Acessibilidade / Reportar erro

O direito à satisfação das necessidades

Human liberation and the right to need-satisfation

Resumos

Este artigo desenvolve uma estratégia argumentativa para justificar uma moralidade de satisfação das necessidades humanas. Se esperamos seriamente que outros assumam os deveres e responsabilidades morais que lhes atribuímos, então temos que provê-los dos recursos e das oportunidades necessários para tanto. Os autores avaliam a validade e o alcance desse argumento, tanto em um contexto intracultural quanto em um contexto intercultural.


A way of reasoning is suggested to justify a morality of human need satisfaction. If we seriously expect others to perform the moral duties and responsibilities that we believe they ought to, then we must provide them with the necessary resources and oportunities. The soundness and the scope of this argument are examined both for the case of members of the same culture and in an intercultural context.


CIDADANIA

O direito à satisfação das necessidades* * "Human Liberation and the Right to Need-Satisfaction". Tradução de Álvaro de Vita.

Human liberation and the right to need-satisfation

Len DoyalI; Ian GoughII

IProfessor de Ética Médica no St. Bartholomew's e no The London Hospital Medical College

IIProfessor da Universidade de Manchester

RESUMO

Este artigo desenvolve uma estratégia argumentativa para justificar uma moralidade de satisfação das necessidades humanas. Se esperamos seriamente que outros assumam os deveres e responsabilidades morais que lhes atribuímos, então temos que provê-los dos recursos e das oportunidades necessários para tanto. Os autores avaliam a validade e o alcance desse argumento, tanto em um contexto intracultural quanto em um contexto intercultural.

ABSTRACT

A way of reasoning is suggested to justify a morality of human need satisfaction. If we seriously expect others to perform the moral duties and responsibilities that we believe they ought to, then we must provide them with the necessary resources and oportunities. The soundness and the scope of this argument are examined both for the case of members of the same culture and in an intercultural context.

Argumentamos, em outra parte1 1 Doyal, Len e Gough, Ian. A Theory of Human Need. Londres, Macmillan, 1991. Cap. 4 e 5. , que a saúde e a autonomia, independentemente da cultura, são necessidades básicas de todos os seres humanos. Mostramos, além disso, que há condições sociais específicas à satisfação dessas duas necessidades. Mas agora temos que tratar da questão moral de se as necessidades das pessoas devem ser satisfeitas. Nem todos aceitam que temos a obrigação de ajudar aqueles que sofrem de grave privação. Sem uma teoria moral desse tipo, resta-nos pregar para os convertidos. Isso não é de modo algum uma tarefa sem sentido. Considerando-se as investidas do relativismo e os ataques debilitantes de defensores de formas um tanto grosseiras de individualismo — a ética do "me-now" — nos últimos anos, aqueles que acreditam em uma moralidade de satisfação de necessidades básicas precisam de todo apoio racional possível. Mas seus argumentos, se outros devem ser persuadidos, devem se situar em um contexto moral mais amplo. De outro modo por que seria de se esperar que esse outros passem do "ser" da privação para o "dever ser" da responsabilidade de fazer algo com respeito a ela?

Plant e Lesser delinearam uma resposta geral a essa questão que chama a atenção para o fato de que "aqueles que desenvolveram perspectivas morais que estabelecem certos fins como imperativos ou exigem que certos deveres sejam desempenhados, por mais diferentes que elas sejam, comprometem-se logicamente com uma concepção de necessidades básicas. Somente seres humanos agindo autonomamente podem atingir fins (por mais diferentes que sejam) e desempenhar deveres (por mais diversos que sejam); por essa razão, para qualquer visão moral ser coerente, é preciso que reconheça a preservação da vida humana e o desenvolvimento da autonomia como obrigações básicas"2 2 Plant, R., Lesser, H. e Taylor Gooby, P. Political Philosophy and Social Welfare. Londres, Routledge, 1980, p. 93. .

Este importante insight precisa ser mais explorado. Mais especificamente, o argumento deles se aplica somente à obrigação de satisfazer as necessidades básicas minimamente, ou ele pode ser estendido para níveis mais elevados e mesmo máximos de satisfação de necessidades? Plant et al. sustentam que o nível de satisfação em questão deverá se tornar objeto de controvérsia normativa, mas isso não torna a concepção como um todo mal sucedida. Entretanto, a menos que se possa mostrar que os indivíduos têm direito a mais do que um mero mínimo de satisfação de necessidades, um resultado malogrado torna-se provável. Mas se estamos obrigados a satisfazer as necessidades em um nível superior ao mínimo, teriam todos o direito a um nível igual de satisfação — inclusive estranhos ou inimigos? Se tiverem, como isso pode ser realizado considerando-se o background de recursos escassos e a capacidade limitada dos sistemas econômicos de redistribuí-los? Se há a obrigação moral de praticar a caridade, isso não deveria começar em casa? A moralidade da satisfação de necessidades, e em que medida satisfazê-las, é o tema deste artigo.

DEVERES, DIREITOS E RECIPROCIDADE MORAL

Ser uma pessoa, e não somente um corpo vivo ou um animal, implica mais do que a consciência e a capacidade de formular e de comunicar objetivos e crenças. O indivíduo deve ser também portador de responsabilidades. Como argumentaram de forma tão enérgica teóricos como Rousseau e Durkheim, a própria existência da vida social depende do reconhecimento de deveres para com outros — do reconhecimento de que na interação com outros há coisas que se deve e que não se deve fazer. Quaisquer que sejam seus conteúdos específicos, as estruturas normativas de culturas particulares seriam ininteligíveis não fosse a suposição de que seus membros podem aceitar responsabilidades para com outros.

A responsabilidade moral não é necessária apenas à vida social; o mesmo vale para o êxito de nossa participação individual nela. A não ser que por razões fortuitas tenhamos a capacidade de impor nossa vontade a outros, o êxito social depende de nossa capacidade de compreender quais são nossas responsabilidades morais e de agir de acordo com elas. De fato, é a existência de tal consciência moral em nós mesmos que constitui a base do dilema central da existência individual: saber qual é a coisa certa a fazer nas circunstâncias em que nos encontramos. As obrigações que as responsabilidades morais implicam são tão reais em nossas vidas sociais como nosso ambiente natural. Por exemplo, uma afirmação com o sentido de que alguém está agindo de acordo com um dever específico tem condições empíricas sob as quais será verdadeira da mesma forma que proposições descritivas sobre o mundo natural.3 3 Platts, M. Ways of Meaning. Londres, Routeledge, 1979, p.243; Arlington, R. Rationalism, Realism and Relativism. Ithaca, Cornell University Press, 1989, cap.4.

A realidade dos deveres evidentemente implica a realidade de direitos — a titularidade de um grupo de indivíduos àquilo que precisam para desempenhar as obrigações que eles e outros acreditam que os primeiros tenham. Entretanto, a relação lógica entre direitos e deveres é altamente complexa.4 4 As pessoas que contraem a obrigação de fazer algo não necessariamente têm o direito de fazê-lo (por exemplo, o pistoleiro contratado). Além disso, não há direitos envolvidos quando os indivíduos têm um dever (por exemplo, tentar fugir quando se é prisioneiro de guerra) que não se relaciona a ninguém em particular. E por fim, mesmo quando se tem um dever para com alguém em particular, é preciso que seja moralmente obrigatório — um dever estrito ou "perfeito" no sentido de Mill — para carregar consigo uma titularidade específica. Podemos ter um dever moralmente mais fraco de ser caridoso sem que isso implique um direito à caridade. White. A. Rights. Oxford, Oxford University Press, 1984, pp.60-1. Por isso, argumentaremos que os deveres somente implicam direitos contra o pano de fundo de uma rede já existente de crenças morais que especifiquem claramente as condições dessa derivação. Como diz White: "os diferentes direitos e deveres do marido e da mulher, da criança e dos pais, do empregador e do empregado, das diferentes posições em uma instituição, etc., não surgem mutuamente uns dos outros e sim conjuntamente de um sistema comum do qual todos [os direitos e deveres] fazem parte"5 5 Ibid., p.70. . Assim, por exemplo, se o "sistema comum" determina que você tem o dever de dizer a verdade, então pode-se dizer que outros têm o direito a que ela lhes seja dita. E o mesmo vale para você. É nesse sentido que direitos e deveres são recíprocos e que os direitos que realmente constituem titularidades implicam deveres correspondentes aos quais algum indivíduo ou grupo é capaz de se conformar. É também por isso que os indivíduos que se recusam a agir de acordo com essa reciprocidade (criminosos, por exemplo) podem perder titularidades que outros não perdem.6 6 White, op. cit., argumenta que é possível ter direitos sem que os deveres correspondentes existam. Entretanto, seus exemplos sempre pressupõem a existência de algum dever correspondente, ainda que não o que é ostensivamente implicado pelo direito em questão — o direito a um segundo lançamento em um jogo [por exemplo, de críquete], de criticar as ações de outros ou de "olhar para o meu vizinho através de nossa cerca comum". Dito isso, concordamos com seu ponto de vista de que é equivocado conceituar a relação entre deveres e direitos de forma puramente lógica. É muito melhor entender a existência de deveres estritos e dos direitos correlates como a evidência empírica mais importante da seriedade da crença e do compromisso morais. Ver Renteln, A. International Human Riglits: Universalism versus Relativism. Londres, Sage, 1990, pp.41-5. Para uma boa introdução à literatura analítica sobre a relação entre direitos, deveres e cultura, ver Waldron, J. (org.). Rights Theories. Oxford, Oxford University Press, 1984, pp. 1-20. Novamente, é afinal essa capacidade de reconhecer e de exercitar tal reciprocidade o que torna a vida social possível.

Tendo-se isso em mente, trataremos da questão da moralidade da satisfação de necessidades em duas etapas: primeiro, o direito a uma satisfação mínima e, em seguida, o direito a um nível "ótimo" de satisfação de necessidades. Em cada uma das etapas, distinguiremos entre os direitos e deveres daqueles que compartilham da mesma cultura e dos deveres e direitos de todos independentemente de cultura.

A SATISFAÇÃO MÍNIMA DE NECESSIDADES EM UMA MESMA CULTURA

Iniciemos com o caso de um indivíduo A que acredita ter um dever de algum tipo para com outros de um grupo B, que esperam que ele aja de acordo com seu dever. Suponha também que A está consciente dela e aceita a legitimidade dessa expectativa. O grupo em questão poderia ser uma pequena comunidade de relações pessoais e diretas ou uma grande coletividade anônima. Mas qualquer que seja seu tamanho e independentemente de quão bem seus membros se conheçam, se A e os membros de B acreditam que A deva cumprir com seu dever, isso pressupõe que também acreditem que A está capacitado a fazê-lo. Em outras palavras, "dever" [ought] implica "ser capaz de" [can]. Gewirth argumenta da seguinte maneira:

"A proposição primeira de X concernente a "ter o dever de" já o compromete logicamente com a aceitação da responsabilidade positiva de ajudar outras pessoas. Pois suponha que é impossível X fazer z sem que outros homens provenham os diferentes tipos de condições ou serviços essenciais, que denominarei p. Por isso, quando X diz 'eu devo fazer z', ele precisa aceitar também a proposição 'outros homens devem fazer p'. Pois como "dever" implica "ser capaz de", se é correto que os outros homens não façam p, sem o que X não é capaz de fazer z, então é falso que X deva fazer z. Dizendo isso de uma outra forma, se uma pessoa aprova um determinado fim, então é preciso que ela também aprove, pelo menos prima facie e na ausência de considerações em contrário de mais peso, os meios necessários a esse fim."7 7 Gewirth, A. Human Rights. Chicago, University of Chicago Press, 1982, p.94; Weale, A. Political Theory and Social Policy. Londres, Macmillan, 1983, pp.37-47.

Portanto, a atribuição de um dever — e para que o dever seja inteligível como tal tanto para aqueles que o aceitam como para os que o prescrevem — precisa ser acompanhada da crença de que o sujeito do dever tem direito ao nível de satisfação de suas necessidades necessário a que ele aja em conformidade com esse dever.

Assim, A precisa acreditar que tem o direito a tal satisfação se, digamos, repentinamente se empobrece e os membros de B esperam que continue cumprindo os deveres que cumpria antes. Pois se não contar com pelo menos níveis mínimos de satisfação de suas necessidades, A não será capaz de absolutamente nada, incluindo os atos que são esperados dele particularmente. E o mesmo se aplica àqueles que acreditam que têm um direito às ações de A. Eles também precisam aceitar que, a menos que as necessidades básicas de A sejam minimamente satisfeitas, A será incapaz de fazer o que esperam dele. Portanto, A tem um direito a uma satisfação tal que corresponda à seriedade com que aqueles consideram seu dever e esperam que o cumpra. E o inverso também se sustenta.8 8 Jones, P. "Universal and particular claims: from welfare rights to welfare states". In Ware, A. e Goodin, R. (orgs.). Needs and Welfare. Londres, Sage, 1990, pp.44-6. Harris rejeita essa visão argumentando que podemos muito bem acreditar que A tem um dever de fazer Y (pagar uma dívida, por exemplo) sem que imputemos a ninguém a obrigação de prover A dos meios (de emprestar o dinheiro, por exemplo) para fazê-lo e sem que exista, portanto, nenhum direito a esses meios. Harris, D. Justifying Welfare State. Oxford, Blackwell, 1987, pp. 137-8. Seu argumento, contudo, não é convincente. Se realmente acreditamos que A tem um dever específico (no caso, o de pagar uma dívida), que ele o fará se puder, e que unicamente nós podemos provê-lo dos meios para fazê-lo, então estamos similarmente obrigados a emprestar-lhe o dinheiro.

É claro que a aceitação de um direito desse tipo não determina precisamente como ele deve ser respeitado em circunstâncias específicas. Os membros de B podem aceitar, por exemplo, que A tem um direito a um nível mínimo de satisfação de necessidades sem aceitar que eles tenham o correspondente dever de provê-lo diretamente. É o que provavelmente ocorrerá se, digamos, houver agências de bem-estar que tenham a responsabilidade institucional de satisfazer necessidades. Mas lembre-se: alguém ou algum grupo precisa aceitar o dever de agir em benefício de A, se é que é para seu direito ter substância. Por essa razão, os membros de B não tem como escapar da responsabilidade de pelo menos contribuir para a satisfação mínima das necessidades de A — desde que uma agência exista para esse fim, que de outra forma a satisfação mínima das necessidades de A não ocorrerá e que os membros de B continuam a considerar que A têm deveres para com eles. Tal assistência pode assumir tanto a forma de um apoio direto, pelo fornecimento a A dos bens e serviços que necessita (ou do dinheiro para adquiri-los), como a um de apoio indireto, pelo financiamento de qualquer que seja a agência de bem-estar que se encarregue dessa tarefa. 9 9 Goodin, R. Protecting the Vulnerable. Chicago, University of Chicago Press, 1985, pp. 151-3.

À parte um apoio positivo como esse, a outra coisa que A pode esperar moralmente dos membros de B é a "abstenção" (forbearance) — i.e., que a liberdade negativa de A também será respeitada e que eles não agirão de formas que diretamente impeçam A de cumprir seu dever. Isso seria tão destituído de sentido como seria se A tentasse impedir os membros de B de cumprirem o dever que têm com ele mesmo.10 10 Gewirth, A. Reason and Morality. Chicago, University of Chicago Press, 1978, pp.249-50. Note a diferença, entretanto, entre essa ênfase no direito à abstenção e uma perspectiva libertariana como a de Nozick. Este último conceitua os direitos de uma forma fundamentalmente a-social, que consiste em conferir titularidades aos indivíduos com base em sua "inviolabilidade". De acordo com essa perspectiva, temos o direito de fazer o que queremos, desde que isso não impeça nenhum outro de fazer o mesmo. Nossa visão, diversamente, é a de que precisamos ter o direito de fazer o que outros acreditam que deveríamos, desde que eles levem suas próprias expectativas a sério. O dever que têm de autocontrole é essencialmente social e deriva da adesão deles a um dado conjunto de crenças morais.

De forma geral, portanto, na medida em que A e os membros de B compartilham de uma relação moral do tipo que foi delineada, então eles devem ser vistos como iguais. Esta igualdade nada tem a ver com as quantidades relativas de suas posses materiais. Ela reflete, ao invés disso, a premissa de que níveis iguais de satisfação de necessidades resulta em um potencial igual para assumir deveres morais compartilhados — para alcançar uma dignidade igual na busca social de objetivos individuais. Quando isso não ocorre, os despossuídos sofrem não porque eles têm menos do que outros e sim porque eles são menos capazes de participar de sua respectiva forma de vida. É o bloqueio capacidade de agir, e não a desigualdade em si mesma, que deveria ser o foco de nossa preocupação moral.11 11 Ibid., pp. 206-9; Raz, J. The Morality of Freedom. Oxford, Oxford University Press, 1986, pp.227-40.

Até aqui, dirigimos nosso argumento em favor da existência de um direito à satisfação mínima de necessidades aos indivíduos que acreditam estar vinculados por deveres morais recíprocos. Tendo-se em mente os perigos de imputar demasiada uniformidade conceituai no processo, a seguir generalizamos isso para todos os membros que compartilham uma mesma cultura — uma visão normativa comum do bem. Os códigos morais — os sistemas de normas que estabelecem que atos devem ser vistos como certos e errados — provêem boa parte do cimento social que une os indivíduos em um consenso sobre quem tem direito a que e quem é responsável pelo quê. A característica crucial desses imperativos morais é nossa disposição de atribuir qualidades boas ou ruins aos indivíduos com base em até que ponto eles pelo menos tentam agir de acordo com as normas prescritas (pelos imperativos). Wiggens exprime bem a idéia:

"Não é qualquer velha coleção de princípios abstratos que constitui... uma moralidade social. Isto é algo que existe somente na medida em que se realiza ou se corporifíca (ou é capaz de se realizar ou de se corporificar) em uma sensibilidade compartilhada, e nos mores e nas instituições historicamente dados que, por sua vez, são eles próprios perpetuados por essa moralidade. É somente em razão de participar de tal moralidade que pessoas comuns, tais como efetivamente são constituídas, tornam-se capazes de se envolver com preocupações e objetivos comuns, que então podem assumir uma vida própria e serem percebidos como valores sagrados que desfrutam do que Hume chamou por vezes de 'beleza moral'."12 12 Wiggens, Claims of Need. In Honderich, T. (org.). Morality and Objectivity. Londres, Routledge, 1985, pp.170-1.

Em outras palavras, a própria virtude em parte envolve a conformidade aos direitos e deveres que estipulam o que significa ser um membro de uma "moralidade social" oude uma cultura desse tipo, qualquer que seja o papel que nela se desempenhe. Note que conceituar a virtude nesses termos tem fundamento nas teorias éticas da Grécia clássica, sobretudo na de Aristóteles. "Ser um homem bom, para qualquer visão grega, era algo que no mínimo estava intimamente vinculado a ser um bom cidadão."13 13 MacIntyre, A. After Virtue. Londres, Duckworth, 1985, p.135. A despeito de boa parte da teoria moral posterior — da "consciência infeliz" do agostiniano em diante, até a busca individual de satisfação de preferências apregoada pelos diferentes tipos de egoísmo — ter divergido dessa ênfase na participação social bem-sucedida em uma forma consensual de vida, a importância ética do dever do indivíduo para com a coletividade permaneceu sempre implícita nas doutrinas defendidas. Nessa medida, como a corporificação social da correção moral, a adesão às normas de . participação em uma comunidade é um fio tecido por visões do bem que em outros aspectos são divergentes. Não é acidental, por exemplo, que A cidade de Deus de Agostinho tenha implicações para a organização social no aqui e agora, e que mesmo o liberalismo clássico pressupõe implicitamente um ideal de comunidade caracterizado pelo respeito à lei e pela participação no mercado competitivo, um ideal em que, digamos, a clássica virtude grega da coragem tem uma óbvia relevância. O flerte de MacIntyre com o relativismo, em um livro [After Virtue] que à parte isso é um tour de force de erudição histórica e de argumentação filosófica, o levou a negligenciar o potencial que esses vínculos conceituais oferecem para alguma comensurabilidade entre diferentes tradições morais.

Mas pelas mesmas razões que apontamos acima, condenar ou punir um indivíduo por não ser virtuoso, ou enaltecer e premiar um outro pela razão oposta, pressupõe que a escolha de uma coisa ou outra exista — que eles poderiam ter agido diferentemente. Disso deve se seguir que uma pré-condição para condenar quaisquer pessoas por agir imoralmente em uma dada cultura, e para esperar que elas mudem sua conduta no futuro, é o respeito ao direito que têm ao nível mínimo de satisfação de necessidades que lhes permita agir moralmente. Por isso, é contraditório considerar alguém que supomos compartilhar nossa visão do bem como capaz de se aperfeiçoar da forma como acreditamos que deveria, e ainda assim não ajudá-la a obter pelo menos os recursos mínimos necessários para fazer exatamente isso.

OS "ESTRANHOS" DE OUTRAS CULTURAS

Mas nosso sentido de imperativo moral se aplica somente aos membros de nossa própria cultura? Evidentemente que não. Seria absurdo superestimar a capacidade de organizações como a Oxfam e a War on Want de solucionar o problema da pobreza extrema no Terceiro Mundo, ou de erradicar as condições políticas ou econômicas que a causam, mas elas conferem um sentido muito forte ao direito à ajuda, por parte dos que sofrem, e ao dever de prestar auxílio, por parte dos que não sofrem. Esses sentimentos refletem uma aplicação implícita dos argumentos desenvolvidos acima a todas as pessoas em toda parte. E é justificável que seja assim. Pois os imperativos morais não conhecem fronteiras nacionais — desde que aqueles que proclamem sua crença no bem realmente acreditem nisso.

Para considerar um exemplo típico, se acreditamos que as pessoas não devem ser mortas devido a suas crenças, ou em razão do que escrevem ou publicam sobre essas crenças, então identificamos essa posição como um aspecto do que consideramos ser o bem moral. É o status categórico deste princípio que nos leva a condenar quem quer que o viole, seja um membro de nossa própria cultura ou de uma outra que exprima valores morais contrastantes. Mas dizer de pessoas de outra cultura — "em minha opinião, você deveria agir de outra forma" — novamente pressupõe que elas sejam capazes disso e que tenham o direito à satisfação mínima de necessidades no grau em que sejamos capazes de garanti-la. Assim, ao vermos uma mãe faminta de outra sociedade tentando inutilmente alimentar sua criança, isso nos leva à conclusão de que essa mãe deve ser melhor capacitada a cumprir quaisquer dos deveres para com seu filho que lhe atribuímos. Já que lhe imputamos esses deveres, assumimos a obrigação de tentar ajudar de alguma forma. A resposta genérica de que "alguma coisa deve ser feita" para satisfazer as necessidades mínimas mesmo daqueles que pertencem a culturas radicalmente diversas, deve-se em parte ao fato de que eles se apresentam como um espelho terrível, no qual se vêem refletidos os que vivem em países mais confortáveis — sabendo estes últimos que deveriam agir de alguma maneira, mas encontrando-se demasiadamente incapacitados para fazê-lo. Para se valer da imagem de Shakespeare, eles vêem "o pântano" e eles próprios como "o pobre animal exposto e enforquilhado", que nele encontra-se desprotegido.14 14 Ignatieff, M. The Needs of Strangers. Londres, Chatto and Windus, 1984, pp.38-44.

A força moral do argumento que esboçamos acima não depende de aceitarmos os objetivos morais dos estranhos aos quais atribuímos o direito à satisfação de necessidades. O valor que imputamos a esse direito variará proporcionalmente ao valor que percebemos em nossa própria concepção do bem, a qual devemos querer, para que seja consistente, que se torne um fim que todos busquem realizar e, por isso, que todos sejam capazes de fazê-lo. Isso contradiz o argumento de Goodin de que "somente mostrar que algo é pressuposto pela moralidade não basta para mostrar que isso é necessariamente desejável do ponto de vista moral".15 15 Goodin, R. Reasons for Welfare. Princeton University Press, 1989, p.49. Pois se uma determinada coisa é considerada moralmente desejável — em contraste com a moralidade em si mesma — então a natureza moralmente desejável da satisfação de necessidades necessariamente se segue pelas razões apontadas.

Muitos de nós percebem que teríamos direito de contar com ajuda, e que reciprocamente garantiríamos a outros o mesmo direito, em circunstâncias de necessidade extrema. Mesmo aqueles que não reagiriam assim, normalmente se vêem obrigados a procurar alguma justificativa para rejeitar direitos universais à satisfação mínima de necessidades. À parte as doutrinas racistas que proclamam que alguns membros da homo sapiens não são plenamente humanos, a justificação mais comum para não conceder uma ajuda mínima a estranhos é a de que isso, de uma forma ou de outra, comprometeria a capacidade deles cuidarem de si próprios. Hardin, por exemplo, argumenta que:

"Se os países pobres não receberem ajuda em alimentos de fora, a taxa de seu crescimento [populacional] será periodicamente controlada por quebras nas colheitas e por surtos de fome. Mas se eles sempre puderem se apoiar em um banco mundial de alimentos em caso de necessidade, suas populações continuarão a crescer descontroladamente, e o mesmo ocorrerá com sua 'necessidade' por alimentos. A curto prazo um banco desse tipo pode diminuir até essa necessidade, mas a longo prazo ele a aumentará de forma ilimitada."16 16 Hardin, G. "Lifeboat ethics: the case against helping the poor". In Aiken, W. e LaFollette, H. (orgs.). World Hunger and Moral Obligation . Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall, 1977, p.17.

Enquanto o foco se mantiver em necessidades básicas mínimas, entretanto, esses argumentos são inconsistentes. São argumentos que pressupõem que os agentes que sofrem de necessidade extrema devem fazer algo com respeito a isso, e no entanto lhes negam o acesso à saúde e à autonomia mínimas indispensáveis a que o façam.17 17 O'Neill, O. Faces of Hunger. Londres, Allen and Unwin, 1986, cap.4.

Não estamos, portanto, sugerindo que qualquer um precisa aceitar que todos os seres humanos têm o direito à satisfação mínima de necessidades. E nem que qualquer um está obrigado a reconhecer que é um dever seu fazer o que é possível para garantir essa satisfação mínima a outros. A inflição de sofrimento é e sempre foi uma característica da irracionalidade humana individual e coletiva. E por "irracionalidade" não queremos, é claro, denotar a inexistência de "benefício instrumental". Colocando-se a moralidade de lado, será sempre do interesse imediato de alguém explorar outros ao ponto do desespero e da morte. Entretanto, o fato é que há ampla rejeição a essa forma extrema de egoísmo. Há uma crença quase universal de que é moralmente errado não se fazer nada, quando algo pode ser feito, para ajudar uma pessoa em necessidade extrema. De outra forma, seria inexplicável a repulsa geral pelo genocídio. Seria igualmente difícil de entender a inquietação de muitos filósofos e teóricos sociais diante de formas de utilitarismo que vão em socorro de maiorias que desejam infligir pesadas privações a uma minoria. É precisamente para lidar com esses problemas que Hume incorporou o apelo a uma "compaixão" moral universal em sua versão mais sofisticada de egoísmo. Apelos semelhantes ao universalismo também caracterizam a revivescência recente do naturalismo na teoria moral.18 18 Norman, R. The Moral Philosophers. Oxford, Clarendon, 1983, cap. 5 e 11.

Em outras palavras, um consenso moral de algum tipo com respeito à satisfação mínima de necessidades, que enfatiza a injustiça de determinadas pessoas não serem capazes de participar de sua cultura ou de desenvolver sua individualidade, vem se verificando há algum tempo. Isso explica, entre outras coisas, a popularidade duradoura da retórica da justiça e da igualdade mesmo em regimes políticos opressivos. O vínculo entre a necessidade extrema e a titularidade de direitos é poderoso e encontra apoio tanto na razão quanto no sentimento.

A SATISFAÇÃO "ÓTIMA" DE NECESSIDADES EM UMA MESMA CULTURA

Até aqui o argumento justificou os direitos de todos os povos e pessoas à satisfação mínima de suas necessidades básicas. Mas não ofereceu uma justificação para nada mais do que a eliminação do sofrimento brutal, ou para nada mais do que capacitar as pessoas a sobreviverem. Agora vamos estender o argumento para níveis mais elevados de satisfação de necessidades, até que níveis "ótimos" sejam incluídos.

Desempenhar a contento as próprias obrigações na vida pública e privada normalmente envolve muito mais do que a amplitude mínima de ação que um nível mínimo de satisfação de necessidades torna possível. Haverá sempre alguns objetivos que os indivíduos levam muito a sério e que eles acreditam que têm o dever de realizar da melhor forma de que sejam capazes. São os objetivos que eles vêem como centrais na condução de suas vidas, e do êxito da realização de tais objetivos dependerá até que ponto eles perceberão a si próprios, e serão percebidos por outros, como pessoas de um elevado caráter moral. Objetivos pessoais desse tipo são informados por valores culturais — os tipos e os níveis de desempenho esperados por aqueles em relação aos quais aceitam-se obrigações morais. Dessa forma, os esforços para alcançar a excelência são simbólicos do compromisso com uma forma específica de vida e por isso com uma determinada visão do bem. O grau de tal compromisso será afinal julgado por outros que compartilham os mesmos valores. Em situações assim, esperar menos de nós mesmos do que o melhor que podemos, ou acreditar que menos do que isso seria aceitável por aqueles com que estamos obrigados, coloca em questão o nosso compromisso e o deles com o bem compartilhado que informa nossa ação. Isso significaria que não há realmente uma crença de que o bem seja mesmo tão bom assim.

Se, no entanto, concordamos que aqueles que estão comprometidos com a mesma moralidade tem o dever de dar o melhor de si — para ser bom nos termos dessa moralidade — então isso nos compromete com uma outra crença: o direito das pessoas em questão aos bens e serviços indispensáveis a que seus esforços sejam uma possibilidade realística. É inconsistente esperarmos que os outros devem dar o melhor de si e a ao mesmo tempo acreditarmos que eles não devem ter os recursos para poder fazê-lo — a satisfação ótima em contraste com a satisfação mínima de necessidades básicas. E, é claro, o mesmo se aplica a nós mesmos. Essa conclusão só não se segue se acreditarmos que, permanecendo constantes as outras condições, menos que o esforço máximo for compatível com a busca do bem.

Mas, outra vez, o que significaria "o bem" nesse caso? Se realmente levamos nossas crenças morais a sério, então só nos resta a opção de levar igualmente a sério a titularidade de outros membros de nossa comunidade a tudo aquilo que otimizará a capacidade para a ação moral. Como no caso da satisfação mínima de necessidades, isso implica duas coisas: negativamente, não impedirmos as pessoas de tentarem fazer o melhor que podem, e positivamente, fazermos o que é possível para garantir o acesso aos mesmos níveis de satisfação de necessidades que pleiteamos para nossa própria busca da virtude moral. Todos os outros membros de nossa própria cultura que levam a sério sua moralidade, incorrem nos mesmos deveres em relação a nós e pelas mesmas razões.19 19 Gewirth, op.cit., pp.240-8

É claro que o é que percebido como "fazer o melhor" e "ótimo" nos termos acima varia conforme a cultura, dependendo do código moral e dos recursos disponíveis para a satisfação de necessidades em cada uma delas. Portanto, quando utilizamos o termo "ótimo", obviamente não estamos sustentando que aqueles que compartilham valores morais têm um direito a tudo que presumivelmente possa reforçar sua busca de excelência moral. Uma vez que o escopo desses meios de satisfação é potencialmente infinito, nenhum indivíduo ou grupo na cultura em questão poderia assumir o dever correlato de provê-los, e sem um dever como esse não pode haver um direito identificável. O que sugerimos é que os membros de culturas específicas já dispõem de idéias razoavelmente claras sobre a que corresponde na prática "fazer o melhor possível". Isso estará relacionado a modelos do que indivíduos comuns podem esperar realizar se derem o máximo de sua capacidade, juntamente com teorias sobre os níveis de saúde, de aprendizado e de segurança emocional que normalmente estão associados a um tal esforço. Para ser consistente, portanto, o compromisso com uma visão do bem deve estar vinculado ao melhor entendimento disponível na cultura em questão sobre o que é necessário ao esforço individual ótimo. A consistência também exige que se propicie a todo aquele de quem se espera que faça o melhor — e que é encorajado a tentar fazê-lo — uma parcela eqüitativa dos recursos disponíveis, para que esse esforço seja uma possibilidade real.

Mas "eqüitativo" em que sentido? Até aqui mostramos que todos os indivíduos que fazem parte de uma mesma ordem moral têm um direito igual á satisfação ótima de necessidades, e uma pretensão igual aos recursos necessários para realizar esse fim. Isso não seria um problema, digamos, em uma imaginária ilha de abundância. Não havendo escassez, como disse Hume, "jamais se teria nem mesmo sonhado um dia com a invejosa virtude da justiça"20 20 Hume, David. Enquiries. Oxford, Oxford University Press, 1963, p. 184. . Mas se muitos dos bens e serviços dessa ilha repentinamente deixam de estar disponíveis — devido, suponhamos, a um desastre natural —, então em razão disso a satisfação de necessidades terá que ser reduzida. Permanecendo constantes todas as demais variáveis, isso terá os mesmo efeitos básicos sobre todos aqueles cujas necessidades devem ter sido satisfeitas em um nível ótimo quando não havia escassez. As taxas de mortalidade e de morbidade, por exemplo, se elevarão e o acesso à educação e ao atendimento psicológico declinarão de forma proporcional ao grau e ao tipo de escassez envolvida. Mesmo nessas circunstâncias, entretanto, o direito do indivíduo a uma satisfação igual e ótima de necessidades permanece tão forte quanto antes, e prevalece sobre direitos à satisfação de preferências. Uma vez que esse nível praticável de igualdade de satisfação de necessidades foi atingido, não há nada em nosso argumento até o momento que determine como quaisquer excedentes remanescentes devam ser distribuídos.

É esse tipo de argumento — fundado tanto na titularidade moral como na eficácia pragmática — que encontra-se por trás de políticas sociais que advogam o acesso igual a níveis elevados de atendimento da saúde e de outros serviços de bem-estar. Sobretudo em uma economia e em uma cultura competitivas, é irracional exortar os mais pobres a fazerem o melhor que podem para se virarem sem que lhes seja provida a satisfação de necessidades que eles precisam para fazer isso.

Infelizmente, um igualitarismo qualificado desse tipo não se faz mais presente hoje do que ao longo de toda a história humana. Em todas as sociedades, os conflitos de interesse se manifestam e aqueles que detêm o poder e os privilégios normalmente lutam ferozmente para defender os níveis elevados de satisfação tanto de suas necessidades como de seus desejos, independentemente das conseqüências danosas causadas a outros com quem dizem compartilhar os mesmos valores. Conhecemos as formas pelas quais os poderosos tentam legitimar suas vantagens. Contudo, como Hegel esclareceu em sua análise da relação entre o senhor e o escravo, se dominamos outros a tal ponto que a contribuição deles ao nosso desenvolvimento pessoal é desvalorizada no processo, então o preço da contradição resultante por fim terá que ser pago.21 21 Hegel, G.W.F. Phenomenology of Spirit. Tradução de A. Miller. Oxford, Oxford University Press, 1977, pp. 104-11. Em termos gerais, esse preço pode assumir duas formas. Primeiro, a busca do ganho de curto prazo pode ameaçar a "acumulação" do sistema: por exemplo, a atual vulnerabilidade econômica da Grã-Bretanha deve-se em parte à falta de investimento na educação da força de trabalho do país.22 22 Finegold, D. e Soskice, D. "The failure of training in Britain: analysis and prescription". Oxford Review of Economic Policy 4, no.3, 1988. Segundo, a dominação injusta ameaça a "legitimação" do sistema — algum tipo de afirmação crível por parte dos que são dominados de que aceitam a legitimidade da sua dominação e a dos que dominam. Qualquer que seja a afirmação que realmente façam, isso não será convincente se sua saúde e sua autonomia encontram-se debilitadas. Ambos os custos potenciais constituem parte da explicação do desenvolvimento dos welfare states ocidentais.23 23 Gough, I. The Political Economy of the Welfare State. Londres, Macmillan, 1979, cap. 3-4.

O compromisso com uma concepção do bem compartilhada com outros — incluindo até mesmo o suposto bem do próprio capitalismo — implica, portanto, o compromisso com o direito de todos de tentar realizar esse bem com a mesma seriedade que reservamos a nós mesmos. Negar isso aos outros pode levar à felicidade subjetiva momentânea mas é inconsistente tanto com a virtude moral quanto com qualquer teoria coerente de justiça social. Não há dúvida que muitos em posição de poder ignorarão esse conselho e continuarão a encher seus bolsos na expectativa de que jamais terão que pagar o custo de longo prazo. Enquanto indivíduos, eles podem ter sorte mas isso não os torna corretos. Pode-se levar um cavalo às águas da razão, mas é certo que não se pode fazê-lo beber delas!24 24 Gewirth, op. cit., p.190-8.

O DIREITO DE ESTRANGEIROS A UMA SATISFAÇÃO ÓTIMA DE NECESSIDADES

Vimos até aqui como um compromisso coletivo com uma visão do bem e com um sistema de direitos e deveres a ela associada deve ter por conseqüência um compromisso coletivo com a satisfação ótima de necessidades. Mas e o que dizer da justiça social entre aqueles que não compartilham da mesmo sistema de valores morais?

A medida de nosso compromisso moral é nossa disposição de levar a sério seu caráter categórico — sua aplicabilidade a todos e não somente àqueles com os quais já estamos de acordo. Se nosso bem é o bem, então precisamos acreditar que todos os indivíduos devem fazer o melhor possível para agir em conformidade com ele — independentemente de seus próprios valores morais. Se acreditamos que a excisão do clitóris é uma afronta a todas as mulheres, ou que o isolamento de pessoas idosas é ultrajante, então essas práticas devem ser moralmente condenadas — qualquer que seja a justificação invocada por seus participantes. Entretanto, se acreditamos que outros devem fazer o melhor que podem de acordo com os termos do nosso bem, então é preciso que aceitemos que eles também têm o direito de tentar fazê-lo. Mas para que essa prescrição não seja mais do que uma abstração vazia, também é preciso que eles tenham o direito a ter acesso àquelas condições que tornam uma escolha como essa uma real possibilidade física, emocional e intelectual: o direito a uma satisfação ótima de necessidades. Em verdade, considerando as enormes dificuldades intelectuais e emocionais para passar de uma moralidade a outra, deveríamos desejar que nossos oponentes morais se encontrassem em tão boa forma quanto possível.

Assim, a consistência exige que apoiemos o direito a uma satisfação ótima de necessidades por parte de estranhos cujas convicções morais desconhecemos, proporcionalmente a nosso compromisso com a verdade e a superioridade de nossa visão do bem. Ser vitorioso em intimidar os fracos e débeis é moralmente ruinoso. Assim como o escravo, mesmo quando dizem estar de acordo, nunca se pode ter certeza de que realmente o estejam. Se a preocupação com a virtude, em face do que se acredita ser uma barbaridade, leva à repressão das próprias pré-condições à busca ótima da virtude — a satisfação das necessidades de todos que, quaisquer que sejam suas crenças presentes, são potencialmente virtuosos —, então a dócil conformidade de ação resultante torna-se uma forma de escravidão intelectual e emocional. Não se trata da escolha moral responsável que qualquer moralidade deve demandar de seus seguidores.

Até aqui argumentamos que, na medida em que levem uma dada visão do bem a sério, as pessoas têm o dever de respeitar o direito de todos os que são considerados humanos a fazer o melhor possível para adotar a mesma visão. A idéia de necessidades humanas comuns implica o direito mesmo de estranhos a uma satisfação ótima de necessidades. O direito de inimigos a essa satisfação pode sofrer qualificações no caso de regimes e de seus agentes que, dentro ou fora de suas fronteiras nacionais, agridam a satisfação das necessidades de outros. Mas qualquer que seja o critério que justifique essas qualificações, o critério da generalização da satisfação das necessidades de todos os povos se mantém.

OBRIGAÇÕES ESPECIAIS

É o bastante com respeito a direitos; mas o que dizer de deveres ou obrigações? Na prática, o direito à satisfação ótima de necessidades implica, não somente a abstenção de determinados atos, mas também os atos positivos que tornem disponíveis os bens e serviços necessários para que os atos de abstenção que esperamos de outros sejam uma possibilidade material e psicológica. Em resumo, todos nós temos a responsabilidade e o dever de ajudar todos os seres humanos a otimizarem a satisfação de suas necessidades.

Se esse argumento é aceito, ele coloca uma pesada responsabilidade a todos nós. É atordoante a extensão das necessidades extremas no mundo todo. Como esperar que os indivíduos desempenhem os deveres especificados, quando eles naturalmente se preocupam com a satisfação das necessidades e dos desejos daqueles a quem já conhecem e por quem sentem um senso de responsabilidade forte e explícito (e.g., a família e os amigos)? E como é possível que todos no mundo inteiro tenham um direito à satisfação ótima de necessidades, quando não é claro se agências existem que sejam capazes de agir para garantir pelo menos o direito à satisfação mínima de necessidades? Como argumenta O'Neill, "o discurso dos direitos muitas vezes limita-se a transmitir uma vaga mensagem àqueles cuja ação é necessária para garantir o respeito pelos direitos. A aceitação generalizada da retórica dos direitos coexiste com a omissão generalizada do respeito aos direitos".25 25 O'Neill, O. Faces of Hunger. Londres, Allen and Unwin, 1986, p.117. É possível evitar isso?

Para explorar a questão um pouco mais, comecemos por imaginar um dia na praia. Suponha que a situação até então amena sofra uma dramática alteração e que se veja uma criança tentando não se afogar, presa em fortes correntes e sendo arrastada para o mar. Quem é responsável por salvá-la — pelo respeito a sua necessidade de sobrevivência que ela própria está lutando para satisfazer? Se há um salva-vidas, a primeira resposta será sem dúvida a de que essa responsabilidade cabe a ele, que tem a "responsabilidade especial" de fazer exatamente isso. Ele assumiu voluntariamente esse dever porque é algo estipulado em seu contrato de trabalho, que também lhe garante certos direitos (e.g., um pagamento regular). Mas suponha que ele não faça nada. Quem mais deveria agir em benefício da criança? Faria algum sentido, por exemplo, que todos gritassem: "não faremos nada até que fique claro que seu pai e sua mãe — que também têm uma responsabilidade especial pelo bem-estar da criança — não farão nada"? É claro que não. A criança tem o direito a ser socorrida, não devido às suas relações contratuais com quem quer que seja, mas em razão de sua "necessidade urgente".26 26 Goodin, R. Protecting the Vulnerable. Chicago, University of Chicago Press, 1985, p.111. Qualquer um que esteja em posição de intervir para satisfazer sua necessidade de sobrevivência tem uma responsabilidade moral de fazê-lo — qualquer um, melhor dizendo, que leve sua visão do bem a sério. Isso não se deve ao fato de que se possa afirmar que aqueles que poderiam tê-la salvo (mas nada fizeram) tenham, devido à omissão de socorro, causado a morte da criança. Você causa, por exemplo, o crescimento de todas as árvores do Kew Garden por não derrubá-las? Dito isso, podemos mesmo assim dar um sentido à nossa capacidade de interromper processos causais, e à nossa responsabilidade moral de fazê-lo, quando esses processos colidem com a satisfação das necessidades básicas de outros. No exemplo acima, se a criança se afoga, cada um que nada fez para salvá-la, e que tinha uma "oportunidade razoável" de socorrê-la, é moralmente culpado.27 27 Feinberg, J. Rights, Justice and the Bounds of Liberty. Princeton, Princeton University Press, 1980, pp. 165-86.

Mas como deve ser distribuída essa responsabilidade? Claramente, ela não deve ser atribuída com base em algum fracionamento em que, por exemplo, se houvesse 200 nadadores na praia cada um deles teria 1/200 da responsabilidade. Na medida em que cada indivíduo está em posição de satisfazer a necessidade em questão — no caso, evitando o afogamento —, então cada um deles compartilha de plena responsabilidade por isso. A única coisa que pode mitigar essa responsabilidade é o fato de não se poder agir sem colocar em risco a satisfação das próprias necessidades básicas (e.g., no caso de não se saber nadar), ou então a suposição sincera de que a própria ação interferiria no êxito de outros que estão agindo de forma mais apropriada. A parte isso, qualquer julgamento sobre se a demora dos espectadores é justificável dependerá de até que ponto eles não esperaram demasiadamente para garantir a satisfação das necessidades da criança. O fato de que isso pode ser difícil de ser determinado é muito mais um conselho para não correr riscos do que para esquivar-se de um inegável dever de socorrer. Goodin — em quem esta análise apóia-se bastante — apresenta a idéia adequadamente: "O limite dessa responsabilidade é muito simples: ele depende do limite das necessidades do agente vulnerável e do limite da capacidade do agente responsável para agir de forma efetiva — não mais do que isso, mas com certeza também não menos."28 28 Goodin, op. cit., p.135.

A responsabilidade pelo bem-estar da criança se afogando recai, assim, sobre todos os que se encontram na praia. Para que essa teoria seja plausível, entretanto, é preciso que ela seja aplicável a pessoas necessitadas cujo infortúnio não presenciamos diretamente e com respeito a que nada podemos fazer diretamente. Quais são nossas obrigações práticas para com estranhos, quando colocadas lado a lado aos deveres especiais que temos em relação àqueles que por alguma razão nos são "próximos", ou aos deveres que temos para com estranhos que estamos em condições de ajudar diretamente? Se a satisfação de necessidades começa em casa, por assim dizer, então em que medida somos responsáveis por aqueles com quem não convivemos e com quem não temos contato direto? Consideremos sucessivamente os casos de estranhos dentro e fora de nossas fronteiras nacionais.

O problema começa a se resolver quando se aceita que são agências — instituições sociais de um tipo ou de outro —, e não somente agentes, que têm a capacidade de agir para garantir a satisfação de necessidades, desde que elas tenham prerrogativas e apoio material adequados. É claro que os indivíduos são por si mesmos incapazes de deter a queda ou de encorajar a melhoria da satisfação das necessidades de pessoas com quem eles não têm contato. O mesmo não pode ser dito de uma instituição que dispõe das pessoas que realmente têm esse contato, além da capacitação técnica e dos recursos, para intervir adequadamente. É pelo apoio a essas agências — ou pelas políticas que apoiam ou opõem-se, no caso dos que fazem parte delas — que os indivíduos devem desincumbir-se de suas responsabilidades morais pela satisfação das necessidades de estranhos.29 29 Gewirth, op. cit., pp.312-19. Dessa forma, retornando a nosso exemplo, muitos dos cidadãos da localidade que não freqüentam a praia podem e devem reconhecer sua responsabilidade de contribuir para a proteção dos que o fazem. Assim, eles podem assumir coletivamente os custos de um salva-vidas — alguém que, com base em um treinamento e em capacidades específicas, tenha responsabilidades especiais pela satisfação de necessidades.

Mas por que parar aqui e confinar esse tipo de preocupação, por assim dizer, somente à praia que fica logo ali na esquina? Todos os banhistas de todas as praias têm a mesma necessidade e por isso o mesmo direito à proteção. É isso que justifica moralmente o dever estrito de se submeter à taxação com essas finalidades. De outra forma, a irracionalidade ou a confusão de personalidades individuais gerarão o dilema do "caronismo" — é do interesse de todos desfrutar da segurança oferecida por um salva-vidas, mas não é do interesse de ninguém contribuir para a provisão desse bem. O mesmo argumento se aplica, digamos, à contribuição para o financiamento do serviço local de ambulância, do hospital local e de todas as outras agências que podem cuidar dos que se feriram em acidentes. É essa também a justificação que se encontra por trás de medidas tais como a provisão pública, digamos, de piscinas e de aulas de natação. Em outras palavras, um dever estrito incide sobre os indivíduos com o fito de garantir que eles participem da satisfação coletiva das necessidades de estranhos, por meio do apoio que devem prestar às agências institucionais pertinentes.30 30 Plant et. al, op. c/7., pp.93-6; Gewirth, Human Rights, op. cit., pp.59-66.

Deveres como esses estão no coração de todas as justificações do welfare state baseadas em direitos. Uma vez que muitas das instituições do welfare state, em uma variedade de contextos nacionais, mostraram-se capazes de considerável êxito na mitigação da necessidade, nós já percorremos uma parte do caminho na justificação da praticabilidade de nossa ênfase em direitos e deveres. Pois o fato é que níveis de satisfação de necessidades muito superiores ao mínimo já foram, e por isso podem ser, atingidos. Da mesma forma, quaisquer que tenham sido os abusos registrados, não há indicação de que instituições estatais de bem-estar devam necessariamente levar a uma diminuição nessa satisfação, sobretudo no que se refere à necessidade básica de autonomia. Na prática, assim como na teoria, precisamos sempre desejar a satisfação ótima que pode ser alcançada por aqueles de quem esperamos que façam o melhor possível para realizar nossa visão do bem. Que possamos discordar sobre o que esse nível de satisfação implica em termos práticos, e sobre como ele pode ser efetivado, em nada diminui o imperativo moral de ajudar coletivamente outros a alcançar os níveis elevados de satisfação de necessidades que nós sabemos que podem ser alcançados. Similarmente, ao procurar fazê-lo devemos ter o cuidado de não criar instituições de bem-estar que acabam por frustar a autonomia por meio de restrições artificiais e burocráticas à escolha individual.

Permanece, contudo, o problema de nossa responsabilidade no que se refere às necessidades de estranhos de outros Estados nacionais. Se não há justificação para confinar nossas responsabilidades à nossa comunidade local, seria arbitrário estabelecer qualquer outro limite ao dever. Isso significa que temos uma responsabilidade de ajudar todos os que sofrem de privações em toda a parte — mesmo quando a agência estatal específica que tem a jurisdição formal sobre eles nada faz.31 31 Singer, P. "Famine, affluence and morality". In Laslett, P. e Fishkin (orgs.). Philosophy, Politics and Society. Oxford, Blackwell, 1979, p.23. Isso nos leva finalmente para o Terceiro Mundo. Dada a escala de privação daqueles que vivem na pobreza, e a conseqüente enormidade de seu direito à satisfação de necessidades, como interpretar a responsabilidade moral de modo a que tenha um sentido prático para os indivíduos que vivem a milhares de quilômetros de distância, em um país desenvolvido? Os indivíduos do Primeiro Mundo qua indivíduos podem fazer muito pouco de forma direta e efetiva para satisfazer as necessidades do Terceiro Mundo. De fato, se o único esforço deles ocorrer por atos de caridade, isso pode ser até mesmo potencialmente prejudicial por obscurecer a importância da intervenção institucional.32 32 Nada disso significa negar os deveres dos habitantes dos próprios países pobres, que não são diferentes dos deveres das pessoas de países ricos. Até mesmo o mais pobre dos países subdesenvolvidos têm desigualdades sociais que evidenciam que uma minoria desconsidera seu dever para com a maioria. Ver Sandbrook, R. The Politics of Africa's Stagnation, Cambridge, Cambridge University Press, 1985, cap.5. A satisfação das necessidades nos países pobres não pode ficar a cargo somente de seus próprios habitantes, mas de falo parece razoável sugerir que estes últimos têm uma obrigação especial de agir com esse objetivo.

Portanto, assim como todos têm um dever estrito de contribuir para a provisão do bem-estar dentro das próprias fronteiras nacionais, temos também a mesma obrigação internacionalmente. Temos o dever de ajudar a criar e de manter as agências que sejam capazes de reduzir o sofrimento em toda parte no mundo.33 33 Goodin, op. cit., pp.163-7. Da mesma forma que os welfare states nacionais, essas agências poderiam ser financiadas por meio de um sistema de taxação — um "imposto internacional de necessidades". Os detalhes de um sistema de taxação como esse, e de que forma sua arrecadação deveria ser distribuída entre auxílio e investimentos, são questões a serem posteriormente discutidas. Pelo momento, o ponto importante é o de que a demanda por um sistema desse tipo baseia-se em nossa análise teórica da relação entre necessidade e direitos e tem um valor prático que se apóia em realidades internacionais correntes. Já existem muitas instituições de ajuda que clamam pelos recursos extras que um sistema de taxação como esse poderia prover. Especificamente, a Organização Mundial da Saúde estimou recentemente que 14 milhões de crianças morrem por ano no Terceiro Mundo de doenças que poderiam ser facilmente evitadas por meio de simples vacinação ou curadas por meio de tratamentos de baixo custo.34 34 UNICEF. The State of World's Children. Oxford University Press, 1987, p.5. A infra-estrutura de distribuição para socorrer essas crianças já existe. Na medida em que nada fazem para ajudá-las, o sangue dessas crianças está literalmente nas mãos dos cidadãos do Primeiro Mundo.

Para concluir, poder-se-ia ainda objetar, entretanto, que nossa ênfase nos direitos internacionais dos que sofrem de privações focalizou somente a questão da satisfação mínima de necessidades. Mesmo que com respeito a isso tenhamos razão, não estaríamos equivocados em nossa ênfase na importância moral da satisfação ótima das necessidades dessas pessoas? Pensamos que não. Uma vez que as fronteiras nacionais não mais sejam vistas como demarcando esferas independentes de responsabilidade moral, e que se aceite que garantimos o direito dos cidadãos de nosso próprio país a uma satisfação ótima de necessidades por meio de agências públicas de bem-estar, então segue-se que também temos uma responsabilidade igual pelas pessoas que sofrem de privações em outros países. O fato de que o foco primeiro das agências de satisfação de necessidades deva ser em exigências mínimas diz mais sobre as limitações práticas e políticas sob as quais essas agências operam do que sobre nossa responsabilidade de remover essas limitações o mais cedo possível. É precisamente no avanço de uma atenção à satisfação mínima de necessidades a muito mais do que isso que exprime-se o que há de moralmente superior nas agências de bem-estar existentes. Nosso argumento é o de que todos os que são capazes disso têm um dever estrito de empenhar-se para que um avanço como esse ocorra entre os que sofrem de privações nos países pobres. Aceitando-se que temos um dever de contribuir para a criação e para dar sustentação a agências de satisfação de necessidades no mundo inteiro, e que isso em princípio é um objetivo moral e político exeqüível, então por que se contentar com menos?

RELATIVISMO E LIBERAÇÃO

São seres humanos saudáveis e autônomos, dando o melhor de si, que alimentam a criatividade e que podem produzir uma explosão de riqueza cultural que potencialmente pode ser alcançada por todos. É esse potencial que vem sendo eloqüentemente enfatizado por autores como Walzer, Keane e Laclau e Mouffe. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito das conclusões relativistas a que chegam acerca da necessidade humana e, por implicação, sobre o direito a sua satisfação ótima. Levar esse direito a sério implica aceitar a existência de necessidades básicas, assim como o fato de que há formas objetivamente superiores de abordar a satisfação delas em níveis ótimos. O relativismo de boa parte do pensamento europeu pós-moderno recente nega essas duas possibilidades, o que o torna incapaz de qualquer outra coisa que não defender um ou outro status quo cultural.35 35 Callinicos, A. Against Post Modernism. Oxford, Polity, 1990. Com argumenta Vincent: "a despeito de sua progressiva associação à campanha contra o imperialismo, o que a doutrina do relativismo cultural permite é na prática uma rendição àquilo que John Stuart Mill denominou 'despotismo do costume'".36 36 Vincent, R. Human Rights and International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 1986, p.55; Anderson, Perry. In the Tracks of Historical Materialism. Londres, Verso, 1983, pp.45-55.

Que sentido teria, por exemplo, afirmar que as pessoas que sofrem de uma doença característica do Terceiro Mundo, que poderia ser curada ou evitada pela aplicação de tecnologia médica do Ocidente, não precisam se beneficiar de um conhecimento como esse? Da mesma forma, que sentido poderia ter afirmar que as mulheres mantidas na ignorância de seu potencial enquanto pessoas não necessitam, e não têm direito a isso, se libertar do jugo patriarcal que restringe pesadamente sua educação e o escopo de sua interação social? Em que sentido isso não é uma necessidade para elas? A única justificação que podemos conceber é aquela pela qual o relativista optaria — a de que as pessoas não podem "necessitar" o que elas não desejam. Mas já vimos como as pessoas muitas vezes confundem suas necessidades com seus desejos, às vezes com resultados desastrosos.37 37 Melrose dá o seguinte exemplo de como esses argumentos relativistas podem ser empregados para justificar violações à satisfação de necessidades: "Mas a Glaxo realmente respondeu a uma dúvida anterior que manifestamos sobre a promoção pela empresa, em um país em desenvolvimento, de um xarope à base de cálcio como um tônico geral, quando o British National Formulary considera injustificável esse uso do xarope e a própria Glaxo não adota essa prática na Grã-Bretanha. O chefe da divisão médica da Glaxo replicou enfatizando que países diferentes têm 'concepções muito distintas da prática médica'". Melrose, D. Bitter Pills. Oxford, Blackwell, 1982, p.80.

Todos nós precisamos de tanta ajuda quanto seja possível para aprendermos como otimizar a satisfação das nossas necessidades e das de outros — como perseguir individual e coletivamente o objetivo da liberação humana. A melhor compreensão que sobre isso podemos adquirir é a que é mais eficaz em termos práticos, independentemente de sua origem cultural. Algumas interpretações são indiscutivelmente melhores do que outras a esse respeito.38 38 Doyal, L. e Harris, R. Empiricism, Explanation and Rationality. Londres, Routeledge, 1986, pp.148-55. O relativismo veda de forma espúria a consciência e a prática de determinados grupos a outros e nega, considerando-as impossíveis, as inúmeras pontes conceituais e práticas que já foram erigidas entre as culturas ao longo da história humana. Durante todo esse tempo, os seres humanos seguidamente recusaram-se a restringir suas escolhas aos limites conceituais de sua cultura — com resultados progressivos para todos nós.

O vínculo teórico entre a otimização da escolha e a liberação humana que a satisfação de necessidades básicas torna possível tem uma longa história. Ele constituía uma parte essencial do background hegeliano tanto do marxismo quanto do liberalismo clássico.39 39 Taylor, Charles. Hegel. Cambridge University Press, 1975, pp.546-64. A diferença fundamental entre esses enfoques estava na concepção de cada um do contexto social e econômico dentro do qual essas liberdades poderiam expressar-se melhor: individualmente, no mercado, ou coletivamente, em uma sociedade comunitária e/ou centralmente planejada. Podendo-se sustentar que ela é aplicável em um caso ou em outro, a visão de Hegel ainda nos parece ser a mais frutífera: quanto mais aprendemos sobre o que somos capazes de fazer, tanto mais aprendemos sobre nós mesmos. Nesse processo — que sempre envolve a rejeição ou a negação do que é aceito como indubitável — descobrimos o que é contingente sobre o mundo natural e social (e.g., a escravidão ou as explicações ultranaturalistas de doenças fatais) e o que é necessário (e.g., a necessidade de ser alfabetizado para ter acesso a diferentes tradições culturais, ou a necessidade de beber água potável para se manter saudável). Hegel considerava ainda que esse aprendizado é essencialmente social e argumentou que ele tem seus próprios padrões característicos de desenvolvimento histórico, que expandem os limites da criatividade humana ao mesmo tempo em que destróem as estruturas culturais que artificialmente o inibem (o desenvolvimento histórico).40 40 Plant, R. Hegel. Londres, Allen and Unwin, 1971, cap. 6 e 7; Norman, R. Hegel's Phenomenology. University of Sussex Press, 1976, cap. 5 e 6.

Em alguns de seus escritos, Marx desenvolve idéias similares — mais uma vez, focalizando as restrições artificiais que impedem que a humanidade realize tudo de que ela é capaz. A diferença básica entre os dois é a de que Marx argumenta que há um programa de ação política para remover essas restrições. Ele argumenta que as pessoas são potencialmente responsáveis por seu próprio destino e não, como Hegel sugere, arrastadas adiante pelo rio da história, que elas podem compreender mas com respeito a que podem fazer muito pouco. Para Marx e para todos os que acreditam que a condição da humanidade pode ser melhorada por meio da aplicação cuidadosa do melhor conhecimento disponível, a coruja de Minerva levanta vôo na aurora e no crepúsculo, embora talvez o faça com mais segurança conforme o dia transcorre! E há uma enorme responsabilidade acompanhando essa crença. Pois se os humanos realmente têm a capacidade de alterar a história, a tarefa é a de persistir nos esforços de realizar as mudanças que são as condições necessárias para a liberação humana — a satisfação das necessidades de saúde e de autonomia de do maior número possível de seres humanos e no nível mais elevado que seja sustentável. A tragédia do relativismo é a de que ao proclamar a incoerência dos debates sobre como esse objetivo deve ser atingido, seus defensores — quaisquer que sejam suas intenções — emprestam apoio àqueles que querem impedir essa mudança.

Considerar a idéia de que os seres humanos enquanto espécie têm realmente progredido na capacidade de satisfazer suas necessidades — e que há objetivamente certas formas de fazê-lo e certas escolhas que são melhores para realizar esse fim — não significa sucumbir ao imperialismo cultural ou à pretensão de que todo o Restante deva imitar o Ocidente. Significa simplesmente enfatizar que aqueles a quem essas escolhas são negadas são prejudicados em comparação àqueles a quem elas não são, e que isso será o caso qualquer que seja a cultura e quaisquer que sejam as razões contingentes e alteráveis que expliquem a diferença. Significa sustentar também que na medida em que as tradições científicas, intelectuais e políticas ocidentais contribuam para níveis mais elevados de saúde e de autonomia do que sem elas seria possível, então essas tradições devem ser vistas como mais humanas e progressivas.41 41 Nickel, J. Making Sense of Human Rights. Berkeley, University of California Press, 1987, pp.71-9.

É claro que o mesmo pode ser dito de outras tradições de satisfação de necessidades básicas. É indiscutível, por exemplo, que os enfoques hindu e chinês à saúde e à cura têm muito a oferecer à medicina ocidental no entendimento de como estados individuais de consciência afetam um amplo leque de processos psicológicos. Isso não quer dizer, entretanto, que o melhor cuidado médico para doenças específicas possa ser considerado simplesmente uma questão de preferência cultural.42 42 Doyal, Len. "Health, Underdevelopment and Traditional Medicine". Holistic Medicine 2, 1,1987, pp.35-8. O mesmo se aplica a todas as formas de interpretar as atividades constitutivas que precisam ser executadas com êxito em todas as culturas, se é que se trata delas sobreviverem e florescerem.

Argumentamos que a crença na existência de necessidades humanas em conjunção com uma crença consistente em uma visão moral do bem empresta forte apoio a um código moral de acordo com o qual as necessidades de todas as pessoas devem ser satisfeitas em um nível ótimo. Isso implica deveres correspondentes aos indivíduos — de agir, quando apropriado, para atenuar o sofrimento de outros, e de dar apoio a agências nacionais e internacionais que podem desempenhar essa função mais efetivamente. O objetivo último da aceitação de tais responsabilidades é a liberação da humanidade pela via da otimização da escolha significativa dentro e entre formas culturais de vida.

  • 1 Doyal, Len e Gough, Ian. A Theory of Human Need. Londres, Macmillan, 1991. Cap. 4 e 5.
  • 2 Plant, R., Lesser, H. e Taylor Gooby, P. Political Philosophy and Social Welfare. Londres, Routledge, 1980, p. 93.
  • 3 Platts, M. Ways of Meaning. Londres, Routeledge, 1979, p.243;
  • Arlington, R. Rationalism, Realism and Relativism. Ithaca, Cornell University Press, 1989, cap.4.
  • 4 As pessoas que contraem a obrigação de fazer algo não necessariamente têm o direito de fazê-lo (por exemplo, o pistoleiro contratado). Além disso, não há direitos envolvidos quando os indivíduos têm um dever (por exemplo, tentar fugir quando se é prisioneiro de guerra) que não se relaciona a ninguém em particular. E por fim, mesmo quando se tem um dever para com alguém em particular, é preciso que seja moralmente obrigatório um dever estrito ou "perfeito" no sentido de Mill para carregar consigo uma titularidade específica. Podemos ter um dever moralmente mais fraco de ser caridoso sem que isso implique um direito à caridade. White. A. Rights. Oxford, Oxford University Press, 1984, pp.60-1.
  • 6 White, op. cit., argumenta que é possível ter direitos sem que os deveres correspondentes existam. Entretanto, seus exemplos sempre pressupõem a existência de algum dever correspondente, ainda que não o que é ostensivamente implicado pelo direito em questão o direito a um segundo lançamento em um jogo [por exemplo, de críquete], de criticar as ações de outros ou de "olhar para o meu vizinho através de nossa cerca comum". Dito isso, concordamos com seu ponto de vista de que é equivocado conceituar a relação entre deveres e direitos de forma puramente lógica. É muito melhor entender a existência de deveres estritos e dos direitos correlates como a evidência empírica mais importante da seriedade da crença e do compromisso morais. Ver Renteln, A. International Human Riglits: Universalism versus Relativism. Londres, Sage, 1990, pp.41-5.
  • Para uma boa introdução à literatura analítica sobre a relação entre direitos, deveres e cultura, ver Waldron, J. (org.). Rights Theories. Oxford, Oxford University Press, 1984, pp. 1-20.
  • 7 Gewirth, A. Human Rights. Chicago, University of Chicago Press, 1982, p.94;
  • Weale, A. Political Theory and Social Policy. Londres, Macmillan, 1983, pp.37-47.
  • 8 Jones, P. "Universal and particular claims: from welfare rights to welfare states". In Ware, A. e Goodin, R. (orgs.). Needs and Welfare. Londres, Sage, 1990, pp.44-6.
  • Harris rejeita essa visão argumentando que podemos muito bem acreditar que A tem um dever de fazer Y (pagar uma dívida, por exemplo) sem que imputemos a ninguém a obrigação de prover A dos meios (de emprestar o dinheiro, por exemplo) para fazê-lo e sem que exista, portanto, nenhum direito a esses meios. Harris, D. Justifying Welfare State. Oxford, Blackwell, 1987, pp. 137-8.
  • 9 Goodin, R. Protecting the Vulnerable. Chicago, University of Chicago Press, 1985, pp. 151-3.
  • 10 Gewirth, A. Reason and Morality. Chicago, University of Chicago Press, 1978, pp.249-50.
  • 11 Ibid., pp. 206-9; Raz, J. The Morality of Freedom. Oxford, Oxford University Press, 1986, pp.227-40.
  • 12 Wiggens, Claims of Need. In Honderich, T. (org.). Morality and Objectivity. Londres, Routledge, 1985, pp.170-1.
  • 13 MacIntyre, A. After Virtue. Londres, Duckworth, 1985, p.135.
  • 14 Ignatieff, M. The Needs of Strangers. Londres, Chatto and Windus, 1984, pp.38-44.
  • 15 Goodin, R. Reasons for Welfare. Princeton University Press, 1989, p.49.
  • 16 Hardin, G. "Lifeboat ethics: the case against helping the poor". In Aiken, W. e LaFollette, H. (orgs.). World Hunger and Moral Obligation . Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall, 1977, p.17.
  • 17 O'Neill, O. Faces of Hunger. Londres, Allen and Unwin, 1986, cap.4.
  • 18 Norman, R. The Moral Philosophers. Oxford, Clarendon, 1983, cap. 5 e 11.
  • 20 Hume, David. Enquiries. Oxford, Oxford University Press, 1963, p. 184.
  • 21 Hegel, G.W.F. Phenomenology of Spirit. Tradução de A. Miller. Oxford, Oxford University Press, 1977, pp. 104-11.
  • 22 Finegold, D. e Soskice, D. "The failure of training in Britain: analysis and prescription". Oxford Review of Economic Policy 4, no.3, 1988.
  • 23 Gough, I. The Political Economy of the Welfare State. Londres, Macmillan, 1979, cap. 3-4.
  • 25 O'Neill, O. Faces of Hunger. Londres, Allen and Unwin, 1986, p.117.
  • 26 Goodin, R. Protecting the Vulnerable. Chicago, University of Chicago Press, 1985, p.111.
  • 27 Feinberg, J. Rights, Justice and the Bounds of Liberty. Princeton, Princeton University Press, 1980, pp. 165-86.
  • 31 Singer, P. "Famine, affluence and morality". In Laslett, P. e Fishkin (orgs.). Philosophy, Politics and Society. Oxford, Blackwell, 1979, p.23.
  • 32 Nada disso significa negar os deveres dos habitantes dos próprios países pobres, que não são diferentes dos deveres das pessoas de países ricos. Até mesmo o mais pobre dos países subdesenvolvidos têm desigualdades sociais que evidenciam que uma minoria desconsidera seu dever para com a maioria. Ver Sandbrook, R. The Politics of Africa's Stagnation, Cambridge, Cambridge University Press, 1985, cap.5.
  • 34 UNICEF. The State of World's Children. Oxford University Press, 1987, p.5.
  • 35 Callinicos, A. Against Post Modernism. Oxford, Polity, 1990.
  • 36 Vincent, R. Human Rights and International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 1986, p.55;
  • Anderson, Perry. In the Tracks of Historical Materialism. Londres, Verso, 1983, pp.45-55.
  • 37 Melrose dá o seguinte exemplo de como esses argumentos relativistas podem ser empregados para justificar violações à satisfação de necessidades: "Mas a Glaxo realmente respondeu a uma dúvida anterior que manifestamos sobre a promoção pela empresa, em um país em desenvolvimento, de um xarope à base de cálcio como um tônico geral, quando o British National Formulary considera injustificável esse uso do xarope e a própria Glaxo não adota essa prática na Grã-Bretanha. O chefe da divisão médica da Glaxo replicou enfatizando que países diferentes têm 'concepções muito distintas da prática médica'". Melrose, D. Bitter Pills. Oxford, Blackwell, 1982, p.80.
  • 38 Doyal, L. e Harris, R. Empiricism, Explanation and Rationality. Londres, Routeledge, 1986, pp.148-55.
  • 39 Taylor, Charles. Hegel. Cambridge University Press, 1975, pp.546-64.
  • 40 Plant, R. Hegel. Londres, Allen and Unwin, 1971, cap. 6 e 7;
  • Norman, R. Hegel's Phenomenology. University of Sussex Press, 1976, cap. 5 e 6.
  • 41 Nickel, J. Making Sense of Human Rights. Berkeley, University of California Press, 1987, pp.71-9.
  • 42 Doyal, Len. "Health, Underdevelopment and Traditional Medicine". Holistic Medicine 2, 1,1987, pp.35-8.
  • *
    "Human Liberation and the Right to Need-Satisfaction". Tradução de Álvaro de Vita.
  • 1
    Doyal, Len e Gough, Ian.
    A Theory of Human Need. Londres, Macmillan, 1991. Cap. 4 e 5.
  • 2
    Plant, R., Lesser, H. e Taylor Gooby, P.
    Political Philosophy and Social Welfare. Londres, Routledge, 1980, p. 93.
  • 3
    Platts, M.
    Ways of Meaning. Londres, Routeledge, 1979, p.243; Arlington, R.
    Rationalism, Realism and Relativism. Ithaca, Cornell University Press, 1989, cap.4.
  • 4
    As pessoas que contraem a obrigação de fazer algo não necessariamente têm o direito de fazê-lo (por exemplo, o pistoleiro contratado). Além disso, não há direitos envolvidos quando os indivíduos têm um dever (por exemplo, tentar fugir quando se é prisioneiro de guerra) que não se relaciona a ninguém em particular. E por fim, mesmo quando se tem um dever para com alguém em particular, é preciso que seja moralmente obrigatório — um dever estrito ou "perfeito" no sentido de Mill — para carregar consigo uma titularidade específica. Podemos ter um dever moralmente mais fraco de ser caridoso sem que isso implique um direito à caridade. White. A.
    Rights. Oxford, Oxford University Press, 1984, pp.60-1.
  • 5
    Ibid., p.70.
  • 6
    White,
    op. cit., argumenta que é possível ter direitos sem que os deveres correspondentes existam. Entretanto, seus exemplos sempre pressupõem a existência de
    algum dever correspondente, ainda que não o que é ostensivamente implicado pelo direito em questão — o direito a um segundo lançamento em um jogo [por exemplo, de críquete], de criticar as ações de outros ou de "olhar para o meu vizinho através de nossa cerca comum". Dito isso, concordamos com seu ponto de vista de que é equivocado conceituar a relação entre deveres e direitos de forma puramente lógica. É muito melhor entender a existência de deveres estritos e dos direitos correlates como a evidência empírica mais importante da seriedade da crença e do compromisso morais. Ver Renteln, A.
    International Human Riglits: Universalism versus Relativism. Londres, Sage, 1990, pp.41-5. Para uma boa introdução à literatura analítica sobre a relação entre direitos, deveres e cultura, ver Waldron, J. (org.).
    Rights Theories. Oxford, Oxford University Press, 1984, pp. 1-20.
  • 7
    Gewirth, A.
    Human Rights. Chicago, University of Chicago Press, 1982, p.94; Weale, A.
    Political Theory and Social Policy. Londres, Macmillan, 1983, pp.37-47.
  • 8
    Jones, P. "Universal and particular claims: from welfare rights to welfare states".
    In Ware, A. e Goodin, R. (orgs.).
    Needs and Welfare. Londres, Sage, 1990, pp.44-6. Harris rejeita essa visão argumentando que podemos muito bem acreditar que
    A tem um dever de fazer
    Y (pagar uma dívida, por exemplo) sem que imputemos a ninguém a obrigação de prover
    A dos meios (de emprestar o dinheiro, por exemplo) para fazê-lo e sem que exista, portanto, nenhum direito a esses meios. Harris, D.
    Justifying Welfare State. Oxford, Blackwell, 1987, pp. 137-8. Seu argumento, contudo, não é convincente. Se realmente acreditamos que A tem um dever específico (no caso, o de pagar uma dívida), que ele o fará se puder, e que
    unicamente nós podemos provê-lo dos meios para fazê-lo, então estamos similarmente obrigados a emprestar-lhe o dinheiro.
  • 9
    Goodin, R.
    Protecting the Vulnerable. Chicago, University of Chicago Press, 1985, pp. 151-3.
  • 10
    Gewirth, A.
    Reason and Morality. Chicago, University of Chicago Press, 1978, pp.249-50.
  • 11
    Ibid., pp. 206-9; Raz, J.
    The Morality of Freedom. Oxford, Oxford University Press, 1986, pp.227-40.
  • 12
    Wiggens, Claims of Need.
    In Honderich, T. (org.).
    Morality and Objectivity. Londres, Routledge, 1985, pp.170-1.
  • 13
    MacIntyre, A.
    After Virtue. Londres, Duckworth, 1985, p.135.
  • 14
    Ignatieff, M.
    The Needs of Strangers. Londres, Chatto and Windus, 1984, pp.38-44.
  • 15
    Goodin, R.
    Reasons for Welfare. Princeton University Press, 1989, p.49.
  • 16
    Hardin, G. "Lifeboat ethics: the case against helping the poor".
    In Aiken, W. e LaFollette, H. (orgs.).
    World Hunger and Moral Obligation . Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall, 1977, p.17.
  • 17
    O'Neill, O.
    Faces of Hunger. Londres, Allen and Unwin, 1986, cap.4.
  • 18
    Norman, R.
    The Moral Philosophers. Oxford, Clarendon, 1983, cap. 5 e 11.
  • 19
    Gewirth,
    op.cit., pp.240-8
  • 20
    Hume, David.
    Enquiries. Oxford, Oxford University Press, 1963, p. 184.
  • 21
    Hegel, G.W.F.
    Phenomenology of Spirit. Tradução de A. Miller. Oxford, Oxford University Press, 1977, pp. 104-11.
  • 22
    Finegold, D. e Soskice, D. "The failure of training in Britain: analysis and prescription".
    Oxford Review of Economic Policy 4, no.3, 1988.
  • 23
    Gough, I.
    The Political Economy of the Welfare State. Londres, Macmillan, 1979, cap. 3-4.
  • 24
    Gewirth,
    op. cit., p.190-8.
  • 25
    O'Neill, O.
    Faces of Hunger. Londres, Allen and Unwin, 1986, p.117.
  • 26
    Goodin, R.
    Protecting the Vulnerable. Chicago, University of Chicago Press, 1985, p.111.
  • 27
    Feinberg, J.
    Rights, Justice and the Bounds of Liberty. Princeton, Princeton University Press, 1980, pp. 165-86.
  • 28
    Goodin,
    op. cit., p.135.
  • 29
    Gewirth,
    op. cit., pp.312-19.
  • 30
    Plant
    et. al, op. c/7., pp.93-6; Gewirth,
    Human Rights, op. cit., pp.59-66.
  • 31
    Singer, P. "Famine, affluence and morality".
    In Laslett, P. e Fishkin (orgs.).
    Philosophy, Politics and Society. Oxford, Blackwell, 1979, p.23.
  • 32
    Nada disso significa negar os deveres dos habitantes dos próprios países pobres, que não são diferentes dos deveres das pessoas de países ricos. Até mesmo o mais pobre dos países subdesenvolvidos têm desigualdades sociais que evidenciam que uma minoria desconsidera seu dever para com a maioria. Ver Sandbrook, R.
    The Politics of Africa's Stagnation, Cambridge, Cambridge University Press, 1985, cap.5. A satisfação das necessidades nos países pobres não pode ficar a cargo somente de seus próprios habitantes, mas de falo parece razoável sugerir que estes últimos têm uma obrigação especial de agir com esse objetivo.
  • 33
    Goodin,
    op. cit., pp.163-7.
  • 34
    UNICEF.
    The State of World's Children. Oxford University Press, 1987, p.5.
  • 35
    Callinicos, A.
    Against Post Modernism. Oxford, Polity, 1990.
  • 36
    Vincent, R.
    Human Rights and International Relations. Cambridge, Cambridge University Press, 1986, p.55; Anderson, Perry.
    In the Tracks of Historical Materialism. Londres, Verso, 1983, pp.45-55.
  • 37
    Melrose dá o seguinte exemplo de como esses argumentos relativistas podem ser empregados para justificar violações à satisfação de necessidades: "Mas a Glaxo realmente respondeu a uma dúvida anterior que manifestamos sobre a promoção pela empresa, em um país em desenvolvimento, de um xarope à base de cálcio como um tônico geral, quando o British National Formulary considera injustificável esse uso do xarope e a própria Glaxo não adota essa prática na Grã-Bretanha. O chefe da divisão médica da Glaxo replicou enfatizando que países diferentes têm 'concepções muito distintas da prática médica'". Melrose, D.
    Bitter Pills. Oxford, Blackwell, 1982, p.80.
  • 38
    Doyal, L. e Harris, R.
    Empiricism, Explanation and Rationality. Londres, Routeledge, 1986, pp.148-55.
  • 39
    Taylor, Charles.
    Hegel. Cambridge University Press, 1975, pp.546-64.
  • 40
    Plant, R.
    Hegel. Londres, Allen and Unwin, 1971, cap. 6 e 7; Norman, R.
    Hegel's Phenomenology. University of Sussex Press, 1976, cap. 5 e 6.
  • 41
    Nickel, J.
    Making Sense of Human Rights. Berkeley, University of California Press, 1987, pp.71-9.
  • 42
    Doyal, Len. "Health, Underdevelopment and Traditional Medicine".
    Holistic Medicine 2, 1,1987, pp.35-8.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1994
    CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: luanova@cedec.org.br