos das constituições, ver Gerhard Casper, "Changing Concepts of Constitutionalism: 18th to 20th Century", artigo inédito, Universidade de Chicago, 1989.
  • Meu artigo de 1985, que afirmava que a democracia deve necessariamente deixar indeterminados a maioria dos resultados substantivos, e que a incerteza sobre esses resultados é, portanto, inerente à democracia, suscitou diversas respostas polêmicas de intelectuais latino -americanos. Przeworski, "Ama a incerteza e serás democrático", Novos Estudos, 1985;
  • Norbert Lechner, "Corresponde la democracia a Ia búsqueda de incertidumbre?", Zona Abierta, 1987;
  • Francisco C. Weffort, "Incertezas da transição na América Latina", Lua Nova, 16, 1989: 5 -47.
  • 68 Sobre esse tópico, ver os ensaios em Jon Elster e Rune Slagstad, eds., Constitutionalism and Democracy (Cambridge, Cambridge University Press, 1988).
  • 69 Como disse Becker recentemente, "Em todas as sociedades há um número virtualmente ilimitado de grupos de pressão que poderiam fazer lobbies para obter ajuda política para seus membros, categorizados por ocupação, indústria, renda, sexo, idade, altura, consumo c outras características". Gary S. Becker, "A Theory of Competition Arnong Interest Groups for Political Influence", Quarterly Journal of Economics, 98, 1983: 388.
  • 70 Philippe C. Schmitter, "Still lhe Century of Corporatism?", Review of Politics, 36, 1974: 85 -131;
  • Modes of Interest Intermediation and Models of Societal Change in Western Europe, Comparative Political Studies, 10, 1977: 7 -38;
  • Democratic Theory and Neocorporatist Practice, Social Research, 50, 1983: 885 -928;
  • Neo -Corporatism and the State, in Wyn Grant, ed., The Political Economy of Corporatism (Londres, Macrnillan, 1986).
  • 71 Alfred Stepan, The State and Society; Peru in Comparative Perspective (Princeton: Princeton University Press, 1978), p. 15.
  • 72 Gerhard Lembruch, "Neo -Corporatism and the Function of Representative Institutions", artigo apresentado na Conferência sobre Representação e Estado (Conference on Representation and the State), Stanford University, 1982.
  • 73 O resumo mais abalizado sobre o estado atual dos conhecimentos sobre a transição para a democracia na Europa meridional e na América Latina é de Guillermo 0'Donnell e Philippe C. Schmitter, Tentative Conclusions About Uncertain Democracies (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986).
  • O problema estratégico central nos países socialistas era optar entre dirigir os esforços para se criar uma "segunda sociedade", independente dos poderes existentes, ou procurar nas negociações uma solução institucional. Ver Elemer Hankiss, "The 'Second Society": Is There an Alternative Social Model Emerging in Contemporary Hungary?", Social Research, 55, 1988: 13 -43,
  • 76 Quanto ao argumento que alega que tais pactos podem ser um preço necessário da democracia, ver Philippe C. Schmitter, "Patti e Transizioni: Mezzi Non -Democratici a Fini Democratici", Rivista Italiana di Scienza Política, 14: 363 -382.
  • 77 Francisco Weffort, "Incertezas da Transição na América Latina", op. cit.
  • *
    Este texto é uma versão ampliada e revisada de projeto de pesquisa apresentado à Fundação MacArthur. Ele reflete diversos comentários em resposta à carta -convite inicial, feitos pelos participantes do projeto.
  • **
    Tradução de Isa Mara Lando.
  • 1
    Sobre uma revisão recente desses estudos e uma coletânea abrangente de estatísticas, ver Robert Bideleux,
    Communism and Development (Londres, Methuen, 1985). Quanto às dificuldades metodológicas para se fazer essas comparações, ver, de minha autoria, "Could we feed everyone? The irrationality of capitalism and the infeasibility of socialism", a sair em
    Politics and Society. Baseei -me nesse texto em diversos pontos mais abaixo.
  • 2
    Não há nem sequer bons argumentos para se afirmar que, enquanto as economias capitalistas são mais eficientes, os sistemas socialistas são superiores por oferecerem.garantia de emprego, igualdade e segurança material. Por um lado, a longo prazo o agregado das taxas de crescimento dos países socialistas já chegou a igualar -se ao das economias capitalistas com desenvolvimento mais rápido, e mesmo agora que se afirma que a União Soviética é presa de uma crise sem precedentes, ela está crescendo mais depressa do que os Estados Unidos - país que está em meio a um
    boom. Por outro lado, se acumulam as provas quanto à desigualdade de rendas na União Soviética e no Leste europeu, e há testemunhos cada vez mais numerosos da deterioração dos serviços de bem -estar social.
  • 3
    Ver diversas tabelas em
    Polacy 88: Dynamika konflikty a szanse reform (Varsóvia, CBPB, 1989).
  • 4
    É difícil entender por que isto aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo no Sul capitalista e no Leste socialista. Uma explicação possível é a dívida, mas isso não parece suficiente. Como observa Comisso, mencionando uma série de cincadas econômicas, "mesmo que o capital financeiro fornecesse a corda, alguma outra pessoa tinha de fornecer o carrasco". E não é só isso: ainda não vi nenhum estudo que correlacione a dívida com o crescimento. Comisso atribui o problema às barreiras que obstruem a competição — que nos países socialistas resultam da alocação centralizada, e nos países capitalistas provêm da posição monopolista das empresas estatais. Porém, a simultaneidade desse colapso indica uma causa subjacente comum. Ellen Comisso, "Crisis in Socialism or Crisis of Socialism? A Review Essay", em
    World Politics, a sair.
  • 5
    Entre 1977 e 1983, o PIB
    per capita declinou 16% no Uruguai, 12% na Argentina, 11% no Chile e 9% no Brasil. Dados do CEPAL, citados por Francisco Weffort, "Incertezas da transição na América Latina",
    Lua Nova, 16, 1989: 5 -47. Na Polônia a renda
    per capita caiu 8% entre 1978 e 1985. Na União Soviética, o número total de casas construídas em 1985 foi o mesmo do que nos anos 60, e a produção agrícola
    per capita não aumentou desde 1978. A taxa bruta de mortalidade aumentou de 6,7 por mil na década de 1960 para 10,6 por mil em 1985; a expectativa de vida caiu de 70 para 68 anos e a mortalidade infantil aumentou. Ver Abel G. Agabengyan, "Economic Reforms", em Agabengyan, ed.,
    Perestfoika, 1989 (Nova York, Charles Scribner's Sons, 1988).
  • 6
    Note -se, porém, o argumento de Asselain de que no Leste europeu o sistema de planejamento tornou -se complexo independentemente da complexidade da economia. Jean -Charles Asselain,
    Planning and Profits in a Socialist Economy (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1984).
  • 7
    Quanto a análises da industrialização na América Latina, ver Fernando Fejnzylberg,
    La lndustrialización Tronca de America Latina, 1984, e Oswaldo Sunkel,
    lndustrialización de America Latina, 1987. Uma análise teórica do Brasil encontra -se em Luiz Carlos Bresser Pereira,
    Development and Crisis in Brazil, 1930 -1983 (Boulder, Westview Press, 1984). O caso que se desvia da norma é a Argentina; ver Carlos H. Waisman,
    Reversal of Development in Argentina (Princeton, Princeton University Press, 1987).
  • 8
    Segundo um argumento muito adotado, a própria natureza de comando da economia cria a necessidade de reformas periódicas. O desenvolvimento da economia gera contradições, mas o sistema de comando não se auto -regula; portanto, todas as tentativas de se restaurar o equilíbrio devem passar pelo sistema político. A mais completa exposição desse argumento se deve a Jadwiga Staniszkis,
    Pologne: la Révolution Autolimitée (Paris, 1983), mas o mesmo raciocínio se encontra em Jerzy J. Wiatr, "Socyalizm a historyczna koniecznosc reform", em
    Polska Szansa (Cracóvia, Wydawnictwo Literackie, 1989) e em Leonid Abalkin, "Political -economic bases of the radical reform of the economic mechanism"
    (Sovietskaia Ekonomitcheskaia Reforma: Polski i Reshenia (Moscou, Nauka, 1988). Uma análise excelente das reformas econômicas e das razões que as levaram ao fracasso está em Jean -Charles Asselain,
    Planning and Profits in a Socialist Economy. Ver também Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality",
    Journal of Economic Literatura, 1M, 1986: 1687 -1737, e Alec Nove,
    The Economics of Feasible Socialism, capítulo 4 (Londres, George Allen and Unwin, 1983. [Há tradução brasileira:
    A economia do socialismo possível (São Paulo, Ática, 1989). As páginas aqui citadas são da edição inglesa. (N.T.) ]
  • 9
    Ver Thomas Baucr, "Hungarian Economic Reform in East European Perspective",
    Bastem European Politics and Societies, 2, 1988: 418 -432.
  • 10
    Outra maneira de expressar o mesmo argumento e que sem contratos de longo prazo cumpridos por pressão externa, a exploração conjunta dos recursos leva a resultados ineficientes. Especificamente, quando tanto os. capitalistas como os trabalhadores podem afetar a distribuição do consumo, a taxa de investimento será mais baixa do que seria se uma única classe de agentes recebesse todo o retorno (para além da segunda melhor opção de subsistência). Esta formulação seminal foi de Kevin Lancaster, "The Dynamic Inefficiency of Capitalism",
    Journal of Political Economy, 81, 1973: 1098 -1109; ver também Adam Przeworski e Michael Wallerstein, "The Structure of Class Conflict Under Dèmocratic Capitalism",
    American Political Science Review, 76, 1982: 215 -238, e D. Levhari e L. J. Mirman, "The Great Fish -War: An Example Using the Cournot -Nash Solution",
    Bell Journal of Economics, 11, 1980: 322 -324.
  • 11
    Para se acompanhar o último
    round, ver Daniel Lavoie,
    Rivalry and Central Planning, The Socialist Calculation Debate Revisited (Cambridge, Cambridge University Press); Israel M. Kirzner, "Some Ethical Implications for Capitalism of the Socialist Calculation Debate",
    Social Philosophy & Policy, 6, 1988: 165 -183, e Daniel Shapiro, "Reviving the Socialist Calculation Debate: A Defense of Hayek Against Lange",
    Social Philosophy & Policy, 6, 1989: 139 -160.
  • 12
    Nikolai Petrakov e Evgueni Yassine, "Economic methods of planned centralized management",
    Sovietskaia Ekonomitcheskaia Reforma: Polski i Reshenia (Moscou, Nauka, 1988).
  • 13
    Nove, por exemplo, acredita que "é inconcebível 'matematicizar' as complexidades do atual planejamento operacional relativo à produção e oferta, e assim garantir uma operação mais eficiente do sistema centralizado".
    Op. cit., p. 105. Ele ressalta que nenhum sistema de planejamento, por mais tecnologicamente avançado que seja, é capaz de lidar com a variedade. Mesmo assim, eu me pergunto: a economia soviética será mais complexa do que o sistema mundial de reserva de passagens aéreas?
  • 14
    Quando Bukharin criticou o projeto do primeiro plano quinquenal, num artigo publicado pelo
    Pravda (30 de setembro de 1928), o Bureau Político do Partido Comunista Soviético imediatamente chegou à conclusão de que "questões como essa devem ser discutidas primeiro num grupo mais limitado de membros do Partido". Marian Wilk,
    Czlowiek i Stal (Varsóvia, Panstwowy Instytut Wydawniczy, 1988), pp. 79 -80.
  • 15
    Anatoli P. Butenko,
    Soyremennyi Socializm: Aktualnyie Teoretitcheskyie Problemi (Moscou, 1988), cap. 5.
  • 16
    Ver uma formulação excepcionalmente clara feita por John Roemer, "Descentralization, Duplicity, and Minirnal Equity", artigo inédito, University of Califórnia at Davis, 1989.
  • 17
    Este me parece ser o argumento mais fraco contra o socialismo. Em primeiro lugar, os poucos dados de que dispomos, em especial os citados por Burawoy, indicam que no sistema socialista trabalha -se o mesmo tanto, se não mais. Em segundo lugar, ainda estamos longe de um consenso quanto ao motivo pelo qual se trabalha tanto no sistema capitalista.
  • 18
    Pode -se pensar num sistema em que o planejamento seria democrático, no sentido de que os partidos políticos competiriam na oferta do melhor plano. Ver Cornelius Castoriadis,
    Le Contenu du Socialisme (Paris, Editions du Seuil, 1979). Por exemplo, eles poderiam fazer uma campanha propondo diferentes taxas de preferência temporal (ou taxas de investimento); a plataforma correspondente à preferência mediana ganharia, e este seria o plano a ser detalhado pelo partido vencedor. As dificuldades dessa proposta são as mesmas de qualquer plataforma eleitoral: só os planos rudimentares poderiam ser compreendidos pelo grande público, e os problemas de escolha social mostrariam suas feias garras. Nove (
    op. cit., p. 179) examina essa complexidade, afirmando: "Não se pode inventar nenhuma maneira de 'democratizar' este processo [o planejamento ], a menos que se pense seriamente que a alocação de dez toneladas de metal, de mil metros de fazenda ou de componentes elétricos é algo que deva ser decidido pelo voto". Nathaniel Beck, "Social Choice and Economic Growth",
    Public Choice, 33, 1978: 33 -48, mostra que a escolha social relativa às taxas de preferência temporal seria cíclica se a pauta incluísse planos subótimos.
  • 19
    Leo Hurwicz, "The Design of Mechanisms for Resource Allocation",
    American Economic Review, 63, 1973.
  • 20
    John Roemer afirma que as suposições e as conclusões pessimistas da teoria da implementação são demasiado severas, uma vez que essa teoria assume que o planejador não sabe de nada. Na verdade, os planejadores não precisam conhecer as características de cada indivíduo; talvez seja suficiente que eles conheçam a distribuição estatística dos dados. Contudo, até agora Roemer não conseguiu encontrar um mecanismo descentralizado que fosse institucionalmente praticável e não violasse um dos axiomas que ele considera desejáveis em qualquer implementação descentralizada da propriedade pública. Ver a série recente de seus artigos, em particular, "Decentralization, Duplicity and Minimal Equity", op. cit.
  • 21
    Political Economy and Soviet Socialism. (Londres, George Allen & Unwin, 1979). Bresser Pereira, que concorda com essa avaliação, argumenta que é inevitável que tenhamos de suportar ciclos de intervenção estatal e de dependência do mercado. Ver "O padrão cíclico da intervenção estatal", comunicação apresentada no seminário
    Democratizando a Economia, Universidade de São Paulo, julho de 1988.
  • 22
    Os neoliberais, porém, elaboraram uma série de argumentos contra o envolvimento do Estado na correção das imperfeições de mercado: (1) Demonstrando que, na ausência de custos de transação, o mercado consegue lidar eficientemente com as externalidades, havendo uma distribuição desejável de direitos de propriedade (Coase); (2) Destacando que a noção de imperfeições de mercado, incluindo bens públicos, não é clara, e nenhuma teoria determina
    a priori quais sejam elas (Stigler); (3) Observando que, mesmo que os mercados não atuem com eficiência, não há garantia de que o Estado faria melhor (Stigler; para uma classificação dos "fracassos públicos", ver Wolf); e (4) Alegando que os estados costumam intervir não porque essa intervenção seja benéfica para o público, que a exige, mas sim porque é lucrativa para os interesses privados que a ela fornecem (novamente, Stigler). Geoge Stigler,
    The Citizen and the State (Chicago, University of Chicago Press, 1975); Charles Wolf, "A Theory of Nonmarket Failure: Framework for Implementation Analysis",
    Journal of Law and Economics 22, , 1979: 107 -139.
  • 23
    Minha própria opinião é que a intervenção do Estado se justifica pela norma da soberania popular sempre que a alocaçao do mercado diverge da alocaçao escolhida através do processo democrático. Ver "Could We Feed Everyone?".
  • 24
    Note -se que em cada uma das empresas estatais a administração pode ser indicada pelo Estado, ou o Estado pode delegar aos empregados esse direito.
  • 25
    Esta forma não parece estar incluída na pauta do Leste europeu, e ela não havia me ocorrido até ser lembrada por Luiz Carlos Bresser Pereira.
  • 26
    Sobre as dificuldades de se definir uma "cooperativa", ver Jon Elster e Karl Ove Moene, "Introduction" para
    Alternatives to Capitalism (Cambridge, Cambridge University Press, 1989).
  • 27
    Um desafio à exeqüibilidade do socialismo de mercado é o argumento de Axel Leijonhufvud. Segundo ele, uma vez que as máquinas são mais especializadas do que os trabalhadores especializados, as firmas que trabalham com capital em
    pool e contratam mão -de -obra são mais eficientes do que as firmas que trabalham com mão -de -obra era
    pool e alugam máquinas. Afirma Leijonhufvud: "Os trabalhadores não podem colocar sua força de trabalho em
    pool (da mesma forma que os capitalistas fazem
    pool com seu capital físico) a fim de alugar máquinas, distribuindo a renda conjunta entre os trabalhadores da empresa que eles próprios dirigem. A mão -de -obra não pode ser possuída, e as máquinas especializadas não podem ser alugadas. A cooperativa de produtores é uma forma possível de meio -termo, mas, de modo geral, as empresas de sucesso que começaram como sociedades de trabalhadores acabam possuindo capital e contratando mão -de -obra - ou seja, terminam sendo empresas capitalistas". Nesta situação, a sindicalização das empresas capitalistas é a melhor solução para os trabalhadores. Axel Leijonhufvud, "Capitalism and the Factory System", em Richard N. Langlois, ed.
    Econonacs as a Process(Cambridge, Cambridge University Press. 1986), p. 219.
  • 28
    Nove propõe abolir as grandes empresas privadas e deixar o campo reservado para as cooperativas.
    Op. cit., p. 200 e segs.
  • 29
    O argumento clássico contra as empresas pertencentes aos empregados foi apresentado por Benjamin Ward, "The Firm in Illyria: Market Syndicalism",
    American Economic Review, 48, 1957: 566 -589. Quanto a revisões recentes dessa literatura, ver Jon Elster, "From Here to There; or, If Cooperative Ownership Is So Desirable, Why Are There So Few Cooperatives?",
    Social Pbilosopby and Policy, 6, 1989: 74 -93, e Jon Elster e Karl Ove Moene, "Introduction" para
    Alíernatives to Capitalism (Cambridge, Cambridge University Press, 1989). Lucros "austríacos" são lucros devidos à posse de informação privada.
  • 30
    Bauer ressalta, porém, que os empresários do setor privado que operam num sistema de alocação administrativa ficam intimidados e não se comportam de uma maneira totalmente orientada para o lucro porque os preços que eles conseguiriam cobrar e a renda que conseguiriam auferir poderiam despertar reações políticas. Thomas Bauer, "The Unclearing Market", em Elster e Moene, eds.,
    Alternatives to Capitalism, op. cit. E eles têm razão de se sentirem intimidados: Wladyslaw Baka, ex -ministro da economia da Polônia e autor do "segundo estágio" da reforma econômica, preveniu que "as fortunas que resultam da utilização das ineficiências das soluções sistémicas não serão toleradas". Baka,
    Czas Reformy (Varsóvia, Ksiazka i Wiedza, 1986), p. 130.
  • 31
    Note -se que Von Mises e Hayek acreditavam que essas duas coisas não podem ser separadas.
  • 32
    Fernando H. Cardoso e Enzo Falleto, Dependency and Development in Latin America (Berkeley, University of California Press, 1979).
  • 33
    Stephen Haggard, "The Newly Industrializing Countries in the International System",
    World Politics, 38, 1986: 343 -370.
  • 34
    Joseph C. Brada, "Is Hungary lhe Future of Poland or Is Poland the Future of Hungary?",
    Eastern European Politics and Society, 2, 1988: 466 -483, p. 478.
  • 35
    Note -se: não apenas "o máximo possível", mas também "dos bens que as pessoas querem". O valor das mercadorias que ninguém queria levar de graça das lojas tchecas era equivalente, um ano atrás, ao crescimento da economia durante dois anos.
  • 36
    Wladyslaw Baka,
    op. cit., p. 46.
  • 37
    De fato, como um observador comentou, uma indicação do fracasso das reformas polonesas é que elas não causaram desemprego nem falências de empresas. Brada, "Is Hungary...", op. cit.
  • 38
    A meu ver, os Estados têm se mostrado fracos enquanto organizações, tanto no Leste europeu como na maioria dos países latino -americanos. Não conseguiram enfrentar as pressões vindas das grandes empresas que exigem subsídios e proteção; ao mesmo tempo, foram incapazes de coletar rendas dessas firmas (ou de seus proprietários particulares), e não conseguiram que elas aceitassem suas regras e regulamentos.
  • 39
    Na Europa do Leste, os serviços de bem -estar eram distribuídos pelo comando centralizado. O planejador alocava aço, mobília, carne, consultas médicas e vagas em hotéis de veraneio. Os serviços se desintegraram juntamente com o resto do planejamento central.
  • 40
    Há uma vasta quantidade de dados que provam isso, tanto sistemáticos como baseados em relatos. As economias socialistas usam 1,8 vezes mais energia e mais de duas vezes a quantidade de aço do que os países capitalistas desenvolvidos para obter uma unidade de produção. O tamanho das fábricas é várias vezes maior do que no Ocidente. Nas fábricas húngaras a taxa de insumos
    vs. produção é cinco vezes maior do que no Ocidente. As histórias que correm sobre a irracionalidade são abundantes: diz -se que metade da produção agrícola da União Soviética se perde antes de chegar ao mercado consumidor; no inverno as crianças se divertem deslizando com trenós sobre as montanhas de fertilizantes que se acumulam ao lado das estações de trem, esperando para serem transportados até as fazendas. Os indicadores de bem -estar também são espantosos: os países socialistas têm, em geral, mais médicos
    per capita, maiores taxas de alunos matriculados nas escolas, mais construção de casas, e, ao mesmo tempo, uma expectativa de vida mais curta, maior mortalidade em termos totais, menos produtividade no trabalho e padrões inferiores de moradia.
  • 41
    A desigualdade de rendas na União Soviética e na Hungria é um pouco menor do que nos países capitalistas desenvolvidos, mas provavelmente não muito diferente da Suécia ou do Japão. Sobre a União Soviética, ver Abram Bergson, "Income Inequality Under Soviet Socialism",
    Journal of Economic Literature, 22, 1984: 1052 -1100; sobre a Hungria, Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process",
    Journal oj Economic Literature, 24, 1986: 1687 -1738; sobre a Polônia, Edmund Wnuk -Lipinski, "Nierownosci, deprywacje i przywileje jako podloze konfliktu spolecznego",
    Polacy 88, Dynamika Konflikty a Szanse Reform (Varsóvia, CBPB, 1989). Um economista soviético revelou há pouco que a quota da mão -de -obra no produto nacional bruto da União Soviética é de 37% - bem abaixo dos países capitalistas desenvolvidos e mais ou menos igual ao México ou a Venezuela. Victor Zaslavsky cita dados segundo os quais cerca de metade dos depósitos bancários na União Soviética foi feita por apenas 3% das contas. "Three Years of Perestroyka",
    Telos, 74, 1987 -88: 35. Segundo uma entrevista
    em Le Nouvel Observateur, 15 -21 de junho de 1989, p. 99, o gasto por paciente nos hospitais especiais para a
    nomenklatura é de 111 rublos por dia; nos hospitais comuns, 24 rublos.
  • 42
    Segundo Bresser Pereira, as reformas básicas necessárias no Brasil incluem: (1) "eliminação de subsídios [a empresas ]; (2) liberalização do comércio a fim de estimular a competitividade internacional; e (3) privatização, para ajudar a resolver a crise fiscal do Estado". Luiz Carlos Bresser Pereira, "A Pragmatic Approach to State Intervention: the Brazilian Case", manuscrito.
  • 43
    Note -se que os mercados financeiros são necessários para permitir uma utilização contínua dos recursos físicos das firmas que vão à falência.
  • 44
    Não vejo nenhum bom argumento a favor ou contra a privatização, expresso em termos de eficiência.
  • 45
    Mesmo considerando que os preços dos bens de consumo deverão ser "corrigidos" em 1991, as reformas na União Soviética pretendem introduzir a autonomia financeira e a responsabilidade nas empresas, mas não nos mercados. Numa afirmação programática, Leonid Abalkin rejeita todos os mecanismos econômicos "estranhos à propriedade social, isto é, tudo que provoque crises, anarquia na produção, desemprego e a divisão da sociedade em classes". Ele argumenta que dentro do sistema socialista de produção, os mecanismos de preço funcionam de modo diferente do que ocorre sob o capitalismo, e "se tornam instrumentos do mecanismo da administração econômica planejada".
    Op. cit., p. 44 e 47. É surpreendente constatar que o mais duro ataque às reformas orientadas para a economia de mercado vem de Boris Kagarlitsky, que afirma que são os "tecnocratas", e não os "democratas", que optam pelo mercado. Kagarlitsky alega que na estrutura da economia soviética, "a proposta de 'jogo de mercado' só pode causar aumento de preços, inflação e maior exploração do consumidor pelas organizações monopolistas". Ele também cita pesquisas segundo as quais mais de 70% da população é contra as reformas orientadas para a economia de mercado. "Perestroika: the Dialectic of Change",
    New Left Review, 169, maio -junho de 1988, em particular as pp. 80 -81.
  • 46
    Uma excelente análise das reformas econômicas e das razões que as levavam ao fracasso está em Jean -Charles Asselain,
    Planning and Profits in a Socialist Economy. Ver também Alec Nove,
    The Economics of Feasible Socialism, capítulo 4, e Janos Kornai, "The Hungarian Reform Process: Visions, Hopes, and Reality",
    Journal of Economic Literaiure, 24, 1986: 1687 -1737.
  • 47
    Segundo consta, um administrador polonês observou: "Nós sabemos que somos independentes, mas quem vai nos dizer o que devemos produzir?" Roger Thurow, "Poland Finds Economic 'Reforms' Don't Necessarily Produce Results",
    Wall Street Journal, 27 de fevereiro de 1986.
  • 48
    Sobre o planejamento sistemático de uma estratégia de "transição do totalitarismo para a democracia através do autoritarismo", ver A. M. Migranyan, Terehod ot totalitarno -avtoritarnih regimov ka democratsii", em Ê. A. Ambarstumov e J. M. Kliamkin, eds.,
    Politicheskie Reformy y Stranakh Socializma (Moscou, Akadiemia Nauk, SSSR, 1988).
  • 49
    A dinâmica da inflação que resulta na transição da escassez para a economia de mercado não é clara para mim.
  • 50
    Note -se que na Polônia as previsões quanto ao desemprego variam de 300 mil a 4 milhões de desempregados. Ainda não há nenhum sistema de impostos, mas o governo já se comprometeu a adotar um esquema de seguro desemprego que garanta as taxas de recolocação. Como pode o governo prever sua balança orçamentária nessas condições?
  • 51
    Quanto a dados de pesquisas na Polônia, ver Lena Kolarska -Bobinska, "Social Interests, Egalitarian Attitudes, and the Change of Economic Interests",
    Social Research, 55, 1988: 111 -139; sobre a Hungria, ver Laszlo Bruszt, "'Without Us But For Us?' Political Orientation in Hungary in the Period of Late Paternalism",
    Social Research, 55, 1988: 43 -77; para uma análise da União Soviética, ver Tatyana I. Zasiavskaya, "Friends or Foes? Social Forces Working For and Against Perestroika", em Abel G. Agabengyan, ed.,
    Perestroika, 1989 (Nova York, Charles Scribner's Sons, 1988).
  • 52
    Ellen Comisso, "Market Failures and Market Socialism: Economic Problems of the Transition",
    Eastern European Politics and Societies, 2, 1988: 433 -465.
  • 53
    Na Europa do Leste isso é mais fácil de dizer do que de fazer, pois não há mercado imobiliário, e, portanto, a mão -de -obra é geograficamente imóvel.
  • 54
    Essa é uma questão complicada, como mostra Lena Kolarska -Bobinska em sua análise dos dados de pesquisas na Polônia. Ela afirma que a sociedade polonesa é intolerante para com as desigualdades, mas só porque essas desigualdades são vistas como injustas. De fato, como mostra a autora, tanto a tolerância às desigualdades como o desemprego aumentaram muito desde 1980. Porém as atitudes para com a igualdade também são instrumentais: os operários, os grupos de baixa renda e de pouca instrução, e os que não ocupam posições administrativas são os mais intolerantes em relação às diferenças de renda, e mais propensos a favorecer o direito incondicional ao trabalho. "Social Interests, Egalitarian Attitudes, and the Change of Economic Order",
    Social Research, 55, 1988: 111 -139. Uma análise semelhante é apresentada por Jerszy J. Wiatr, "Slowo wprowadzajace", em Zbigniew Sufin, ed.,
    Egalitaryzm: Problemy teorii i praktyki spolecznei (Varsóvia, 1982).
  • 55
    Esta noção de tempo institucional se deve a Norbert Lechner.
  • 56
    Uma análise exemplar das alternativas que se apresentam para o futuro governo democrático do Chile é a de Alejandro Foxley, "After Authoritaria -nism: Political Alternatives", in Alejandro Foxley, Michael S. McPherson e Guillermo O'Donnell,
    Development, Democracy and lhe Art of Trespassing. (Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1986). Uma análise que tenta superar esses limites é a de Paul Singer, "Reflexões sobre inflação, conflito distributivo e democracia", em Fábio Wanderley Reis e Guillermo O'Donnell, eds.,
    A Democracia no Brasil, Dilemas e Perspectivas (São Paulo, Vértice, 1988).
  • 57
    Walter Galenson, "Introduction",
    Labor and Economic Development (Nova York, John Wiley and Sons, 1959).
  • 58
    Contudo, pelo menos nos países já desenvolvidos a democracia não causou uma diminuição do crescimento econômico. De fato, há sólidos dados estatísticos indicando que a taxa de crescimento e de igualdade de rendas (pré e pós -taxação) tem sido mais alta nos países que têm um movimento sindical forte e um governo de esquerda. Ver Michael Bruno e Jeffrey Sachs,
    Economics of Worldwide Stagflation (Cambridge, Harvard University Press, 1985); Alexander Hicks, "Social Democratic Corporatism and Economic Growth",
    Journal of Politics, a sair; Peter Lange e Geoffrey Garrett, "The Politics of Growth: Strategic Interaction and Economic Performance in the Advanced Industrial Democracies, 1974 -1980",
    Journal of Politics, 47, 1985: 792 -827.
  • 59
    Ver Wlodzimierz Brus, "Political System and Economic Efficiency: The East European Context",
    Journal of Comparative Economics, 4, 1980: 40 -55. Uma visão mais cética é a de Stanislaw Gomulka, "Economic factors in the democratization of socialism and the socialization of capitalism",
    Journal of Comparative Economics, 1, 1977: 389 -406.
  • 60
    Juan Carlos Torre, faiando no simpósio
    Transição Política, Necessidade e Limites da Negociação, na Universidade de São Paulo, junho de 1987 (São Paulo, USP, 1987; editado por José Augusto Guilhon de Albuquerque e Eunice Ribeiro Durham).
  • 61
    A lógica econômica e as pré -condições políticas desses pactos são discutidas por Norbert Lechner, "Pacto social nos processos de democratização: a experiência latino -americana",
    Novos Estudos, 13, 1985: 29 -44, e Adam Przeworski, "Capitalismo, Democracia, Pactos", em Guilhon de Albuquerque e Ribeiro Durham,
    op. cit. Entre as revisões da experiência de vários países incluem -se: Efren Cordova,
    Pactos Sociais: Experiência Internacional, Tipologia e Modelos (São Paulo, IBRART, 1985); Mário R. dos Santos, ed.,
    Concertación político -social y democratización (Buenos Aires, Clacso, 1987); Adriano Pappalardo,
    il Governo dei Salario nelle Democrazie Industriali (Milão, Franco Agneli, 1985).
  • 62
    Sobre a lógica do autocontrole voluntário, ver Adam Przeworski, Capitalismo e Social Democracia. Companhia das Letras, 1989. Capitalism and Social Democracy (Cambridge, Cambridge University Press, 1985), e Przeworski, "Capitalismo, Democracia, Pactos", op. cit.
  • 63
    Philippe C. Schmitter, "Patti e Transizioni: Mezzi Non -Democratici a Fini Democratici",
    Rivista Italiana di Scienza Política, 14: 363 -382.
  • 64
    Sobre o papel dos sindicatos durante a democratização, ver Samuel Valenzuela, "Labor Movements in Transitions to Democracy: A Framework for Analysis", (Working Paper 104, The Helen Kellogg Institute for International Studies, Notre Dame, 1988); Maria Hermínia Tavares de Almeida, "Difícil Caminho: Sindicatos e Política na Construção da Democracia", em Reis e O'Donnell, op. cit.
  • 65
    Uma lista de questões institucionais que foram tema de discussões durante os processos constitucionais americano e francês, há duzentos anos, inclui: (1) sufrágio universal
    vs. restrito; (2) eleições diretas
    vs. indiretas, (3) renovação do quadro de deputados, integral
    vs. por etapas, (4) unicameralismo
    vs. bicameralismo, (5) voto secreto
    vs. público, (6) parlamentarismo
    vs. presidencialismo, (7) eleições em datas fixas
    vs. decisão do governo sobre a época das eleições, (8) executivo reelegível
    vs. nâo -reelegível, (9) impunidade dos deputados, (10) veto do executivo, (11) executivo responsabilizável, sujeito a demissão, (12) direito à dissolução, (13) poder legislativo para propor e rejeitar leis, (14) monopólio legislativo do poder do tesouro, (15) um judiciário independente, (16) julgamento por júri, aberto ao público, (17) abolição das leis retroativas, (18) liberdade absoluta da imprensa, (19) liberdade de religião, (20) barreiras institucionais entre o exército e a polícia, e (21) descentralização territorial do poder de tomada de decisão. Esta lista foi elaborada por Stephen Holmes. Ver Russell Hardin, Stephen Holmes e Adam Przeworski, "The Constitution of Democracy", artigo inédito, University of Chicago, 1988.
  • 66
    Uma comparação entre a experiência americana e a francesa indica a seguinte interpretação. As constituições que resultam de negociações entre forças políticas relativamente iguais são cumpridas e duram muito tempo, pois reduzem os fatores de risco nas batalhas políticas. Os pretendentes a um cargo podem ter a razoável certeza de que irão consegui -lo, e os perdedores podem ter a razoável certeza de que poderão voltar a pleitear. Por sua vez, as constituições adotadas a fim de fortificar vantagens políticas passageiras, constituições que não passam de pactos de dominação entre os vitoriosos mais recentes, só duram enquanto duram as condições que geraram a última vitória política. Se essa hipótese é verdadeira, então não só a longevidade e a efetividade das constituições, mas também a própria estrutura das instituições, deve ser visivelmente diferente.
  • 67
    Sobre a tensão entre os aspectos procedimentais e substantivos das constituições, ver Gerhard Casper, "Changing Concepts of Constitutionalism: 18th to 20th Century", artigo inédito, Universidade de Chicago, 1989. Meu artigo de 1985, que afirmava que a democracia deve necessariamente deixar indeterminados a maioria dos resultados substantivos, e que a incerteza sobre esses resultados é, portanto, inerente à democracia, suscitou diversas respostas polêmicas de intelectuais latino -americanos. Przeworski, "Ama a incerteza e serás democrático",
    Novos Estudos, 1985; Norbert Lechner, "Corresponde la democracia a Ia búsqueda de incertidumbre?",
    Zona Abierta, 1987; Francisco C. Weffort, "Incertezas da transição na América Latina",
    Lua Nova, 16, 1989: 5 -47.
  • 68
    Sobre esse tópico, ver os ensaios em Jon Elster e Rune Slagstad, eds.,
    Constitutionalism and Democracy (Cambridge, Cambridge University Press, 1988).
  • 69
    Como disse Becker recentemente, "Em todas as sociedades há um número virtualmente ilimitado de grupos de pressão que poderiam fazer
    lobbies para obter ajuda política para seus membros, categorizados por ocupação, indústria, renda, sexo, idade, altura, consumo c outras características". Gary S. Becker, "A Theory of Competition Arnong Interest Groups for Political Influence",
    Quarterly Journal of Economics, 98, 1983: 388.
  • 70
    Philippe C. Schmitter, "Still lhe Century of Corporatism?",
    Review of Politics, 36, 1974: 85 -131; "Modes of Interest Intermediation and Models of Societal Change in Western Europe",
    Comparative Political Studies, 10, 1977: 7 -38; "Democratic Theory and Neocorporatist Practice",
    Social Research, 50, 1983: 885 -928; "Neo -Corporatism and the State", in Wyn Grant, ed.,
    The Political Economy of Corporatism (Londres, Macrnillan, 1986).
  • 71
    Alfred Stepan,
    The State and Society; Peru in Comparative Perspective (Princeton: Princeton University Press, 1978), p. 15.
  • 72
    Gerhard Lembruch, "Neo -Corporatism and the Function of Representative Institutions", artigo apresentado na Conferência sobre Representação e Estado (Conference on Representation and the State), Stanford University, 1982.
  • 73
    O resumo mais abalizado sobre o estado atual dos conhecimentos sobre a transição para a democracia na Europa meridional e na América Latina é de Guillermo 0'Donnell e Philippe C. Schmitter,
    Tentative Conclusions About Uncertain Democracies (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986). O problema estratégico central nos países socialistas era optar entre dirigir os esforços para se criar uma "segunda sociedade", independente dos poderes existentes, ou procurar nas negociações uma solução institucional. Ver Elemer Hankiss, "The 'Second Society": Is There an Alternative Social Model Emerging in Contemporary Hungary?",
    Social Research, 55, 1988: 13 -43, e Staniszkis, op. cit.
  • 74
    Nem sempre estas são monolíticas. Note -se que no Leste europeu, como um legado da era de Stalin, havia duas forças de repressão organizadas: as forças armadas para a defesa externa, sob o controle do Ministério da Defesa, e o exército para manutenção da ordem interna, sob o controle do Ministério do Interior. A autonomia da polícia secreta variava conforme o país e o período.
  • 75
    Na Argentina, o governo democrático do presidente Raul Alfonsín enfrentou treze greves gerais durante seus cinco anos no poder.
  • 76
    Quanto ao argumento que alega que tais pactos podem ser um preço necessário da democracia, ver Philippe C. Schmitter, "Patti e Transizioni: Mezzi Non -Democratici a Fini Democratici",
    Rivista Italiana di Scienza Política, 14: 363 -382.
  • 77
    Francisco Weffort, "Incertezas da Transição na América Latina", op. cit.
  • 78
    Uma prova desse dilema é a atitude das associações de empresários brasileiros quanto aos sindicatos: por um lado, os empregadores garantem publicamente que não se importam de pagar maiores salários e que podem chegar a um acordo com os sindicatos, bastando que o governo os deixe em paz; porém, por outro lado, lutaram com todas as forças para impedir a ampliação dos direitos do trabalhador na Assembléia Constituinte.
  • 79
    A crítica que o bom senso faz a essa ideia é que ela "compara maçãs com bananas". Mas, como notou certa vez George Bernard Shaw, é o bom senso que nos diz que a terra é plana. "Comparabilidade" não é uma característica que reside nos objetos, como a textura ou a cor, mas sim uma propriedade da linguagem usada para analisá -los: a resposta simples ao adágio sobre maçãs e bananas é que elas são •'frutas". E mais, o propósito da pesquisa comparativa não é comparar, mas sim explicar.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Out 1990
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