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O mito do mandato presidencial

O PRESIDENCIALISMO EM QUESTÃO

O mito do mandato presidencial* * Este artigo baseia-se em The Tanner Lectures on Human Values, vol. 10, editado por Grethe B. Peterson, University of Utah Press e foi publicado originalmente em Political Science Quarterly, vol. 105, 3, 1990.

Robert A. Dahl** ** Tradução de Isa Mara Lando.

Professor Emérito de Ciência Política da Universidade de Yale e ex-presidente da Associação Americana de Ciência Política

Em 1980, na noite da eleição, o vice-presidente informou ao país, entusiasticamente, que o triunfo de Ronald Reagan era

"... não simplesmente um mandato para uma mudança, mas um mandato para a paz e para a liberdade; um mandato para a prosperidade; um mandato para a oportunidade para todos os norte-americanos, seja qual for sua raça, sexo ou credo; um mandato para uma liderança ao mesmo tempo forte e compassiva ... um mandato para fazer com que o governo seja servo do povo, da maneira como pretenderam os Fundadores da nação; um mandato para a esperança; um mandato para a esperança de realização do grande sonho pelo qual o presidente eleito Reagan trabalhou toda a sua vida."1 1 Stanley Kelley, Jr., Interpreting Elections (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1983), 217.

Suponho que não há limites para o exagero permissível na euforia da vitória, especialmente por parte de um vice-presidente eleito. Assim, ele pode ser desculpado, imagino, por não ter observado, assim como muitos outros que fizeram comentários de teor semelhante nas semanas e meses seguintes, que o grandioso mandato de Reagan foi outorgado por 50,9% dos votantes. Passada uma década fica muito mais evidente, como deveria ter sido na época, que aquilo que foi comumente interpretado como o mandato de Reagan, não só por seus partidários como também pelos seus adversários, era mais mito do que realidade.

Ao alegar que o resultado da eleição concedia um mandato ao presidente por parte do povo americano, para levar a cabo os programas, prioridades, medidas e novas diretrizes expressas durante a campanha pelo candidato vitorioso e por seus apoiadores, o vice-presidente eleito, tal como outros comentaristas, estava repetindo uma teoria familiar.

ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

A história da teoria do mandato presidencial ainda não foi escrita, e não tenho a intenção de oferecer uma aqui. Contudo, se se pode mencionar alguém como o criador do mito do mandato presidencial, este sem dúvida seria Andrew Jackson. Embora ele nunca tivesse usado a palavra mandato, que eu saiba, foi o primeiro presidente americano a alegar não só que o presidente representa o povo todo de uma maneira única, mas ainda que a sua eleição lhe outorga um mandato do povo em apoio de sua postura política. Essa afirmação de Jackson foi um passo fatal na democratização do sistema constitucional dos Estados Unidos ou melhor, naquilo que eu prefiro chamar de pseudodemocratização da presidência.

Como observou Leonard White, Jackson tinha uma "firme convicção" de que "o Presidente era um representante imediato e direto do povo."2 2 Leonard D. White, The Jacksonians: A Study in Administrative History, 1829-1861 (Nova York: Free Press, 1954), 23. Talvez como resultado de sua derrota em 1824 tanto no colégio eleitoral como na Câmara dos Representantes, em sua primeira mensagem presidencial ao Congresso, para que houvesse "o mínimo possível de impedimentos à livre ação da vontade pública", Jackson propôs uma emenda na Constituição instituindo a eleição direta do presidente.3 3 Citado em ibid., 23.

"Ao povo", disse ele, "pertence o direito de eleger o Magistrado Supremo; nunca foi planejado que a escolha do povo fosse, de qualquer modo, derrotada, seja pela intervenção de colégios eleitorais ou pela ... Câmara dos Representantes."4 4 Citado em James W. Ceaser, Presidential Selection: Theory and Development (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1979), 160, nota de rodapé 58.

Sua grande questão política foi a do Banco dos Estados Unidos, que ele acreditava firmemente ser um órgão nocivo para o bem geral. Agindo com base nesta convicção, em 1832 Jackson vetou a proposta de renovação da concessão do banco. Tal como seus predecessores, justificou o veto como uma proteção contra a legislação inconstitucional; mas ao contrário de seus predecessores, que usaram o veto com freqüência relativamente pequena, ele também o justificou como uma defesa de sua própria orientação política, ou da adotada pelo seu partido.

Depois que a concessão do Banco foi vetada, esta se tornou a questão principal da eleição presidencial de 1832. Em conseqüência, a reeleição de Jackson era considerada por muita gente, mesmo entre seus oponentes (pelo menos em particular), como equivalente a "algo como uma ratificação popular" de seu posicionamento.5 5 White, Jacksonians, 23. Quando, a fim de apressar a extinção do banco, Jackson achou necessário demitir seu Secretário do Tesouro, justificou sua atitude com o motivo, entre outros, de que "o Presidente é o representante direto do povo americano, mas os Secretários não são."6 6 Ibid., 23.

Mesmo sendo inovadora, a teoria de Jackson sobre o mandato presidencial era menos sólida do que viria a tornar-se nas mãos de seus sucessores. Em 1848, James Polk formulou explicitamente a alegação, numa defesa de seu uso do veto em assuntos de princípios políticos, que como representante do povo o presidente era, se não mais representativo que o Congresso, pelo menos tanto quanto.

"O povo, pela constituição, ordenou ao Presidente, assim como ao poder legislativo do governo, que execute a sua vontade... O Presidente representa, no departamento executivo, o povo inteiro dos Estados Unidos, assim como cada membro do departamento legislativo representa certa porção do povo." O Presidente é responsável "não só perante uma opinião pública esclarecida, mas perante o povo de toda a União, que o elegeu, assim como os representantes no poder legislativo... são responsáveis perante a população de determinados estados ou distritos..."7 7 Ibid., 24.

Note que na opinião de Jackson e de Polk, o presidente, tanto constitucionalmente como na qualidade de representante do povo, está no mesmo nível do Congresso. Eles não afirmaram que num destes dois aspectos o presidente seja superior ao Congresso. Foi Woodrow Wilson quem deu mais um passo na evolução dessa teoria, afirmando que ao representar o povo o presidente não é meramente igual ao Congresso mas, na verdade, superior a ele.

IDÉIAS ANTERIORES

Como a teoria do mandato presidencial adotada por Jackson e Polk tornou-se parte integrante da nossa atual concepção de presidência, pode nos ser difícil compreender o quanto esta noção divergia das idéias dos presidentes anteriores.

Como já mostrou James Ceaser, os Fundadores planejaram o processo de eleição como um meio de aumentar as chances de se eleger uma figura nacional que desfrutasse do apoio da maioria. Esperavam que seu plano evitaria não só a competição populista entre candidatos que dependiam das "artes populares" algo que eles acreditavam, e com razão, que aconteceria se o presidente fosse eleito pelo povo - mas também queriam evitar urna escolha que acreditavam ser necessariamente faccionária, caso o presidente fosse eleito pelo Congresso, em especial pela Câmara.8 8 Embora Madison e Hamilton se opusessem a uma eventual solução de uma eleição da Câmara no caso de nenhum candidato receber a maioria dos votos eleitorais, Gouverneur Morris e James Wilson aceitaram essa solução como uma concessão não demasiado grande. Ceaser, Presidential Selection, 80-81.

Entretanto, ao adotar a solução de um colégio eleitoral, os Fundadores subestimaram seriamente o impulso para a democratização, que já era claro e evidente entre os americanos, e em especial entre seus adversários, os anti-Federalistas. Não imaginaram que este impulso iria subverter e alterar a estrutura constitucional que eles haviam arquitetado com tanto cuidado. Como vou retornar mais adiante a este assunto, desejo agora mencionar apenas duas falhas que têm relação íntima com a teoria do mandato presidencial. Primeira, os Fundadores da nação não previram o desenvolvimento de partidos políticos, nem compreenderam de que modo um sistema bipartidário poderia alcançar o objetivo que eles tinham em mente, ou seja, garantir a eleição de uma figura de renome nacional, e não apenas local. Segunda, como observou Ceaser, embora os Fundadores reconhecessem "a necessidade de um julgamento popular do desempenho do ocupante de um cargo", e tivessem planejado um método de selecionar o presidente que, segundo eles, ofereceria essa oportunidade, eles "não atribuíam às eleições o papel de instituir mudanças decisivas nas medidas políticas, em resposta às demandas populares."9 9 Ibid., 84. Em suma, a teoria do mandato presidencial não só não se encontra na concepção dos Fundadores; quase com certeza, ela viola esta concepção.

Nenhum presidente anterior a Jackson contestou a noção de que o Congresso era o representante legítimo do povo. Até mesmo Thomas Jefferson, que empregou com habilidade o papel emergente de líder do partido para ganhar apoio do Congresso para suas posturas e decisões

"era mais Whig do que ... os próprios Whigs britânicos, ao subordinar [o poder executivo] ao "supremo poder legislativo". ... O tom das mensagens de Jefferson é sempre de deferência ao Congresso. A primeira destas ter mina com as seguintes palavras: "Nada faltará da minha parte, ao máximo da minha capacidade, para dar subsídios às decisões do legislativo, nem para executar fielmente essas decisões."10 10 Edward S. Corwin, The President: Offices and Powers, 1789-1948, 3ª ed., (Nova York: New York University Press, 1948), 20.

James Madison, demonstrando que um grande teórico da constituição e exímio líder do Congresso decididamente podia não ser um grande presidente, deferia tanto ao Congresso que nas suas comunicações àquela casa sua extrema precaução o tornava "quase ininteligível"11 11 Wilfred E. Binkley, President and Congress (Nova York: Alfred A. Knopf, 1947), 56. — algo que mal se poderia esperar de alguém que foi mestre das explanações lúcidas na Convenção Constituinte. Seu sucessor, James Monroe, estava tão convicto de que o Congresso deveria decidir sobre as questões internas do país sem influência presidencial que, durante todos os debates no Congresso sobre "a maior questão política da época... a admissão de Missouri e o estatuto da escravidão no território da Louisiana", ele permaneceu em absoluto silêncio.12 12 Leonard D. White, The Jeffersonians: A Study in Administrative History, 1801-1829 (Nova York: Free Press, 1951), 31.

Madison e Monroe servem não como exemplos de como um presidente deve portar-se, mas sim como demonstração da maneira como os primeiros presidentes pensavam que deviam portar-se. Considerando as idéias e o comportamento dos antecessores de Jackson em relação à constituição, não é difícil ver por que seus adversários chamavam a si mesmos de Whigs, para pôr em relevo o fato de que Jackson havia abandonado as idéias anteriores sobre a presidência, presumivelmente mais corretas do ponto de vista constitucional.

WOODROW WILSON

Os homens que se sucederam na presidência entre Polk e Wilson - uma longa e quase ininterrupta série de mediocridades - em sua maioria adotavam as idéias Whigs quanto ao cargo, e parecem não ter reivindicado um mandato popular para seus programas — quando os tinham. Até mesmo Abraham Lincoln, ao justificar o alcance sem precedentes do poder presidencial, que ele acreditava necessário para enfrentar a secessão e a guerra civil, baseou-se em fundamentos constitucionais, e não num mandato do povo.13 13 Lincoln baseou-se principalmente no poder de guerra, que ele criou unindo a obrigação constitucional do presidente de "zelar para que as leis sejam fielmente cumpridas" ao seu poder na qualidade de comandante-em-chefe. Ele interpretou o poder de guerra como uma verdadeira fonte de autoridade constitucional implícita para as extraordinárias medidas de emergência que tomou durante uma extraordinária crise nacional. (Corwin, The President, op. cit, 277 e segs. ). Na verdade, uma vez que ele não conseguiu obter a maioria dos votos na eleição de I860, reivindicar um mandato popular seria, na melhor das hipóteses, uma atitude dúbia. Tal como Lincoln, Theodore Roosevelt também tinha uma visão um tanto irrestrita do poder presidencial; ele expressou a opinião, que na época começava a surgir entre os Progressistas, de que o chefe do executivo era também representante do povo. Contudo, a liderança que ele reivindicava para a presidência baseava-se ostensivamente — e um tanto livremente, devo dizer -na Constituição, e não na mística do mandato.14 14 Cada membro do executivo, e em particular o Presidente, segundo Roosevelt, 'era um líder do povo, dedicado ativamente e afirmativamente a fazer tudo o que pudesse pelo povo. ...' E sustentava, portanto, que a menos que fosse especificamente proibido pela Constituição ou pela lei, o Presidente tinha de 'fazer qualquer coisa que as necessidades da nação exigissem...' 'Com esta interpretação do poder executivo', ele recordava: 'eu fiz e ordenei que fossem feitas muitas coisas que anteriormente não haviam sido feitas. ... Não usurpei o poder, mas sem dúvida ampliei muito o uso do poder executivo' ". Veja John Morton Blum, The Republican Roosevelt (Nova York: Atheneum, 1954), 108.

Woodrow Wilson, mais como cientista político do que como presidente, levou a teoria do mandato ao estágio que hoje parece ser sua forma canônica. Sua formulação foi influenciada por sua admiração pelo sistema britânico de governo de Gabinete. Em 1879, quando ainda era quartanista da Universidade de Princeton, publicou um ensaio recomendando a adoção deste sistema de governo nos Estados Unidos.15 15 Woodrow Wilson, Cabinet Government in the United States (Stanford, Conn.: Overbrook Press, 1947), publicado orig. em International Review, 1879. Contudo, ofereceu poucas indicações sobre a forma como essa mudança deveria realizar-se, e logo abandonou a idéia, sem ter encontrado uma solução alternativa.16 16 Parece que ele não deu muita atenção à questão prática de como uma alteração tão radical deveria ser realizada. Que eu saiba, as únicas palavras publicadas de Wilson a respeito de como iniciar o sistema inglês estão no artigo Committee or Cabinet Government, que foi publicado no Overland Monthly de janeiro de 1884. " Sua solução era fazer uma emenda à Seção 6 do Artigo I da Constituição, para permitir que os membros do Congresso ocupassem cargos como membros do Gabinete, e estender o mandato do presidente e dos representantes. Veja Walter Lippmann, Introduction, em Congressional Government (Nova York: Meridian Books, 1956), 14-15. Mesmo assim, continuou a destacar o contraste entre o sistema americano de governo congressional, no qual o Congresso era todo-poderoso mas sem liderança executiva, com o governo de Gabinete britânico, no qual o parlamento, embora todo-poderoso, era firmemente liderado pelo primeiro-ministro e seu gabinete. Porém, como era improvável que os americanos adotassem o sistema britânico, Wilson começou a considerar a alternativa de uma liderança presidencial mais poderosa.17 17 A avaliação comparativa desfavorável feita por Wilson fica especialmente clara em Congressional Government: A Study in American Politics (Nova York: Meridian Books, 1956; reimpressão da ed. de 1885), 181. Da mesma forma que Jackson tinha proposto a eleição direta do presidente, em sua primeira mensagem anual Wilson propôs a adoção de um sistema de eleições primárias diretas nacionais. Veja Ceaser, Presidential Selection, 173. Em seu Congressional Government, publicado em 1885, ele reconheceu que "os representantes do povo devem ser a autoridade suprema em todas as questões de governo, e a administração é meramente a parte burocrática do governo."18 18 "Wilson, Congressional Government, 181. O Congresso é "incontestavelmente, a força predominante e controladora, o centro e a fonte de todos os assuntos e de todo o poder regulador." Porém, uma discussão sobre programas políticos que vá além de "pedidos especiais para privilégios especiais" é simplesmente impossível na Câmara, "uma massa desintegrada de elementos dissonantes", enquanto o Senado não passa de "uma pequena Câmara de Representantes, seleta e tranqüila."19 19 Ibid., 31, 72-73, 145.

Em 1908, quando foi publicado Constitutional Government in the United States, Wilson tinha chegado a uma forte liderança presidencial como uma solução factível. Ele criticou os presidentes anteriores que haviam adotado a teoria Whig da Constituição:

"... Os autores da Constituição não estavam praticando a teoria Whig... O presidente tem a liberdade, tanto pela lei como na sua consciência, de atingir a sua máxima grandeza como homem. Sua capacidade estabelecerá o limite; e se ele fizer sombra sobre o Congresso, não será por culpa dos autores da Constituição — não será porque ao Congresso faltam poderes constitucionais, mas apenas porque o Presidente tem atrás de si a nação, e o Congresso não tem. O Presidente não tem meios de obrigar o Congresso a fazer nada, exceto por meio da opinião pública. ... A antiga teoria Whig da dinâmica política. ... está longe de ser uma teoria democrática. ... Ela se destina, em particular, a evitar que a vontade do povo como um todo adquira, a qualquer momento, um poder e uma ascendência sem obstáculos."

E contrastou o presidente com o Congresso em termos que ¡riam tornar-se comuns nas gerações posteriores de comentaristas, inclusive cientistas políticos:

"Os membros da Câmara e do Senado são representantes de localidades, são eleitos apenas por seções dos votantes, ou por corpos locais de eleitores, tais como os membros das legislaturas estaduais.20 20 A Sétima Emenda, que exige a eleição direta dos senadores, só foi adotada em 1913. Não há escolha partidária nacional exceto a do presidente. Ninguém mais representa o povo como um todo, exercendo uma opção nacional. ... A nação como um todo o escolheu, e está cônscia de que não possui nem um outro porta-voz político. Ele é a única voz nacional nos negócios públicos... Ele não representa nenhum eleitorado em particular, mas o povo inteiro. Quando ele fala em seu verdadeiro caráter, não fala em favor de nenhum interesse em especial. ... Não há mais do que uma voz nacional no país, e é a voz do Presidente."21 21 Woodrow Wilson, Constitutional Government in the United States (Nova York: Columbia University Press, 1908), 67-68, 70, 202-203.

A partir de Woodrow Wilson tornou-se um lugar-comum, tanto para os presidentes como para os comentaristas, argumentar, que em virtude de sua eleição, o presidente tem um mandato para realizar seus objetivos e programas políticos, mandato que recebeu do povo dos Estados Unidos. O mito do mandato é hoje uma arma corrente no arsenal dos símbolos persuasivos que todos os presidentes exploram. Por exemplo, quando o escândalo de Watergate veio à tona, em meados de 1973, Patrick Buchanan, na época assistente de Nixon na Casa Branca, sugeriu que o presidente deveria acusar seus acusadores de "tentar destruir o mandato democrático de 1972". Três semanas depois, numa mensagem à nação, Nixon disse:

"Em novembro passado, o povo americano recebeu a opção mais clara deste século. Os votos que recebi de vocês foram um mandato, que eu aceitei, para completar as iniciativas que iniciamos na minha primeira gestão e para realizar as promessas que fiz para minha segunda gestão."22 22 Kelley, Interpreting Elections, 99.

Se a natureza espúria desta afirmação de Nixon hoje nos parece evidente, a dubiedade dos motivos de praticamente todas as pretensões desse tipo talvez seja menos óbvia.23 23 Outros exemplos de reivindicações a um mandato presidencial resultantes de eleições se encontram em William Safire, Safire's Political Dictionary (Nova York: Random House, 1978), 398; e Kelley, Interpreting Elections, 72-74, 126-129, 168.

CRÍTICA DA TEORIA

O que significa a reivindicação de um presidente a um mandato? O significado do próprio termo não é totalmente claro.24 24 Veja a palavra "mandate" no Oxford English Dictionary (Oxford, Inglaterra: Oxford University Press, 1971), edição compacta; Safire, Political Dictionary, 398; Jack C. Plano e Milton Greenberg, The American Political Dictionary (Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1979), 130; Julius Gould e William L Kolb, A Dictionary of the Social Sciences (Nova York: The Free Press, 1964), 404; Jay M. Shafritz, The Dorsey Dictionary of American Government and Politics (Chicago: The Dorsey Press, 1988), 340. Felizmente, porém, em seu excelente livro Interpreting Elections, Stanley Kelley conseguiu "montar uma exposição coerente dessa teoria."

"Seu primeiro elemento é a crença de que as eleições contêm mensagens sobre problemas, diretrizes e programas - mensagens claras para todos, e específicas o bastante para serem diretivas. ... Segundo, a teoria sustenta que algumas dessas mensagens devem ser tratadas como ordens dotadas de autoridade... dirigidas ao candidato vitorioso, ou ao candidato e seu partido. ... Para qualificar-se como mandatos, as mensagens sobre diretrizes e programas devem refletir as idéias estáveis, tanto de eleitores individualmente como do eleitorado como um todo. ... No eleitorado, é importante considerar o número de pessoas que são a favor ou contra um princípio ou um programa. Sugerir que existe um mandato para uma determinada política é sugerir que mais do que uma pequena maioria dos votantes está de acordo quanto a ela. O consenso geral afirma que as vitórias arrasadoras têm mais probabilidade de resultar em mandatos do que as vitórias por pequena margem. ... O elemento final da teoria é um imperativo negativo: os governos não devem empreender grandes inovações quanto a políticas ou métodos, exceto em emergências, a menos que o eleitorado tenha tido uma oportunidade de considerá-los numa eleição e assim expressar suas posições."25 25 Kelley, Interpreting Elections, 126-128.

Para destacar mais claramente os problemas centrais, permitam-me recordar a teoria que se poderia chamar de primitiva quanto ao mandato presidencial popular. Segundo esta teoria, uma eleição presidencial pode realizar quatro coisas. Primeiro, ela confere autoridade constitucional e legal ao vitorioso. Segundo, ao mesmo tempo, ela também transmite informações. No mínimo, revela a primeira opção para a presidência expressa numa pluralidade de votos. Terceiro, de acordo com a teoria primitiva, a eleição, ao menos sob as condições descritas por Kelley, transmite outras informações, ou seja: que uma clara maioria dos votantes prefere o vencedor porque prefere seus planos de ação e desejam que ele os realize. E finalmente, como os planos de ação do presidente refletem os desejos de uma maioria dos votantes, quando surgem conflitos entre o presidente e o Congresso, os planos de ação do presidente devem prevalecer.

Se é verdade que podemos aceitar prontamente as duas primeiras afirmações, a terceira, que é crucial, para a teoria, pode ser falsa. Mas se a terceira é falsa, a quarta também é. Assim, surge a questão: além de revelar a primeira opção de uma pluralidade de votantes, será" que as eleições presidenciais também revelam a informação adicional de que uma pluralidade (ou a maioria) dos votantes prefere os planos de ação do vencedor e deseja que ele os realize?

Ao avaliar essa teoria, desejo distinguir dois tipos diferentes de crítica. Primeiro alguns críticos sustentam que mesmo quando se pode conhecer os desejos dos eleitores, eles não devem ser considerados, de maneira nenhuma, obrigatórios para um legislador. Tenho em mente, por exemplo, o famoso argumento de Edmund Burke, de que ele não sacrificaria a opinião pública seu julgamento independente acerca da eficácia de um determinado programa para os interesses dos seus eleitores, e ainda o argumento sugerido por Hanna Pitkin de que os representantes com as mãos atadas por instruções seriam impossibilitados de fazer os acordos que a legislação geralmente requer.26 26 Citado em ¡bid., 133.

Segundo, alguns críticos, por outro lado, podem sustentar que quando se pode discernir claramente os desejos dos eleitores quanto a planos de ação, eles deveriam receber um peso maior, talvez até decisivo. Mas, afirmam esses críticos, em geral não se pode conhecer os desejos dos eleitores, pelo menos quando o eleitorado é grande e diversificado, como sucede nas eleições presidenciais. Ao expressar suas dúvidas sobre este assunto em 1913, A. Lawrence Lowell citou Sir Henry Maine: "O devoto da democracia está numa posição muito semelhante à dos gregos com seus oráculos. Todos concordavam que a voz de um oráculo era a voz de deus, mas todo o mundo reconhecia que quando o oráculo falava, não era tão inteligível como seria de desejar."27 27 Citado em ibid., 134.

É exclusivamente o segundo tipo de crítica que desejo considerar agora. Aqui mais uma vez sou grato a Stanley Kelley por seu resumo sucinto das principais críticas.

"Os críticos afirmam que 1) uma reivindicação específica a um mandato não encontra sustentação em evidências adequadas; 2) a maioria das reivindicações a mandatos não se sustentam em evidências adequadas; 3) a maioria das reivindicações a mandatos buscam seu próprio benefício político; ou 4) não é possível, em princípio, pleitear de forma válida um mandato, uma vez que é impossível deslindar as intenções dos votantes".28 28 Ibid., 136.

Kelley prossegue dizendo que enquanto as primeiras três críticas podem muito bem ser válidas, a quarta tornou-se obsoleta em virtude do survey por amostragem, que "nos devolveu a capacidade de descobrir os motivos das escolhas dos votantes". Na verdade, então, kelley rejeita a teoria primitiva e propõe a possibilidade de uma teoria do mandato mais sofisticada, segundo a qual as informações sobre os planos de ação se transmitem não pelo resultado das eleições, mas sim pelas pesquisas de opinião. Assim, as duas funções são nitidamente divididas: as eleições presidenciais servem para eleger um presidente, e as pesquisas de opinião oferecem informações sobre as opiniões, atitudes e convicções responsáveis pelo resultado.

Entretanto, eu colocaria uma quinta proposição, que creio estar também implícita na análise de Kelley:

5) Em princípio, talvez não seja estritamente impossível pleitear de forma ponderada e bem fundamentada um mandato presidencial. Porém fazer isso na prática requer uma análise complexa que pode acabar não gerando grande apoio para as reivindicações presidenciais.

Porém se rejeitarmos a teoria primitiva do mandato e adotarmos essa teoria mais sofisticada, segue-se que antes da introdução das pesquisas científicas por amostragem, nenhum presidente poderia ter defendido de uma maneira aceitável seu direito a um mandato. Para colocar uma data precisa nesta proposta, permitam-me lembrar que a primeira eleição presidencial norte-americana na qual surveys científicos foram a base de uma análise extensa e sistemática foi a de 1940.29 29 Paul F. Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, The People's Choice (Nova York: Columbia University Press, 1948).

Não quero dizer com isso que hoje podemos concluir que em nenhuma eleição anterior a 1940 os programas principais de um presidente foram apoiados por uma maioria substancial do eleitorado. Mas quero dizer, sim, que quando falamos sobre a maioria das eleições presidenciais anteriores a 1940, uma reconstrução válida das opiniões do eleitorado sobre os diferentes programas é impossível ou imensamente difícil, mesmo com a ajuda de dados agregados e outros indicadores indiretos da opinião dos votantes. Quando consideramos que os presidentes geralmente afirmavam suas reivindicações logo depois da eleição, bem antes que os historiadores e cientistas sociais pudessem examinar os calhamaços de provas indiretas, então devemos concluir que antes de 1940 nenhuma reivindicação contemporânea a um mandato presidencial poderia ser sustentada pelos dados disponíveis na época.

Se é verdade que a ausência de pesquisas solapa qualquer pretensão presidencial a um mandato antes de 1940, a existência das pesquisas desde então não apóia, necessariamente, essas reivindicações. Ignorando todas as outras falhas dos primeiros estudos sobre eleições, a análise que acabo de mencionar sobre a eleição de 1940 só foi publicada em 1948. É verdade que esse intervalo entre a eleição e a análise pode ser um recorde, mas a análise sistemática dos dados pesquisados que é necessária (mas talvez não suficiente) para interpretar o significado de uma eleição presidencial sempre vem bem depois que os presidentes e os comentaristas já afirmaram para o mundo inteiro, baseando-se em evidências inteiramente inadequadas, o que a eleição significa. 30 30 Os primeiros estudos sobre as eleições estão resumidos em Bernard Berelson e Paul F. Lazarsfeld, Voting (Chicago: University of Chicago Press, 1954), 331 e segs. Talvez o estudo mais famoso até hoje realizado sobre o voto, The American Voter, que se baseava em entrevistas feitas em 1952 e 1956, foi publicado em 1960.31 31 Angus Campbell et. al., The American Voter (Nova York: Wiley, 1960). O livro de Stanley Kelley, que tenho utilizado tanto neste ensaio, interpreta as eleições de 1964, 1972 e 1980, e foi publicado em 1983.

Um rápido retrospecto logo revela como são vazias as reivindicações a um mandato presidencial nas eleições mais recentes. Consideremos a de I960. Se é essencial haver mais do que uma pequena maioria para que haja um mandato, então com certeza Kennedy não devia ter recebido mandato algum, uma vez que obteve menos de 50% do total dos votos populares, segundo a contagem oficial — a porcentagem exata, segundo a contagem extra-oficial, varia segundo quem fez o cômputo. Contudo, "no dia seguinte à eleição, e todos os dias dali em diante", conta-nos Theodore Sorenson, "ele rejeitou o argumento de que o país não lhe tinha dado mandato algum. Toda eleição tem um vencedor e um perdedor, foi o que ele disse. Pode haver dificuldades com o Congresso, mas mesmo uma margem de um só voto ainda seria um mandato."32 32 Citado em Safire, Political Dictionary, 398.

Em contraste, a eleição de 1964 resultou numa vitória esmagadora, assim como a de 1972. Entretanto, Kelley conclui da sua análise que "as pretensões específicas de Johnson e de Nixon a um mandato significativo não se sustentam bem quando confrontadas com os fatos." Não há dúvida que em ambas as eleições alguns dos principais programas políticos dos vencedores eram apoiados por um grande número de eleitores para quem essas questões eram relevantes. Contudo, "nenhum desses programas foi citado por mais de 21% dos pesquisados como uma razão para gostar de Johnson, de Nixon ou de seu partido."33 33 Kelley, Interpreting Elections, 139-140.

Em 1968, Nixon foi eleito com apenas 43% dos votos populares. Aqui não há mandato algum. Da mesma forma, em 1976 Carter ganhou com apenas 50,1%. Mais uma vez, não houve aqui mandato algum.

Quando Reagan venceu em 1980, graças à qualidade muito melhor das pesquisas realizadas pela mídia, uma compreensão mais sofisticada do significado daquela eleição não precisava mais depender das análises acadêmicas que só viriam alguns anos depois. Mesmo assim alguns comentaristas, confusos como tantas vezes ficam com as peculiaridades aritméticas do colégio eleitoral, imediatamente proclamaram que houve uma vitória arrasadora e um mandato para o programa de Reagan. O que eles muitas vezes deixaram de notar é que Reagan teve um pouco menos de 51% dos votos populares. Apesar das pretensões do vice-presidente eleito, certamente não podemos ver aqui mandato algum. Nossas dúvidas aumentam com p fato de que nas eleições para a Câmara, os candidatos democratas conseguiram pouco mais de 50% dos votos populares e a maioria das cadeiras. Contudo, eles perderam o controle do Senado. Aqui também não há um mandato Democrata.

Entretanto, esses sinais claros e imediatos de que as eleições de 1980 não outorgaram um mandato ao presidente nem aos seus adversários democratas foram amplamente ignorados. Afirmou-se inúmeras vezes, até virar lugar-comum, que a eleição de Reagan refletia uma profunda mudança da opinião pública, que se afastava dos programas do New Deal em direção ao novo conservadorismo. Contudo, analisando os dados das pesquisas, Kelley conclui que o envolvimento dos votantes com os candidatos era fraco; uma proporção substancial dos eleitores de Reagan estava mais interessada em votar contra Carter do que a favor de Reagan; e apesar das afirmações feitas por jornalistas e outras pessoas, a coalizão do New Deal na verdade não desmoronou. Tampouco houve uma mudança profunda em direção ao conservadorismo. "As evidências reveladas pelas pesquisas da imprensa ... contradizem as afirmações de que os votantes se inclinaram para o conservadorismo e que foi esta mudança ideológica que elegeu Reagan." De qualquer modo, a relação entre a posição ideológica e as preferências quanto a programas de ação foi "de uma magnitude relativamente modesta".34 34 Ibid., 170-172, 174-181, 185, 187.

Ao vencer por uma grande margem dos votos populares em 1984, Reagan conseguiu um pré-requisito a um mandato. Porém na mesma eleição, os candidatos democratas à Câmara ganharam 52% dos votos populares. Dois anos antes, eles tinham ganho 55% dos votos. Diante deste fato, não há dúvida que as eleições de 1984 não deram a Reagan mandato algum.

No final de 1986, quando os Democratas mais uma vez conquistaram a maioria dos votos populares nas eleições para a Câmara, e reconquistaram também a maioria das cadeiras do Senado, deveria ter ficado claro, e hoje deveria ser ainda mais claro, que os principais programas sociais e econômicos para os quais Reagan e seus apoiadores reivindicaram um mandato não conseguiram obter o apoio da maioria. Na verdade, as principais políticas e programas internos adotados pela Casa Branca durante os trinta anos anteriores a Reagan não foram derrubados na grande revolução nas políticas públicas que a eleição dele supostamente acarretou. Durante oito anos, aquilo que Reagan e seus aliados alegaram ser um mandato para reverter esses programas foi constantemente rejeitado por meio dos únicos processos legítimos e constitucionais que nós, norte-americanos, temos para determinar quais devem ser as políticas do governo dos Estados Unidos.

Que conclusão devemos tirar desta longa história de pretensões infundadas atribuídas a um mandato presidencial? O mito do mandato seria menos importante se não fosse um dos elementos do amplo processo de pseudodemocratização da presidência - a criação de um tipo de chefe do executivo que, a meu ver, não deveria ter lugar numa república democrática.

Porém mesmo que consideremos este mito separadamente da evolução do processo da presidência, trata-se de um mito pernicioso à vida política norte-americana. Ao retratar o presidente como o único representante do povo inteiro, e o Congresso como mero representante de interesses especiais, provincianos e limitados, o mito do mandato eleva o presidente a uma posição excessivamente alta dentro do nosso sistema constitucional, às expensas do Congresso. O mito do mandato incentiva a crença de que os interesses particulares dos diversos seres humanos que formam o corpo da cidadania num país grande, complexo e pluralista como o nosso não constituem um elemento legítimo do bem geral. O mito confere aos objetivos dos grupos que se beneficiam dos programas presidenciais uma aura de interesse nacional e de bem público, à qual eles não têm mais direito do que os grupos cujos interesses se refletem em programas apoiados pelo Congresso. Como o mito é quase sempre utilizado para apoiar interpretações ilusórias, enganosas e manipuladoras, ele é nocivo para a compreensão política dos cidadãos.

Imagino que a esta altura o mito esteja demasiadamente enraizado na vida política norte-americana e seja demasiado útil no arsenal político dos presidentes para ser abandonado. Talvez o máximo que podemos esperar é que os comentaristas de assuntos públicos na mídia e nos meios acadêmicos rejeitem as pretensões a um mandato presidencial com o desprezo que elas merecem.

Mas se uma eleição presidencial não confere um mandato ao vencedor, o que significa uma eleição presidencial, se é que significa alguma coisa? Se é verdade que uma eleição não confere um mandato popular ao presidente — e aliás, nem às maiorias no Congresso — ela confere legitimamente ao presidente a autoridade, o direito e a oportunidade de tentar conseguir a adoção, por meios constitucionais, dos programas que o presidente apóia. Do mesmo modo, as eleições para o Congresso conferem a um congressista a autoridade, o direito e a oportunidade de tentar obter a adoção, por meios constitucionais, dos programas que o congressista apóia. Tanto o presidente como o congressista podem alegar, com razão, que um determinado projeto favorece o bem público ou o interesse público, e, mais ainda, que é apoiado por uma maioria dos cidadãos.

Não quero dizer que qualquer projeto que acabe sendo adotado após discussões, debates e processos constitucionais reflita necessariamente aquilo que uma maioria de cidadãos preferiria, ou aquilo que seria do interesse deles, ou o que favoreceria o bem público em qualquer outro sentido. O que afirmo é que não há nenhum líder eleito, incluindo o presidente, com o privilégio único e exclusivo de dizer o que uma eleição significa - nem de pretender que a eleição tenha conferido ao presidente um mandato para executar os projetos que ele apóia.

A DEMOCRATIZAÇÃO DA PRESIDÊNCIA

Era inevitável que o executivo idealizado pelos Fundadores fosse fundamentalmente alterado em resposta à poderosa influência dos impulsos democratizantes. Se os Fundadores tinham em mente um chefe do executivo cuja eleição e cuja capacidade de governar não exigissem que ele competisse pela aprovação popular e que, portanto, não dependesse das "artes populares" de conquistar o apoio público35 35 Ceaser, Presidential Selection, 47 e segs. , eles subestimaram seriamente a força dos impulsos democráticos entre seus concidadãos e o efeito desses impulsos sobre a presidência. Nada revela isto com mais clareza do que a velocidade assombrosa com a qual o projeto original dos Fundadores para o executivo foi substituído por uma presidência dependente da eleição popular e da aprovação popular.

As conseqüências da democratização ficaram evidentes quase que de imediato, e ganharam força com a passagem do tempo. Já descrevi com alguns detalhes um aspecto deste processo de democratização: a invenção da teoria do mandato presidencial. Contudo, a invenção de Jackson foi precedida por décadas de democratização que deram plausibilidade à teoria.

Na época de Jackson, a presidência há muito tempo já havia se tornado um cargo procurado por candidatos dos partidos em eleições populares. É verdade que os partidos políticos já existiam na Grã-Bretanha e na Suécia, como organizações de elite dentro de sistemas com um sufrágio estritamente limitados; porém sob a liderança de Jefferson e de Madison, o partido republicano tornou-se um instrumento pelo qual as maiorias populares podiam ser organizadas, mobilizadas e transformadas num meio eficaz para influenciar a conduta do governo. Dali em diante um presidente combinaria dois papéis: o de chefe do executivo, presumivelmente apartidário, e o de líder nacional de uma organização partidária, com adeptos partidários.36 36 Como observa Ceaser em Presidential Selection, 88, 90: "O sistema de seleç ão não-partidário estabelecido pelos Fundadores da nação mal sobreviveu uma década. Na eleição de 1796, traços de partidarismo já estavam em clara evidência, e em 1800 a disputa já estava sendo travada em linhas estritamente partidárias." Tal como muitas outras inovações, a de Jefferson teve conseqüências inesperadas. "Jefferson ... nutria uma desconfiança permanente pelas eleições nacionais e, exceto no caso da sua própria eleição, nunca as considerou como o fórum adequado para se fazer mudanças decisivas ... O paradoxo da eleição de Jefferson em 1880 foi que, embora ele fosse escolhido por motivos partidários, não pretendeu instituir um sistema de competição partidária permanente."

Já que o cargo presidencial devia ser obtido por meio de uma disputa partidária, então para alcançar este cargo um candidato sério à presidência precisaria normalmente obter o endosso e o apoio de um partido político. Embora já se tenha contado muitas vezes a história da evolução do processo de indicação presidencial, ela revela de modo tão vivido o impacto dos impulsos democratizantes, que desejo resumi-la em poucas palavras.

O PROCESSO DE INDICAÇÃO

O primeiro sistema organizado para indicar candidatos à presidência e à vice-presidência foi o caucus congressional, introduzido em 1800 tanto pelos Republicanos como pelos Federalistas.37 37 Noble E. Cunningham, Jr., The Jeffersonian Republicans: The Formation of Party Organization, 1789-1801 (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1957), 163-165. Porém, dada a força emergente da ideologia democrática, um sistema tão acintosamente fechado à participação de qualquer pessoa, exceto um pequeno grupo de políticos do Congresso, era demasiado vulnerável. Convicções democráticas que nos são familiares na nossa própria época foram expressas numa resolução aprovada pela legislatura de Ohio em 1823:

Chegou agora o tempo em que as maquinações dos poucos para ditar ordens aos numerosos. ... serão enfrentadas... por um povo cioso dos seus direitos. ... A única fonte não excepcional da qual podem provir indicações é o próprio povo. A ele pertence o direito de escolher; e só ele pode tomar com propriedade quaisquer medidas preliminares.38 38 M. Ostrogorski, Democracy and the Party System in the United States (Nova York: Macmillan, 1926), 12, nota de rodapé 1.

Por volta de 1824, quando o candidato do caucus congressional dos Republicanos-Democráticos ficou num lamentável quarto lugar na eleição, atrás de Jackson, John Quincy Adams e Henry Clay - todos os quais competiram sem o apoio do caucus — a ofensa que isto representava às convicções democráticas foi facilmente explorada, em especial por Jackson e seus partidários. O caucus congressional para indicação do presidente chegou ao fim.39 39 Embora Jackson conseguisse mais votos do que Adams, tanto populares como eleitorais, não conseguiu a vitória na Câmara dos Representantes.

Numa extensão óbvia das idéias democráticas, que àquela altura já tinham assimilado inteiramente o conceito de representação, em 1831 e 1832 a convenção para indicação presidencial passou a existir. Mas com o tempo, assim como outrora as paixões democráticas do povo se levantaram contra o caucus congressional agora se voltaram contra o sistema de convenção. ... Portanto, fora com os delegados, em quem nunca se pode confiar, e voltemos ao povo!40 40 Ostrogorski, Democracy, 342.

Assim, dando mais um passo óbvio no sentido de estender as idéias democráticas ao processo de indicação, de 1901 em diante foi introduzida a eleição primária direta, inicialmente para as indicações estaduais e congressionais, e logo depois para os candidatos à presidência. O sistema primário presidencial foi, por sua vez, submetido ao impulso democratizante. "Na eleição de 1972", observa Ceaser, "o processo eleitoral já havia se transformado em algo que é, na essência, um sistema plebiscitário."41 41 Ceaser descreve três fases na evolução do processo de seleção presidencial desde a introdução das primárias: 1912-1920, período de expansão das primárias e do "modelo plebiscitário"; 1920-década de I960, com o declínio das primárias e a reaparição dos partidos; e o período desde 1972. Veja Presidential Selection, 215 e segs.

REDUZINDO AS FORÇAS INTERMEDIÁRIAS

A democratização do processo de indicação é instrutiva por muitas razões - entre elas, porque após quase dois séculos de tentativas, empregando três formas principais com muitas variações, parece que um método sensato de indicar candidatos à presidência ainda está fora do alcance dos norte-americanos. O sistema atual tem seus defensores, sem dúvida, mas parece que estão diminuindo rapidamente.

A democratização do processo de indicação também é instrutiva porque mostra como as relações entre o público e os presidentes, ou os candidatos à presidência, foram se tornando cada vez mais diretas. Jeffrey Tulis descreveu a enorme mudança que ocorreu na maneira como os presidentes se dirigem ao público — no discurso presidencial, se quiserem. A idéia que prevaleceu nos primeiros anos da república, e durante boa parte do século XIX, costumava seguir "duas receitas gerais para o discurso presidencial". Primeiro, os projetos de leis e de programas seriam escritos e dirigidos principalmente ao Congresso; embora fossem públicos, seriam feitos de acordo com as necessidades do Congresso e não necessariamente com a compreensão ou aprovação do público em geral. Segundo, quando o discurso presidencial se dirigia basicamente ao grande público, ele trataria de princípios gerais, e não de questões específicas.

"O discurso de posse, por exemplo, desenvolvia-se ao longo de linhas que enfatizavam a informação popular quanto aos princípios constitucionais, e à articulação do teor geral e da filosofia de ação do presidente, evitando discutir os méritos de propostas específicas.42 42 Jeffrey K. Tulis, The Rhetorical Presidency (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1987), 46-47.

Era raro que os presidentes se dirigissem diretamente ao grande público, exceto possivelmente em ocasiões oficiais. De Washington até Jackson, nenhum presidente fazia mais de cinco discursos por ano para o grande público, um total que não foi superado por metade dos presidentes de Washington até William McKinley. E quando se dirigiam ao público, os primeiros presidentes raramente empregavam uma retórica popular, ou discutiam seus posicionamentos.43 43 Ibid., 64, tabela 3.1. e 66, tabela 3.2. A grande exceção foi Andrew Johnson que, contudo, não serviu de modelo para seus sucessores.44 44 Ibid., 87 e segs. Mais ainda, Gil Troy descobriu recentemente que até Woodrow Wilson nenhum presidente havia jamais "discursado em prol de si mesmo". Até a década de 1830, até mesmo os candidatos à presidência não faziam discursos eleitoreiros. "Um tal comportamento", escreve Troy, "era considerado indigno — e imprudente. Acreditava-se que os candidatos à presidência, em especial depois da indicação, deviam esperar que fossem escolhidos, e não correr atrás do cargo."45 45 New York Times, 17 de Janeiro de 1988.

O comportamento que hoje julgamos normal por parte de um presidente é produto deste século. Os inovadores foram Theodore Roosevelt e, em grau ainda maior; Woodrow Wilson.46 46 Sobre Theodore Roosevelt, veja Tulis, The Rhetorical Presidency, 95-116; sobre Wilson, veja ibid., 118-137. Desde a época desses presidentes, e em especial nas décadas recentes, a tarefa de moldar o discurso presidencial de modo a influenciar e manipular a opinião pública - se necessário fazendo o apelo passar por cima do Congresso para induzir os congressistas a apoiarem as posições do presidente — tornou-se um elemento central na arte e ciência da conduta presidencial.

O PRESIDENTE E O SISTEMA CONSTITUCIONAL

Assim a presidência transformou-se num cargo que é a própria encarnação do tipo de poder executivo que os Fundadores, até onde podemos discernir suas intenções, lutaram para evitar.

Eles não queriam um executivo que fosse um tribuno do povo, um defensor das maiorias populares; que chegasse ao cargo por meio de uma eleição popular; que, em conseqüência da sua eleição popular, reivindicasse um mandato para seus programas de ação; que, para mobilizar o apoio popular para seus projetos, apelasse diretamente ao povo; que moldasse a linguagem, o estilo e a enunciação de suas mensagens de maneira a voltar a opinião pública a favor das suas ambições; e que, sempre que parecesse conveniente, passasse ao largo dos membros do órgão deliberativo a fim de mobilizar a opinião pública e assim induzir um Congresso relutante a executar os seus projetos. No entanto, esta é uma descrição correta da presidência que surgiu da intersecção do plano dos Fundadores com a ideologia fortemente democrática que veio a prevalecer entre os norte-americanos politicamente ativos.

Uma reação a este tipo de presidência é argumentar que estas mudanças são, como um todo, boas. São boas, pode-se dizer, porque a democracia é boa, mais democracia é melhor do que menos democracia, e uma presidência mais democratizada é melhor que uma presidência menos democratizada. Segundo o imortal clichê da Comissão McGovern-Fraser de 1970, "a cura para os males da democracia é mais democracia". 47 47 Ceaser, Presidential Selection, 275. Contudo, parece que esta reação não aplaca os temores de um número crescente de críticos. Conforme a expressão cunhada por Arthur Schlesinger, e que agora se popularizou, a presidência se transformou numa "presidência imperial".48 48 Arthur Schlesinger, Jr., The Imperial Presidency (Boston: Houghton Mifflin, 1973). James Ceaser, Theodore Lowi e outros já se referiram ao surgimento de uma presidência plebiscitária. 49 49 Ceaser, Presidential Selection, 5; Theodore J. Lowi, The Personal President: Power Invested, Promise Unfulfilled (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1985), 97 e segs., 134 e segs. Lowi também a chamou de presidência pessoal, ou personalista, observando que "a melhor maneira de definir a nova política da Segunda República, centrada no presidente, é como uma república plebiscitária com uma presidência personalista."50 50 Lowi, Personal President, xi. Jeffrey Tulis chama a presidência que foi semeada por Wilson e cultivada por seus sucessores de "presidência retórica".51 51 Tulis, Rhetorical Presidency.

Nas críticas à presidência moderna desejo distinguir várias perspectivas diferentes. De um ponto de vista, o que é lamentável é o rompimento com as doutrinas, intenções e desígnios dos Fundadores da nação. Uma perspectiva um tanto diferente, mais pragmática e funcional, enfatiza que a presidência simplesmente não está mais funcionando de maneira satisfatória dentro do contexto constitucional existente. Por exemplo, um presidente que reivindica um mandato para seus programas pode ser bloqueado numa das duas casas do Congresso, ou em ambas, por uma maioria de membros que, na verdade, também alega ter um mandato para os seus projetos. O resultado não é um meio-termo construtivo, mas sim um impasse ou muitas contradições nos projetos. Servem de exemplo os recentes conflitos acerca do déficit e da política norte-americana na América Central.

Contudo, de um terceiro ponto de vista, a presidência passou a pôr em risco o funcionamento dos processos democráticos. É esta perspectiva que quero salientar aqui.

Já me referi às mudanças ocorridas nos últimos dois séculos como a pseudodemocratização da presidência. Não tenho nenhum desejo, e muito menos a esperança, de acrescentar a ela mais um epíteto, ainda mais feio e deselegante que os outros; mas a verdade é que este de fato diz respeito diretamente às minhas preocupações. Por pseudodemocratização entendo uma mudança feita com o propósito ostensivo, e talvez até real, de fortalecer o processo democrático, mas que, na prática, embora mantendo a aura da sua justificativa democrática, tem o efeito, intencional ou não, de enfraquecê-lo.

No caso da presidência, tenho em mente duas conseqüências adversas. Uma, a mais óbvia, é uma perda do controle popular e parlamentar, direto e indireto, sobre as posições e decisões do presidente. Num país democrático, a mística do mandato pode se aprofundar em virtude da majestade e do mistério gerados pela popularidade do presidente, e por sua capacidade de despertar e refletir os sentimentos, anseios e esperanças populares. Um presidente pode encontrar resistência a um determinado projeto no Congresso, e talvez até no público. Assim, um presidente dotado da mística do mandato explora todos os recursos do seu cargo para superar essa resistência: seus recursos retóricos, sua capacidade única de influenciar ou até mesmo manipular a opinião pública, e todo o poder e a autoridade que derivam, de direito ou artificiosamente, da Constituição - incluindo seu poder como comandante-em-chefe, sua autoridade única sobre os assuntos externos do país, seu direito ou sua reivindicação ao sigilo e aos privilégios do executivo, sua autoridade e influência sobre os funcionários do poder executivo, sobre os objetivos que eles são obrigados ou induzidos a buscar, e sobre os fundos e outros recursos necessários para atingir estes objetivos. Seja qual for o termo que queiramos aplicar a um poder executivo assim, é difícil chamá-lo de democrático.

A outra conseqüência, embora mais esquiva e não inteiramente independente da primeira, é igualmente importante. Há um ponto de vista, que eu chamaria de simplista ou então hostil, segundo o qual democracia significa governo pela opinião pública. Esta idéia é equivocada tanto do ângulo histórico como teórico. A democracia não pode ser justificada, creio eu, como nada mais do que o triunfo da vontade pura, e seus defensores raramente tentaram justificá-la deste modo. Ela pode ser justificada, e costuma sê-lo, porque mais do qualquer alternativa factível, a democracia oferece às pessoas comuns muitas oportunidades de descobrir quais programas e atividades públicas são melhores para elas e para os outros, e garantir que as decisões coletivas se adaptem - ou pelo menos não violem de modo persistente e fundamental — aos programas que essas pessoas acreditam ser os melhores para si mesmas e para os outros.

Não posso explicar aqui todas complexidades envolvidas na noção de descobrir o que é melhor para si e para os outros, nem creio que é preciso. Pois é óbvio que descobrir o que é melhor para si ou para os outros requer muito mais do que anunciar a vontade pura de uma pessoa, ou suas preferências superficiais. Imagine a seguinte situação extrema. Suponha que fôssemos solicitados a votar num plebiscito nacional sobre uma proposta de tratado de controle das armas nucleares, que já havia sido negociado em segredo entre o presidente norte-americano e o líder da União Soviética. Suponha, ainda, que este plebiscito seja realizado no dia seguinte ao acordo entre os dois líderes, e que tenhamos de votar sim ou não. A própria perversidade deste exemplo serve para enfatizar a importância crucial de oportunidades para a compreensão como um requisito do processo democrático, e ilustra por que, na ausência de tais oportunidades, devemos falar de um processo pseudodemocrático.

Muitos autores destacaram a importância da deliberação. Enquanto alguns a associam como o republicanismo clássico, sem dúvida a deliberação é central para a idéia de um processo democrático de tomada de decisão. Aquilo que em outro artigo chamei de "percepção esclarecida" é um critério essencial para o processo democrático. A deliberação é um meio crucial, embora não o único, creio eu, para a percepção esclarecida. Outros meios incluem a pesquisa e a análise sistemática, a experimentação, a consulta a especialistas, o debate organizado, as discussões casuais e desorganizadas, os devaneios, e a auto-indagação.

Com demasiada freqüência a presidência moderna prejudica não só a deliberação mas também outros meios para uma percepção mais esclarecida por parte dos cidadãos e do Congresso. As conclusões de Nelson Polsby acerca do processo de seleção presidencial deveriam estender-se à presidência como um todo. O caráter cada vez mais direto das relações entre um candidato ou um presidente e o público significa que os "processos de intermediação" tradicionais, para usar o termo de Polsby, tornaram-se menos eficientes. Grupos primários, partidos políticos e grupos de interesse são menos autônomos e agora dependem substancialmente dos meios de comunicação de massa.52 52 Nelson W. Polsby, Consequences of Party Reform (Nova York: Oxford University Press, 1983), 134, 170-172. Por exemplo, algumas interessantes experiências recentes demonstraram que ao avaliar a importância relativa de diferentes questões, os cidadãos recebem forte influência dos telejornais.53 53 Shanto Iyengar e Donald R. Kinder, News That Matters: Television and American Opinion (Chicago: University of Chicago Press, 1987). Compartilho da opinião de Polsby: não só os processos deliberativos são fracos no processo de formação de opinião do grande público quanto aos candidatos e os presidentes, mas também não são suficientemente submetidos a uma revisão e a uma apreciação extensa pelos seus pares.54 54 Polsby, Consequences, 134, 170-172. Também compartilho sua opinião de que "o caráter direto da democracia direta numa sociedade de muito larga escala parece ... ilusório."55 55 Ibid., 147.

CONCLUSÃO

Qual a gravidade da questão da pseudodemocratização da presidência? O que podemos e devemos fazer a respeito, se é que podemos fazer alguma coisa? Responder a essas perguntas de maneira responsável é algo que, obviamente, nos levaria muito além do limitado escopo de um artigo. Entre amigos e colegas, creio detectar perspectivas que diferem agudamente. Permitam-me listar algumas.

Primeira: o problema não é sério.

Segunda: embora ao problema seja sério, a solução é eleger mais um grande presidente.

Terceira: o problema é sério, mas não podemos fazer grande coisa a respeito.

Quarta: o problema é sério mas pode ser corrigido por mudanças graduais bastante modestas, possivelmente incluindo uma emenda constitucional, digamos uma que introduza um equivalente norte-americano à "hora das perguntas" no parlamento britânico ou canadense.

Última, o problema está tão profundamente enraizado na interação entre a estrutura constitucional e a ideologia democrática que não pode ser resolvido sem uma alteração fundamental num desses dois fatores. Esta é uma conclusão à qual eu próprio me vejo mais e mais inclinado.

Contudo, dada esta conclusão, uma solução - assumindo que se possa atingir alguma - poderia exigir que os norte-americanos transformassem sua estrutura constitucional, ou então desistissem de suas convicções democráticas. Penso que alguns críticos podem esperar que os norte-americanos rejeitem sua ideologia democrática em favor daquilo que esses críticos acreditam ser as doutrinas republicanas setecentistas que restaurariam a Constituição à sua condição prístina, na forma que os Fundadores presumivelmente pretenderam. Creio que esta alternativa não é apenas moralmente errada, mas política e historicamente ilusória.

Um objetivo mais adequado às convicções democráticas dos norte-americanos seria iniciar a árdua tarefa de repensar as necessidades constitucionais, a fim de determinar se elas podem traçar uma forma de governo mais bem adaptada aos requisitos da democracia, e menos conducente à pseudodemocratização. Entre outras reflexões, os norte-americanos precisam considerar como criar melhores oportunidades para a deliberação e para outros meios pelos quais os cidadãos possam obter uma percepção mais esclarecida dos seus objetivos políticos.

O formidável objetivo de repensar a Constituição não será fácil de alcançar, e ninguém deve acreditar que, se feito adequadamente, possa ser atingido com rapidez. Porém se for iniciado agora, poderia ser alcançado' antes do término deste século. Seria um bom empreendimento para se começar agora, uma vez que já ultrapassamos o bicentenário da Constituição norte-americana.

  • * Este artigo baseia-se em The Tanner Lectures on Human Values, vol. 10, editado por Grethe B. Peterson, University of Utah Press e foi publicado originalmente em Political Science Quarterly,
  • vol. 105, 3, 1990.
  • 1 Stanley Kelley, Jr., Interpreting Elections (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1983), 217.
  • 2 Leonard D. White, The Jacksonians: A Study in Administrative History, 1829-1861 (Nova York: Free Press, 1954), 23.
  • 4 Citado em James W. Ceaser, Presidential Selection: Theory and Development (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1979), 160, nota de rodapé 58.
  • 5 White, Jacksonians, 23.
  • 8 Embora Madison e Hamilton se opusessem a uma eventual solução de uma eleição da Câmara no caso de nenhum candidato receber a maioria dos votos eleitorais, Gouverneur Morris e James Wilson aceitaram essa solução como uma concessão não demasiado grande. Ceaser, Presidential Selection, 80-81.
  • 10 Edward S. Corwin, The President: Offices and Powers, 1789-1948, 3ª ed., (Nova York: New York University Press, 1948), 20.
  • 11 Wilfred E. Binkley, President and Congress (Nova York: Alfred A. Knopf, 1947), 56.
  • 12 Leonard D. White, The Jeffersonians: A Study in Administrative History, 1801-1829 (Nova York: Free Press, 1951), 31.
  • 13 Lincoln baseou-se principalmente no poder de guerra, que ele criou unindo a obrigação constitucional do presidente de "zelar para que as leis sejam fielmente cumpridas" ao seu poder na qualidade de comandante-em-chefe. Ele interpretou o poder de guerra como uma verdadeira fonte de autoridade constitucional implícita para as extraordinárias medidas de emergência que tomou durante uma extraordinária crise nacional. (Corwin, The President, op. cit, 277 e segs.
  • 14 Cada membro do executivo, e em particular o Presidente, segundo Roosevelt, 'era um líder do povo, dedicado ativamente e afirmativamente a fazer tudo o que pudesse pelo povo. ...' E sustentava, portanto, que a menos que fosse especificamente proibido pela Constituição ou pela lei, o Presidente tinha de 'fazer qualquer coisa que as necessidades da nação exigissem...' 'Com esta interpretação do poder executivo', ele recordava: 'eu fiz e ordenei que fossem feitas muitas coisas que anteriormente não haviam sido feitas. ... Não usurpei o poder, mas sem dúvida ampliei muito o uso do poder executivo' ". Veja John Morton Blum, The Republican Roosevelt (Nova York: Atheneum, 1954), 108.
  • 15 Woodrow Wilson, Cabinet Government in the United States (Stanford, Conn.: Overbrook Press, 1947), publicado orig. em International Review, 1879.
  • 16 Parece que ele não deu muita atenção à questão prática de como uma alteração tão radical deveria ser realizada. Que eu saiba, as únicas palavras publicadas de Wilson a respeito de como iniciar o sistema inglês estão no artigo Committee or Cabinet Government, que foi publicado no Overland Monthly de janeiro de 1884.
  • Sua solução era fazer uma emenda à Seção 6 do Artigo I da Constituição, para permitir que os membros do Congresso ocupassem cargos como membros do Gabinete, e estender o mandato do presidente e dos representantes. Veja Walter Lippmann, Introduction, em Congressional Government (Nova York: Meridian Books, 1956), 14-15. S0102-64451991000200003|16|17 A avaliação comparativa desfavorável feita por Wilson fica especialmente clara em Congressional Government: A Study in American Politics (Nova York: Meridian Books, 1956; reimpressão da ed. de 1885), 181.
  • 17 A avaliação comparativa desfavorável feita por Wilson fica especialmente clara em Congressional Government: A Study in American Politics (Nova York: Meridian Books, 1956; reimpressão da ed. de 1885), 181.
  • Da mesma forma que Jackson tinha proposto a eleição direta do presidente, em sua primeira mensagem anual Wilson propôs a adoção de um sistema de eleições primárias diretas nacionais. Veja Ceaser, Presidential Selection, 173.
  • 18 "Wilson, Congressional Government, 181.
  • 21 Woodrow Wilson, Constitutional Government in the United States (Nova York: Columbia University Press, 1908), 67-68, 70, 202-203.
  • 22 Kelley, Interpreting Elections, 99.
  • 23 Outros exemplos de reivindicações a um mandato presidencial resultantes de eleições se encontram em William Safire, Safire's Political Dictionary (Nova York: Random House, 1978), 398;
  • e Kelley, Interpreting Elections, 72-74, 126-129, 168.
  • 24 Veja a palavra "mandate" no Oxford English Dictionary (Oxford, Inglaterra: Oxford University Press, 1971),
  • edição compacta; Safire, Political Dictionary, 398;
  • Jack C. Plano e Milton Greenberg, The American Political Dictionary (Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1979), 130;
  • Julius Gould e William L Kolb, A Dictionary of the Social Sciences (Nova York: The Free Press, 1964), 404;
  • Jay M. Shafritz, The Dorsey Dictionary of American Government and Politics (Chicago: The Dorsey Press, 1988), 340.
  • 25 Kelley, Interpreting Elections, 126-128.
  • 29 Paul F. Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, The People's Choice (Nova York: Columbia University Press, 1948).
  • 30 Os primeiros estudos sobre as eleições estão resumidos em Bernard Berelson e Paul F. Lazarsfeld, Voting (Chicago: University of Chicago Press, 1954), 331 e segs.
  • 31 Angus Campbell et. al., The American Voter (Nova York: Wiley, 1960).
  • 32 Citado em Safire, Political Dictionary, 398.
  • 33 Kelley, Interpreting Elections, 139-140.
  • 35 Ceaser, Presidential Selection, 47 e segs.
  • 36 Como observa Ceaser em Presidential Selection, 88, 90: "O sistema de seleç
  • 37 Noble E. Cunningham, Jr., The Jeffersonian Republicans: The Formation of Party Organization, 1789-1801 (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1957), 163-165.
  • 38 M. Ostrogorski, Democracy and the Party System in the United States (Nova York: Macmillan, 1926), 12, nota de rodapé 1.
  • 40 Ostrogorski, Democracy, 342.
  • 41 Ceaser descreve três fases na evolução do processo de seleção presidencial desde a introdução das primárias: 1912-1920, período de expansão das primárias e do "modelo plebiscitário"; 1920-década de I960, com o declínio das primárias e a reaparição dos partidos; e o período desde 1972. Veja Presidential Selection, 215 e segs.
  • 42 Jeffrey K. Tulis, The Rhetorical Presidency (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1987), 46-47.
  • 45 New York Times, 17 de Janeiro de 1988.
  • 46 Sobre Theodore Roosevelt, veja Tulis, The Rhetorical Presidency, 95-116;
  • 47 Ceaser, Presidential Selection, 275.
  • 48 Arthur Schlesinger, Jr., The Imperial Presidency (Boston: Houghton Mifflin, 1973).
  • 49 Ceaser, Presidential Selection, 5;
  • Theodore J. Lowi, The Personal President: Power Invested, Promise Unfulfilled (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1985), 97 e segs., 134 e segs.
  • 50 Lowi, Personal President, xi.
  • 51 Tulis, Rhetorical Presidency.
  • 52 Nelson W. Polsby, Consequences of Party Reform (Nova York: Oxford University Press, 1983), 134, 170-172.
  • 53 Shanto Iyengar e Donald R. Kinder, News That Matters: Television and American Opinion (Chicago: University of Chicago Press, 1987).
  • 54 Polsby, Consequences, 134, 170-172.
  • *
    Este artigo baseia-se em
    The Tanner Lectures on Human Values, vol. 10, editado por Grethe B. Peterson, University of Utah Press e foi publicado originalmente em
    Political Science Quarterly, vol. 105, 3, 1990.
  • **
    Tradução de Isa Mara Lando.
  • 1
    Stanley Kelley, Jr.,
    Interpreting Elections (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1983), 217.
  • 2
    Leonard D. White,
    The Jacksonians: A Study in Administrative History, 1829-1861 (Nova York: Free Press, 1954), 23.
  • 3
    Citado em ibid., 23.
  • 4
    Citado em James W. Ceaser,
    Presidential Selection: Theory and Development (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1979), 160, nota de rodapé 58.
  • 5
    White,
    Jacksonians, 23.
  • 6
    Ibid., 23.
  • 7
    Ibid., 24.
  • 8
    Embora Madison e Hamilton se opusessem a uma eventual solução de uma eleição da Câmara no caso de nenhum candidato receber a maioria dos votos eleitorais, Gouverneur Morris e James Wilson aceitaram essa solução como uma concessão não demasiado grande. Ceaser,
    Presidential Selection, 80-81.
  • 9
    Ibid., 84.
  • 10
    Edward S. Corwin,
    The President: Offices and Powers, 1789-1948, 3ª ed., (Nova York: New York University Press, 1948), 20.
  • 11
    Wilfred E. Binkley,
    President and Congress (Nova York: Alfred A. Knopf, 1947), 56.
  • 12
    Leonard D. White,
    The Jeffersonians: A Study in Administrative History, 1801-1829 (Nova York: Free Press, 1951), 31.
  • 13
    Lincoln baseou-se principalmente no poder de guerra, que ele criou unindo a obrigação constitucional do presidente de "zelar para que as leis sejam fielmente cumpridas" ao seu poder na qualidade de comandante-em-chefe. Ele interpretou o poder de guerra como uma verdadeira fonte de autoridade constitucional implícita para as extraordinárias medidas de emergência que tomou durante uma extraordinária crise nacional. (Corwin,
    The President, op. cit, 277 e segs. ).
  • 14
    Cada membro do executivo, e em particular o Presidente, segundo Roosevelt, 'era um líder do povo, dedicado ativamente e afirmativamente a fazer tudo o que pudesse pelo povo. ...' E sustentava, portanto, que a menos que fosse especificamente proibido pela Constituição ou pela lei, o Presidente tinha de 'fazer qualquer coisa que as necessidades da nação exigissem...' 'Com esta interpretação do poder executivo', ele recordava: 'eu fiz e ordenei que fossem feitas muitas coisas que anteriormente não haviam sido feitas. ... Não usurpei o poder, mas sem dúvida ampliei muito o uso do poder executivo' ". Veja John Morton Blum,
    The Republican Roosevelt (Nova York: Atheneum, 1954), 108.
  • 15
    Woodrow Wilson,
    Cabinet Government in the United States (Stanford, Conn.: Overbrook Press, 1947), publicado orig. em
    International Review, 1879.
  • 16
    Parece que ele não deu muita atenção à questão prática de como uma alteração tão radical deveria ser realizada. Que eu saiba, as únicas palavras publicadas de Wilson a respeito de como iniciar o sistema inglês estão no artigo
    Committee or Cabinet Government, que foi publicado no
    Overland Monthly de janeiro de 1884. " Sua solução era fazer uma emenda à Seção 6 do Artigo I da Constituição, para permitir que os membros do Congresso ocupassem cargos como membros do Gabinete, e estender o mandato do presidente e dos representantes. Veja Walter Lippmann,
    Introduction, em
    Congressional Government (Nova York: Meridian Books, 1956), 14-15.
  • 17
    A avaliação comparativa desfavorável feita por Wilson fica especialmente clara em
    Congressional Government: A Study in American Politics (Nova York: Meridian Books, 1956; reimpressão da ed. de 1885), 181. Da mesma forma que Jackson tinha proposto a eleição direta do presidente, em sua primeira mensagem anual Wilson propôs a adoção de um sistema de eleições primárias diretas nacionais. Veja Ceaser,
    Presidential Selection, 173.
  • 18
    "Wilson,
    Congressional Government, 181.
  • 19
    Ibid., 31, 72-73, 145.
  • 20
    A Sétima Emenda, que exige a eleição direta dos senadores, só foi adotada em 1913.
  • 21
    Woodrow Wilson,
    Constitutional Government in the United States (Nova York: Columbia University Press, 1908), 67-68, 70, 202-203.
  • 22
    Kelley,
    Interpreting Elections, 99.
  • 23
    Outros exemplos de reivindicações a um mandato presidencial resultantes de eleições se encontram em William Safire,
    Safire's Political Dictionary (Nova York: Random House, 1978), 398; e Kelley,
    Interpreting Elections, 72-74, 126-129, 168.
  • 24
    Veja a palavra "mandate" no
    Oxford English Dictionary (Oxford, Inglaterra: Oxford University Press, 1971), edição compacta; Safire,
    Political Dictionary, 398; Jack C. Plano e Milton Greenberg,
    The American Political Dictionary (Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1979), 130; Julius Gould e William L Kolb,
    A Dictionary of the Social Sciences (Nova York: The Free Press, 1964), 404; Jay M. Shafritz,
    The Dorsey Dictionary of American Government and Politics (Chicago: The Dorsey Press, 1988), 340.
  • 25
    Kelley,
    Interpreting Elections, 126-128.
  • 26
    Citado em ¡bid., 133.
  • 27
    Citado em ibid., 134.
  • 28
    Ibid., 136.
  • 29
    Paul F. Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet,
    The People's Choice (Nova York: Columbia University Press, 1948).
  • 30
    Os primeiros estudos sobre as eleições estão resumidos em Bernard Berelson e Paul F. Lazarsfeld,
    Voting (Chicago: University of Chicago Press, 1954), 331 e segs.
  • 31
    Angus Campbell et. al.,
    The American Voter (Nova York: Wiley, 1960).
  • 32
    Citado em Safire,
    Political Dictionary, 398.
  • 33
    Kelley,
    Interpreting Elections, 139-140.
  • 34
    Ibid., 170-172, 174-181, 185, 187.
  • 35
    Ceaser,
    Presidential Selection, 47 e segs.
  • 36
    Como observa Ceaser em
    Presidential Selection, 88, 90: "O sistema de seleç ão não-partidário estabelecido pelos Fundadores da nação mal sobreviveu uma década. Na eleição de 1796, traços de partidarismo já estavam em clara evidência, e em 1800 a disputa já estava sendo
    travada em linhas estritamente partidárias." Tal como muitas outras inovações, a de Jefferson teve conseqüências inesperadas. "Jefferson ... nutria uma desconfiança permanente pelas eleições nacionais e, exceto no caso da sua própria eleição, nunca as considerou como o fórum adequado para se fazer mudanças decisivas ... O paradoxo da eleição de Jefferson em 1880 foi que, embora ele fosse escolhido por motivos partidários, não pretendeu instituir um sistema de competição partidária permanente."
  • 37
    Noble E. Cunningham, Jr.,
    The Jeffersonian Republicans: The Formation of Party Organization, 1789-1801 (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1957), 163-165.
  • 38
    M. Ostrogorski,
    Democracy and the Party System in the United States (Nova York: Macmillan, 1926), 12, nota de rodapé 1.
  • 39
    Embora Jackson conseguisse mais votos do que Adams, tanto populares como eleitorais, não conseguiu a vitória na Câmara dos Representantes.
  • 40
    Ostrogorski,
    Democracy, 342.
  • 41
    Ceaser descreve três fases na evolução do processo de seleção presidencial desde a introdução das primárias: 1912-1920, período de expansão das primárias e do "modelo plebiscitário"; 1920-década de I960, com o declínio das primárias e a reaparição dos partidos; e o período desde 1972. Veja
    Presidential Selection, 215 e segs.
  • 42
    Jeffrey K. Tulis,
    The Rhetorical Presidency (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1987), 46-47.
  • 43
    Ibid., 64, tabela 3.1. e 66, tabela 3.2.
  • 44
    Ibid., 87 e segs.
  • 45
    New York Times, 17 de Janeiro de 1988.
  • 46
    Sobre Theodore Roosevelt, veja Tulis,
    The Rhetorical Presidency, 95-116; sobre Wilson, veja ibid., 118-137.
  • 47
    Ceaser,
    Presidential Selection, 275.
  • 48
    Arthur Schlesinger, Jr.,
    The Imperial Presidency (Boston: Houghton Mifflin, 1973).
  • 49
    Ceaser,
    Presidential Selection, 5; Theodore J. Lowi,
    The Personal President: Power Invested, Promise Unfulfilled (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1985), 97 e segs., 134 e segs.
  • 50
    Lowi,
    Personal President, xi.
  • 51
    Tulis, Rhetorical Presidency.
  • 52
    Nelson W. Polsby,
    Consequences of Party Reform (Nova York: Oxford University Press, 1983), 134, 170-172.
  • 53
    Shanto Iyengar e Donald R. Kinder,
    News That Matters: Television and American Opinion (Chicago: University of Chicago Press, 1987).
  • 54
    Polsby,
    Consequences, 134, 170-172.
  • 55
    Ibid., 147.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Set 1991
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