Acessibilidade / Reportar erro

Capitalismo de renda básica

Basic income capitalism

Resumos

As opções políticas disponíveis para os paises capitalistas avançados, após a bancarrota do "socialismo real", se resumiriam a retroceder cada vez mais a um capitalismo de laissez-faire ou a agarrar-se ao welfare state tal como hoje existe? O autor argumenta que há uma outra opção possível, que deve ser vista como uma culminância do welfare state: o capitalismo de renda básica. A idéia à de que as sociedades mais abastadas podem assegurar a cada um dos seus membros uma renda substancial que para ser obtida independa de retribuição em trabalho ou de quaisquer outras condições. O artigo mostra qual é a argumentação ética em favor dessa proposta, analisa alguns dos seus problemas de exequibilidade e a localiza no antigo debate capitalismo versus socialismo.


Should the available political options for advanced capitalist countries after the breakup of the "real socialism" be limited to going back towards a laissez faire capitalism or to clinching to a welfare state like the one existing today? The author argues that there is another choice avaliable, which should be seen as the summit of the welfare state: the basic income capitalism. This proposal is expounded, examined and located in the old debate between capitalism and socialism


DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Capitalismo de renda básica* * Ethics 102, Abril de 1992, pp.465-484. Esta é uma versão revisada de um paper preparado para o seminário realizado pelo Ethikon Institute East-West sobre o tema "Capitalismo, socialismo ou economia mista?" (Ost-West Wirtschaftsakademie de Berlin, janeiro de 1991). Agradeço especialmente a Richard Arneson, Reuben Arpresian, Brian Barry, Samuel Brittan, Andres de Francisco, Gosta Esping-Andersen, Klaus Gottstein, Dan Hausman, Will Kymlicka, Andrew Levine, David Miller, Steven Lukes, Alessandra Pizzomo, Adam Przeworski, Zarko Puhoviski, John Roemer, Susan Strange e Eric Wright pelos seus comentários perspicazes e úteis, os quais nem todos poderiam ser levados em conta tanto quanto mereceriam na presente versão. Tradução de Álvaro de Vita. ** N.T.: Em inglês, o termo libertarianism é empregado para se referir à vertente da filosofia moral e política liberal que advoga o mínimo possível, somente o necessário à garantia da ordem pública c dos contratos, de intervenção estatal nos mercados e nas escolhas individuais. O autor se apropria do termo para passar a idéia de que sua proposta realiza melhor os objetivos dos teóricos "libertarianos".

Basic income capitalism

Philippe Van Parijs

Professor responsável pela Chaire Hoover D'éthique Économique et Sociale da Universidade Católica de Louvain, Bélgica

RESUMO

As opções políticas disponíveis para os paises capitalistas avançados, após a bancarrota do "socialismo real", se resumiriam a retroceder cada vez mais a um capitalismo de laissez-faire ou a agarrar-se ao welfare state tal como hoje existe? O autor argumenta que há uma outra opção possível, que deve ser vista como uma culminância do welfare state: o capitalismo de renda básica. A idéia à de que as sociedades mais abastadas podem assegurar a cada um dos seus membros uma renda substancial que para ser obtida independa de retribuição em trabalho ou de quaisquer outras condições. O artigo mostra qual é a argumentação ética em favor dessa proposta, analisa alguns dos seus problemas de exequibilidade e a localiza no antigo debate capitalismo versus socialismo.

ABSTRACT

Should the available political options for advanced capitalist countries after the breakup of the "real socialism" be limited to going back towards a laissez faire capitalism or to clinching to a welfare state like the one existing today? The author argues that there is another choice avaliable, which should be seen as the summit of the welfare state: the basic income capitalism. This proposal is expounded, examined and located in the old debate between capitalism and socialism.

Retroceder cada vez mais profundamente para o capitalismo de laissez-faire, tentar desesperadamente alcançar o modelo sueco, agarrar-se defensivamente ao welfare state — há algum outro futuro para os países capitalistas avançados que valha a pena considerar, agora que o que se passou na Europa do Leste extirpou da lista de possibilidades políticas qualquer forma de socialismo autentico que ainda restasse? Juntamente com um número crescente de pessoas na Europa Ocidental, eu acredito que há e, mais ainda, que esse outro futuro é mais desejável do que os três que acabei de mencionar. Capitalismo de renda básica é a expressão que empregarei para descrever essa outra possibilidade. Ela se refere a um regime sócio-econômico em que a maior parte dos meios de produção é de propriedade particular, enquanto cada cidadão recebe, além de qualquer renda que possa obter da participação nos mercados de trabalho ou de capital ou que se deva a algum status específico, uma substancial renda incondicional.

A introdução de uma renda incondicional desse tipo deve ser vista não como o desmantelamento e sim como a culminância do welfare state, preparada pelas realizações deste da mesma forma que a abolição da escravatura e a introdução do sufrágio universal foram preparadas, e se tornaram possíveis, por conquistas parciais anteriores. A percepção das limitações da proteção oferecida, primeiro por associações de ajuda mútua, depois pela seguridade social compulsória para todos os trabalhadores assalariados e finalmente por uma forma condicional de renda mínima garantida, preparou nossas mentes para esse passo radical e ajudou a constituir as forças necessárias para realizá-lo.

Ao mesmo tempo, a introdução de uma renda incondicional pode ser vista como uma estratégia para levar adiante tudo aquilo que tinha e ainda tem apelo no velho ideal emancipatório associado ao movimento comunista, sem para isso exigir nada semelhante a um modo de produção socialista. Desse ponto de vista, o socialismo, entendido como a propriedade pública dos meios de produção, não passa de um instrumento que deve ser tentado, e que foi tentado, para melhor promover a realização do ideal de uma sociedade verdadeiramente livre. Uma sociedade como essa é aquela em que cada pessoa tem acesso ao "reino da liberdade", graças à forma pela qual os benefícios do progresso material são distribuídos entre todos. É uma sociedade, mais precisamente, em que a quantidade de trabalho necessário foi tão reduzida, e/ou sua atratividade tão aumentada, que já não é mais preciso que as opções de vida de seus membros sejam restringidas pela obrigação de ganhar a vida, uma vez que uma parcela substancial do produto social já pode ser distribuída incondicionalmente a cada um deles. O que as experiências socialistas, conduzidas sob uma variedade de circunstâncias e apresentando-se sob um considerável número de variantes, indiscutivelmente mostraram não é de modo algum que o objetivo que visaram não valesse a pena e sim no máximo que o socialismo constitui um instrumento muito deficiente para alcançá-lo. Para aqueles compartilham desse ponto de vista, em conseqüência, o colapso espetacular dos regimes socialistas não oferece razões para o desespero. Mas isso nos recorda poderosamente que é mais do que tempo de se concentrar em dar forma, primeiro mentalmente e depois institucionalmente, ao melhor instrumento de que dispomos: o capitalismo de renda básica.1 1 Essa concepção da renda básica como uma "via capitalista para o comunismo" é desenvolvida e discutida em Robert Van der Veen e Philippe van Parijs, "A Capitalist Road to Communism" ( Theory and Society 15, 1986, pp. 635-55) e no simpó sio da Theory and Society sobre o tema. Este artigo foi republicado em Philippe Van Parijs, Marxism Recycled (Cambridge, Cambridge University Press, 1993). A justificação do capitalismo de renda básica apresentada a seguir está estreitamente relacionada, ainda que seja distinta, daquela que derivava dessa formulação anterior. Na introdução a Philippe Van Parijs (org.), Arguing for Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform (Londres, Verso, 1992), eu indico o que toma essa formulação menos adequada do que o "enfoque libertariano verdadeiro" que será rapidamente descrito adiante.

Esses dois aspectos, apresso-me a acrescentar, são somente dois dos muitos ângulos a partir dos quais se tem discutido a idéia de uma renda básica recentemente. Não me proponho, neste artigo, a realizar um exame abrangente dos argumentos que têm sido empregados a favor ou contra a introdução de uma renda básica. E nem tentarei explicar porque acredito que essa proposta apresenta-se como uma possibilidade política real, pelo menos na Europa Ocidental.2 2 Faço isso, em certa medida, em "A Revolution in Class Theory" ( Politics and Society 15, 1987), pp.453-82 e em "The Second Marriage of Justice and Efficiency" ( Journal of Social Policy 19, 1990), pp. 1-25. Nas próximas três seções, em vez disso, me concentrarei no que considero ser a defesa ética mais robusta de uma renda básica. "ética" no sentido de que se apóia em uma concepção normativa explícita. "Mais robusta" no sentido de que acredito serem os princípios normativos dos quais a conclusão é derivada menos sujeitos a objeções, e a própria derivação mais persuasiva, do que seria o caso em qualquer alternativa. Eu terei de me conformar, além disso, em apresentar pouco mais do que a intuição que se encontra por trás desse argumento, que desenvolvi mais detalhadamente em outro lugar.3 3 Em um livro que será publicado em 1995, intitulado Real Freedom fo All: What (If Anything) Can Justify Capitalism? (Oxford, Oxford University Press, 1995). Ver também Philippe Van Parijs, "Equal Endowments as Undominated Diversity?" ( Recherces Economiques de Louvain 56, 1990, pp.327-55) e "Why Surfers Should Be Fed: The Liberal Case for Basic Income" ( Philosophy and Public Affairs 20, 1991, pp.101-31). Nas três últimas seções, indicarei em que ponto esse argumento, se bem-sucedido, retoma a antiga discussão de capitalismo versus socialismo.

LIBERDADE REAL PARA TODOS

O que é uma sociedade justa? Ela nada mais é, sugiro, do que uma sociedade livre, entendida como uma sociedade cujos membros são realmente tão livres quanto possível. Mais precisamente, é uma sociedade que satisfaz as três condições seguintes: (a) a existência de uma estrutura de direitos solidamente garantida (condição de segurança); (b) essa estrutura é de tipo a permitir que cada pessoa seja proprietária de si mesma (condição de propriedade de si mesmo); e (c) essa estrutura é de tipo a permitir que cada pessoa tenha a maior oportunidade possível de fazer o que quer que deseje (condição de oportunidade "leximin" [ou maximin lexicográfico]). Em uma exposição mais completa, cada uma dessas três condições exigiria um esforço grande de esclarecimento. Detalharei um pouco mais somente a terceira, que será mais importante para nossos objetivos no momento. Em uma sociedade livre, conforme estabelece a terceira condição, a pessoa que tem menos oportunidades ainda assim tem oportunidades que não são piores do que aquelas disponíveis pela pessoa com menos oportunidades sob qualquer outro arranjo possível; no caso de haver outro arranjo possível que é igualmente bom para a pessoa com menos oportunidades, então a pessoa que se encontra logo acima na escala de uma sociedade livre deve ter oportunidades que não sejam menores do que a pessoa que ocupa o segundo pior lugar na escala de oportunidades sob esse arranjo alternativo; e assim por diante. Para expressar a idéia de que os membros de uma sociedade livre (no mais alto grau) são tão livres quanto possível, essa fórmula, denominada leximin (ou maximin lexicográfico), é sem dúvida superior tanto a uma fórmula puramente agregativa (por exemplo uma que focalize as oportunidades do membro médio da sociedade) quanto a uma fórmula mais igualitária (em termos, por exemplo, de oportunidades iguais máximas).

Uma caracterização completa desse ideal de sociedade livre exigiria, ademais, a especificação de um padrão segundo o qual os conflitos entre os três condições devem ser resolvidos. Alguma reflexão sobre esse conflitos ajudará a perceber mais concretamente o que cada uma das condições estabelece. Se se quer evitar da forma mais efetiva a violação de direitos, digamos, então poderá ser necessário restringir severamente a propriedade de si mesmo de algumas pessoas—por exemplo, prendendo os que são suspeitos de terem violado determinados direitos, mandando para a cadeia ou até mesmo, em certo casos, executando os condenados — e/ou restringir de forma mais leve a liberdade de todos — por exemplo, limitando a liberdade de associação de forma a impedir a formação de gangues terroristas ou impondo a conscrição para evitar ameaças externas. Em outros casos, como no da vacinação compulsória contra moléstias infecciosas, ou no da obrigação de ajudar uma pessoa em perigo quando o risco para si mesmo é pequeno, há um conflito direto entre a propriedade de si mesmo e a proteção ou expansão do leque de oportunidades. Há ainda outros casos em que o conflito entre a propriedade de si mesmo e a oportunidade leximin é menos direto e mais dependente de suposições empíricas específicas. Suponha, por exemplo, que na ausência de uma obrigação legal de votar, a proporção de pessoas comparativamente pobres que votam é consideravelmente menor do que se houvesse essa obrigação. As plataformas políticas tenderiam, então, a mostrar menos preocupação com as oportunidades dos mais desafortunados, e o resultado do processo político divergiria sistematicamente daquele que a "leximinização" de oportunidades exigiria.

Não discutirei as complexas questões que esses conflitos apresentam, uma vez que isso tem uma relação pequena com o argumento deste artigo — mais preocupado com a dimensão de oportunidade da liberdade. Como uma diretriz muito geral, limito-me a afirmar que uma sociedade livre deve dar uma prioridade à condição de segurança sobre a propriedade de si mesmo, e a esta última sobre a oportunidade leximin. Mas não é preciso que essa prioridade seja rigidamente lexicográfica. Em outros termos, perturbações leves da lei e da ordem podem ser toleradas se restrições de monta à liberdade de si mesmo ou desvios grandes da oportunidade leximin fossem necessárias para eliminá-las.4 4 Criminosos violentos e ladrões são um problema terrível para a liberdade, sobretudo dos que são mais vulneráveis. Mas um Estado policial ou uma pobreza abissal não são um custo que valha a pena pagar para se livrar deles todos. E restrições leves à propriedade de si mesmo podem ser incorporadas à estrutura institucional de uma sociedade livre, se se puder sustentar de forma plausível que isso resultaria em uma melhoria significativa em termos da oportunidade leximin.5 5 Uma restrição leve pode ser caracterizada, por exemplo, como aquela com a qual todos concordariam levando em conta todos os fatos relevantes como adultos inteligentes e sensatos (isso pode se aplicar a restrições paternalistas), ou como aquela com a qual todos concordariam se ela pudesse constar de um contrato de seguro exigível (isso pode se aplicar à vacinação c à ajuda compulsórias). Mas o exemplo do voto obrigatória mostra que estou disposto a ir ainda mais longe. Para simplificar, no entanto, resumirei as três condições e as relações de prioridade entre elas dizendo que equivalem à exigência de leximizar as oportunidades das pessoas, exigência essa sujeita à proteção de sua liberdade formal, isto c, sujeita ao respeito da estrutura de direitos que incorpora a propriedade de si mesmo. Essa formulação, por sua vez, abreviarei ainda mais dizendo que uma sociedade livre, tal como caracterizada pelas três condições e pela articulação entre elas, é aquela que leximiza a liberdade real. E denominarei libertariana real a posição que consiste em sustentar que uma sociedade justa é uma sociedade livre nesse sentido.**

Onde esse libertarianismo real pode se situar no mapa das teorias existentes da justiça? Se o eixo esquerda/direita deve ser definido pelo grau em que uma posição atende aos interesses dos mais desafortunados, é difícil pensar em uma posição que indiscutivelmente pudesse ser localizada à esquerda do libertarianismo real. E no entanto este último está muito longe de um igualitarismo puro, por três razões distintas. Primeiro, porque o libertarianismo real impõe a liberdade formal como uma restrição a qualquer igualização substantiva. Segundo, porque ele focaliza os leques possíveis de oportunidades e não os resultados das escolhas das pessoas entre as opções a elas disponíveis, tal como medidos, por exemplo, pelo nível de bem-estar que realmente atingem. Finalmente, a opção pelo critério leximin não exige que uma distribuição pior aos mais desafortunados seja preferida em nome de mais igualdade. O libertarianismo real não é satisfeito enquanto qualquer membro da sociedade puder indicar um outro arranjo possível (que respeite a liberdade formal) em que ele teria oportunidades maiores, e sob o qual ninguém teria oportunidades tão ruins como as que ele agora tem. Isso mostra em que sentido qualquer desigualdade remanescente deve poder ser justificada, de um ponto de vista realmente libertariano, àqueles que percebem que estão obtendo o pior quinhão. Mas ainda que justificáveis nesses termos, desigualdades imerecidas de oportunidades ainda permanecerão.

Cada uma dessas três características descreve um considerável distanciamento de um igualitarismo não-qualificado (assim como de um utilitarismo não-qualificado). A combinação delas também aponta para uma acentuada semelhança de família entre o libertarianismo real e as posições defendidas por liberais de esquerda e radicais preocupados com a justiça.6 6 Rawls, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1971. Esta segue sendo a formulação mais completa dessa posição e é explícita acerca de cada uma dessas três características. De forma menos explícita, mas pertencendo ainda à mesma família estão Ronald Dworkin, "What is Equality? II. Equality of Resources" ( Philosophy and Public Affairs 10, 1981, pp.283-345) e "Foundations of Liberal Equality", in G.B. Peterson (org.). The Tanner Lectures on Human Values (Salt Lake City, University of Utah Press, 1990), pp. 1-119; Amartya Sen, Commodities and Capabilities (Amsterdam, North Holland, 1985) e Inequality and Freedom (Oxford, Oxford University Press, 1990); G.A. Cohen, "On the Currency of Egalitarian Justice" ( Ethics 99, 1989, pp.906-44) e "Equality of What? On Welfare, Goods, and Capabilities" ( Recherches Economiques de Louvain 56, 1990, pp.357-89); e Richard Ameson, "Equality and Equal Opportunity for Welfare" ( Philosophical Studies 56, 1989, pp.77-93, e "Liberalism, "Distributive Subjectivism, and Equal Opportunity for Welfare" ( Philosophy and Public Affairs 19, 1990, pp. 158-94). Trata-se de uma combinação que compartilha ainda com essas posições (e também com o libertarianismo padrão e o utilitarismo moderno) um postulado geral de neutralidade, isto é, a exigência de o que quer que consideremos uma sociedade justa não seja determinado com base em uma concepção específica da boa vida. Junto com essas posições, o libertarianismo real pode por isso ser entendido como uma forma significativa de articular a importância que atribuímos à liberdade, à igualdade e à eficiência. A liberdade é garantida por meio desse postulado de neutralidade, por meio da restrição à propriedade de si mesmo e por meio de uma preocupação, não diretamente com a felicidade das pessoas em si mesma, e sim com os meios para alcançá-la. A igualdade e a eficiência se combinam na escolha de um critério leximin. Ainda que este não seja corretamente definido — como às vezes é — como o critério igualitário que é mais compatível com a eficiência, de fato ele constitui, entre todos os critérios compatíveis com a eficiência, aquele que é mais pesadamente inclinado em favor das vítimas de quaisquer desigualdades que possam subsistir. Assim, a "liberdade real para todos" pode, junto com as outras posições que compartilham dessas características, defender uma suposição pelo menos prima facie plausível de capturar a importância que intuitivamente atribuímos não somente à liberdade mas também à igualdade e à eficiência. Até que ponto essa suposição pode ser defendida, assim como a suposição mais específica de que o libertarianismo real deveria ser preferido aos outros membros da família, isso só é possível julgar detalhando-se e avaliando-se suas implicações institucionais.

RENDA BÁSICA MÁXIMA

Qual é, então, a melhor expressão institucional para o ideal capturado pelo slogan "Liberdade real para todos", tal como definido pela conjunção de condições a-b? É-se realmente livre, em oposição a ser apenas formalmente livre, na medida em que se possua os "meios", e não somente o "direito", para lazer seja lá o que se tenha vontade. Mas como entender isso em termos mais concretos? Ao argumentarem contra essa concepção de liberdade "real", Hayek e Buchanan são mais específicos: abandonando-se sua própria definição ("formal") de liberdade, sustentam, se é levado a cair em uma equivalência desta última com a riqueza ou com as disponibilidades orçamentárias.7 7 Ver, por exemplo, Friedrich Hayek, The Constitution of Liberty (Londres, Routledge & Kegan Paul, 1960), pp. 12-13 e p.137; James Buchanan, "The Ethical Limits of Taxation", in F.R. Forsund e S.Honkapohja (orgs.), The Ethical Limits of Taxation (Londres, Macmillan, 1985), pp.4-16; e James Buchanan e Loren Lomasky, "The Matrix of Contractarian Justice", in E.F. Paul, F.D. Miller e J, Paul (orgs.), Liberty and Equality (Oxford, Blackwell, 1985), pp. 12-32. Isso inspira a visão de que o ideal de liberdade real para todos exige de nós a leximização das rendas das pessoas, sujeita é claro ao respeito da liberdade formal de todos. Mais concretamente, mas também de forma menos precisa, nosso ideal exige que aumentemos as rendas mais baixas tanto quanto é compatível com a proibição do trabalho forçado.8 8 De forma menos precisa não somente porque o leximin não é exatamente o mesmo que o maximin, mas também porque o trabalho forçado é somente uma das formas, ainda que possivelmente a mais importante delas, pelas quais a elevação das rendas mais baixas poderia violar a liberdade formal. [N.T.: "maximin" refere-se aqui ao princípio rawlsiano de justiça que propõe a máxima elevação da posição mínima que seja compatível com o respeito aos direitos e liberdades civis e políticos.

Mas precisamos ser muito cuidadosos aqui. A liberdade real com a qual devemos nos preocupar não é simplesmente a liberdade real de escolher entre distintos complexos de bens de consumo. É a liberdade real de levar a própria vida da forma como se deseja. é claro que isso não diminui a importância da renda ou da disponibilidade orçamentária. Mas torna crucialmente importante que a renda seja garantida incondicionalmente, sem que condições sejam impostas a seu uso e sem qualquer restrição à conduta da pessoa beneficiada; sem nenhuma restrição, em particular, àqueles que estão disponíveis para o trabalho pago. Disso se segue a proposta muito mais radical: se realmente levamos a sério assegurar a liberdade real para todos — e se estamos dispostos a abstrair por um momento tanto as considerações dinâmicas quanto as diferenças interpessoais de capacidades —, então o que temos que objetivar é a renda incondicional mais elevada para todos que seja compatível com a segurança e com a propriedade de si mesmo.

Coincidentemente, isso converge com uma proposta de reforma da política social que recentemente vem ganhando apoio em alguns países europeus.9 9 Miller, Anne (org.). Proceedings of the First International Conference on Basic Income. Londres, Basic Income Research Group, 1988; Walter, Tony. Basic Income: Freedom from Poverty, Freedom from Work. Londres, Boyars, 1989; Jordan, Bill. The Common Good: Citizenship, Morality and Self-Respect. Oxford, Blackwell, 1989; Parker, Hermione. Instead of the Dole. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1989; Meade, James. Agatholopia: The Economics of Partnership. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1989; Van Trier, Walter (org.). Proceedings of the Second Conference on Basic Income. Londres, Basic Income Research Group, 1990; Brittan, Samuel e Webb, Steven. Beyond the Welfare State: A Examination of Basic Incomes in a Market Economy. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1990; e Van Parijs (org.), op. cit., são alguns dos livros ingleses recentes discutindo esta proposta. O Bulletin do Basic Income Research Group (102 Pepys Road, London SE14 6SG) e o Newsletter do Basic Income European Network (21 Bosduifstraat, 2018, Antuerpia, Bélgica) acompanham os eventos e publicações relevantes em toda a Europa e em outras parles. A maioria desses países introduziu alguma forma de renda mínima garantida após a Segunda Guerra Mundial. Um sistema de renda mínima garantida difere de um sistema de seguridade social na medida em que os beneficiários do primeiro não precisam ter feito contribuições de seus ganhos passados para fazer jus ao benefício. Mas a forma de renda garantida introduzida nesses países permanece tipicamente condicional nos seguintes aspectos. (1) Para fazer jus ao benefício, o beneficiário deve estar disposto a aceitar a um emprego adequado ou um treinamento adequado, caso sejam oferecidos. (2) A pessoa precisa se Submeter a uma verificação de meios, no sentido de que somente fará jus ao benefício caso existam boas razões para supor que ela não obtém uma renda suficiente de outras fontes. (3) A obtenção do benefício, e de quanto ele será, depende de condições tais como com quem a pessoa vive, se vive por sua conta, ou com uma pessoa que tem emprego, ou com alguém desempregado, etc. E por fim (4) a obtenção do benefício, e de quanto será, depende ainda de onde a pessoa viva, se vive, por exemplo, em uma área metropolitana, em uma cidade interiorana ou na zona rural. As propostas que vem sendo variadamente chamadas de bônus estatal, de dividendo nacional ou social, de renda ou salário do cidadão, de demogrant, de renda básica, de subsídio universal, etc, em contraste, são propostas de uma forma de renda mínima garantida que é tipicamente incondicional em todos esses quatro aspectos.10 10 De outra parte, os defensores de um sistema incondicional desse tipo querem manter um seguro social adicional ou sistemas de compensação de deficiências físicas ou mentais que permaneçam condicionais em algum ou em todos esses aspectos. De fato, muitos deles querem manter (pelo menos enquanto a renda incondicional continuar relativamente baixa) um sistema complementar de renda mínima que permanece condicional em algum ou em todos esses aspecto.

Porque é a expressão que vem sendo mais amplamente utilizada, empregarei o termo renda básica para me referir a um sistema como esse. Uma renda básica, em outras palavras, é uma renda que (1) não se restringe àqueles que se dispõem a trabalhar, (2) é disponível ex ante, (3) é garantida independentemente da situação familiar, e (4) não varia segundo o lugar de residência. A escolha da expressão tem o sentido de passar as idéias de que, devido a sua natureza incondicional, aqui temos algo com que a pessoa pode com certeza contar e cm que uma vida pode solidamente se apoiar, e de que qualquer outra renda, em dinheiro ou em espécie, do trabalho ou de poupanças, do mercado ou do Estado, a isso pode ser legitimamente acrescida. Em outros termos, nada há na definição de renda básica, tal como aqui entendida, que a vincule a alguma definição de "necessidades básicas". Uma renda básica, tal como a defini, pode não alcançar ou exceder o que se considera necessário para uma existência decente.

Dessa ótica, parece possível reformular a proposta radical antes apresentada dizendo simplesmente que um verdadeiro libertariano deveria apoiar uma estrutura institucional respeitadora-da-liberdade formal que produza a renda básica mais elevada. Antes de sermos capazes de afirmar isso com certa confiança, entretanto, é importante verificar se uma preocupação com a liberdade real para todos pode justificar não somente o primeiro sentido segundo o qual uma renda é incondicional — a ausência de um teste de trabalho (da disposição de trabalhar), que foi o único explicitamente discutido até agora —, mas também os outros três. O que está em questão na característica (2) acima é a escolha entre uma renda básica (ex ante) e um sistema de imposto de renda negativo (ex post). A primeira vista, os dois enfoques podem parecer equivalentes de um ponto de vista libertariano verdadeiro, uma vez que exatamente as mesmas distribuições da renda pós-taxação e pós-transferências em princípio podem ser garantidas com ou sem uma verificação de meios, e com um imposto de renda negativo ou com um sistema de renda básica. Entretanto, a ausência de uma verificação de meios realmente faz diferença na busca de "leximinizar" a liberdade real, por três razões distintas.

Antes de passar a esses pontos, observe que a questão de se a renda mínima é garantida ex ante ou ex post cruza a questão de se um sistema envolve ou não uma armadilha de desemprego, entendida como um nível efetivo de taxação das rendas baixas fortemente dissuasivo do trabalho (como algo distinto do efeito de dissuasão ligado à incerteza envolvida na passagem de um nível de renda para outro, um aspecto importante da armadilha de desemprego que é freqüentemente negligenciado). Como os sistemas lineares de imposto de renda negativo ilustram, um teste de meios não implica um nível mais alto de taxação (ou de "mordida") às classes inferiores da distribuição de renda. E como algumas propostas (pouco usuais) de renda básica mostram, é perfeitamente concebível ter um pagamento ex ante da renda mínima para todos junto com uma taxação de 100 por cento de todas as outras rendas abaixo de um certo limiar.11 11 Para uma discussão sobre um sistema desse tipo, ver Saverda, William. "Basisinkomen en inkomensverdeling". Tijdschrifinook Politeke Ekonomie 8, 1984, pp.9-41. Se estamos preocupados com a liberdade de trabalhar tanto quanto com a liberdade de não trabalhar, não deveríamos excluir essa possibilidade da própria definição de renda básica? Pois não se poderia sustentar plausivelmente, ao que parece, que a liberdade real dos que são menos livres está sendo maximizada se a renda básica é maximizada por meio de um sistema tributário que é equivalente a um confisco dos ganhos mais baixos. O que teríamos que dizer, entretanto, é o seguinte. Por razões práticas, é pouco provável que a experiência de maximização em questão levasse à escolha de um sistema de taxação como esse. Mas a preocupação com a liberdade real de trabalhar não nos obriga a definir o exercício de maximização de forma a excluir essa possibilidade a priori. Pois a liberdade real de fazer um trabalho de baixo ganho devido ao treinamento ou à experiência que ele permite, ou devido ao valor que a pessoa atribua per se a trabalhar, é indubitavelmente aumentada conforme o nível da renda incondicional aumenta, mesmo que isso se dê à custa de ganhos líquidos mais baixos obtidos do trabalho. De fato, quanto mais alta a renda incondicional, tanto mais uma pessoa adquire a liberdade real de aceitar, ainda que por períodos curtos, empregos que pagam um salário negativo. Em conseqüência, para que a renda básica exprima adequadamente a liberdade de trabalhar assim como a liberdade de não trabalhar, nenhuma restrição desse tipo é necessária à forma de sua fundamentação.

Volto às razões de porque a ausência de uma verificação de meios faz diferença à leximização da liberdade real. Primeiro, dado o intervalo de tempo inevitavelmente envolvido em qualquer avaliação da renda para finalidades de taxação, só se pode esperar que um sistema de imposto de renda negativo possa competir com um sistema de renda básica em termos de "leximizar" a liberdade real, se aquele for suplementado por um sistema de adiantamentos que pelo menos garanta às pessoas a liberdade real de não passar fome enquanto esperam que a administração fiscal calcule a quanto fazem jus. Mas a pura e simples ignorância ou confusão possivelmente impedirão que algumas pessoas tenham acesso aos adiantamentos que poderiam ter reivindicado. Por isso o nível mais elevado de adiantamento (do benefício), que necessariamente associa-se a um sistema de renda básica, é uma vantagem sumamente importante quando um peso prioritário é atribuído (como é o caso em nossa formulação leximin) à liberdade real dos que são efetivamente menos livres. Segundo, o fato de que no caso do imposto de renda negativo a característica pertinente da disponibilidade orçamentária assume a forma de uma promessa de transferências corretivas contingentes, e não de uma soma de dinheiro com a qual se pode contar plenamente pela simples razão de que está tangivelmente ali, leva a corroer a confiança necessária para fazer um uso efetivo das opções permitidas pela (abstratamente idêntica) disponibilidade orçamentária. Por fim, em uma era em que os pagamentos de benefícios e o recolhimento de impostos do tipo "pague-no-momento-em-que-você-ganha" são computadorizados, e supondo-se que não há necessidade de controles por outras razões (por exemplo, para verificar a disposição para trabalhar ou a situação familiar); nessas condições, os custos administrativos envolvidos na implementação do sistema de adiantamentos que precisa ser acoplado ao sistema de imposto de renda negativo provavelmente o tornarão mais caro para um dado nível de renda garantida e, por essa razão, o farão absorver recursos que de outro modo poderiam ser utilizados para aumentá-la. Isso por si só seria suficiente para justificar a escolha de (2), isto é, da variante universal, em vez da variante de verificação dos meios de uma renda básica em outros aspectos incondicional.12 12 Somente sob a suposição (feita acima) de que nenhum controle é necessário por outras razões (por exemplo, para verificar a disposição de trabalhar). Se um controle desse tipo é necessário (e pode ser, mesmo por razões do libertarianismo real — ver abaixo), o argumento do custo administrativo pode tomar a direção inversa, e isso pode ser suficiente para justificar uma forma de renda mínima garantida baseada na verificação dos meios.

Para a definição de renda básica se conformar perfeitamente a uma perspectiva libertariana real, ela precisa incluir, finalmente, a condição de que sejam irrelevantes ao direito à renda básica a situação familiar e o local de residência. Isso em parte devido aos controles, aliás uma invasão da privacidade das pessoas, que seriam necessários se essas circunstâncias fossem consideradas pertinentes. O ponto mais fundamental, entretanto, é a de que não há uma razão categórica para essa diferenciação que seja consistente com o ponto de vista libertariano verdadeiro. Obviamente, é possível que aquilo que uma pessoa necessite vivendo sozinha exceda o que uma outra precise vivendo cm uma comunidade, ou aquilo que alguém necessite vivendo em uma capital exceda em muito o que é necessário a alguém vivendo em um remoto vilarejo. Mas de um ponto de vista libertariano verdadeiro, isso é irrelevante. Porque o que um libertariano se preocupa em "leximizar" não é a liberdade real de obter seja lá o que se deseje, ou o que se necessite para manter a própria forma de vida, e sim a liberdade real de fazer o que se pode ter vontade de fazer. Por isso é suficiente supor — de forma trivial o bastante — que alguém vivendo em uma comunidade pode desejar viver sozinho, ou que habitantes do campo podem querer se estabelecer na cidade, para que uma renda básica indiscriminada e uniforme ser a escolha óbvia.

DUAS EXIGÊNCIAS CRUCIAIS

"Leximinizar" a liberdade real, fica então claro, realmente exige que introduzamos a renda básica, tal como definida pelas incondicionalidades 1-4 acima, e que a elevemos ao nível máximo consistente com a garantia da liberdade formal.13 13 Estou deixando inteiramente de lado no momento o que considero ser a objeção mais seria a essa suposição, a saber, a objeção de que a renda básica mais elevada possível envolve um viés cm favor da liberdade de desfrutar do tempo livre à custa da liberdade de consumir. Discuto essa objeção detalhadamente, denominando-a "A objeção do Louco e do Preguiçoso", em "Why Surfers Should Be Fed: The Liberal Case for an Unconditional Basic Income" ( Philosophy and Public Affairs 20, 1991, pp. 101 -31). Existem, entretanto, duas outras exigências importantes às quais essa maximização deve estar sujeita. Uma delas precisa ser introduzida tão logo abandonemos a suposição de que as capacidades das pessoas, ou seus recursos internos, são idênticos. Pois, como é óbvio, a despeito de terem rendas básicas idênticas, duas pessoas podem ter complexos de oportunidades muito diversos, e por isso níveis muito desiguais de liberdade real, se uma dela pode física e mentalmente fazer tudo o que a outra faz e muito mais ainda. Em geral, por isso, a liberdade real não será leximizada se tudo o que se faz é conceder a todos uma renda básica no mais elevado nível possível. A melhor forma de lidar com essa importante complicação consiste, a meu ver, cm impor uma exigência de diversidade não-suprimida de dotações: transferências lump sum específicas precisam ser feitas — e o nível da renda básica reduzido de forma correspondente — até o ponto em que a dotação abrangente de ninguém (consistindo nos recursos internos de cada um e nessas transferências lump sum) seja considerado pior do que o de alguma outra pessoa na sociedade em questão.

Este não é o momento de justificar esse critério mostrando o que vejo como suas vantagens decisivas sobre propostas distintas.14 14 Van Parijs, "Equal Endowments", op. cit.; e, para discussões críticas desse enfoque, ver Amartya Sen, "Welfare, Freedom and Social Choice: A Reply" ( Recherches Economiques de Louvain, 56, 1990), sec.3.1; e Richard Ameson, "Property Rights in Persons" ( Social Philosophy and Policy, 9, 1991), sec.5. Mencionarei somente uma importante implicação dessa exigência. Presumivelmente, se o dote abrangente de uma pessoa não a capacita a ter acesso àquilo que é necessário a sua sobrevivência, ele será unanimemente considerado inferior ao de qualquer pessoa, ou de quase qualquer pessoa, que consegue levar uma vida decente. Enquanto esse tipo de influência se verificar, transferências específicas aos menos capacitados terão aumentar à custa da renda básica universal até o ponto cm que todos sejam capazes de ter acesso a uma renda que satisfaça pelo menos as necessidades básicas. Em uma sociedade pobre, é possível que isso signifique reduzir a zero a renda básica — e até mesmo, com efeito, convertê-la a cifras negativas (na forma de um imposto lump sum), se isso não fosse impedido pela condição de propriedade de si mesmo. E se, deixando de lado as deficiências mais óbvias, a forma mais efetiva de identificar aqueles cujas dotações os incapacitam a ganhar a vida passa pela redução das transferências àqueles que dão mostras de que estão impossibilitados de conseguir um emprego adequado, então, mesmo de uma perspectiva libertariana real, é certo que o sistema de renda mínima garantida deva ser condicional, envolvendo a exigência da disposição de trabalhar. Não há dúvida de que muitos países do mundo atual estão nessa situação. Para qualquer sociedade que se encontra nesse caso, o libertarianismo real não recomenda a introdução de uma renda básica, porque o nível mais elevado (e talvez mesmo o único) de renda básica que poderia ser introduzida, consistente tanto com a liberdade formal quanto com a diversidade não-suprimida, é zero. é somente com respeito a sociedades que se livraram da fome, ou que claramente podem faze-lo sem violação à propriedade de si mesmo, que vale a pena falar em renda básica.

A última exigência que precisa ser introduzida é a da sustentabilidade. Até agora, falei vagamente no nível mais elevado possível de renda básica e não fiz referência a considerações dinâmicas. Mas cm benefício da liberdade real de todos, é obviamente muito importante que esse nível seja sustentável de um ano ao outro e de uma geração à outra. Isso exige, acima de tudo, que se preste atenção aos incentivos. Nos termos do nosso critério, de nada serviria, por exemplo, escolher um nível e um tipo de taxação que tornasse possível uma renda básica generosa no período corrente, se até mesmo a renda média viesse a cair no período seguinte, quando a oferta de trabalho (lembre-se da exigência de liberdade formal) e a oferta de capital (pelo menos em uma sociedade capitalista) teriam se adaptado à estrutura tributária. Isso sugere que se deve escolher o tipo de taxação que pode gerar de forma durável a arrecadação mais elevada e que o índice dessa taxação deve ser levado a um nível correspondente ao pico da "curva de Laffer" associada, isto é, à maior arrecadação que pode ser gerada de forma durável utilizando essa forma de taxação — tendo em mente, é claro, que parte dessa arrecadação deve ser empregada para cuidar da liberdade formal e da diversidade não-suprimida.

Mesmo essa formulação não é de todo correta, no entanto, uma vez que o importante é o nível per capita de renda básica, que não é afetado somente pela arrecadação total mas também pelo número de pessoas que há. Por isso, também precisamos levar em conta os efeitos demográficos. Se um incremento da renda básica leva a uma expansão da população, a arrecadação máxima de impostos sustentável só poderá assegurar uma renda básica declinante. Um verdadeiro libertariano, pode-se retrucar, não precisa se comprometer com uma renda básica que seja invariante à idade, e por isso é possível ajustar a implementação de nosso critério de maximização da renda básica sustentável (sem restringir a liberdade formal de procriar) tornando o nível dessa renda uma função da idade. Pelo menos em algumas sociedades, propiciar uma renda básica na forma de uma pensão universal comparativamente elevada, e uma outra comparativamente baixa na forma de benefícios universais à infância, deve reduzir significativamente qualquer efeito positivo, e até mesmo anulá-lo completamente ou revertê-lo, que uma renda básica de outra forma poderia ter sobre o crescimento populacional.

É claro que outras características institucionais influenciarão até que ponto pode chegar esse nível mais elevado de renda básica sustentável. Uma sociedade que, por exemplo, não tome medidas para reduzir o esgotamento de seus recursos naturais, pode ver-se impossibilitada de manter sua capacidade produtiva, ao longo do tempo, sem uma taxa mais elevada de acumulação do que de outro modo seria necessária; e por isso se veria impossibilitada de garantir de forma sustentável uma renda básica tão elevada quanto poderia se medidas preservacionistas tivessem sido tomadas. Da mesma forma, quão elevada é a renda básica que uma sociedade pode se permitir, isso provavelmente dependerá significativamente do grau em que os meios de produção são de propriedade pública ou privada. Vamos definir capitalismo e socialismo como regimes que respeitam (diversamente da escravidão ou do que poderia ser chamado de coletivismo) a propriedade de si mesmo e no quais a maior parte dos meios de produção é, respectivamente, de propriedade privada e pública. Para um verdadeiro libertariano, a escolha entre os dois regimes (diversamente da preferência por qualquer um deles à escravidão e ao coletivismo) depende da questão puramente empírica de em que medida se pode supor com segurança que alguma forma possível de um ou de outro produzirá a mais elevada renda básica sustentável, que seja consistente tanto com a liberdade formal quanto com a diversidade não-suprimida. é esta a questão de que trato a seguir.

CAPITALISMO OU SOCIALISMO?

Observe, antes de mais nada, que qualquer resposta precisa a essa questão obrigatoriamente apontará para alguma forma de "economia mista". Isso porque a forma de distribuição de renda necessariamente envolve dois componentes centrais — as transferências exigidas pela exigência de diversidade não-suprimida e pela renda básica máxima — que a arrastam para um modo de distribuição muito distante, tanto daquele que é naturalmente associado ao capitalismo — "a cada um segundo seu produto marginai (tal como determinado pelo mercado)" —, quanto do que é mais comumente associado ao socialismo — "a cada um segundo seu trabalho (avaliado de alguma forma)".

Também é de se esperar que a preferência do verdadeiro libertariano seja por alguma forma de "economia mista" porque é a priori muito improvável que o regime de maximização da renda básica venha a envolver, seja somente a propriedade privada, seja somente a propriedade pública de todos os meios de produção. Mesmo mantendo a propriedade "essencialmente" pública da "maior parte" dos meios de produção, a melhor forma de socialismo pode permitir, por exemplo, pequenas empresas individuais e cooperativas, ou conceder poderes decisórios ou de ganhos residuais tais a managers e à força de trabalho das empresas públicas, que não se possa dizer que seja total o tipo de propriedade pública prevalecente no setor público. Da mesma forma, mesmo mantendo a propriedade "essencialmente" privada da "maior parte" dos meios de produção, a melhor forma de capitalismo pode envolver, por exemplo, a propriedade pública de rolas fluviais, de bancos ou de usinas nucleares, e pode sujeitar as empresas privadas a regulamentações que eqüivalem a um considerável enfraquecimento do grau em que se pode dizer que elas possuam seus meios de produção. Exemplos familiares disso são a taxação de lucros e salários, as medidas destinadas a conter as externalidades ambientais e o reconhecimento do direito de greve. Mas a melhor forma de capitalismo pode conter ainda restrições bem menos usuais à propriedade privada do capital, tais como a restrição de que somente os trabalhadores da empresa possam possuir ações com direito a voto do capital da empresa — tal como na "economia cooperativa" de Peter Jay, por exemplo — ou a restrição de que os trabalhadores devem ser pagos pelo menos em parte na forma de parcelas percentuais fixas dos lucros da empresa, e não na forma de salários estabelecidos de forma absoluta — tal como na "economia de participação nos lucros" de Martin Weitzman.15 15 Jay, Peter. "The Workers' Cooperative Economy". In Clayre, A. (org.). The Political Economy of Co-Operation and Participation. Oxford, Oxford University Press, 1977; Weitzman, Martin. The Share Economy: Conquering Stagflation. Cambridge-Mass., Harvard University Press, 1984.

Essas observações apontam para a possibilidade de que, na competição do verdadeiro libertarianismo, não exista um vencedor indiscutível entre capitalismo e socialismo. Pois na medida cm que nos afastamos dos casos em que todos os meios de produção, ou são inteiramente privados, ou são inteiramente públicos, podemos estar entrando rapidamente em uma zona cinzenta na qual já não se pode afirmar com certeza que a "maior parte" dos meios de produção seja de propriedade "essencialmente" pública ou "essencialmente" privada. Que o melhor regime encontre-se nessa zona cinzenta, entretanto, por enquanto não passa de uma possibilidade. Afinal, podem surgir argumentos decisivos em favor seja da propriedade privada, seja da propriedade pública, que forcem os verdadeiros libertarianos a se manterem afastados da zona cinzenta e que os convençam de forma indubitável qual é o lado que devem escolher. Argumentos desse tipo, se é que existem, só podem ser de natureza empírica e, por isso, escapam da competência do filósofo. Mas eles são tão centrais à questão abordada por este artigo que eu realmente não posso escapar de enfrentá-los. Nas páginas restantes, por essa razão, exprimirei e explicarei, ainda que esquemáticamente, as convicções que formei sobre essas questões fatuais decisivas, à luz de uma casual observação de fatos empíricos c de um exame menos casual de suposições teóricas.

POTENCIAL PRODUTIVO

Uma vez que o nível da renda máxima praticável depende do pontencial produtivo da sociedade, o ponto óbvio para começar e o da discussão da eficiência. Mas não dispenderei muito tempo sobre isso aqui. Apesar de ser difícil de se lembrar disso hoje, houve um tempo em que havia, no que diz respeito à eficiência, uma forte presunção em favor do socialismo. Os defensores do capitalismo tinham que trabalhar duro para tentar reverter essa presunção, e em vez disso muitas vezes eles se refugiavam no argumento de que uma eficiência menor era o preço a pagar em benefício de outros valores.16 16 Um exemplo típico é Wallich, Henry. The Cost of Freedom: A New Look on Capitalism. New York, Harper & Brothers, 1960. Nem é preciso dizer que há hoje uma presunção na direção oposta. Graças sobretudo à sua capacidade superior de lidar com deficiências e à pressão competitiva para inovar, o capitalismo existente, visto como um todo, se mostrou capaz de expandir seu potencial produtivo muito mais rapidamente do que o socialismo existente.17 17 E ainda mais rapidamente, talvez se queira acrescentar, do que o socialismo tal como aqui definido teria possibilitado. Pois, com certeza, a remoção de "leis antiparasitismo", a liberdade de escolha ocupacional, o direito de saída e outros correlatos à propriedade de si mesmo teriam obstaculizado ainda mais o potencial de crescimento das sociedades de propriedade pública existentes. Pelo menos, isso é o que diz o senso comum de hoje. E é preciso admitir que a tradicional bateria de argumentos em favor da racionalidade superior do socialismo — que apelam, por exemplo, às tendências de crise induzidas pela "anarquia da produção", pela "superprodução", pelo "subconsumo", pela "pressão dos salários sobre os lucros", pela escolha sistematicamente subótima de técnicas, pela permanência de um "exercito de reserva" ou pela faux frais da produção capitalista — por mais formidáveis que parecessem há uma ou mais décadas atrás, hoje já não podem desafiar esse senso comum de forma significativa. O máximo que os defensores do socialismo podem almejar, ao que parece, é argumentar persuasivamente que há uma forma possível de socialismo cujas instituições econômicas são similares às do capitalismo o bastante para reduzir significativamente a suposta incapacidade do socialismo para lidar com deficiências c para promover a inovação.18 18 Considero isso o ponto central do enfoque exemplificado por Gerard Roland em Economie politique du systeme sovietique (Paris, L'Harmattan, 1989); ou por John Roemer em "'the Possibility of Market Socialism" (Department of Economics Working Paper no.357, Universidade da California, Davis, 1990). A conversão da incapacidade em uma vantagem confiável, entretanto, parece-me algo que está muito além do alcance desses argumentos teóricos.

Suponha, então, que se possa com segurança supor que alguma variante possível do capitalismo tenha um potencial produtivo superior àquele que qualquer forma possível de socialismo poderia atingir. Disso não se segue que o nível mais elevado de renda básica (sujeito, é claro, a nossas exigências de liberdade formal e diversidade não-suprimida) que pode ser garantido sob o capitalismo seja maior que o nível mais elevado dela sustentável sob o socialismo. Por que não? Uma possível razão, que aqui deixarei de lado, é a de que cada uma delas ou ambas as nossas exigências (a de liberdade formal e a de diversidade não-suprimida) podem ser satisfeitas no socialismo a um custo significativamente mais baixo do que no capitalismo. Seria mais barato proteger a liberdade formal no socialismo (as demais variáveis permanecendo constantes), se proteger os meios de produção da sociedade exigisse menos policiamento no caso deles serem públicos do que no caso de serem apropriados privadamente. E poderia ser mais fácil garantir a diversidade não-suprimida se uma pressão mais fraca para consumir criasse menos necessidade de transferências voltadas para aqueles que têm uma capacidade baixa de ganho.

A razão mais importante relaciona-se ao tema da soberania popular. Digamos que, por definição, esta se verifica se "as opções disponíveis para uma coletividade somente são limitadas por condições [tais como recursos materiais restritos] que independem da vontade de quem quer que seja".19 19 Seguindo a definição de Adam Przeworski e Michael Wallerstein em "Popular Sovereignty, State Autonomy and Private Property" ( Archives Européenes de sociologie 27, 1986, pp.215-59). Dessa forma, a soberania popular é ameaçada, em particular, pela discrição de seus membros individuais na utilização dos recursos que têm à disposição. Exemplos paradigmáticos são oferecidos pelo Chile socialista, na medida em que o experimento de Allende teve fim devido a uma greve de proprietários de caminhões; pela França socialista, na medida em que as políticas expansionistas do governo Mauroy entraram em colapso em razão da propensão dos cidadãos franceses a despender seu maior poder aquisitivo em bens importados; ou pelas limitações às políticas salariais igualitárias que surgem do fato de que trabalhadores qualificados treinados com grande custo em um país comparativamente igualitário podem optar por emigrar para países menos igualitários, onde suas qualificações obtêm salários líquidos mais elevados.

Mas a maior ameaça à soberania popular sob condições capitalistas, e a que indiscutivelmente é a mais relevante à escolha entre capitalismo e socialismo, é mesmo a que está diretamente relacionada à propriedade privada dos meios de produção. Concentrado ou não em poucas mãos, e sejam ou não seus donos movidos por motivos puramente egoístas, o capital privado tende a se mover para onde a lucratividade é mais elevada. Mesmo que a renda básica fosse financiada inteiramente pelos salários, e nada pela renda do capital, prossegue o argumento, o efeito sobre os lucros certamente será negativo. Pois taxando-se os salários e — acima de tudo — garantindo uma renda incondicional substancial a todos, fortalecendo-se assim o poder de negociação de cada trabalhador individual, o capitalista será forçado a pagar salários pré-taxação mais elevados e/ou a propiciar condições de trabalho mais atrativas. Em resultado, os capitalistas investirão menos ou em outro lugar; e porque a inovação está estreitamente vinculada ao investimento, o progresso técnico também será prejudicado no país em questão. Por isso tudo, o nível mais elevado de renda básica sustentável será mais baixo do que poderia ser — muito provavelmente mais baixo do que seria possível sob o socialismo, a despeito do potencial produtivo reconhecidamente inferior deste último. Pois sob o socialismo a sociedade como um todo controla a alocação do excedente, e se decidir introduzir uma renda básica substancial, não será ela mesma que derrotará sua própria decisão empregando capital de uma forma que torne essa renda insustentável. Daí que, mesmo que se dê por estabelecido que o potencial produtivo do socialismo é inferior ao do capitalismo — isto é, que o produto máximo alcançável sob o capitalismo (a um nível suficientemente baixo de renda básica) é maior do que o produto máximo alcançável sob o socialismo —, ainda assim é possível que o socialismo possa financiar uma renda básica mais elevada do que o capitalismo, graças à maior capacidade daquele de orientar seu potencial produtivo nessa direção.20 20 Uma versão desse argumento encontra-se no núcleo das críticas tanto de E.O.Wright em "Why Something Like Socialism Is Necessary for the Transition to Something Like Communism" ( Theory and Society 15, 1986, pp.657-72), quanto nas de Gerard Roland em "Why Socialism Needs Basic Income, Why Basic Income Needs Socialism" ( in Miller, op. cit.) à exeqüibilidade do capitalismo de renda básica. é este, acredito, o argumento libertariano real mais forte contra o capitalismo e, por isso, a defesa mais forte do socialismo para aqueles comprometidos com o verdadeiro libertarianismo ou com posições próximas a ele.

PROGRESSO MORAL E LUCRATIVIDADE

Pode-se objetar que mesmo essa defesa mais forte do socialismo ainda é fraca se, como argumentam os defensores econômicos contemporâneos da renda básica, a introdução de uma renda incondicional no contexto das sociedades capitalistas avançadas, em vez de reduzir, aumente a lucratividade. Querelas sobre índices marginais de taxação, argumentam, são de pouca importância em comparação à enorme contribuição da renda básica para tornar nossa economia mais dinâmica, menos rígida ao ponto da paralisia e menos sufocantemente conflituosa do que hoje é.21 21 A última seção de Van Parijs, "The Second Marriage", faz uma reconstrução racional de argumentos desse tipo, tais como exemplificados por Guy Standing, "Meshing Labour Flexibility with Security: An Answer to Mass Unemployment?" ( International Labour Review 125, 1991, pp.87-106; em European Unemployment, Insecurity, and Flexibility: A Social Dividend Solution (Genebra, International Labour Office, 1989); por Bart Nooteboom, "Basic Income as a Basis for Small Business" ( International Small Business Journal 5, 1986, pp. 10-18); ou por Meade, op. cit., sec.3. Se, e na medida em que, argumentos desse tipo podem realmente ser sustentados, a introdução de uma renda básica e a elevação de seu nível constitui, não uma desvantagem, mas um recurso em termos de competitividade internacional.

Ainda que a existência de tal "casamento da justiça com a eficiência" é, ou deveria ser, de grande importância para alguém comprometido com o verdadeiro libertarianismo em uma sociedade capitalista avançada, isso não elimina o argumento pró-socialismo. Pois conforme a renda básica se eleva, é provável que ela alcance um ponto no qual qualquer tentativa de elevação ulterior deprimiria a lucratividade e iniciaria uma firme e prejudicial redução do investimento doméstico. é aqui que o argumento pró-socialista tem o seu devido crédito. Um país socialista não é limitado da mesma forma pelo critério de lucratividade. Isso não significa que ele possa distribuir livremente sua renda nacional, sem levar em conta restrições de mercado. Também no caso do socialismo (respeitador da liberdade formal), as escolhas possíveis são limitadas por alguma curva de Laffer: a parcela relativa mais alta distribuída de forma insensitiva ao mercado não produzirá a quantidade absoluta mais elevada. Mas porque uma sociedade socialista não está submetida ao critério de lucratividade, a quantidade absoluta disponível para a distribuição não-mercantil, uma vez que se torne uma parcela significativa da renda nacional, provavelmente não decairá tão acentuadamente quanto no capitalismo. Em conseqüência, mesmo admitindo-se que o socialismo tem um potencial produtivo significativamente mais baixo — isto é, que ele é incapaz de gerar uma renda média tão elevada quanto é possível no capitalismo, supondo-se que neste último a renda básica mantenha-se suficientemente baixa —, é pelo menos concebível que o socialismo, graças ao seu melhor controle sobre o excedente social, possa ser capaz de elevar de forma sustentável a renda básica acima do nível mais elevado que seria possível no capitalismo e, por isso, suplantar este último de acordo com os critérios do libertarianismo real.22 22 Neste artigo tomo sociedades individuais, e não a comunidade mundial, como o âmbito ao qual o ponto de vista do verdadeiro libertarianismo se aplica. Deixarei de lado a seguinte objeção, apesar de ser da mais alta relevância, ao argumento que acabei de formular. Impedindo-se o capital de se mover a partes do mundo em que os trabalhadores estão menos protegidos do que estariam se tivessem uma renda básica — na medida em que eles estariam cm melhor situação no socialismo do que no capitalismo —, não se estaria impedindo-o de se mover, entre outras possibilidades, para os os países mais pobres? Justamente para os países em que, ainda que indiretamente, o capital ajudaria a melhorar as opções dos mais desafortunados, ou pelo menos de pessoas que estão em condições piores do que os pior situados dos países cujos cidadãos desfrutam de uma renda básica? O mesmo argumento que tomaria o socialismo superior quando o que está em questão é a liberdade real leximin intranacional, o tornaria pior em termos de liberdade real leximin internacional. Ver Brian Barry e Robert Gooding (orgs.) Free Movement: Ethical Issues in the Transnational Migration of People and Capital (Hemel-Hempstead, Harvester, 1992) para uma discussã o detalhada da relação problemática entre as exigências da justiça e as da (das restrições à) mobilidade transnacional.

Há alguma possibilidade dessa alternativa teórica se materializar? Há razões para duvidar disso. Em primeiro lugar, pode-se sustentar que um país capitalista poderia impor restrições significativas ao movimento do capital de forma a evitar sua fuga, seja por razões econômicas ou políticas. Haveria um preço a pagar em termos de eficiência, uma vez que o movimento do capital desempenha um importante papel para a alocação eficiente de recursos. Mas isso pode valer a pena se dessa forma o país tornar-se capaz de financiar uma renda básica sustentável mais elevada. Na prática, porém, dificilmente haveria muito campo para isso. Pois em um país democrático (o que um país de renda básica, por razões fatuais, precisa ser), os debates que inevitavelmente precedem a introdução de medidas duras contra fugas de capital provavelmente acionam ações preventivas (em um grau que, é claro, variará em função de sentimentos patrióticos, instrumentos financeiros, tamanho do território e perspectivas conjunturais, entre outros fatores). E para um país assim recuperar pelo menos parte do capital perdido dessa forma, será necessário oferecer níveis de lucratividade (como uma compensação pelo risco) superiores aos que antes eram necessários para relê-lo. Ao que parece, em um país capitalista, não há como escapar da exigência de lucratividade.

Mas o mesmo não se passaria com um país socialista? Para começar, fica de imediato evidente que o argumento que acabei de apresentar, se correto, aplica-se a fortiori a qualquer país capitalista que, por esse tipo de razão, considere ir ainda mais longe na área cinzenta que separa o capitalismo do socialismo. Mas o que dizer de um país que já é socialista? Se seu potencial produtivo é baixo, devido à pequena acumulação de capital e à tecnologia atrasada, sua estratégia de maximização da renda básica sustentável não deveria ser a de atrair investimentos estrangeiros e tecnologia avançada oferecendo perspectivas vantajosas de lucro? Muito longe de ceder à tentação de uma renda básica que exceda as exigências de lucratividade, esse país socialista teria que se submeter a elas ainda mais obedientemente do que um país capitalista preocupado exclusivamente em reter o capital doméstico. Daí que, pelo visto, somente um país socialista afluente poderia e deveria em alguma medida ignorar a exigência de lucratividade, e tirar proveito da maior soberania popular conferida pela propriedade pública de forma a elevar a renda básica acima do que é garantido pela busca de maximização dos lucros. E não há, que eu saiba, um país como esse.

Assim, a objeção que poderia ser levantada contra o capitalismo de renda básica da perspectiva do verdadeiro libertarianismo, apesar de não ignorável de todo, não representa um problema sério. Para os defensores do capitalismo de renda básica, entretanto, há algo de preocupante nas considerações invocadas para neutralizar a objeção. A crescente mobilidade de capital e de mão-de-obra qualificada pelas fronteiras políticas torna cada vez mais custoso, em termos de perdas de PNB, tomar medidas que não incentivam tanto quanto possível o lucro líquido do capital e os benefícios líquidos aos portadores de qualificações altamente valorizadas (com cada uma dessas partes se beneficiando indiretamente dos benefícios concedidos à outra). A margem de manobra não desapareceu inteiramente, e é maior quando, por exemplo, a instabilidade política em outros países, ou os sentimentos patrióticos no país em questão, diminuem a mobilidade para fora tanto de capital como de qualificações, ou quando a heterogeneidade (ou a hostilidade) étnica ou cultural torna a emigração menos atraente às pessoas. Mas não há dúvida que essa margem estreitou-se nas duas últimas décadas.23 23 Ver, por exemplo, Mickey Kaus, "For a New Equality" ( The New Republic, 7 de maio de 1990), pp. 18-27, para um argumento no sentido de que muito do dramático aumento da desigualdade salarial nos Estados Unidos nos últimos vinte anos se deveu à pressão da crescente mobilidade.

As perspectivas para o capitalismo de renda básica — e, de forma mais geral, para realizar qualquer progresso moral segundo os padrões libertarianos, como alternativa a obter escores cada vez piores à medida em que nossa espécie for arrastada para o próximo milênio por forças anônimas totalmente insensíveis aos imperativos da justiça — dependem de três possibilidades. Uma delas é a revivescencia em escala global do nacionalismo (de um tipo muito específico), o que inibiria o movimento tanto do capital quanto da mão-de-obra qualificada a um tal ponto que os países enfrentariam menos pressão para se preocupar constantemente com sua competitividade. Uma outra consiste em criar os sistemas de distribuição requeridos em uma tal escala — que não pode ser muito menos do que uma escala mundial — que a competição internacional deixe de ser uma preocupação relevante.24 24 Gunnar Adler-Karlson argumenta em "Towards a World Citizen Income" (1990), principalmente com base no fator mobilidade, que essa é a única possilidade realista, mas que exigiria, como uma contrapartida, uma efetiva limitação do crescimento populacional no Terceiro Mundo. A terceira é o "casamento da justiça com a eficiência": se, e na medida em que, uma renda básica não impeça e sim promova a lucratividade média de um país, o fator mobilidade deixa de ser um problema — de fato, torna-se uma vantagem. Como as duas primeiras possibilidades são, para dizer o mínimo, um tanto remotas (e, alem disso, um tanto assustadoras, cada uma à sua maneira), é na validade da suposição empírica que constitui a terceira possibilidade, e na crença geral nessa validade, que temos que apostar, se é que os países capitalistas avançados — ou quaisquer outros — devem passar, durante nosso tempo de vida, por qualquer avanço significativo em direção à "liberdade real para todos".

  • *Ethics 102, Abril de 1992, pp.465-484.
  • Esta é uma versão revisada de um paper preparado para o seminário realizado pelo Ethikon Institute East-West sobre o tema "Capitalismo, socialismo ou economia mista?" (Ost-West Wirtschaftsakademie de Berlin, janeiro de 1991).
  • 1 Essa concepção da renda básica como uma "via capitalista para o comunismo" é desenvolvida e discutida em Robert Van der Veen e Philippe van Parijs, "A Capitalist Road to Communism" (Theory and Society 15, 1986, pp. 635-55) e no simpó
  • sio da Theory and Society sobre o tema. Este artigo foi republicado em Philippe Van Parijs, Marxism Recycled (Cambridge, Cambridge University Press, 1993).
  • A justificação do capitalismo de renda básica apresentada a seguir está estreitamente relacionada, ainda que seja distinta, daquela que derivava dessa formulação anterior. Na introdução a Philippe Van Parijs (org.), Arguing for Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform (Londres, Verso, 1992),
  • 2 Faço isso, em certa medida, em "A Revolution in Class Theory" (Politics and Society 15, 1987), pp.453-82 e em "The Second Marriage of Justice and Efficiency" (Journal of Social Policy 19,
  • 1990), pp. 1-25.
  • 3 Em um livro que será publicado em 1995, intitulado Real Freedom fo All: What (If Anything) Can Justify Capitalism? (Oxford, Oxford University Press, 1995).
  • Ver também Philippe Van Parijs, "Equal Endowments as Undominated Diversity?" (Recherces Economiques de Louvain 56, 1990, pp.327-55) e "Why Surfers Should Be Fed: The Liberal Case for Basic Income" (Philosophy and Public Affairs 20,
  • 1991, pp.101-31).
  • 6 Rawls, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1971.
  • Esta segue sendo a formulação mais completa dessa posição e é explícita acerca de cada uma dessas três características. De forma menos explícita, mas pertencendo ainda à mesma família estão Ronald Dworkin, "What is Equality? II. Equality of Resources" (Philosophy and Public Affairs 10, 1981, pp.283-345) e "Foundations of Liberal Equality",
  • in G.B. Peterson (org.). The Tanner Lectures on Human Values (Salt Lake City, University of Utah Press, 1990), pp. 1-119;
  • Amartya Sen, Commodities and Capabilities (Amsterdam, North Holland, 1985) e Inequality and Freedom (Oxford,
  • Oxford University Press, 1990);
  • G.A. Cohen, "On the Currency of Egalitarian Justice" (Ethics 99, 1989, pp.906-44) e "Equality of What? On Welfare,
  • Goods, and Capabilities" (Recherches Economiques de Louvain 56, 1990, pp.357-89);
  • e Richard Ameson, "Equality and Equal Opportunity for Welfare" (Philosophical Studies 56, 1989, pp.77-93,
  • e "Liberalism, "Distributive Subjectivism, and Equal Opportunity for Welfare" (Philosophy and Public Affairs 19, 1990, pp. 158-94).
  • 7 Ver, por exemplo, Friedrich Hayek, The Constitution of Liberty (Londres, Routledge & Kegan Paul, 1960), pp. 12-13 e p.137;
  • James Buchanan, "The Ethical Limits of Taxation", in F.R. Forsund e S.Honkapohja (orgs.), The Ethical Limits of Taxation (Londres, Macmillan, 1985), pp.4-16;
  • e James Buchanan e Loren Lomasky, "The Matrix of Contractarian Justice", in E.F. Paul, F.D. Miller e J, Paul (orgs.), Liberty and Equality (Oxford, Blackwell, 1985), pp. 12-32.
  • 9 Miller, Anne (org.). Proceedings of the First International Conference on Basic Income. Londres, Basic Income Research Group, 1988;
  • Walter, Tony. Basic Income: Freedom from Poverty, Freedom from Work. Londres, Boyars, 1989;
  • Jordan, Bill. The Common Good: Citizenship, Morality and Self-Respect. Oxford, Blackwell, 1989;
  • Parker, Hermione. Instead of the Dole. Londres,
  • Routledge & Kegan Paul, 1989;
  • Meade, James. Agatholopia: The Economics of Partnership. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1989;
  • Van Trier, Walter (org.). Proceedings of the Second Conference on Basic Income. Londres, Basic Income Research Group, 1990;
  • Brittan, Samuel e Webb, Steven. Beyond the Welfare State: A Examination of Basic Incomes in a Market Economy. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1990;
  • 11 Para uma discussão sobre um sistema desse tipo, ver Saverda, William. "Basisinkomen en inkomensverdeling". Tijdschrifinook Politeke Ekonomie 8, 1984, pp.9-41.
  • 13 Estou deixando inteiramente de lado no momento o que considero ser a objeção mais seria a essa suposição, a saber, a objeção de que a renda básica mais elevada possível envolve um viés cm favor da liberdade de desfrutar do tempo livre à custa da liberdade de consumir. Discuto essa objeção detalhadamente, denominando-a "A objeção do Louco e do Preguiçoso", em "Why Surfers Should Be Fed: The Liberal Case for an Unconditional Basic Income" (Philosophy and Public Affairs 20, 1991, pp. 101 -31).
  • 14 Van Parijs, "Equal Endowments", op. cit; e, para discussões críticas desse enfoque, ver Amartya Sen, "Welfare, Freedom and Social Choice: A Reply" (Recherches Economiques de Louvain, 56, 1990), sec.3.1;
  • e Richard Ameson, "Property Rights in Persons" (Social Philosophy and Policy, 9, 1991), sec.5.
  • 15 Jay, Peter. "The Workers' Cooperative Economy". In Clayre, A. (org.). The Political Economy of Co-Operation and Participation. Oxford, Oxford University Press, 1977;
  • Weitzman, Martin. The Share Economy: Conquering Stagflation. Cambridge-Mass., Harvard University Press, 1984.
  • 16 Um exemplo típico é Wallich, Henry. The Cost of Freedom: A New Look on Capitalism. New York, Harper & Brothers, 1960.
  • 18 Considero isso o ponto central do enfoque exemplificado por Gerard Roland em Economie politique du systeme sovietique (Paris, L'Harmattan, 1989);
  • 19 Seguindo a definição de Adam Przeworski e Michael Wallerstein em "Popular Sovereignty, State Autonomy and Private Property" (Archives Européenes de sociologie 27, 1986, pp.215-59).
  • 20 Uma versão desse argumento encontra-se no núcleo das críticas tanto de E.O.Wright em "Why Something Like Socialism Is Necessary for the Transition to Something Like Communism" (Theory and Society 15, 1986, pp.657-72),
  • 21 A última seção de Van Parijs, "The Second Marriage", faz uma reconstrução racional de argumentos desse tipo, tais como exemplificados por Guy Standing, "Meshing Labour Flexibility with Security: An Answer to Mass Unemployment?" (International Labour Review 125, 1991, pp.87-106; em European Unemployment, Insecurity, and Flexibility: A Social Dividend Solution (Genebra, International Labour Office, 1989);
  • por Bart Nooteboom, "Basic Income as a Basis for Small Business" (International Small Business Journal 5, 1986, pp. 10-18);
  • 22 Neste artigo tomo sociedades individuais, e não a comunidade mundial, como o âmbito ao qual o ponto de vista do verdadeiro libertarianismo se aplica. Deixarei de lado a seguinte objeção, apesar de ser da mais alta relevância, ao argumento que acabei de formular. Impedindo-se o capital de se mover a partes do mundo em que os trabalhadores estão menos protegidos do que estariam se tivessem uma renda básica na medida em que eles estariam cm melhor situação no socialismo do que no capitalismo , não se estaria impedindo-o de se mover, entre outras possibilidades, para os os países mais pobres? Justamente para os países em que, ainda que indiretamente, o capital ajudaria a melhorar as opções dos mais desafortunados, ou pelo menos de pessoas que estão em condições piores do que os pior situados dos países cujos cidadãos desfrutam de uma renda básica? O mesmo argumento que tomaria o socialismo superior quando o que está em questão é a liberdade real leximin intranacional, o tornaria pior em termos de liberdade real leximin internacional. Ver Brian Barry e Robert Gooding (orgs.) Free Movement: Ethical Issues in the Transnational Migration of People and Capital (Hemel-Hempstead, Harvester, 1992) para uma discussã
  • 23 Ver, por exemplo, Mickey Kaus, "For a New Equality" (The New Republic, 7 de maio de 1990), pp. 18-27,
  • *
    Ethics 102, Abril de 1992, pp.465-484. Esta é uma versão revisada de um
    paper preparado para o seminário realizado pelo Ethikon Institute East-West sobre o tema "Capitalismo, socialismo ou economia mista?" (Ost-West Wirtschaftsakademie de Berlin, janeiro de 1991). Agradeço especialmente a Richard Arneson, Reuben Arpresian, Brian Barry, Samuel Brittan, Andres de Francisco, Gosta Esping-Andersen, Klaus Gottstein, Dan Hausman, Will Kymlicka, Andrew Levine, David Miller, Steven Lukes, Alessandra Pizzomo, Adam Przeworski, Zarko Puhoviski, John Roemer, Susan Strange e Eric Wright pelos seus comentários perspicazes e úteis, os quais nem todos poderiam ser levados em conta tanto quanto mereceriam na presente versão. Tradução de Álvaro de Vita.
    **
    N.T.: Em inglês, o termo
    libertarianism é empregado para se referir à vertente da filosofia moral e política liberal que advoga o mínimo possível, somente o necessário à garantia da ordem pública c dos contratos, de intervenção estatal nos mercados e nas escolhas individuais. O autor se apropria do termo para passar a idéia de que sua proposta realiza melhor os objetivos dos teóricos "libertarianos".
  • 1
    Essa concepção da renda básica como uma "via capitalista para o comunismo" é desenvolvida e discutida em Robert Van der Veen e Philippe van Parijs, "A Capitalist Road to Communism" (
    Theory and Society 15, 1986, pp. 635-55) e no simpó sio da
    Theory and Society sobre o tema. Este artigo foi republicado em Philippe Van Parijs,
    Marxism Recycled (Cambridge, Cambridge University Press, 1993). A justificação do capitalismo de renda básica apresentada a seguir está estreitamente relacionada, ainda que seja distinta, daquela que derivava dessa formulação anterior. Na introdução a Philippe Van Parijs (org.),
    Arguing for Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform (Londres, Verso, 1992), eu indico o que toma essa formulação menos adequada do que o "enfoque libertariano verdadeiro" que será rapidamente descrito adiante.
  • 2
    Faço isso, em certa medida, em "A Revolution in Class Theory" (
    Politics and Society 15, 1987), pp.453-82 e em "The Second Marriage of Justice and Efficiency" (
    Journal of Social Policy 19, 1990), pp. 1-25.
  • 3
    Em um livro que será publicado em 1995, intitulado
    Real Freedom fo All: What (If Anything) Can Justify Capitalism? (Oxford, Oxford University Press, 1995). Ver também Philippe Van Parijs, "Equal Endowments as Undominated Diversity?" (
    Recherces Economiques de Louvain 56, 1990, pp.327-55) e "Why Surfers Should Be Fed: The Liberal Case for Basic Income" (
    Philosophy and Public Affairs 20, 1991, pp.101-31).
  • 4
    Criminosos violentos e ladrões são um problema terrível para a liberdade, sobretudo dos que são mais vulneráveis. Mas um Estado policial ou uma pobreza abissal não são um custo que valha a pena pagar para se livrar deles todos.
  • 5
    Uma restrição leve pode ser caracterizada, por exemplo, como aquela com a qual todos concordariam levando em conta todos os fatos relevantes como adultos inteligentes e sensatos (isso pode se aplicar a restrições paternalistas), ou como aquela com a qual todos concordariam se ela pudesse constar de um contrato de seguro exigível (isso pode se aplicar à vacinação c à ajuda compulsórias). Mas o exemplo do voto obrigatória mostra que estou disposto a ir ainda mais longe.
  • 6
    Rawls, John.
    A Theory of Justice. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1971. Esta segue sendo a formulação mais completa dessa posição e é explícita acerca de cada uma dessas três características. De forma menos explícita, mas pertencendo ainda à mesma família estão Ronald Dworkin, "What is Equality? II. Equality of Resources" (
    Philosophy and Public Affairs 10, 1981, pp.283-345) e "Foundations of Liberal Equality",
    in G.B. Peterson (org.).
    The Tanner Lectures on Human Values (Salt Lake City, University of Utah Press, 1990), pp. 1-119; Amartya Sen,
    Commodities and Capabilities (Amsterdam, North Holland, 1985) e
    Inequality and Freedom (Oxford, Oxford University Press, 1990); G.A. Cohen, "On the Currency of Egalitarian Justice" (
    Ethics 99, 1989, pp.906-44) e "Equality of What? On Welfare, Goods, and Capabilities" (
    Recherches Economiques de Louvain 56, 1990, pp.357-89); e Richard Ameson, "Equality and Equal Opportunity for Welfare" (
    Philosophical Studies 56, 1989, pp.77-93, e "Liberalism, "Distributive Subjectivism, and Equal Opportunity for Welfare" (
    Philosophy and Public Affairs 19, 1990, pp. 158-94).
  • 7
    Ver, por exemplo, Friedrich Hayek,
    The Constitution of Liberty (Londres, Routledge & Kegan Paul, 1960), pp. 12-13 e p.137; James Buchanan, "The Ethical Limits of Taxation",
    in F.R. Forsund e S.Honkapohja (orgs.),
    The Ethical Limits of Taxation (Londres, Macmillan, 1985), pp.4-16; e James Buchanan e Loren Lomasky, "The Matrix of Contractarian Justice",
    in E.F. Paul, F.D. Miller e J, Paul (orgs.),
    Liberty and Equality (Oxford, Blackwell, 1985), pp. 12-32.
  • 8
    De forma menos precisa não somente porque o leximin não é exatamente o mesmo que o maximin, mas também porque o trabalho forçado é somente uma das formas, ainda que possivelmente a mais importante delas, pelas quais a elevação das rendas mais baixas poderia violar a liberdade formal. [N.T.: "maximin" refere-se aqui ao princípio rawlsiano de justiça que propõe a máxima elevação da posição mínima que seja compatível com o respeito aos direitos e liberdades civis e políticos.
  • 9
    Miller, Anne (org.).
    Proceedings of the First International Conference on Basic Income. Londres, Basic Income Research Group, 1988; Walter, Tony.
    Basic Income: Freedom from Poverty, Freedom from Work. Londres, Boyars, 1989; Jordan, Bill.
    The Common Good: Citizenship, Morality and Self-Respect. Oxford, Blackwell, 1989; Parker, Hermione.
    Instead of the Dole. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1989; Meade, James.
    Agatholopia: The Economics of Partnership. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1989; Van Trier, Walter (org.).
    Proceedings of the Second Conference on Basic Income. Londres, Basic Income Research Group, 1990; Brittan, Samuel e Webb, Steven.
    Beyond the Welfare State: A Examination of Basic Incomes in a Market Economy. Aberdeen, Aberdeen University Press, 1990; e Van Parijs (org.),
    op. cit., são alguns dos livros ingleses recentes discutindo esta proposta.
    O Bulletin do Basic Income Research Group (102 Pepys Road, London SE14 6SG) e o
    Newsletter do Basic Income European Network (21 Bosduifstraat, 2018, Antuerpia, Bélgica) acompanham os eventos e publicações relevantes em toda a Europa e em outras parles.
  • 10
    De outra parte, os defensores de um sistema incondicional desse tipo querem manter um seguro social adicional ou sistemas de compensação de deficiências físicas ou mentais que permaneçam condicionais em algum ou em todos esses aspectos. De fato, muitos deles querem manter (pelo menos enquanto a renda incondicional continuar relativamente baixa) um sistema complementar de renda mínima que permanece condicional em algum ou em todos esses aspecto.
  • 11
    Para uma discussão sobre um sistema desse tipo, ver Saverda, William. "Basisinkomen en inkomensverdeling".
    Tijdschrifinook Politeke Ekonomie 8, 1984, pp.9-41.
  • 12
    Somente sob a suposição (feita acima) de que nenhum controle é necessário por outras razões (por exemplo, para verificar a disposição de trabalhar). Se um controle desse tipo é necessário (e pode ser, mesmo por razões do libertarianismo real — ver abaixo), o argumento do custo administrativo pode tomar a direção inversa, e isso pode ser suficiente para justificar uma forma de renda mínima garantida baseada na verificação dos meios.
  • 13
    Estou deixando inteiramente de lado no momento o que considero ser a objeção mais seria a essa suposição, a saber, a objeção de que a renda básica mais elevada possível envolve um viés cm favor da liberdade de desfrutar do tempo livre à custa da liberdade de consumir. Discuto essa objeção detalhadamente, denominando-a "A objeção do Louco e do Preguiçoso", em "Why Surfers Should Be Fed: The Liberal Case for an Unconditional Basic Income" (
    Philosophy and Public Affairs 20, 1991, pp. 101 -31).
  • 14
    Van Parijs, "Equal Endowments",
    op. cit.; e, para discussões críticas desse enfoque, ver Amartya Sen, "Welfare, Freedom and Social Choice: A Reply" (
    Recherches Economiques de Louvain, 56, 1990), sec.3.1; e Richard Ameson, "Property Rights in Persons" (
    Social Philosophy and Policy, 9, 1991), sec.5.
  • 15
    Jay, Peter. "The Workers' Cooperative Economy".
    In Clayre, A. (org.).
    The Political Economy of Co-Operation and Participation. Oxford, Oxford University Press, 1977; Weitzman, Martin.
    The Share Economy: Conquering Stagflation. Cambridge-Mass., Harvard University Press, 1984.
  • 16
    Um exemplo típico é Wallich, Henry.
    The Cost of Freedom: A New Look on Capitalism. New York, Harper & Brothers, 1960.
  • 17
    E ainda mais rapidamente, talvez se queira acrescentar, do que o socialismo tal como aqui definido teria possibilitado. Pois, com certeza, a remoção de "leis antiparasitismo", a liberdade de escolha ocupacional, o direito de saída e outros correlatos à propriedade de si mesmo teriam obstaculizado ainda mais o potencial de crescimento das sociedades de propriedade pública existentes.
  • 18
    Considero isso o ponto central do enfoque exemplificado por Gerard Roland em
    Economie politique du systeme sovietique (Paris, L'Harmattan, 1989); ou por John Roemer em "'the Possibility of Market Socialism" (Department of Economics Working Paper no.357, Universidade da California, Davis, 1990).
  • 19
    Seguindo a definição de Adam Przeworski e Michael Wallerstein em "Popular Sovereignty, State Autonomy and Private Property" (
    Archives Européenes de sociologie 27, 1986, pp.215-59).
  • 20
    Uma versão desse argumento encontra-se no núcleo das críticas tanto de E.O.Wright em "Why Something Like Socialism Is Necessary for the Transition to Something Like Communism" (
    Theory and Society 15, 1986, pp.657-72), quanto nas de Gerard Roland em "Why Socialism Needs Basic Income, Why Basic Income Needs Socialism" (
    in Miller,
    op. cit.) à exeqüibilidade do capitalismo de renda básica.
  • 21
    A última seção de Van Parijs, "The Second Marriage", faz uma reconstrução racional de argumentos desse tipo, tais como exemplificados por Guy Standing, "Meshing Labour Flexibility with Security: An Answer to Mass Unemployment?" (
    International Labour Review 125, 1991, pp.87-106; em
    European Unemployment, Insecurity, and Flexibility: A Social Dividend Solution (Genebra, International Labour Office, 1989); por Bart Nooteboom, "Basic Income as a Basis for Small Business" (
    International Small Business Journal 5, 1986, pp. 10-18); ou por Meade,
    op. cit., sec.3.
  • 22
    Neste artigo tomo sociedades individuais, e não a comunidade mundial, como o âmbito ao qual o ponto de vista do verdadeiro libertarianismo se aplica. Deixarei de lado a seguinte objeção, apesar de ser da mais alta relevância, ao argumento que acabei de formular. Impedindo-se o capital de se mover a partes do mundo em que os trabalhadores estão menos protegidos do que estariam se tivessem uma renda básica — na medida em que eles estariam cm melhor situação no socialismo do que no capitalismo —, não se estaria impedindo-o de se mover, entre outras possibilidades, para os os países mais pobres? Justamente para os países em que, ainda que indiretamente, o capital ajudaria a melhorar as opções dos mais desafortunados, ou pelo menos de pessoas que estão em condições piores do que os pior situados dos países cujos cidadãos desfrutam de uma renda básica? O mesmo argumento que tomaria o socialismo superior quando o que está em questão é a liberdade real leximin intranacional, o tornaria pior em termos de liberdade real leximin internacional. Ver Brian Barry e Robert Gooding (orgs.)
    Free Movement: Ethical Issues in the Transnational Migration of People and Capital (Hemel-Hempstead, Harvester, 1992) para uma discussã o detalhada da relação problemática entre as exigências da justiça e as da (das restrições à) mobilidade transnacional.
  • 23
    Ver, por exemplo, Mickey Kaus, "For a New Equality" (
    The New Republic, 7 de maio de 1990), pp. 18-27, para um argumento no sentido de que muito do dramático aumento da desigualdade salarial nos Estados Unidos nos últimos vinte anos se deveu à pressão da crescente mobilidade.
  • 24
    Gunnar Adler-Karlson argumenta em "Towards a World Citizen Income" (1990), principalmente com base no fator mobilidade, que essa é a única possilidade realista, mas que exigiria, como uma contrapartida, uma efetiva limitação do crescimento populacional no Terceiro Mundo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 1994
    CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: luanova@cedec.org.br