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Democratização e cultura política de massas no Brasil

CULTURA POLÍTICA

Democratização e cultura política de massas no Brasil* * Agradeço a colaboração que deram, em momentos diferentes, Paulo Sérgio Mouçoçah, Elizabeth Balbachevski, Valeriano Mendes Ferreira Costa, Jacques Bensen e Mário de Mattos à pesquisa "Cultura política e consolidação democrática no Brasil", coordenada por mim, e que deu origem a este texto.

José Alvaro Moisés

Pesquisador do CEDEC, professor de Ciência Política na USP e Visiting-fellow do St. Antony's College da Universidade de Oxford

INTRODUÇÃO

A democracia converteu-se na grande questão da época contemporânea. Por toda parte, verifica-se a defesa das idéias de liberdade, de igualdade perante a lei, de direitos individuais e de legalidade institucional. Para a surpresa de certas vertentes da teoria democrática, milhões de pessoas mobilizam-se para resistir às ameaças à democracia ou simplesmente para pedir o primado do rule of law, como mostraram, nos últimos dez anos, dramáticos acontecimentos em países tão diferentes como a Espanha, a Argentina e a União Soviética1 1 Em agosto de 1991, surpreendidos pelo golpe de Estado contra Gorbatchev e a perestroika, 500 mil pessoas em Moscou e perto de 1 milhão em S. Petesburgo (ex-Leningrado) saíram às ruas para protestar; na páscoa de 1987, quando uma rebelião militar ameaçou o governo constitucional de Alfonsin, 1 milhão de pessoas ocupou o centro de Buenos Aires; em fevereiro de 1981, diante da tentativa de um golpe militar contra a democratização espanhola, 1/2 milhão de pessoas se manifestou nas ruas de Madrid, o que levou o jornal El País a estampar a manchete "El País con la Constitución". . É como se, reagindo a um longo período de revezes, essa nova consciência democrática quisesse universalizar, a qualquer custo, o princípio da autonomia dos governados. Mas, diferentemente dos momentos históricos que a tornaram justamente famosa, ao procurar resgatar a sua dimensão libertária, a democracia parece abandonar as raízes igualitárias da sua tradição. Não poderia ser maior, nem mais cruel tal ironia histórica ao final de um século que se abriu, precisamente, com, as revoluções igualitárias, destinadas a marcar um novo começo de toda a história da humanidade mas, que, agora, fecha-se com revoluções libertárias tanto mais radicais quanto mais varrem quaisquer vestígios do que era ou queria passar pelo igualitarismo. às portas do século XXI, descobre-se que é a democracia liberal, e não as revoluções socialistas, o grande personagem do século que se encerra2 2 A fúria privatizante das revoluções democráticas do Leste europeu é, evidentemente, o exemplo nesse caso; mas a literatura sobre os casos anteriores de transição política, particularmente, os latino-americanos, já havia mostrado que, frequentemente, o preço da democratização é adiar para "mais tarde" qualquer preocupação com a justiça social. .

Passada, entretanto, a fase da festa da democracia3 3 A expressão é de Pasquini. Cf. G. PASQUINI, "L'America Latina: la democrazia senza testa", Mondoperaio 102 (Fev. 1990). , os verdadeiros problemas aparecem. Por mais desejáveis que sejam, as novas democracias (como, em medida diferente, as que nasceram dois ou três séculos atrás), revelam-se profundamente marcadas por uma distribuição desigual, não só dos bens materiais, mas também dos bens simbólicos e dos recursos de poder através dos quais elas enfrentam os conflitos societários fundamentais. Preferíveis, certamente, às alternativas autoritárias ou totalitárias, senão por outra razão, porque asseguram que a disputa por bens disponíveis pode se dar pacificamente, elas convivem, no entanto, com enormes desigualdades sociais, sexuais, raciais, etc. e com a não menos importante divisão entre governados e governantes. Longe de desaparecer, essa realidade torna-se mais visível quando a ordem democrática se instala. Em conseqüência, o entusiasmo democrático dos primeiros tempos cede lugar, muitas vezes, ao desencanto, à apatia e, mesmo, à hostilidade em face da democracia. A reversão de expectativas com a demora para que processo político apresente resultados substantivos frustra os cidadãos e pode suscitar reações que corroem as instituições democráticas ou convertem-se em estímulo à ação dos que querem destruir as novas democracias4 4 O exemplo que vem à mente, imediatamente, é o dos carapintada argentinos, mas é duvidoso que seja o único. .

De fato, construir a ordem democrática é um processo longo, difícil e, por vezes, bastante penoso. A criação de instituições destinadas a processar a complexa pluralidade de objetivos presentes na sociedade depende de um demorado e, por vezes, contraditório trabalho de elaboração coletiva; a adoção dos procedimentos que asseguram esses mecanismos supõe difíceis processos de negociação entre contendores que têm interesse, concepções e, principalmente, expectativas distintas sobre a ordem democrática. Além disso, mesmo depois de estabelecidos, instituições e procedimentos democráticos nem sempre tem o mesmo significado para todos os atores da vida política. Por isso, embora dispensável como pré-requisito, a formação do consenso normativo mínimo, que permite que a democracia se desenvolva e não se interrompa cada vez que um conflito fundamental emerge, torna-se tão importante quanto a formação de um sistema partidário eficiente ou a institucionalização de mecanismos adequados de representação política.

Esse consenso, ao qual se refere o conceito de cultura política, envolve, entre outras coisas, a generalização de um conjunto de valores, orientações e atitudes políticas entre os diferentes segmentos em que se divide o mercado político e resulta tanto dos processos de socialização, como da experiência política concreta dos membros da comunidade política5 5 Tratei da questão da cultura política em dois ensaios anteriores: J. A. MOISÉS, "Sociedade civil, cultura política e democracia: descaminhos da transição política", in M. L. M. COVRE, A cidadania que não temos, Brasiliense, SP, 1986, pp. 119-150; e J. A. MOISÉS, "Eleições, participação e cultura política: mudanças e continuidades", Lua Nova 22 (Dez. 1990), pp. 133-188. . É algo que revela-se crucial uma vez iniciado o processo de democratização. As perguntas pertinentes, nesse caso, parecem ser: em que medida o público de massa das novas democracias apresentam orientações, atitudes e padrões de comportamento político compatíveis com o funcionamento do novo sistema político? Até onde as exigências mínimas de participação requeridas pela democracia são percebidas como meios adequados pelos quais os diferentes segmentos podem apresentar as suas demandas ao sistema político? As concepções sobre a democracia encontradas entre distintos segmentos do público de massas abrigam a alternativa de mudanças no sistema?

Este artigo examina algumas dessas questões para o caso do Brasil. O argumento segue dois passos: (1) em primeiro lugar, discute a relevância da formação de uma cultura democrática entre os públicos de massa para a estabilização de um regime democrático. Sem desconsiderar algumas objeções importantes, afirma não só a utilidade, mas a necessidade dessa formação para a estabilização democrática; (2) em segundo lugar, dando por suposto a) o impacto dos processos de modernização da economia e da sociedade ocorridos, durante as duas ou três últimas décadas, sobre a vida política do país; e b) a inércia representada pela continuidade de enormes arcaísmos no funcionamento do sistema político6 6 A propósito, ver a análise de R. C. ANDRADE, "A democracia e a República no Brasil", mimeo, CEDEC, 1988. , sustenta-se que estão em curso mudanças importantes na cultura política dos brasileiros. Essas mudanças, expressando certa autonomia do processo de formação das convicções políticas de massas, mostram que cresceu a atenção política do público de massas no Brasil, intensificou- se o sentimento de eficácia dos indivíduos e aumentou a adesão genérica aos valores democráticos. O artigo conclui discutindo o significado dessas mudanças para a legitimação da democracia no país.

AS PRELIMINARES DA QUESTÃO

A democratização tem sido vista, por parte importante da literatura, basicamente como resultado de uma escolha estratégica das elites políticas relevantes; nesse sentido, prescindiria da formação de uma cultura democrática (DI PALMA: 1990; PRZEWORSKI: 1989a, 1986; MORLINO: 1980). A premissa que explica essa escolha segue o conhecido axioma proposto por Robert Dahl (1971), no seu justamente famoso Poliarchy, ou seja, a idéia de que a democracia converte-se na opção preferencial das elites no momento em que os custos da supressão da oposição (ou, o que é a mesma coisa, da repressão aos conflitos societários fundamentais) tornam-se mais altos que aqueles da tolerância. O suposto é o de que mudanças de regime político ocorrem se e quando as elites políticas relevantes se conscientizam dos efeitos negativos da "guerra de todos contra todos". Então, a alternativa preferida passa a ser algum tipo de combinação entre repressão e representação (PRZEWORSKI: 1986, 1989b).

Nem todos os que adotam essa perspectiva desconsideram a importância da conversão, propriamente dita, das elites relevantes aos valores democráticos, mas a natureza do argumento sobre a transição e a consolidação democrática é minimalista. Ou seja, supõe que a democracia floresce e se estabiliza, mesmo onde não existam predisposições estruturais e culturais favoráveis, (1) se estruturas democráticas, destinadas a institucionalizar a competição política, se estabelecem por decisão e obra das elites; e (2) quando as lealdades políticas, bem como o consentimento passivo7 7 O conceito de consentimento passivo remete à análise de GRAMSCI sobre a hegemonia. Ver A. GRAMSCI, Prison Notebooks, International Publishers, NY, 1971; e Antologia, Siglo Veintiuno Ed. México. dessas elites se transferem do antigo para o novo regime por força das vantagens comparativas oferecidas pelo último em relação ao primeiro. O problema, sugere-se, não é de legitimidade política, mas de uma escolha que, institucionalizando a incerteza quanto aos resultados do processamento dos conflitos, assegura condições mínimas para a realização dos objetivos dos atores relevantes. O cálculo é, portanto, racional e instrumental8 8 "The entire problem of legitimacy is in my view incorrectly posed. What matters for the stability of any regime is not the legitimacy of this particular system pf domination but the presence or absence of preferable alternatives". Cf. A. PRZEWORSKI, "Some problems in the study of the transition to democracy", in O'DONNELL, SCHMITTER AND WHITEHEAD, Transitions from Authoritariam Rule/Prospects for Democracy, The J. Hopkins Univ. Press, Londres e Baltimore, 1986, p. 52. Przeworski acredita que, existindo alternativas preferíveis como a democracia, elas são escolhidas por decisão racional dos atores sem nenhuma interveniência de normas, valores ou crenças políticas. .

Não vejo razão para pôr em dúvida a importância representada pela opção das elites relevantes pelo regime democrático como uma das condições fundamentais para que a transição do autoritarismo ou do totalitarismo para a democracia se inicie. Uma simples revisão dos casos mais recentes mostra que, quando essa opção se verificou, os processos de democratização se iniciaram e avançaram com mais robustez do que naqueles em que isso não ocorreu ou, como mostraram os acontecimentos recentes na União Soviética, em que isso ocorreu de forma insuficiente. Seja provocando a crise do autoritarismo, seja direcionando-a para novas alternativas, o papel da elite para a emergência da democracia é crucial. Outra questão, porém, é saber se essa opção é suficiente, por si só, para assegurar que a democracia seja adotada por outros setores da sociedade e, assim, se estabilize.

O problema para o qual desejo chamar a atenção neste artigo refere-se à grave lacuna teórica e prática enfrentada pelo argumento minimalista sobre a democracia para tratar do papel desempenhado pelas orientações políticas de massas depois que o regime democrático se instalou. Há um quase completo e absoluto descuido analítico, em boa parte da literatura sobre a transição, no que tange à dimensão estratégica representada pela adesão das não-elites aos valores democráticos básicos9 9 Aos autores citados antes, é necessário acrescentar D. RUSTOW, cujo artigo seminal "Transition to democracy. Toward a dynamic model", Comparative Politics, Vol. 2, Nro 3 (1970), pp. 337-363, tem sido uma fonte permanente de inspiração de boa parte da literatura sobre a transição. Há, certamente, excessões ao descuido assinalado: L. DIAMOND, J. J. LINZ e S. M. LIPSET, Democracy in developing countries (4 volumes), Lynne Rienner Publ., Boulder e Londres, 1989; N. LECHNER et alii, Cultura politica y democratización, Flacso/Clacso/ICI, Santiago, 1987; no caso dos autores brasileiros, F. C. WEFFORT, Por que democracia?, Brasiliense, SP, 1984, e B. LAMOUNIER et alii, De Geisel a Collor: o balanço da transição, Ed. Sumaré, SP, 1990. Quanto ao importante e prestigioso estudo organizado por O'DONNELL, SCHMITTER e WHITEHEAD, ao meu juízo, ele se constitui em um caso particular, pois embora os principais autores não tratem, especificamente, da abordagem da cultura política, tampouco descartam inteiramente o problema, como se pode ver no capítulo de autoria de 0'Donnell e Schmitter, Tentative conclusions about uncertain democracies". . Esse descuido talvez se explique pelo fato de que, no início, os estudos dedicaram-se, compreensivelmente, mais a um approach genético sobre a transição do que, propriamente, sobre as vicissitudes do desenvolvimento da democracia uma vez aquela concluída. Atualmente, no entanto, esse descuido não se justifica mais. Boa parte dos casos originais constituem-se, agora, em experimentos em curso de consolidação do regime democrático e o problema de saber se a população se "acostumará"10 10 Di Palma, por exemplo, embora não considere a cultura política imprescindível à consolidação da democracia, admite, entretanto, que ela pode ser útil e que ela se desenvolve quando a população consegue se "acostumar" aos procedimentos democráticos. Mas ele não explica como, nem porque isso poderia ou deveria acontecer. DI PALMA, op. cit. e apoiará as práticas democráticas está claramente posto. Mas a conseqüência de não se considerar devidamente a variável relativa à generalização massiva de valores como a igualdade básica perante a lei, a superioridade desta para dirigir os conflitos societários, a tolerância em face dos que pensam diferente, o direito de dissentir, a necessidade de controlar publicamente a ação dos governantes e assim por diante verifica-se no tratamento insuficiente dos problemas encontrados em muitos casos de democratização para que funcionem adequadamente os mecanismos destinados a distinguir entre a esfera pública e aquela própria do predomínio e do patrimônio privados. A sobrevivência entre importantes parcelas da sociedade de estilos arcaicos de se fazer política, que prosseguem tratando as decisões da ordem pública como se fossem assuntos privados, como nos casos do clientelismo e do prebendalismo, exponenciam esses problemas, ampliando enormemente as dificuldades enfrentadas pelas elites democratas e por todos aqueles que desejam consolidar a democracia11 11 Em textos mais recentes, O'Donnell tem atribuído enorme importância a esse problema que ele designa como decorrente da sobrevivência de "estilos" arcaicos de fazer política. Ver, por exemplo, O'Donnell, 'Transições, continuidades e alguns paradoxos", in REIS e O'DONNELL, A democracia no Brasil: dilemas e perspectivas, Vértice, SP, 1988, pp. 41-71. .

Um exemplo recente ilustra a importância prática que atribuo à questão. Ele refere-se a algumas das novas democracias que estão resultando do que O'Donnell chamou a segunda transição: mais do que instalar o modelo representativo, elas estão dando lugar ao que tem sido chamado de democracias delegativas (O'DONNELL: 1990; WEFFORT: 1991). Nascidas de vitórias eleitorais que, frequentemente, enfraquecem ainda mais os já frágeis sistemas partidários de países como Argentina, Brasil e Peru, elas combinam apoio popular com um forte componente plebiscitário. As personalidades carismáticas que as expressam (Collor, Menen, Fujimori) se sentem autorizadas a interpretar o mandato majoritário que lhes foi delegado nas urnas ao sabor quase exclusivo dos seus objetivos. Semelhanças com os populismos dos anos 50 e 60 é mais do que coincidência. Não fosse pela frustração de ambiciosas promessas eleitorais, com enormes repercussões sobre as expectativas daqueles que acreditaram na democracia, é difícil saber, nessas condições, como institucionalizar mecanismos que podem tornar esse regime atrativo para contendores de distintos interesses políticos. A modalidade de presidencialismo conhecida no Brasil, por exemplo, concentra enormes recursos de poder em mãos do Executivo. Isto dota o presidente, ao arrepio de quaisquer regras de fiscalização ou controle por parte do Legislativo e dos partidos, de poderosos recursos de barganha política. Nessas condições, é virtualmente impossível coibir ou corrigir quaisquer abusos praticados, mesmo através de instituições como o Legislativo e o Judiciário. Nas democracias delegativas, esses típicos instrumentos da democracia representativa não desaparecem, mas funcionam precariamente: sofrem tanto a pressão dos líderes carismáticos, que querem sempre mais espaços de decisão, como a crítica devastadora dos eleitores insatisfeitos com os modos de se fazer política e com os resultados insuficientes da ação de tudo o que lembra o poder público12 12 A maior parte das pesquisas de opinião, nos últimos cinco anos, tem mostrado isso amplamente. Ver, por exemplo, Arquivo DATA FOLHA. . É compreensível, dessa forma, que estilos como o clientelismo e o prebendalismo sobrevivam: eles servem à realização dos objetivos de certos setores das elites relevantes, embora não de todas elas. Junto com o modo específico do presidencialismo funcionar, eles exacerbam a natureza privatista do sistema político e minam a dimensão republicana da democracia: tornam praticamente desnecessários os partidos políticos, esgarçam o sentido da representação e, como disse um analista, a "idéia de accountability àquelas instituições (Legislativo e Judiciário) ou às organizações privadas ou semi-privadas aparece como um impedimento desnecessário da autoridade plena delegada ao presidente"13 13 Cf. O'DONNELL, "Delegative democracy?", mimeo, CEBRAP, 1990, p. 9. . A questão, portanto, não é se as democracias delegativas são essencialmente anti-democráticas; elas têm algo de democráticas (alguns as consideram até mais democráticas que o sistema representativo); a questão é que, dadas essas condições, elas se transformam em semi-democracias que funcionam apenas para uma parte dos atores relevantes. Os outros - os outsiders que estão tentanto entrar no sistema - são bloqueados para exercer qualquer controle público sobre o exercício do poder e, por fim, ingressam na competição política em condições de enormes desvantagens, A pergunta que cabe fazer é se, nessa situação, continuam a ver motivos para manter o apoio inicial que deram à democracia14 14 Weffort, Lechner, Paramio e outros chamaram a atenção, corretamente, para a importante mudança de atitude, por exemplo, das esquerdas latino-americanas em relação à democracia. No entanto, em certas áreas da esquerda brasileira já se pode notar uma atitude de descrédito em relação à enorme "morosidade" da engenharia institucional democrática para enfrentar problemas como a miséria, a pobreza e as desigualdades econômicas e sociais. .

Esse e outros exemplos15 15 Outro exemplo decorre da inclusão, na Constituição de 1988, dos chamados mecanismos de participação popular semi-direta na democracia. Apesar da frágil tradição da democracia representativa, esses novos mecanismos pressupõem ampla disposição participacionista entre a população, mas isso é bastante duvidoso, o que leva a sugerir que seu desuso poderá acarretar a sua desmoralização, bem como a das demais instituições democráticas. Tratei dessa questão em meu livro Cidadania e participação/Ensaio sobre o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular na nova Constituição, Marco Zero, SP, 1990. apontam, portanto, para uma área de problemas que não se esgota na análise da dinâmica interna da crise dos autoritarismos, nem nos distintos modos pelos quais moderados e duros, minimalistas e maximalistas, modernos e atrasados - tanto da situação como da oposição - provocam ou aprofundam essa crise e escolhem a democracia como a "a segunda melhor alternativa" disponível16 16 O que estou designando como a teoria minimalista da democracia vê, claramente, a democracia como correspondendo à "segunda melhor alternativa". Ver, por exemplo, Dl PALMA, op. cit. . Os modos específicos pelos quais os públicos de massa influem nesse processo ( "acostumando-se" à democracia, pressionando as suas instituições, apoiando os que a ameaçam, etc.) tem de ser tratados como um fator em si que, se é certo que não é decisivo para provocar a escolha das elites pela mudança de regime17 17 Tanto Rustow como Przeworski tratam essa escolha como uma necessidade, mas, ao meu ver, não discutem suficientemente em que medida ela decorre de processos de deslegitimação do autoritarismo que, como sugiro adiante, podem ser cruciais para a crise desse regime. , não deve, entretanto, ser minimizado ou desqualificado na análise dos processos de democratização.

ALGUMAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS

O conceito de cultura política tem uma história polêmica no desenvolvimento das ciências sociais. Embora apareça já nas preocupações de autores tão diferentes como Rousseau, Burke, Tocqueville e Gramsci, associados aos longos e, por vez, contraditórios processos de secularização da esfera da política no mundo ocidental, ele deu origem a abordagens diferentes e, às vezes, contraditórias. Não é possível, aqui, tratá-las apropriadamente, nem de todas as objeções que receberam, mas algumas devem ser mencionadas por causa da sua importância para o foco do artigo. A primeira abordagem que merece destaque vincula-se à tradição marxista, para a qual o fenômeno das idéias, dos valores e das ideologias não tem autonomia. A matriz da sua determinação seria dada pela infraestrutura, isto é, pelo modo pelo qual se definem os processos de produção da vida material. Os valores fundamentais de cada época histórica (e,. por conseqüência, de cada regime político), são aqueles produzidos pela classe dominante com a finalidade de assegurar a realização dos seus interesses estratégicos. Nesse sentido, é inapropriado falar de valores políticos compartilhados por diferentes setores sociais. Como epifenômeno, a cultura política seria supérflua.

Marx não foi particularmente coerente ao tratar do tema18 18 Compare-se a sua posição em textos tão importantes como K. MARX, Wage, labor and capital, Progress Publ. Moscou, 1952, e O 18 Brumário de L. Bonaparte, Ed. Vitória, Rio, 19?, ou Writings on the Paris Comune, Ed. Hal. Draper, NY, 1971. , mas a crítica provavelmente mais criativa do seu determinismo, ao menos do ponto de vista do conceito de cultura política, veio de outro clássico do marxismo, cuja contribuição mais original ao pensamento político praticamente virou de pernas para o ar os fundamentos do determinismo materialista. Ao introduzir o conceito de hegemonia, Antonio Gramsci (1971) sugeriu que a formação de um bloco histórico, isto é, de um modelo político e cultural abrangente pelo qual as elites dirigentes exercem o poder na sociedade, começa propriamente no terreno das ideologias, ou seja, na esfera em que os homens (as classes) tomam consciência da realidade em que vivem. A eficácia do modelo, que inclui necessariamente o conceito de regime político, supõe que a virtude política (um conceito tomado emprestado de outro defensor da autonomia da política e dos valores que se associam a ela)19 19 Refiro-me, evidentemente, a Maquiavel. combina o uso da coerção e do consentimento. A coerção remete ao monopólio do uso legítimo da força e, parece-me, a coincidência com Weber não é simples acaso. Quanto ao consentimento, ele é claramente o resultado de uma construção política e moral levada a efeito pelos atores políticos relevantes; como parte da legimitidade, têm de ser conquistado.

Gramsci é preciso: num contexto de interesses diferenciados e, mesmo contraditórios, a hegemonia só é possível se as elites dirigentes aceitam os riscos inerentes à relação necessariamente tensa entre sociedade civil e sociedade política, ou seja, se os conflitos políticos são aceitos como parte (necessária) da vida social e, por isso, ganham legitimidade e se normatizam. Para perpetuar a hegemonia, diz Gramsci, as elites dirigentes tem de fazer concessões aos grupos sociais dominados, permitindo a criação de condições para a realização de parte dos seus objetivos; mas seus esforços de persuasão (quer dizer, de conquista moral e política da vontade dos governados) referem-se a um modelo político compartilhado por diferentes grupos sociais; nessas condições, a sua capacidade de direção se estabiliza. Aliás, essa é razão pela qual Gramsci insiste tanto sobre a natureza específica (mais complexa, não gelatinosa) dos sistemas políticos ocidentais. É evidente que isso supõe uma relação dialética entre a infraestrutura e a superestrutura e, de fato, exclui qualquer idéia de determinação. Sem descartar os condicionamentos objetivos para a ação, representados pelas estruturas objetivas da economia, do mercado do desenvolvimento social, etc., Gramsci privilegia, nessa versão peculiar do pensamento radical, o terreno da subjetividade onde se formam os valores que fundam o consenso normativo que dá equilíbrio ao funcionamento das sociedades complexas e desiguais. A objeção que se pode fazer, do ponto de vista de uma teoria da democracia, radica na origem leninista do conceito de hegemonia que, em última análise, supõe que o consenso partilhado pelos diferentes grupos sociais subordina-se sempre aos interesses de quem conquista a direção moral e política da sociedade; há nisso um traço indelével do que alguns, corretamente, chamaram de reducionismo classista20 20 cf. E. LACLAU, Teoria política marxista, Ed. Paz e Terra, Rio. Em meu comentário no seminário sobre o livro de F. C. WEFFORT, Por que democracia?, publicado em M. A. GARCIA et alii, As esquerdas e a democracia, Ed. Paz e Terra, Rio, 1984, trato do que me parece ser a natureza anti-democrática do conceito de hegemonia na tradição marxista. . É evidente que essa premissa se choca com a noção da democracia como a institucionalização do conflito e, portanto, como uma obra aberta. Mas a contribuição de Gramsci para a compreensão do papel da dimensão cultural e dos valores nos processos de legitimação política é clara.

Uma segunda abordagem - conservadora, porém, dotada de certa influência intelectual - procurou explicar a estabilidade ou a mudança dos regimes políticos em termos de um suposto caráter nacional dos povos. É preciso mencioná-la aqui por causa da importância da reação que provocou. Sem bases empíricas sólidas, essa concepção usou argumentos de tipo impressionista e, como seria de esperar, gerou análises comparativas frequentemente marcadas por preconceitos e pontos de vista apriorísticos sobre as sociedades estudadas. O impacto político desestabilizador do suposto belicismo dos povos germânicos, o excessivo envolvimento emocional dos latinos, as raízes ibéricas dos brasileiros são alguns exemplos mencionados na literatura21 21 Ver, a propósito, a discussão de R. INGLEHART, Culture Shift in Advanced Industrial Society, Princeton Univ. Press, N. J., 1990. . Pois bem, em reação às evidentes insuficiências empíricas dessa abordagem e procurando beneficiar- se dos desenvolvimentos do behaviourismo e das pesquisas de opinião pública, surgiu a noção de cultura cívica, elaborada por Almond e Verba, cujo livro apareceu em meados dos anos 60 e gerou inúmeras outras pesquisas semelhantes. Os autores sustentaram a hipótese de que as orientações subjetivas dos indivíduos qua cidadãos são cruciais para explicar a estabilidade dos regimes políticos; essas orientações envolveriam três dimensões fundamentais, a cognitiva, a afetiva e a valorativa. Com base em dados coletados em cinco países de tradição histórica e estrutura política diferentes, concluíram que a cultura cívica, isto é, os padrões político-culturais adequados à emergência e à estabilização da democracia, deve combinar tendências de participação política com atitudes de moderada deferência do público diante das autoridades. De fato, The Civic Culture sugere que os públicos de massa que mais se adequam ao padrão típico da cultura cívica são encontrados, por um lado, entre os cidadãos que participam da política escolhendo os governos de suas sociedades e, por outro, deixando em mãos das elites que formam esses governos a tarefa, propriamente, governativa. O padrão inspirou-se em e, ao mesmo tempo, reforçou o chamado modelo anglo-saxão de democracia e, em conseqüência, seus autores foram duramente criticados porque sua análise deixava transparecer clara preferência ideológica pelo modelo da democracia liberal22 22 Pateman resume essas críticas nos seus dois ensaios C. PATEMAN, "Political culture, political structure and political change", British Journal of Political Science 1, (1973), pp. 291-305, e "The Civic Culture: a Philosophic Critique", in ALMOND e VERBA, The Civic Culture Revisited, Litle, Brown and Company, Boston, 1980. Ver, também, B. BARRY, Sociologistas, Economists and Democracy, Collier/Macillan, Londres, 1970. .

A obra também foi criticada pela excessiva preocupação dos autores com os problemas da estabilidade da ordem política que, desse modo, teriam deixado de lado as questões que elucidavam as relações entre cultura e estrutura políticas. Hoje, passados quase 30 anos da publicação do livro e, principalmente, levando-se em consideração o enorme movimento de revalorização da democracia e a importância das condições de estabilização política para a sua sobrevivência, acredito que os críticos atenuariam a censura. Mas, além desse aspecto, viu-se um determinismo culturalista inaceitável nas hipóteses originais do estudo que supunha que a estabilização do regime democrático ocorre, fundamentalmente, se e quando as disposições político-culturais favoráveis à democracia estabelecem-se previamente à sua consolidação, ou seja, uma perspectiva que atribui à cultura política a condição de uma variável absolutamente independente de qualquer outro fator. Esse unilateralismo teórico levou os críticos a indagarem corretamente: o regime democrático é gerado pela generalização de um conjunto de valores, normas e procedimentos democráticos ou, ao contrário, é o fato de que esse regime existe e o modo pelo qual funciona que induz os cidadãos a se envolverem na política, gerando o sentimento de que podem influir nas decisões tomadas pelos governantes e, finalmente, produzindo afeição pela democracia?23 23 Essa é, por exemplo, a posição de BARRY, op. cit. .

O exame dos processos clássicos de consolidação democrática mostra, no entanto, que, além de certa autonomia, os valores, atitudes e procedimentos próprios da cultura democrática reforçam-se a partir de uma interação complexa do comportamento com o funcionamento das instituições democráticas, o que implica processos de socialização e re-socialização política e exige o passar do tempo para consolidar-se e para sedimentar-se. Ao mesmo tempo, seria difícil sustentar que a construção de instituições democráticas em países como a Inglaterra ou os Estados Unidos não tenha sido acompanhada ou não tenha se beneficiado, durante o processo, de intensa generalização de valores democráticos básicos que, em graus diferentes, foram sendo adotados pelos cidadãos24 24 O livro de T. H. MARSHALL, Cidadania, Classe Social e Status, Zahar Ed., SP, 1979 continua sendo o melhor tratamento dessa interação a partir das pressões societárias no sentido da extensão da cidadania para o caso da Inglaterra. Para abordagem complementares, os trabalhos de E. P. THOMPSON e E. J. HOBSBAWN são referências indispensáveis, particularmente, no que se refere à enorme importância do Cartismo para a Inglaterra no século XIX. . Não se trata, evidentemente, de uma dialética simplista entre estrutura política e valores democráticos: os exemplos clássicos mostram realmente que, na ausência de instituições democráticas, torna-se muito difícil desenvolverem-se práticas e hábitos democráticos como, por exemplo, a tolerância em face dos que pensam e agem diferentemente; mas da mesma forma, se a aceitação da tolerância política ou da superioridade da lei para dirimir conflitos não forem tomadas como algo que precisa sobreviver às contingências que, no momento, os tornam aceitáveis para certos atores, as instituições perdem a sua razão de ser, se deterioram e, por fim, desaparecem ou tornam-se desfuncionais25 25 Uma abordagem interessante sobre esse aspecto é o trabalho de E. ZIMMERMAN, "Economic and political reactions to the world economic crisis of the 30s in Six European Countries", mimeo, Midwest Political Science Association, Chicago, 1986. .

Exemplos recentes também confirmam a importância da interação entre cultura e estrutura políticas. O primeiro caso é o da própria Alemanha Ocidental que, no texto original de Almond e Verba, foi descrita como portadora de uma cultura política, senão paroquial, insuficientemente participativa e democrática. Neste caso, a questão da congruência entre valores e estrutura política - outro tema central desse debate - indicaria a pertinência da experiência do nazifacismo, isto é, explicaria porque as orientações políticas de massas foram congruentes com as estruturas autoritárias daquele regime. Duas décadas mais tarde, no entanto, novas pesquisas mostraram que, sob o impacto da defesa da democracia pelos partidos e de um desempenho exemplar das instituições democráticas, os valores democráticos básicos generalizaram-se entre o público alemão. Mas uma boa parte da literatura chamou a atenção para os esforços deliberados feitos tanto pelas forças de ocupação, imediatamente após o fim da Segunda Guerra, como por partidos e governos nacionais para demonstrarem, através da educação e da persuasão, a superioridade dos valores democráticos básicos26 26 Ver, a propósito, D. P. CONRADT, "Changing German political culture", in ALMOND e VERBA, op. cit., 1980; e, também, O. W. GABRIEL, Cambio Social y Cultura Political/El caso de la República Federal de Alemania, Gedisa Ed., Barcelona, 1990. . Da mesma forma, também a Espanha pós- Franco oferece uma indicação de que não é indispensável que haja previamente um consenso democrático majoritário (se é que algo desse tipo algum dia existiu na realidade) para que se estabeleça um regime democrático; mas, além da necessidade de o próprio processo de transição, aí incluídos o comportamento e as escolhas dos atores políticos relevantes, promover a expansão ou a generalização desses valores, a existência de uma base inicial de adesão democrática conta como algo importante27 27 Autores como J. M. Maravall e L. Paramio mostram como esse consenso foi sendo progressivamente criado durante o processo da transição, mas López Pintor sugere que, mesmo sem ser majoritária entre os espanhóis, a reserva de adesão democrática existente antes e durante o franquismo teve um papel importante para a criação daquele consenso. Ver J. M. MARAVALL, La política de la transición, Taurus Ed., Madrid, 1981: L. PARAMIO, "Del radicalismo reivindicativo al pluralismo radical", in LECHNER, op. cit; R. L. PINTOR, "El impacto del autoritarismo en la cultura politica. La experiência española en una perspectiva comparada", in C. HUNEEUS et alii, Para vivir la democracia, Ed. Andante, Santiago, 1987, pp. 135-152. .

De qualquer modo, com a evidência empírica existente, é difícil determinar-se, de modo conclusivo, o sentido da causalidade, isto é, se são as instituições democráticas que geram a cultura política favorável à democracia ou vice-versa. No entanto, como lembraram recentemente Lijphart (1980) e Kavanagh (1980, 1983), mesmo admitindo-se que a influência da estrutura política para criar uma cultura democrática seja grande, é impossível separar inteiramente o comportamento que gera determinada engenharia institucional do sentido que os atores relevantes atribuem a essa engenharia. Não é preciso recorrer a nenhuma explicação psicologizante para perceber que as decisões tomadas pelos atores relevantes sobre a estrutura política sofrem o impacto contextual, isto é, da natureza das disputas políticas, das concepções que os atores têm sobre elas e dos padrões de comportamento político vigentes ou herdados do passado. Talvez o mais apropriado seja falar, como mesmo Rustow admite, de uma "influência recíproca entre ação e crenças políticas"28 28 Cf. Rustow, op. cit. . Um bom exemplo é o processo de formação de identidades políticas que, levando os atores relevantes a tomarem decisões sobre as melhores estratégias para realizar seus objetivos, não os impede de moverem-se tanto sob o impulso de condições objetivas dadas (aí incluídas, evidentemente, as estratégias dos outros), como sob o impacto de crenças, aspirações, desejos e valores. Se é certo que nesse processo as "normas internalizadas" através de distintos processos de socialização podem tanto ser reafirmadas, reelaboradas ou negadas, é difícil sustentar que isso se dá fora do contexto da interação social29 29 Ver, a esse respeito, A. PIZZORNO, "Sulla Razionalitá delia Scelta Democratica", Stato e Mercato, 7, (Abril 1983), pp. 3-46. . Portanto, falar de uma racionalidade que se definiria fora de (ou previamente a) esse contexto de influências objetivas que se mesclam com tradições e valores, é o mesmo que falar de uma racionalidade fora da vida social; ou, por outras palavras, de atores sociais que se formam enquanto tais antes de integrarem a sociedade30 30 Não deixa de ser surpreendente que um autor como Elster agora atribua às normas sociais a enorme importância que assinala no seu ensaio J. ELSTER, "Racionalidade e Normas Sociais", Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, Vol. 5 (Fev. 1990), pp. 55-69. .

Assim, se a cultura política é insuficiente para gerar, sozinha, o regime democrático, isto é, se o processo de construção desse regime supõe, ademais, o que alguns autores chamaram recentemente a artesania de fabricar as suas instituições (DI PALMA: 1990), isso não autoriza, no entanto, a considerá-la como desnecessária. Como a eficácia dessa artesania depende, em última análise, do modo como o pacote institucional democrático é apresentado para que o consentimento das elites, antes dispensado ao regime autoritário, se desloque para o regime democrático, torna-se impossível distinguir inteiramente a intenção estritamente racional das escolhas específicas que geram a estrutura política do terreno em que convicções, influências e tradições informam as decisões sobre essas escolhas.

ATENÇÃO POLÍTICA, EFICÁCIA E ADESÃO À DEMOCRACIA

O caso brasileiro é um bom exemplo de como se opera, durante a democratização, a difícil interação entre a opção democrática das elites relevantes e a formação de um consenso democrático de massas. A transição política brasileira durou mais de uma década, gerando um amplo e complexo movimento de oposição ao autoritarismo que tanto serviu para redefinir o compromisso das elites com o regime político, como para generalizar as virtudes da democracia entre o público de massas. As razões que levaram a isso são várias: em primeiro lugar, como sugeriu Weffort (1984), a experiência do terror do Estado provocou uma profunda mudança de atitude política em diferentes segmentos sociais; em segundo lugar, o início da política de "abertura" coincidiu, praticamente, no tempo com os efeitos combinados das crises econômicas internacional e nacional (1972/73), e "socializou" as insatisfações, até então limitadas aos setores populares, entre as elites empresariais que, assim, se dessolidarizaram do regime autoritário; em terceiro lugar, os efeitos gerados por quase duas décadas de modernização econômica e social não apenas mudou a morfologia da sociedade, como sugeriu Santos (1989), mas provocou enorme mobilização sócio-política em inúmeras esferas da sociedade, suscitando novas, mais complexas e maiores expectativas e demandas em face do Estado; por último, mas não menos importante, como lembraram Lamounier e Linz em várias ocasiões31 31 Ver, por exemplo, o texto de B. Lamounier, "Inequality against democracy", in Diamond, Linz e Lipset, op. cit., pp. 111-158. , o regime autoritário brasileiro conviveu com a sobrevivência de um sistema político semi-competitivo que produziu não apenas disputa e mobilização política entre as elites, mas um processo permante de deslegitimação do autoritarismo pois, mesmo nas condições de um sistema partidário semi-tutelado, a realização de eleições periódicas inevitavelmente extenderam a discussão sobre os problemas do regime e possíveis alternativas a ele até o grande público. As conseqüências são conhecidas: aprofundamento das dissidências entre as elites, eleições plebiscitárias que assumiram um claro caráter anti-regime e amplas mobilizações sociais que, frequentemente, se converteram em movimentos democráticos. Esse é o contexto em que ocorrem as mudanças das convicções políticas dos brasileiros. (Ver tabela 1, p. 22)

De fato, a partir de um determinado momento tornou-se claro que o país caminhava para um regime democrático. Este momento coincidiu com a reintrodução das eleições diretas para governadores de Estado, em 1982 - uma espécie de turning point do processo que levou alguns analistas a falarem de uma diarquia - ; então, algumas pesquisas de opinião constataram certa cristalização de atitudes críticas do público brasileiro de massas em relação ao regime político (ROCHON e MITCHELL: 1987). Apesar disso, foi necessária quase outra década para que algo como um consenso democrático mínimo alcançasse os patamares verificados no momento em que a transição se completou com a realização das eleições diretas para presidente da República em 1989. Então, a população brasileira já tinha experimentado quase dois períodos de quatro anos de governos de Estado eleitos pelos cidadãos, os quais, malgrado a sua origem oposicionista, provocaram, em muitos casos, enorme reversão das expectativas populares por mudanças econômicas, sociais e políticas formadas ao longo da transição; ao mesmo tempo, o país tinha vivido a mais espetacular mobilização de massas em defesa da democracia de que se tem notícia na história contemporânea brasileira, a campanha por eleições diretas para presidente da República32 32 Em meados dos anos 80, coube ao Brasil experimentar a mobilização de milhões de pessoas em defesa da democracia, como sugeri na nota 1 para outros países. Tratei do significado dessa mobilização em meu ensaio J. A. MOISÉS, "A transição política ou o longo percurso dentro do túnel", Ciências Sociais Hoje, 1985, ANPOCS/Cortez Ed., São Paulo. . Não existem pesquisas para o conjunto do país que permitam verificar se os feitos de uma ou outra dessas experiências ou se de ambas jogaram algum papel na formação das orientações políticas de massa; mas pode- se considerar que os problemas de funcionamento dos governos de oposição, assim como o desempenho dos partidos (até 1982, aproximadamente, depositários das expectativas populares por mudanças) e do Congresso, a quem coube decidir o destino da Emenda das eleições diretas em 1984, provocaram enorme frustração, senão na maioria, em boa parte dos brasileiros mobilizados nos dois casos. Sou tentado a concluir que essas primeiras experiências com o funcionamento das novas instituições não constituiram um ponto de partida muito positivo para iniciar o enraizamento de convicções democráticas entre o público de massas no Brasil. Mas os dados não confirmam essa previsão, sugerindo, entre outras coisas, que a interação entre o processo de criação de instituições e a formação da cultura política têm maiores margens de autonomia 'do que suporia a hipótese original. De fato, embora seja preciso tomar com cautela as comparações, uma vez que os dados de 1989 e 1990 são para todo o país e os de 1972 e 1982 apenas para a região Sudeste e algumas capitais de Estados, respectivamente, alguns aspectos chamam mais a atenção na tabela 1: (a) em primeiro lugar, verificamos que, entre 1972 e 1990, cai drasticamente o contingente dos que viam nos militares uma alternativa para resolver os problemas do país mas, seis anos depois do fim do regime autoritário, esse contingente ainda era superior a 1/3 do eleitorado; (b) em segundo lugar, embora os dados não autorizem a se falar de mudanças significativas ao longo do período de quase 20 anos, é notável a oscilação da opinião no que se refere ao papel dos partidos políticos na metade do período, antecipando problemas que o seu desempenho provocaria para a estabilização das convicções de massa; ainda assim, cerca de 1/2 dos entrevistados reconhecem alguma importância neles; (c) por último, os dados também mostram que a fase democrática, isto é, o final dos anos 80, coincide com o momento a partir do qual o direito de voto dos mais excluídos socialmente, isto é, dos analfabetos parece estar sendo posto em questão, embora essa tendência diminua levemente no período recente. Os dados da tabela 2 são bastante simples, mas confirmam que o público de massas mudou a sua orientação política, nesses últimos 20 anos.

Os dados da tabela 2 mostram que entre 1989 e 1990 deve ter ocorrido uma segunda cristalização dos valores democráticos encontrados entre o público de massas. Essa conclusão apoia-se, ademais, nos dramáticos desenvolvimentos políticos da fase final da transição política: por uma parte, as eleições presidenciais de 1989 assumiram um claro caráter terminal da transição; a conquista de eleições diretas teve um sentido fortemente simbólico, sendo bastante provável que setores majoritários do público as tenham tomado realmente como indicação de fim do regime autoritário; por outra, as eleições também marcaram o término do período extraordinariamente ambíguo que corresponde ao primeiro governo civil do período pós-autoritário; de fato, no governo Sarney, o principal partido de governo era também o mais importante símbolo da oposição ao regime anterior, isto é, o PMDB, enquanto o presidente da República e inúmeras outras figuras centrais do governo eram exemplos de continuidade daquele dentro do nascente regime democrático. Parte dos enormes problemas de governabilidade desse governo decorre dessa natureza bifrontal que, muitas vezes, imobilizou um governo dividido e de precária legitimidade e outras levou-o a adotar uma estratégia de "administração eleitoral" dos desafios econômicos e sociais (MOISÉS: 1990); outra parte tem relação direta com a crise do próprio sistema político que, ingressando então na fase de revisão constitucional, experimentou enormes efeitos de paralisia toda vez que o congresso Constituinte, no exercício de suas funções, moveu-se em busca de autonomia e contrariou as preferências do Executivo presidencialista (ALBUQUERQUE: 1990). As conseqüências dessa crise de governabilidade são conhecidas: uma vez mais, reversão das expectativas populares quanto aos problemas econômicos e sociais; frustração com o funcionamento das instituições e sinais de desencanto com o novo regime. Como mostrou a campanha eleitoral de 1989, o acaso do regime autoritário e a instalação da democracia foram vividos pelos brasileiros como um momento de decepção (MOISÉS: 1991).

Embora a tabela 2 tenha a finalidade, apenas, de sugerir linhas de interpretação, o contexto que se acaba de indicar tem necessariamente de ser incluído na análise. É extraordinário que, nas condições descritas, pouco mais de 2/3 dos entrevistados em 1989 e de 1990 reconheçam o impacto da política para a sua vida e algo em torno da metade dos entrevistados manifeste, em algum grau ou nível, interesse pela política. É sintomático, ademais, que apenas 1/3 dos entrevistados acreditem ser capazes (em 1989) de influenciar a política, mas os dados relativos ao seu envolvimento com ela, isto é, com formas de tomar conhecimento sobre os fatos básicos da vida pública não indicam distanciamento: um contingente que oscila entre 50% e mais de 2/3 do público utiliza-se da TV, jornais e revistas para isso. Chama a atenção ainda, nessa tabela, as seguintes informações: (a) 2/3 da amostra mantêm a decisão de participar de eleições mesmo que fosse retirada a compulsão legal que torna o voto obrigatório; (b) um contingente em torno de 50% declara ter preferência partidária; e (c) pouco mais de 30% dos entrevistados manifesta disposição para uma forma de participação política convencional que, claramente, envolve custos, isto é, "tentar convencer outras pessoas a votarem" em seus candidatos.

As tabelas 3 e 4 consistem de dados que, de alguma forma, corrigem a preliminariedade das indicações anteriores. Embora tomando ainda as porcentagens simples dos surveys de 1989 e de 1990, elas confirmam a cristalização de opiniões do público de massas quanto ao novo regime democrático. De fato, os dados da tabela 3 mostram que, genericamente, os brasileiros preferem o regime democrático à ditadura ou a urna atitude de indiferença, os índices variando de pouco mais de 50% em setembro de 1989 para algo superior a 2/3 em março do ano seguinte. Além disso, constata-se que o rechaço à volta dos militares ao cenário político aumenta, mas a atitude de deferência em face da ordem legal é superior a 2/3; as atitudes contrárias à repressão a direitos civis, sociais e políticos não é apenas majoritária, mas mantém-se num patamar superior a 2/3 e, em alguns casos, maior; no entanto, o contingente dos que se declaram favoráveis a que o sistema assegure direitos às minorias, apesar de manter-se perto da metade, diminui levemente entre setembro de 1989 e março de 1990. A tabela 4 introduz duas outras dimensões: por um lado mostra que, construindo-se uma tipologia de cidadania com base em questões relativas ao impacto da política na vida do entrevistado e à capacidade deste para influir na vida pública, os que têm mais interesse, procuram melhor informar-se sobre ela e dispõem- se a continuar participando através de eleições, correspondem aos cidadãos classificados como "ativos" e, mesmo, "passivos" (ao contrário dos "incongruentes" e dos "alienados"). Os coeficientes de associação são moderados, mas sugerem um padrão. A conclusão se robustece diante dos dados da parte inferior da tabela, ou seja, àqueles que se referem ao cruzamento da tipologia de cidadania com níveis de instrução e tamanho dos municípios de onde são originários os entrevistados: os cidadãos "ativos", como sugere uma vasta literatura para inúmeros outros casos, também no Brasil estão entre os que passaram mais anos pelo sistema educacional e (com excessão dos municípios de porte grande) os que habitam centros médios e maiores. Ou seja, os "ativos" - que participam mais, se interessam e influenciam a política - são também os mais favorecidos pela estrutura sócio- econômica e pelos efeitos da modernização33 33 Ver a discussão sobre esse assunto na seção seguinte. . (Ver tabelas 3 e 4, p. 28-29.)

QUESTÕES SOBRE A CONVICÇÃO DEMOCRÁTICA DE MASSAS

Em vista das dificuldades que certas contradições encontradas nas respostas poderiam representar para uma interpretação mais segura dos dados, optou-se por dois procedimentos analíticos complementares: o primeiro, como é adequado, trata de colocar alguns dos padrões apresentados antes em contexto longitudinal e comparativo mais amplo, isto é, compara-os com dados nacionais similares para um período mais longo de tempo e, quando possível, também com resultados de países que experimentam (ou experimentaram) processos de democratização; o segundo verifica a consistência de algumas das respostas em si mesmas, isto é, apoiando-se na análise fatorial sobre as questões de natureza política do survey de setembro de 1989, toma os conjuntos de opinião sobre dois tópicos centrais para a presente discussão: a posição dos entrevistados em escalas destinadas a medir tanto os níveis de sofisticação política do público de massas como a sua posição em um continuum democratismo-autoritarismo.

As tabelas 5 e 6 (ver p. 31 e 32) apresentam os dados relativos ao primeiro procedimento. Na primeira, de um modo geral, os dados confirmam notavelmente a cristalização de opiniões democráticas de que se falou antes: a atenção política aumenta após o início da fase democrática, do mesmo modo que os indicadores de participação e de permissividade política; mas, coincidindo com a fase mais aguda da crise do governo Sarney, isto é, com o fracasso do Plano Cruzado, surgem sinais claros, não de reversão, mas de uma diminuição no avanço daquela cristalização. Caem as taxas dos que declaram ter preferência partidária, aumentam os que duvidam da capacidade dos analfabetos votarem e diminuem os que manifestam disposição participacionista. Não deve passar despercebido, porém, que esses índices movem-se levemente em sentido oposto ao aproximar-se o final da década, isto é, do fim inequívoco da transição; paralelamente à pobre performance do primeiro governo democrático e, em especial, dos partidos que formavam a Aliança Democrática, as convicções democráticas oscilam; apesar disso, não indicam rechaço ou hostilidade à democracia que, mesmo assim, continua sendo apoiada34 34 De fato, os dados do survey de dezembro de 1989 mostram que são majoritários os contingentes que avaliam negativamente o governo Sarney, mas não há associação significante entre essa atitude e as opiniões sobre valores democráticos. Embora não seja possível tratar desse assunto nesse artigo, os dados mostram que a rejeição ao governo Sarney só se associa significantemente com os índices de avaliação das policies. Isso reforça a convicção de que o que Easton chama o "apoio específico" distingue-se realmente do "apoio difuso" ao sistema político. Ver, a propósito, D. EASTON, Uma teoria de análise política, Zahar Ed., Rio, 1968. .

No segundo caso, a tabela 5 coloca as preferências sobre regime político em perspectiva comparada. Duas coisas saltam aos olhos imediatamente: em primeiro lugar, a adesão dos brasileiros péla democracia é menor do que aquela encontrada entre os entrevistados em países como Chile e Argentina; em segundo lugar, os dados indicam que deve ser levada em consideração a variável relativa à seqüência do tempo, algo que a experiência de países como a Alemanha também confirma. Mas a comparação corrobora outras pesquisas que indicam maior fragilidade da opção democrática no Brasil se comparada a outros casos de democratização (MUSZYNSKI e MENDES: 1990). Entretanto, tendo-se em conta que qualquer comparação tem sempre de ser relativizada em função dos diferentes contextos históricos e do significado real que os indicadores assumem para cada caso, aqui é preciso considerar: (a) por um lado, a existência de uma tradição democrática mais longa e mais enraizada no Chile e na Argentina do que no Brasil; basta lembrar que, enquanto o Brasil ainda se esforça para consolidar um sistema partidário, no Chile e Argentina, partidos aparecidos no final do século passado ou nas primeiras décadas do atual jogam um papel decisivo na democratização; e (b) por outro, o fato de que, ao contrário daqueles países, a experiência autoritária brasileira tanto constituiu um caso de relativo sucesso econômico, implicando processos significativos de modernização da economia e da sociedade, como envolveu formas de repressão "menos" brutais que nos outros dois casos. Essas circunstâncias, que O'Donnell (1989) chamou "o paradoxo do sucesso", tornaram menos traumática a experiência da ditadura e mais leve a sua memória. Os dados mostram que, com o passar do tempo, está se formando uma maioria entre os brasileiros que preferem a democracia.

Finalmente, os dados das tabelas 8 (p. 37), 9 (p.39) e 10 (p. 40) permitem completar o exame sugerido acima. Há boas razões que aconselham perguntar-se se o público brasileiro de massas está realmente qualificado, de um modo geral, não apenas para definir-se sobre as questões relativas à democracia (que, compreensivelmente, transformou-se em objeto de amplo interesse público em vista dos estímulos gerados pela mídia na última década), mas sobre o conjunto das questões que envolvem o sistema político, como participação, avaliação dos mecanismos de input e output, preferência partidária, localização dos indivíduos, dos atores e dos próprios partidos em um continuum esquerda-direita e assim por diante. De fato, em primeiro lugar, há o peso da tradição de fenômenos como o populismo que, como sugeriu Weffort (1978), se convive com certos níveis de participação popular, envolve também manipulação política em larga escala. Parte do problema consiste precisamente nisso: a manipulação é indicação de que se está em presença de fatores de ordem sócio-política que desqualificam a percepção e o comportamento de massas sobre a política; por isso, uma parte da literatura tratou o populismo como um fenômeno de "disponibilidade das massas" (GERMANI: 1974). Em segundo lugar, senão a evidência, estão as hipóteses que, como sugeriu Schmitter (1977), sustentam a existência de um efeito de despolitização das massas em decorrência da natureza desmobilizadora dos regimes autoritários; cancelando a vida pública, o autoritarismo implicaria inação e desinformação política. E, em terceiro lugar, colocam-se os argumentos que, como faz Cohen (1976), combinando criticamente os dois anteriores, falam de despolitização do público de massas tanto em função dos fatores que explicam fenômenos como o populismo como daqueles que decorrem da sua persistência que, assim, acentuaria a tendência. No caso do autoritarismo, o problema não seria tanto a despolitização levada a efeito por um regime desmobilizador, mas os fatores que preservam e intensificam as condições de despolitização que vem de antes e que impedem que o público se qualifique para participar e para definir-se adequadamente sobre a política. Para Cohen, isso explica que, em 1972, durante o período mais repressivo do autoritarismo brasileiro, mais de 80% dos brasileiros se declarassem favoráveis ao regime militar no Brasil; desqualificado para opinar sobre algo que não o mobiliza, o homem comum seria incapaz de relacionar-se com o regime político como conceito e, por isso (excessão feita aos setores de elite), era irrelevante o seu apoio aos governos militares; as respostas expressariam apenas apoio a um governo visto como provedor e não ao autoritarismo.

Em vista disso, considerou-se adequado construir uma escala que permitisse medir os níveis de sofisticação política do público de massas. A hipótese inicial partia do que Neuman (1985) e outros chamaram a teoria dos três públicos, isto é, a noção de que os públicos de massa dividem-se, em função de diferenciações econômicas, sociais e políticas, em três segmentos básicos: uma elite de cerca de 5% (que, em certas circunstâncias, pode ser algo superior) formada dos mais ativos, mais informados e mais envolvidos; um público médio de cerca de 75% que pode ser caracterizado por níveis moderados de envolvimento e informação política, mas que compartilha padrões razoavelmente homogêneos de opinião e de comportamento; e, finalmente, um público em torno de 20% que é francamente apático, desinformado e desinteressado tanto da sua participação, como da vida pública em geral. Essa teoria se apoia extensamente em evidência empírica encontrada em sociedades de regime democrático consolidado e que, ao mesmo tempo, se caracterizam por estruturas econômicas e sociais mais homogêneas e menos desiguais do que as dos países latino-americanos; por isso, se ela oferece um ponto de partida útil para o exame da questão da qualificação das opiniões em contexto de sociedades de massas, tem de ser necessariamente relativizada para dar conta de realidades bastante diferentes do ponto de vista da estrutura sócio-econômica. Basta lembrar, por exemplo, as diferenças entre Estados Unidos e Brasil no que se refere aos indicadores sobre níveis educacionais, uma variável importante da sofisticação. Por isso, a hipótese para o caso do Brasil partia da premissa de que, necessariamente, a distribuição de freqüências entre os três níveis do público seria bastante diferente daquela encontrada em países como os Estados Unidos: de fato, considerou-se que a massa dos desinformados, desinteressados e menos ativos teria de ser, pelo menos, o dobro daquela encontrada nos países desenvolvidos, enquanto o público médio estaria mais ou menos em torno de 50%. O segmento de elite, formado dos que, de alguma forma, vivem da política ( "fazendo-a" ou conformando as opiniões sobre ela), dadas certas características universais do seu recrutamento, deveria variar menos, situado-se provavelmente entre 5 e 10%, algo próximo da sua distribuição naqueles países. Dois aspectos daquela teoria, no entanto, tornavam-na atrativa para o caso brasileiro: por uma parte, a teoria é análoga ao conceito de politização no que se refere aos requisitos básicos da participação política, ou seja, os setores' sociais fundamentalmente desprovidos de recursos intelectuais e informacionais são classificados como apáticos ou inativos e suas inconsistências decorrem dessa apatia, alienação e inação; mas a teoria considera que o segmento médio, embora dotado de muito mais recursos cognitivos para elaborar a sua percepção da realidade do que aqueles disponíveis aos inativos, está muito longe, também, de ser comparável aos que são mobilizados pelos ativistas que, por definição, manipulam essencialmente os conceitos políticos básicos para "fazer, discutir ou divulgar" a política; de fato, embora capazes de acompanhar a política e de definir- se sobre ela, os seguimentos intermediários não estão habilitados para relacionar logicamente todos seus pontos de vista, nem necessariamente o fazem sobre todos os aspectos ou de modo homogêneo. Se a política é algo que conta para eles, isso não impede que suas opiniões ou atitudes reflitam a distribuição desigual de recursos cognitivos, informacionais e assim por diante (MILBRATH: 1965).

Optou-se, então, pela construção de uma escala que pudesse, tanto quanto possível, medir esses desníveis da sofisticação. As três dimensões básicas incluídas referem-se à mobilização do estoque de informações, centralidade e capacidade dos entrevistados para conceituarem certos objetivos da vida política. Partindo-se dessa estrutura do conceito, foi possível trabalhar com uma escala não somente aditiva, mas também cumulativa, ou seja, os indivíduos que demonstram capacidade de responder positivamente a um item que apresenta mais exigências são, também, capazes de responder afirmativamente a um item menos complexo e que, por exemplo, exige apenas a mobilização do seu estoque de informações sobre o mundo da política. Inversamente, é pouco provável que um entrevistado que não consegue ultrapassar um quesito de nível simplesmente elementar consiga chegar aos níveis que exigem maior qualificação em sua resposta. A vantagem desse tipo de mensuração em relação, por exemplo, aos níveis de conceituação política utilizados por Converse35 35 Ver P. CONVERSE et alii, The American Voter/Unabridged Edition, Univ. of Chicago Press, Midway Reprint, 1980. , é que o conceito de sofisticação pode abarcar mais acuradamente - além dos segmentos da elite e dos que estão próximos dela, em função da distribuição desigual de recursos educacionais - os diferentes segmentos do público de massas que, malgrado a sua carência desses recursos, experimentam (diferenciadamente) o impacto da política, interessando-se em distintos níveis por ela e, portanto, sofrendo os efeitos dos processos de re-socialização política que decorrem dessa experiência. É notável que em países como o Brasil parte dessa experiência inclui a mobilização e a organização dos mais pobres para disputar uma distribuição menos desigual, precisamente, de recursos de integração societária como a educação. Ora, não há razão para excluir a possibilidade de que - embora improvável como fator de formação da capacidade de expressão de conceitos, em sentido estrito - essa experiência jogue algum papel para conformar padrões (diferenciados) de sofisticação política dos menos privilegiados e, assim, influa decisivamente sobre as suas convicções.

Os dados da tabela 7 provêm de informações, tanto do trabalho de Cohen para 1972, como do survey de setembro de 1989. Embora não sejam comparáveis, em sentido estrito, seja porque se baseiam em metodologias distintas para medir a mesma coisa, seja porque se referem a universos diferentes (o primeiro, à região Sudeste; o segundo, ao conjunto do país), apresentam, no entanto, indicações bastante úteis sobre a natureza e o grau de mudanças verificadas na capacidade de percepção do público de massas nesse período. De forma resumida, duas observações podem ser feitas: em primeiro lugar, há boas indicações para se acreditar que o contexto político imediato influiu fortemente sobre os resultados obtidos em 1972, provavelmente, inibindo os entrevistados a expressarem com acuidade os seus sentimentos reais e as suas convicções políticas de fundo. Isso não diz respeito tanto à metodologia usada, mas à própria utilização do survey como instrumento de mensuração de opiniões em um contexto que, por definição, desestimula, desaconselha e pune os que se manifestam. Dessa forma, não se deveria excluir a hipótese que, nas condições do período Médici, isto é, daquele que, foi o mais repressivo dos governos militares, o público não tivesse se sentido inteiramente à vontade para enfrentar a "situação de entrevista", particularmente, sobre opiniões políticas. O quanto isso pode ter distorcido os resultados é muito difícil avaliar, mas há uma razão forte para crer-se que isso ocorreu em algum grau: dois anos mais tarde, em condições e certa "descompressão" política, enormes contingentes do mesmo público infrigiram severa derrota eleitoral ao regime militar. Ademais, as eleições de 1974 introduziram um fator que, até praticamente o final da transição, jogaria papel extraordinariamente importante para o que se está considerando aqui: o debate público sobre os destinos do regime autoritário e as possiblidades da alternativa democrática a ele36 36 J. A. MOISÉS (em colaboração com J. A. G. ALBUQUERQUE), "1974, a avalanche de votos de protesto", in J. A. MOISÉS, Cenas de Política Explícita, Marco Zero, SP, 1986; também B. LAMOUNIER e F. H. CARDOSO, Os partidos e as eleições no Brasil, Ed. Paz e Terra, Rio, 1978. .

Em segundo lugar, deve-se ter em conta as enormes mudanças provocadas pelos processos de modernização da economia e da sociedade levados a efeitos nos quase 20 anos que separam os dois surveys. Ainda que não se possa tratar adequadamente dessa questão no limite deste artigo, é preciso considerar as duas ordens de efeitos que, como assinalou Santos (1985), resultaram das mudanças que vinham ocorrendo desde meados dos anos 50 no país e que se intensificaram ainda mais durante os governos militares: em primeiro lugar, essas mudanças alteraram profundamente a morfologia da sociedade, redimensionando o tamanho e a importância dos diferentes grupos sociais, generalizando o trabalho assalariado, integrando novos contingentes (como a mão-de-obra feminina e os mais jovens) e aprofundando as relações capitalistas no país; em segundo lugar, redefiniram as relações desses grupos sociais entre si e deles com o Estado, dando origem à enorme mobilização para a defesa de interesses e à apresentação de demandas de natureza econômica e social ao Estado e suscitando a ruptura da estrutura corporativista através da qual trabalhadores, empresários e governos se relacionavam. Conseqüências importantes dessa modernização são (a) o fato de que, hoje, o Brasil é um país essencialmente urbanizado, com mais de 3/4 da sua população habitando as cidades; (b) mesmo sem alterar as enormes distorções da sua distribuição desigual, o sistema educacional também expandiu-se bastante, passando a atender contingentes maiores de pobres e não-privilegiados; (c) a mídia e a indústria cultural praticamente integraram o conjunto da população em um mercado informacional nada desprezível. Qualquer que seja a avaliação que se faça da orientação dessa indústria, é inegável o seu efeito para ampliar os estoques disponíveis de informação sobre a vida política. Alguns dos resultados mais significativos dessas mudanças são os fenômenos dos movimentos sociais e da formação de partidos políticos37 37 A literatura sobre o significado político dos movimentos sociais no Brasil é enorme; da mesma forma a que trata da formação de partidos políticos entre meados dos anos 70 e o fim da década de 80. Ver, a propósito, J. A. MOISÉS et alii, Cidade, povo e poder, CEDEC/Paz e Terra, Rio, 1982; P. JACOBI, "Movimentos Sociais Urbanos no Brasil", BIB - Boletim Informativo Bibliográfico, 9, Rio, 1980; R. C. CARDOSO, "Os movimentos populares no contexto da consolidação democrática" in REIS e O'DONNELL, op. cit., pp. 368-382; B. LAMOUNIER, Partidos e Utopias, Ed. Loyola, SP, 1989. .

As tabelas 8 e 9 mostram, no entanto, que se a modernização qualificou melhor a população em seu conjunto para tratar com a realidade, não anulou os efeitos das desigualdades econômicas, sociais e regionais, antes acentuando-as em muitos casos. De fato, confirmando evidência apontada por enorme literatura sobre o tema, essas tabelas mostram que a sofisticação política do público de massa é tanto maior quanto mais ele se concentra nas cidades médias e grandes; ela está efetivamente associada às variáveis que constituem o tripé da participação política, isto é, renda, educação e ocupação. Não seria razoável esperar que a modernização conservadora levada a efeito pelos governos militares brasileiros alterasse, fundamentalmente, as desigualdades que estão na base dessa tendência que faz com que os que têm mais renda, os que são mais instruídos e têm ocupações não-manuais sejam, ao mesmo tempo, os que mais participam da vida pública. Mas, ao influir sobre as condições gerais em que ocorreram as mudanças verificadas para o conjunto do público de massas, os efeitos contraditórios da modernização confirmaram a pertinência da teoria dos três públicos.

DEMOCRACIA, AUTORITARISMO E ADESÃO A VALORES

A sofisticação, porém, é apenas um pré-requisito para a formação das convicções políticas. Por si só, ela não resolve a questão da consistência das opiniões sobre a democracia. A questão exige um tratamento específico. Há pelo menos três pontos de partida para interpretar-se as evidências preliminares apresentadas até aqui: (1) algumas versões clássicas da teoria democrática tenderiam a desqualificar parcialmente o significado da adesão democrática do público de massas por causa das inconsistências encontradas em certas respostas (como indicado acima). Mas isso implica o suposto de que, mesmo nas incertas condições das transições políticas, a adesão de massas à democracia ocorreria por inteiro, isto é, o público "compraria" fechado o pacote de crenças e valores democráticos e extenderia, por igual, as suas convicções por todas as esferas da vida social. Isso não é realista, como Converse e outros mostraram, nem mesmo para os casos de democracias consolidadas38 38 O texto seminal sobre esse tema é P. CONVERSE, "The Nature of Belief Systems in Mass Publics" in D. E. APTER, Ideology and discontent, Glencoe, The Free Press, 1964, pp. 206-61. Ver, também, do mesmo autor, "Of time and partisan stability", Comparative Political Studies, 2, Vol. 2, (Jul.. 1969), pp. 129-171. ; (2) a visão minimalista da democratização - criticada antes - ao admitir que a cultura política pode ser útil para a estabilização do regime democrático (embora não seja necessária para a sua implantação), argumentaria que a inconsistência deve-se ao fato do público "ainda não ter- se acostumado" inteiramente ao funcionamento das novas instituições. Mas, nesse caso, haveria pelo menos outros dois problemas para serem explicados: primeiro, quais são as condições em que a necessidade se converte em virtude, isto é, em que o público de massas vive a experiência da democracia como dado da situação e como algo que vale a pena em si; além disso, o que explicaria que, em alguns casos, o "costume" democrático leve a atitudes democráticas e, em outros, não?; (3) o ponto de vista desse estudo, entretanto, é que crenças e atitudes legitimadoras da democracia se formam dentro de certas margens de autonomia, que, generalizando-se sob o impacto de fatores políticos decorrentes da dinâmica da transição, bem como dos efeitos dos processos contraditórios de modernização, não anula inteiramente a força de inércia representada pela sobrevivência de arcaísmos políticos implícitos na performance de instituições e atores democráticos. De fato, a interação entre o estabelecimento de instituições e a formação da cultura democrática sofre os efeitos contraditórios dessa inércia: as novas convicções não são homogêneas, não abarcam todas as áreas da vida política e a simples existência de instituições democráticas não é suficiente para "acostumar" os cidadãos às exigências dos procedimentos democráticos. Operando dentro de margens de autonomia, o processo de legitimação democrática envolve persuasão e, portanto, implica a ação consciente de partidos e atores políticos.

Para verificar melhor a pertinência dessa hipótese, a pesquisa voltou-se para o papel específico das crenças democráticas, porém, concebendo-as como parte de um continuum e não como componentes de um pacote homogêneo. Tomou-se os dados sobre o regime político, atitudes sobre democracia e repressão a direitos políticos que se agruparam num mesmo fator e construiu-se uma escala de Guttman; essa, obteve as seguintes estatísticas: Reprodutibilidade = 0,90; Reprodutibilidade mínima marginal = 0,76;' Porcentagem de improvment = 0,14 e Escalabilidade = 0,6l (Ver Nota sobre a formação de escalas).

Os dados da tabela 10 (ver p. 40) relatam os resultados de alguns cruzamentos feitos a partir da escala. Eles confirmam a hipótese de uma cristalização de convicções democráticas no final dos anos 80. Em primeiro lugar, fica claro que mais de 2/3 dos entrevistados classificados no continuum democratismo-autoritarismo como democratas correspondem, igualmente, aos que preferem a alternativa nominal pela democracia; nesses, como nos outros casos, os índices de associação são significantes ao nível de 0.01. Em segundo lugar, torna-se evidente que, dependendo do indicador utilizado, a intensidade dessa associação varia, mostrando o que já havia sido sugerido, isto é, que o fenômeno de formação de convicções democráticas, sendo multi-dimensional, não implica homogeneidade de respostas. Isso sugere, por exemplo, a conveniência de se trabalhar com a hipótese de formação de várias sub-culturas políticas, como fazem Rochon e Mitchell, utilizando dados sobre ocupação e níveis de educação para explicar a diferenciação das convicções e a heterogeneidade de certas respostas (mas, no limite do espaço, isso não pode ser feito aqui).

Faltava, entretanto, dar alguns passos destinados a verificar ainda (a) se existe associação entre os níveis de sofisticação e a posição no continuum democratismo-autoristarismo, e (b) se a colocação dos indivíduos nesse continuum e na escala de sofisticação se associa, em algum grau, a adesão a valores políticos. Com o objetivo de testar esse último aspecto, partiu-se do indicador representado pela resposta nominal dos entrevistados a respeito de sua preferência por regime político e adotou-se o critério de dicotomizar as respostas entre, por um lado, os que se manifestam favoráveis à democracia ou a ditadura e, por outro, os que se declararam indiferentes ou incapazes de responder a questão. Os resultados estão relatados nas tabelas 11, 12, 13 e 14.

Os mais sofisticados tendem a se classificar, em maior número, na ponta democrática do continuum e, os menos, na ponta autoritária; mas, o que mais chama a atenção é que, como de certa forma sugeria a hipótese original, o público situado nos estratos médios se divide, quase por igual, nas três posições do continuum. Não se trata, evidentemente, de fenômeno de causação, mas, partindo-se do suposto que a sofisticação antecede a adesão a valores, pode-se concluir que o grau de heterogeneidade quanto aos níveis de sofisticação encontrados entre os estratos médios se associa, intensamente, à diferenciação desse público para aderir a valores políticos. Ao mesmo tempo, as outras tabelas mostram que a adesão a valores (medida pela questão relativa a preferência por regime político) influi mais significativamente para os que se classificam como "democráticos" ou como "autoritários" e, menos, para os que ficam na posição "intermediária"; ausência de sofisticação, por sua vez, associa-se mais à posição dos que não aderem a valores do que aqueles que o fazem; mas, mais importante, o cruzamento entre sofisticação e posição no continuum democratismo- autoritarismo, quando controlado pela variável correspondente a adesão a valores, mostra que, embora os dados dos dois lados da tabela sejam significantes ao nível de 0.01, a intensidade da associação entre sofisticação e posição na escala democratismo-autoritarismo é maior quando os entrevistados aderiram a algum valor político: o coeficiente de Gamma indica isso.

CONCLUSÕES

Se o público em geral está qualificado para definir-se politicamente e, ao ser estimulado a fazê-lo, escolhe a democracia, se poderia ser tentado simplesmente a concluir que, no Brasil pós- autoritário, se formou uma cultura política suficiente para estabilizar o regime democrático. Mas, é necessário ter cuidado e distinguir pelo menos dois aspectos do problema: (1) por um lado, os dados não deixam dúvida e, comparando-se as orientações e as atitudes do público de massas em quase 20 anos, nota-se efetivamente mudanças importantes no sentido do que genericamente se poderia chamar uma visão secularizada da política, isto é, uma esfera de decisões sobre a vida pública reconhecida em si mesma, com margens bastante amplas de autonomia e, em relação à qual, o público não apenas se sente podendo influir, mas se define por uma orientação preferencialmente democrática; (2) em segundo lugar, no entanto, é preciso indagar se a realidade que os dados medem em dado momento, isto é, se os níveis que oscilam entre 1/2 e 2/3 da cidadania optando por valores democráticos básicos em 1989-90 conforma, efetivamente, o que se poderia considerar uma condição suficiente para assegurar a estabilização da democracia por período mais longo de tempo no Brasil.

Em relação ao segundo aspecto, não existe, entretanto, unanimidade na literatura (como, aliás, em boa parte dos problemas empíricos de que se ocupam as ciências sociais). A posição dos autores varia entre, por um lado, os que se inclinam por uma visão consensualista da democracia, isto é, que acreditam que para que ela se consolide e tenha continuidade é necessário que quase a unanimidade dos membros da comunidade política optem por e aceitem as suas regras básicas de funcionamento (CHALMERS: 1966); e, por outro, os que adotam uma concepção conflitual da democracia, ou seja, que presumem que se a maioria dos membros de uma comunidade política deve estar de acordo com suas regras de procedimento, isso não implica absolutamente que todos o estejam: há sempre uma minoria que, pelos mais diferentes motivos, gostaria de tentar outras alternativas ou, mesmo, não participar de nenhuma maneira do funcionamento da democracia (BOBBIO: 1986). A virtude da democracia consiste, então, em que essa diversidade de concepções, até sobre os seus méritos, pode conviver sem que isso represente ameaça de sua destruição. Deixando-se de lado, aqui, a primeira alternativa, em vista de que ela envolve uma perspectiva que pode ser contestada facilmente por causa da sua natureza anti-democrática, a posição dos que advogam a necessidade de um consenso democrático majoritário, ainda que não unânime, não é menos problemática. Como chamou a atenção Flisfisch (1987), o problema então converte-se em escolher arbitrariamente uma equação matemática adequada ao problema, isto é, torna-se necessário decidir sobre o nível de maioria a partir do qual a integração normativa dos membros da comunidade política poderia ser considerada como estabilizadora do regime democrático. Apoiando-se no trabalho de Mann (1965) sobre a integração normativa dos públicos de massa na Inglaterra e nos Estados Unidos, esse autor propõe cinco níveis de dissenso e consenso democrático, definidos pelas orientações dos indivíduos sobre regime político, a partir dos quais se poderia classificar os países em processos de democratização.

Aceitando-se a sugestão arbitrária de Flisfisch e tomando-se para consideração os dados das tabelas 3 e/ou 6, verifica-se que o Brasil se encontraria em uma situação definida como de dissenso puro e simples ou, quando muito, em uma situação que caminharia para o dissenso democrático, isto é, embora contando com uma base razoável de apoio de massas para a sua estabilização, o reconhecimento dos valores democráticos ainda seria insuficiente para produzir, propriamente, a estabilização da democracia. Embora essa conclusão seja preliminar, uma vez que é necessário prosseguir na pesquisa em relação a aspectos que não podem ser tratados aqui39 39 É necessário, por exemplo, incorporar à discussão os problemas relativos à relação entre avaliação de inputs e outputs e seu impacto, tanto sobre a avaliação de governos, como sobre a legitimação de fundo do regime democrático. No entanto, no limite do espaço, isso não pode ser feito aqui. , vale a pena, no entanto, chamar a atenção para um aspecto que decorre dela. Nas atuais condições do processo de democratização, o público brasileiro classificado aqui como englobando os extratos médios da sofisticação política, isto é, algo em torno de 50% do conjunto do eleitorado, encontra-se em posição crucial para a cristalização de uma cultura democrática: forma-se de setores minimamente dotados de recursos cognitivos e informacionais indispensáveis à compreensão do funcionamento da vida política e, dessa forma, constitui-se a base necessária para qualquer estratégia que queira levar mais longe o enraizamento da democracia no país.

NOTA SOBRE A CONSTRUÇÃO DE ESCALAS

A pesquisa "Cultura Política e Consolidação da democracia no Brasil" foi realizada através de um convênio entre o CEDEC/DATAFOLHA/Depto. de Ciência Política da USP; constou de três surveys nacionais, área urbana e rural, realizados por amostragem estratificada, com sorteio aleatório. O conjunto do eleitorado do país foi tomado como universo, trabalhando-se com as regiões Sul, Sudeste e Nordeste e Norte/Centro Oeste. Para efeitos do sorteio, os municípios foram agrupados de acordo com o peso eleitoral de sua região, com a localização geográfica, nível sócio-econômico e foram estratificados por tamanho populacional; através de um processo de sorteios sucessivos chegou-se ao bairro, à rua e ao indivíduo.

As escalas utilizadas foram construídas a partir da análise fatorial realizada para o conjunto das questões de natureza política e atitudinal. Para a escala de sofisticação política, foram utilizadas as seguintes questões que se agruparam em um mesmo fator:

"Quem os partidos políticos deveriam representar?"

"Na sua opinião, o presidente da República e os ministros tomam as decisões importantes sozinhos ou são influenciados por outras forças políticas do país?"

"Você se interessa mais pela política do país, do seu estado, da sua cidade, ou você não se interessa por política?"

"Você costuma ler ou assistir noticiário sobre política?"

"O que é para você ser de direita na política?"

"O que é para você ser de esquerda na política?"

As duas primeiras perguntas foram incluídas com o objetivo de testar a mobilização que o entrevistado era capaz de fazer do seu estoque de informações sobre o sistema político; as duas seguintes, estavam relacionadas com a centralidade que a política assumia para ele e, as duas últimas, visavam averiguar a sua capacidade de conceituar objetos da política. Os pontos foram dados cumulativamente.

Para a escala de democratismo-autoritarismo, foram utilizadas as seguinte questões:

"O país seria bem melhor se só existisse um partido político";

"Para se manter a ordem, as leis devem ser obedecidas sempre, mesmo se forem injustas"

"A democracia é perigosa porque pode provocar desordens"

"O país funcionaria bem melhor se os militares voltassem ao poder"

"O governo deve ter o direito de proibir a existência de partidos políticos"

"O governo deve ter o direito de fechar o Congresso Nacional".

Ainda que os itens fossem típicos de uma escala de tipo aditivo simples, a forma como as questões foram apresentadas aos entrevistados sugeriu que elas fossem aproveitadas como dicotomias. Dada a intensidade dos estímulos, para a recodificação considerou-se apenas a sua rejeição total como indicação de não-aceitação de uma posição autoritária.

OUTRAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WEFFORT, F. C., O populismo na política brasileira. Paz e Terra, Rio, 1978;
  • _________, "New democracies. Which democracies?" mimeo., 1991.
  • *
    Agradeço a colaboração que deram, em momentos diferentes, Paulo Sérgio Mouçoçah, Elizabeth Balbachevski, Valeriano Mendes Ferreira Costa, Jacques Bensen e Mário de Mattos à pesquisa "Cultura política e consolidação democrática no Brasil", coordenada por mim, e que deu origem a este texto.
  • 1
    Em agosto de 1991, surpreendidos pelo golpe de Estado contra Gorbatchev e a
    perestroika, 500 mil pessoas em Moscou e perto de 1 milhão em S. Petesburgo (ex-Leningrado) saíram às ruas para protestar; na páscoa de 1987, quando uma rebelião militar ameaçou o governo constitucional de Alfonsin, 1 milhão de pessoas ocupou o centro de Buenos Aires; em fevereiro de 1981, diante da tentativa de um golpe militar contra a democratização espanhola, 1/2 milhão de pessoas se manifestou nas ruas de Madrid, o que levou o jornal
    El País a estampar a manchete "El País con la Constitución".
  • 2
    A fúria privatizante das revoluções democráticas do Leste europeu é, evidentemente, o exemplo nesse caso; mas a literatura sobre os casos anteriores de transição política, particularmente, os latino-americanos, já havia mostrado que, frequentemente, o preço da democratização é adiar para "mais tarde" qualquer preocupação com a justiça social.
  • 3
    A expressão é de Pasquini. Cf. G. PASQUINI, "L'America Latina: la democrazia senza testa",
    Mondoperaio 102 (Fev. 1990).
  • 4
    O exemplo que vem à mente, imediatamente, é o dos
    carapintada argentinos, mas é duvidoso que seja o único.
  • 5
    Tratei da questão da cultura política em dois ensaios anteriores: J. A. MOISÉS, "Sociedade civil, cultura política e democracia: descaminhos da transição política", in M. L. M. COVRE,
    A cidadania que não temos, Brasiliense, SP, 1986, pp. 119-150; e J. A. MOISÉS, "Eleições, participação e cultura política: mudanças e continuidades",
    Lua Nova 22 (Dez. 1990), pp. 133-188.
  • 6
    A propósito, ver a análise de R. C. ANDRADE, "A democracia e a República no Brasil", mimeo, CEDEC, 1988.
  • 7
    O conceito de
    consentimento passivo remete à análise de GRAMSCI sobre a hegemonia. Ver A. GRAMSCI,
    Prison Notebooks, International Publishers, NY, 1971; e
    Antologia, Siglo Veintiuno Ed. México.
  • 8
    "The entire problem of legitimacy is in my view incorrectly posed. What matters for the stability of any regime is not the legitimacy of this particular system pf domination but the presence or absence of preferable alternatives". Cf. A. PRZEWORSKI, "Some problems in the study of the transition to democracy", in O'DONNELL, SCHMITTER AND WHITEHEAD,
    Transitions from Authoritariam Rule/Prospects for Democracy, The J. Hopkins Univ. Press, Londres e Baltimore, 1986, p. 52. Przeworski acredita que, existindo alternativas preferíveis como a democracia, elas são escolhidas por decisão racional dos atores sem nenhuma interveniência de normas, valores ou crenças políticas.
  • 9
    Aos autores citados antes, é necessário acrescentar D. RUSTOW, cujo artigo seminal "Transition to democracy. Toward a dynamic model",
    Comparative Politics, Vol. 2, Nro 3 (1970), pp. 337-363, tem sido uma fonte permanente de inspiração de boa parte da literatura sobre a transição. Há, certamente, excessões ao descuido assinalado: L. DIAMOND, J. J. LINZ e S. M. LIPSET,
    Democracy in developing countries (4 volumes), Lynne Rienner Publ., Boulder e Londres, 1989; N. LECHNER et alii, Cultura politica y democratización, Flacso/Clacso/ICI, Santiago, 1987; no caso dos autores brasileiros, F. C. WEFFORT,
    Por que democracia?, Brasiliense, SP, 1984, e B. LAMOUNIER et alii, De Geisel a Collor: o balanço da transição, Ed. Sumaré, SP, 1990. Quanto ao importante e prestigioso estudo organizado por O'DONNELL, SCHMITTER e WHITEHEAD, ao meu juízo, ele se constitui em um caso particular, pois embora os principais autores não tratem, especificamente, da abordagem da cultura política, tampouco descartam inteiramente o problema, como se pode ver no capítulo de autoria de 0'Donnell e Schmitter, Tentative conclusions about uncertain democracies".
  • 10
    Di Palma, por exemplo, embora não considere a cultura política imprescindível à consolidação da democracia, admite, entretanto, que ela pode ser útil e que ela se desenvolve quando a população consegue se "acostumar" aos procedimentos democráticos. Mas ele não explica como, nem porque isso poderia ou deveria acontecer. DI PALMA, op. cit.
  • 11
    Em textos mais recentes, O'Donnell tem atribuído enorme importância a
    esse problema que ele designa como decorrente da sobrevivência de "estilos" arcaicos de fazer política. Ver, por exemplo, O'Donnell, 'Transições, continuidades e alguns paradoxos", in REIS e O'DONNELL,
    A democracia no Brasil: dilemas e perspectivas, Vértice, SP, 1988, pp. 41-71.
  • 12
    A maior parte das pesquisas de opinião, nos últimos cinco anos, tem mostrado isso amplamente. Ver, por exemplo, Arquivo DATA FOLHA.
  • 13
    Cf. O'DONNELL, "Delegative democracy?", mimeo, CEBRAP, 1990, p. 9.
  • 14
    Weffort, Lechner, Paramio e outros chamaram a atenção, corretamente, para a importante mudança de atitude, por exemplo, das esquerdas latino-americanas em relação à democracia. No entanto, em certas áreas da esquerda brasileira já se pode notar uma atitude de descrédito em relação à enorme "morosidade" da engenharia institucional democrática para enfrentar problemas como a miséria, a pobreza e as desigualdades econômicas e sociais.
  • 15
    Outro exemplo decorre da inclusão, na Constituição de 1988, dos chamados mecanismos de participação popular semi-direta na democracia. Apesar da frágil tradição da democracia representativa,
    esses novos mecanismos pressupõem ampla disposição participacionista entre a população, mas isso é bastante duvidoso, o que leva a sugerir que seu desuso poderá acarretar a sua desmoralização, bem como a das demais instituições democráticas. Tratei dessa questão em meu livro
    Cidadania e participação/Ensaio sobre o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular na nova Constituição, Marco Zero, SP, 1990.
  • 16
    O que estou designando como a
    teoria minimalista da democracia vê, claramente, a democracia como correspondendo à "segunda melhor alternativa". Ver, por exemplo, Dl PALMA, op. cit.
  • 17
    Tanto Rustow como Przeworski tratam essa escolha como uma
    necessidade, mas, ao meu ver, não discutem suficientemente em que medida ela decorre de processos de deslegitimação do autoritarismo que, como sugiro adiante, podem ser cruciais para a crise desse regime.
  • 18
    Compare-se a sua posição em textos tão importantes como K. MARX,
    Wage, labor and capital, Progress Publ. Moscou, 1952, e O
    18 Brumário de L. Bonaparte, Ed. Vitória, Rio, 19?, ou
    Writings on the Paris Comune, Ed. Hal. Draper, NY, 1971.
  • 19
    Refiro-me, evidentemente, a Maquiavel.
  • 20
    cf. E. LACLAU,
    Teoria política marxista, Ed. Paz e Terra, Rio. Em meu comentário no seminário sobre o livro de F. C. WEFFORT,
    Por que democracia?, publicado em M. A. GARCIA
    et alii, As esquerdas e a democracia, Ed. Paz e Terra, Rio, 1984, trato do que me parece ser a natureza anti-democrática do conceito de hegemonia na tradição marxista.
  • 21
    Ver, a propósito, a discussão de R. INGLEHART,
    Culture Shift in Advanced Industrial Society, Princeton Univ. Press, N. J., 1990.
  • 22
    Pateman resume essas críticas nos seus dois ensaios C. PATEMAN, "Political culture, political structure and political change",
    British Journal of Political Science 1, (1973), pp. 291-305, e "The Civic Culture: a Philosophic Critique", in ALMOND e VERBA,
    The Civic Culture Revisited, Litle, Brown and Company, Boston, 1980. Ver, também, B. BARRY,
    Sociologistas, Economists and Democracy, Collier/Macillan, Londres, 1970.
  • 23
    Essa é, por exemplo, a posição de BARRY, op. cit.
  • 24
    O livro de T. H. MARSHALL,
    Cidadania, Classe Social e Status, Zahar Ed., SP, 1979 continua sendo o melhor tratamento dessa interação a partir das pressões societárias no sentido da extensão da cidadania para o caso da Inglaterra. Para abordagem complementares, os trabalhos de E. P. THOMPSON e E. J. HOBSBAWN são referências indispensáveis, particularmente, no que se refere à enorme importância do
    Cartismo para a Inglaterra no século XIX.
  • 25
    Uma abordagem interessante sobre esse aspecto é o trabalho de E. ZIMMERMAN, "Economic and political reactions to the world economic crisis of the 30s in Six European Countries", mimeo, Midwest Political Science Association, Chicago, 1986.
  • 26
    Ver, a propósito, D. P. CONRADT, "Changing German political culture", in ALMOND e VERBA, op. cit., 1980; e, também, O. W. GABRIEL,
    Cambio Social y
    Cultura Political/El caso de la República Federal de Alemania, Gedisa Ed., Barcelona, 1990.
  • 27
    Autores como J. M. Maravall e L. Paramio mostram como
    esse consenso foi sendo progressivamente criado durante o processo da transição, mas López Pintor sugere que, mesmo sem ser majoritária entre os espanhóis, a reserva de adesão democrática existente antes e durante o
    franquismo teve um papel importante para a criação daquele consenso. Ver J. M. MARAVALL,
    La política de la transición, Taurus Ed., Madrid, 1981: L. PARAMIO, "Del radicalismo reivindicativo al pluralismo radical", in LECHNER, op. cit; R. L. PINTOR, "El impacto del autoritarismo en la cultura politica. La experiência española en una perspectiva comparada", in C. HUNEEUS
    et alii, Para vivir la democracia, Ed. Andante, Santiago, 1987, pp. 135-152.
  • 28
    Cf. Rustow, op. cit.
  • 29
    Ver, a
    esse respeito, A. PIZZORNO, "Sulla Razionalitá delia Scelta Democratica",
    Stato e Mercato, 7, (Abril 1983), pp. 3-46.
  • 30
    Não deixa de ser surpreendente que um autor como Elster agora atribua às
    normas sociais a enorme importância que assinala no seu ensaio J. ELSTER, "Racionalidade e Normas Sociais",
    Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, Vol. 5 (Fev. 1990), pp. 55-69.
  • 31
    Ver, por exemplo, o texto de B. Lamounier, "Inequality against democracy", in Diamond, Linz e Lipset, op. cit., pp. 111-158.
  • 32
    Em meados dos anos 80, coube ao Brasil experimentar a mobilização de milhões de pessoas em defesa da democracia, como sugeri na nota 1 para outros países. Tratei do significado dessa mobilização em meu ensaio J. A. MOISÉS, "A transição política ou o longo percurso dentro do túnel",
    Ciências Sociais Hoje, 1985, ANPOCS/Cortez Ed., São Paulo.
  • 33
    Ver a discussão sobre esse assunto na seção seguinte.
  • 34
    De fato, os dados do
    survey de dezembro de 1989 mostram que são majoritários os contingentes que avaliam negativamente o governo Sarney, mas não há associação significante entre essa atitude e as opiniões sobre valores democráticos. Embora não seja possível tratar desse assunto nesse artigo, os dados mostram que a rejeição ao governo Sarney só se associa significantemente com os índices de avaliação das
    policies. Isso reforça a convicção de que o que Easton chama o "apoio específico" distingue-se realmente do "apoio difuso" ao sistema político. Ver, a propósito, D. EASTON,
    Uma teoria de análise política, Zahar Ed., Rio, 1968.
  • 35
    Ver P. CONVERSE
    et alii, The American Voter/Unabridged Edition, Univ. of Chicago Press, Midway Reprint, 1980.
  • 36
    J. A. MOISÉS (em colaboração com J. A. G. ALBUQUERQUE), "1974, a avalanche de votos de protesto", in J. A. MOISÉS,
    Cenas de Política Explícita, Marco Zero, SP, 1986; também B. LAMOUNIER e F. H. CARDOSO,
    Os partidos e as eleições no Brasil, Ed. Paz e Terra, Rio, 1978.
  • 37
    A literatura sobre o significado político dos movimentos sociais no Brasil é enorme; da mesma forma a que trata da formação de partidos políticos entre meados dos anos 70 e o fim da década de 80. Ver, a propósito, J. A. MOISÉS
    et alii, Cidade, povo e poder, CEDEC/Paz e Terra, Rio, 1982; P. JACOBI, "Movimentos Sociais Urbanos no Brasil",
    BIB - Boletim Informativo Bibliográfico, 9, Rio, 1980; R. C. CARDOSO, "Os movimentos populares no contexto da consolidação democrática" in REIS e O'DONNELL, op. cit., pp. 368-382; B. LAMOUNIER,
    Partidos e Utopias, Ed. Loyola, SP, 1989.
  • 38
    O texto seminal sobre esse tema é P. CONVERSE, "The Nature of Belief Systems in Mass Publics" in D. E. APTER,
    Ideology and discontent, Glencoe, The Free Press, 1964, pp. 206-61. Ver, também, do mesmo autor, "Of time and partisan stability",
    Comparative Political Studies, 2, Vol. 2, (Jul.. 1969), pp. 129-171.
  • 39
    É necessário, por exemplo, incorporar à discussão os problemas relativos à relação entre avaliação de
    inputs e
    outputs e seu impacto, tanto sobre a avaliação de governos, como sobre a legitimação de fundo do regime democrático. No entanto, no limite do espaço, isso não pode ser feito aqui.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1992
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