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Reforma do estado e condução política

State reform and political conduct

Resumos

Aponta-se como dimensão básica do poder do Estado a capacidade de conduzir os processos sociais. Argumenta-se que esta dimensão volta à centralidade após a onda "neoliberal". Discutem-se os problemas da reconstituição dessa capacidade em condições de crescente complexidade.


The power of the state is seen as basically the ability to conduct social processes. It is argued that this dimension regains its centrality after the "neoliberal" wave. The problems in the reconstitution of this capacity in conditions of growing complexity are discussed.


REFORMAS

Reforma do estado e condução política* * "La reforma del Estado y el problema de la conduccion politica". FLACSO, Mexico, Perfiles Latinoamericanos, n.o7, 1995.

State reform and political conduct

Norbert Lechner

Pesquisador da FLACSO — México. Publicou antes nesta revista, entre outros, "Estado, mercado e desenvolvimento na América Latina" (Lua Nova 28-29, 1993)

RESUMO

Aponta-se como dimensão básica do poder do Estado a capacidade de conduzir os processos sociais. Argumenta-se que esta dimensão volta à centralidade após a onda "neoliberal". Discutem-se os problemas da reconstituição dessa capacidade em condições de crescente complexidade.

ABSTRACT

The power of the state is seen as basically the ability to conduct social processes. It is argued that this dimension regains its centrality after the "neoliberal" wave. The problems in the reconstitution of this capacity in conditions of growing complexity are discussed.

Para situar a discussão sobre o Estado na América Latina parece-me sugestivo evocar brevemente um fenômeno de vastas repercussões na região: a crise financeira que se desencadeou no México no dia 20 de dezembro de 1994. Sem examinar as razões econômicas, podemos retirar dele três lições que esboçam, em termos muito gerais, o contexto e os dilemas que o Estado enfrenta hoje.

1. A tensão entre as dinâmicas de globalização e o âmbito nacional. A crise mexicana tornou evidente de maneira dramática como os processos de globalização ultrapassam o âmbito nacional. Um primeiro aspecto a reter é o controle externo imposto pela convergência de duas tendências: por um lado, os capitais financeiros tornam-se independentes tanto das estruturas produtivas como das regulações político-nacionais e circulam, graças à globalização informática, livre e instantaneamente pelo mundo conforme sua melhor conveniência. Pelo outro, os estados dependem cada vez mais dos mercados financeiros privados1 1 Segundo estimativas do Banco Mundial, em 1994 cerca de 64% do volume total dos fluxos líquidos de recursos aos países em desenvolvimento provinham de fontes privadas, o que supõe um aumento de mais de 150% desde 1990. Cerca de 59% da inversão estrangeira direta concentrou-se em cinco países: China, México, Argentina, Malásia e Tailândia (Banco Mundial, 1994, 31). Tradução de Gabriel Cohn. . Especialmente na América Latina, um crônico déficit fiscal e uma poupança interna insuficiente obrigam os países a competir por recursos externos para financiar o crescimento econômico. A confluência de ambas tendências — a liberalização e mundialização dos mercados financeiros e a dependência desses mercados — condiciona as estratégias nacionais de desenvolvimento. Estas podem variar de país a país, sempre que respeitem os critérios básicos.

O condicionamento de fato tem um aspecto adicional: quanto maior a globalização maior o perigo de contágio. Os efeitos devastadores da crise mexicana — o "efeito tequila" — indicam a vulnerabilidade das economias nacionais frente às turbulências financeiras. Mesmo as instâncias supranacionais — Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização mundial do Comércio (ex GATT) — mostram-se incapazes de controlar, ou sequer monitorar, os vaivéns dos fluxos financeiros2 2 Na atualidade os mercados de divisas tranformaram-se no epicentro de um a economia mundial da especulação (Chesnais, 1994). Por sua magnitude (as transações ultrapassam 1,2 bilhões de dólares por dia) os recursos nacionais de um país revelam-se irrisórios para fazer frente a um ataque à sua moeda. . Mas o problema não é só econômico: a globalização altera a agenda pública dos países, que acaba sendo ditada por eventos externos, fora do controle dos atores nacionais.

Apesar da importância que adquirem os fatores externos, a crise mexicana mostra claramente o peso dos fatores internos. Há causas econômicas (falta de poupança interna e de controle sobre o fluxo das inversões estrangeiras, majoritariamente a curto prazo) e, sobretudo, políticas. O levante de Chiapas e outros atos de violência questionam a ordem vigente e minam a credibilidade das instituições políticas. O desenvolvimento relativamente correto das eleições de agosto de 1994 não consegue restabelecer a confiança. A derrocada financeira de dezembro reflete não só desconfiança nas capacidades financeiras do México (o medo de uma moratória dos pagamentos). Antes de mais nada, mostra as insuficientes capacidades políticas para manejar as dinâmicas da modernização econômica.

2. A tensão entre as dinâmicas econômicas e a institucionalidade política. O avanço das políticas de ajuste estrutural no México deve-se em boa medida à existência de uma forte autoridade política, apoiada em redes hierárquicas de clientelismo e em uma elite tecnocrática coesa (Heredia 1994). O caso mexicano — assim como no Chile — indica que, em termos gerais, os casos bem sucedidos de liberalização econômica exigiram uma forte intervenção estatal; no caso contrário, a incapacidade do Estado de controlar a economia pode resultar em um colapso do governo e, finalmente, da ordem social (Cavarozzi 1994, p. 137). Não por acaso em ambos os casos prevaleceram condições autoritárias: dado o alto custo social, é muito mais difícil realizar uma restruturação econômica da radicalidade exigida sob condições democráticas. O desafio consiste em compaginar ambos os planos. Enquanto a modernização econômica consegue ser reconduzida (afiançada e reorientada) num regime democrático, no México ela solapa os mecanismos autoritários de governabilidade sem substituí-los por uma institucionalidade democrática. Os antigos pactos corporativos já não disciplinam as forças sociais e ainda não opera uma legitimação democrática das decisões. Não existem pois recursos políticos para enfrentar e compensar as dificuldades econômicas. Por conseguinte, a crise financeira facilmente deriva em uma crise social. O espectro de um colapso generalizado obriga a revisar as receitas neoliberais. Uma das lições que o Banco Mundial tira da crise mexicana é a necessidade de um Estado forte3 3 Declaração do vice-presidente para a América Latina e o Caribe, citado pelo jornal Reforma, Cidade do México, 14/6/1994. ; ou seja, dotado de instituições poderosas, com sistemas legais que ajudem a promover a concorrência, a proteger o consumidor e a oferecer uma estrutura na qual a resposta de todos os agentes econômicos possa ser prevista com exatidão aceitável.

O caso do México põe em relevo a tensão que encontramos em boa parte da América Latina: o dinamismo da economia entra em choque com os pontos de rigidez da institucionalidade política. A adequação das economias nacionais às novas condições não é acompanhada por uma adequação das instituições democráticas. É notório o atraso da política (incluindo o pensamento político) com respeito ao dinamismo social. Nos dias de hoje os grandes problemas da região parecem ser mais de índole política que econômica. Enquanto a economia se rege por um conjunto relativamente compartilhado de critérios e um "menu" limitado de medidas, pouco sabemos sobre as instituições e os processos políticos requeridos no novo contexto.

3. A tensão entre democracia e governabilidade democrática. Finalmente, o caso mexicano ilumina bem um terceiro aspecto a considerar: a liberalização econômica não desemboca necessariamente numa ordem democrática. Pode haver modernização sem democratização. Mas, além disso e sobretudo: "governar democraticamente é uma coisa bastante diferente de ter uma democracia" (Camou 1995, p. 47). Nos últimos anos o México viveu um importante, ainda que insuficiente, esforço de democratização, alcançando avanços notáveis na lisuna das eleições de autoridades. Os procedimentos sobre quem governa não determinam, contudo, como governar. O próprio avanço da democratização provoca problemas de governabilidade; os antigos mecanismos corporativos e as redes clientelísticas debilitam-se sem sua substituição por novos recursos que permitam decidir democraticamente os problemas nacionais. A falta de um efetivo sistema de partidos torna difícil elaborar os consensos básicos e traduzir as maiorias eleitorais em coalizões de governo.

Para o déficit de governabilidade democrática contribui ainda outro fator crucial: a desvinculação entre o processo de democratização e a reforma do Estado. Chama a atenção que a discussão e execução das reformas democráticas se dêem sem referência alguma ao novo contexto que surge das transformações econômicas. Pelo contrário, leva-se a cabo uma modernização do Estado que aponta exclusivamente para a sua funcionalidade econômica, sem referência alguma ao regime democrático. Sem dúvida, é problemático o tamanho do aparelho estatal no México4 4 Cerca de 31% da população economicamente ativa do México é empregada pelo Estado, incluindo instâncias municipais e empresas paraestatais ( La Jornada, 27/7/1995). , mas não cabe dúvida de que não é o único fator a considerar. A dualidade da democratização e reforma do Estado é igualmente evidente em outros países da região. Em geral, o tipo de Estado que surge das reformas em curso não sustenta uma governabilidade democrática e, portanto, põe em perigo o próprio desenvolvimento econômico (Sola 1994). Expressão disso é a mescla explosiva de descontentamento político e estatismo que encontramos em muitas partes; ao mesmo tempo que se desconfia da política (os políticos) se espera que o Estado resolva todos os problemas. Numa inflexão significativa são as agências financeiras internacionais que recolocam a questão do Estado. Constatando "uma crise bastante generalizada de legitimidade do Estado, da função pública e dos sistemas de representação e mediação política, que impede alcançar os consensos necessários" (BID 1993, p. 38) propõem uma reforma do Estado que, para além do horizonte estreito da eficiência econômica, assegure a vigência efetiva de um quadro legal universal, de processos de representação e mediação democráticos, de sistemas institucionais estáveis e burocracias comprometidas com o bem público, da participação de todos os setores sociais; enfim, que assegure uma integração social básica.

AS TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO

A crise do México nos ensina que, para além dos fatores financeiros em jogo, a questão do Estado é um tema decisivo do desenvolvimento da América Latina. Não é casual, portanto, o crescente debate em torno do papel do Estado. Encontramo-nos, com efeito, em uma nova fase, por assim dizer "pós-neoliberal". Antes de tratar dos desafios do novo contexto convém realizar um breve balanço das experiências recentes.

Em primeiro lugar, chama a atenção o "paradoxo neoliberal": uma liberalização econômica bem sucedida pressupõe uma intervenção ativa do Estado para levar a cabo tais reformas. Esse paradoxo é mais visível no Cone Sul, onde a existência de um Estado autoritário convive com o discurso do Estado subsidiário. De fato, as políticas neoliberais não se apoiaram num Estado mínimo; muito pelo contrário, avançaram graças a uma forte intervenção estatal (Smith 1994a; 1994b). Não se trata, entretanto, do tipo de Estado anterior. Nos países que realizaram com êxito uma restruturação econômica esse processo implicou uma reforma profunda do Estado. Seu objetivo explícito tem sido liberar o mercado das travas políticas; na realidade, contudo, pretendem inverter a relação e "alinhar" o Estado à economia de mercado. Sob o pretexto de despolitizar a economia, o Estado é reorganizado em função da sua eficiência econômica. Esse enfoque identifica o Estado com o aparelho burocrático ou o setor público, ou seja, com seu papel econômico, sem contemplar outras dimensões. O afã por redefinir a relação entre Estado e mercado obscurece as novas relações entre Estado e sociedade (García Delgado 1994).

O papel do Estado na liberalização econômica permite, em segundo lugar, revisar a crise do Estado desenvolvimentista. A crítica neoliberal interpretou a crise como resultado de um Estado demasiado grande, demasiado forte, que asfixia o mercado. É certo que a intervenção do Estado foi bem sucedida na primeira fase da estratégia de substituição de importações (substituindo a falta de capitais e de mercados) mas fracassou em dar o passo seguinte, de vincular a produção nacional com a economia mundial. A partir de certo nível o protecionismo estatal inibe as dinâmicas inovadoras do mercado. Isso marca a diferença entre estados desenvolvimentistas da América Latina e os do Sudeste asiático. Precisamente o estudo desses casos bem sucedidos de "desenvolvimentismo" permite outra interpretação. A origem da crise estaria não em um Estado demasiado forte mas em um Estado demasiado débil. Assinalaram-se duas causas complementares. Por um lado, uma crise fiscal crônica, que impede o Estado de dispor de poupança pública para financiar as políticas de desenvolvimento (Bresser 1994). Por outro lado, o aparelho estatal carece de autonomia e acaba ficando cativo dos laços clientelísticos com as elites nacionais. Em retrospectiva, parece correta a tese de Evans (1992) quando insiste na necessidade de uma embedded autonomy do Estado. Este há de ser autônomo com respeito às pressões sociais e simultaneamente inserido na estrutura social mediante múltiplas redes de interação. Essa reinterpretação da crise do "desenvolvimentismo" exige uma reorientação estratégica: "Se o objetivo do enfoque neoliberal é reduzir o papel coordenador do Estado, o enfoque social-democrata tem por objetivo a sua reativação" (Bresser 1994, p. 27).

Uma terceira conclusão refere-se ao debate, fortemente ideologizado, entre "neoliberais"e "neo-estatistas" acerca da relação entre Estado e mercado (Lechner 1992). Junto com assumir a economia capitalista de mercado deve-se limitar seu alcance. As experiências recentes da América Latina (como da Europa oriental) confirmam a constatação histórica de Polanyi (1992): o mercado por si só não gera nem sustenta uma ordem social. Assim como o bom funcionamento do Estado descansa sobre sua inserção na trama social (Migdal 1988) também o bom funcionamento do mercado depende da sua inserção em instituições sociopolíticas. No dias de hoje é evidente que Estado e mercado obedecem a racionalidade diferentes. Por conseguinte, o Estado não pode substituir o mercado nem pode ser substituído pelo mercado. Reconhecer na relação entre Estado e mercado uma tensão irredutível implica respeitar o papel "essencialmente político" do Estado (Bradford 1994a, p. 24) e não reduzir a política a um "mercado político". De fato, a própria reforma do Estado foi deixando de lado a ortodoxia neoliberal; na medida em que a privatização das empresas públicas e a racionalização da burocracia adminstrativa avançam, o próprio processo exige novas formas de regulação estatal. A noção de "Estado regulador" (Muñoz 1993) descreve as novas funções econômicas: estabelecer o quadro institucional, fiscalizar as funções delegadas à iniciativa privada e imprimir maior transparência ao mercado ao assinalar a informação requerida. A dimensão econômica é, contudo, somente um aspecto das relações entre Estado e sociedade.

A conclusão me parece óbvia. Esgotado o ciclo do Estado desenvolvimentista e cancelado o objetivo neoliberal de desmantelar o Estado, a tarefa atual consiste em reconstruí-lo (Evans 1992, p. 141). Requer-se um enfoque no qual, parafraseando Arthur Lewis, o Estado seja considerado ao mesmo tempo como problema e como solução (citado por Kohli 1993, p. 681). Até agora foram enfatizados os problemas que o Estado coloca para uma ampla restruturação que adapte as economias latino-americanas ao novo contexto. É hora de enfocar o Estado como "solução" que decide o rumo e o ritmo dessa reorganização da sociedade5 5 Ilustrativo do descompasso é o balanço da experiência chilena, realizado por Enrique Correa: "Sem dúvida houve avanços em subtrair do setor público diversas atividades produtivas, nem sempre de boa maneira. Mas as funções mais próprias do Estado seguem mal atendidas, enquanto seus novos papéis são objeto de uma desconsideração de gravidade estratégica (...) A proposta não seguiu o como fazer, talvez porque a sabedoria convencional enfatiza exclusivamente a quantidade e não a qualidade do setor público". (Correa 1995, p. 11). . Isso significa uma reorientação nítida das atuais reformas do Estado, cujo reducionismo econômico erra o alvo: as novas relações entre sociedade e Estado. Em menos de 20 anos os países latino-americanos viveram uma profunda "revolução" não só das estruturas econômicas mas também das relações sociais, das atitudes e dos valores predominantes. Está emergindo uma nova configuração social, uma sociedade de mercado, que deixa deslocado tanto o velho Estado desenvolvimentista como o Estado regulador. Simultaneamente, emerge uma nova consciência de cidadania que, ainda confusa, recria a idéia de Estado. Muda pois o campo de intervenção estatal, junto com as demandas e expectativas referidas ao Estado. Em resumidas contas, ao lado das mudanças políticas em marcha ocorre uma profunda transformação da própria política (Lechner 1995) modificando o quadro em que se situa a questão do Estado. Faz-se necessário, portanto, conceber uma reforma do Estado capaz de integrar diferentes planos. De modo muito esquemático apontarei três âmbitos ou desafios.

1. Estado nacional e economia mundial

O Estado nacional constitui-se na América latina, como em outras regiões, traçando uma fronteira nítida entre âmbito interno e externo. Sua soberania tem uma dupla face: delimitação de um território e/ou uma nação para fora, frente ao sistema de estados, e para dentro, ao fixar os limites da ordem social. Atualmente tanto a soberania externa como a soberania interna encontram-se questionadas.

Existe, desde os inícios, uma contradição estrutural entre o princípio da soberania nacional e as dinâmicas do mercado, que, por princípio, não conhecem limites de tempo e espaço; ela se manifesta na América Latina do século XIX na conhecida dualidade entre liberalismo econômico (para fora) e ordem oligáriquica (para dentro). A distinção clara e precisa entre interno e externo evapora-se com o vertiginoso processo de globalização que, a partir dos anos setenta, reorganiza a territorialidade das sociedades ao segmentar e entrelaçar simultaneamente diversos espaços, desde o centro trilateral (EUA, Japão, União Européia) e agrupamentos regionais (NAFTA, Mercosur) até núcleos locais. O novo arranjo global-local não só dilui as fronteiras geográficas entre o interno e o externo; também permeia a delimitação nacional da temporalidade. A globalização concatena urna diversidade de ritmos, dinâmicas e horizontes temporais que fragmentam as percepções da história nacional e de um futuro nacional. Isto modifica o significado da soberania enquanto delimitação da trama espaço-temporal. Quando a sociedade se desterritorializa e perde sua unidade compacta delibita-se o "poder infra-estrutural" do Estado (Mann 1984) de penetrar e coordenar centralmente as atividades sociais. Apesar disso, a globalização não elimina a referência nacional e seria prematuro emitir o certificado de óbito do Estado nacional. Apesar do peso crescente das instâncias e regulações supranacionais, ele persiste, mas sofre uma redefinição profunda.

O quadro atual já não se restringe à economia nacional que conformava os marcos teóricos (Keynes) e o contexto prático do Estado desenvolvimentista. Os fatores internos encontram-se cada vez mais entrelaçados com a economia mundial sob o novo paradigma da "competitividade sistêmica" (Bradford 1994b). Observamos uma complexa articulação de subsistemas internos e externos, assim como de planos macro e micro. Mais do que a competitividade de uma ou outra empresa singular, conta a combinação de múltiplos fatores: níveis de produtividade, capacitação da mão de obra, estabilidade institucional e segurança legal, clima político favorável, e assim por diante. Isso requer um novo tipo de Estado, capaz de oferecer ao setor privado um enquadramento estratégico para as decisões de inovação e investimento, e políticas específicas de apoio à produtividade e à competitividade internacional. O Estado nacional já não representa tanto uma delimitação (defensiva) para fora quanto um vínculo (agressivo) com o externo. De fato, a globalização que incorpora (de maneira ativa ou passiva) os diversos aspectos da vida social a um "sistema mundial" tem sua contrapartida na internacionalização, ou seja, estratégias que vinculam o "nacional" com os processos de mundialização (Diaz 1995). A internacionalização exige do Estado uma dupla tarefa: criar condições atraentes para "localizar" as inversões estrangeiras no país e, por outro lado, fomentar um ambiente favorável ao desenvolvimento convergente dos elementos endógenos. Por conseguinte, o ativismo do Estado não se reduz a iniciar e impulsionar as políticas de ajuste e liberalização econômica. Uma vez cumprida essa etapa, o Estado continua tendo uma intervenção decisiva para reorganizar os fatores relevantes (desde a regulação dos mercados e uma política industrial até a coesão social) em uma composição que seja competitiva frente a outros países. Esta função é tanto mais importante quanto a economia mundial sempre se encontra ameaçada de guerras comerciais. O Estado nacional converte-se assim em "Estado comercial" ou "Estado concorrencial" (Altvater 1994) sumamente instrumentalizado em função das dinâmicas do capital. Essa redefinição do Estado supõe uma rearticulação dos atores sociais; ponto de que tratarei em seguida.

2. Estado de bem-estar e integração social

Cabe reiterar que a mundialização da economia não envolve um ou outro grupo social mas abarca (de modo muito diferenciado) o conjunto da sociedade; a sociedade inteira — deliberada ou involuntariamente — vê-se arrastada e incorporada à concorrência mundial. Por conseguinte, a reorganização e, concretamente, a integração da sociedade tornam-se um fator decisivo para alcançar uma "competitividade sistêmica". Mas a integração social não é somente um requisito da integração transnacional. Ela é, definitivamente, a base de qualquer convivência em sociedade e, portanto, justifica-se por si mesma. A violência e a insegurança, o desarraigamento e o desamparo determinados pelas atuais condições de vida, particularmente da vida urbana, recordam-nos quotidianamente do papel fundamental da coesão social.

As exigências da integração social implícitas nas estratégias de desenvolvimento colidem com as tendências à desagregação social que essas mesmas estratégias provocam. Hoje é evidente, de resto, que os processos de globalização envolvem processos de segmentação entre países (Norte-Sul) assim como no interior de cada país. Nenhuma análise da América Latina pode desprezar o fato de que se trata da região com maiores desigualdades sociais do mundo. Ainda mais: essas desigualdades aumentaram com as políticas de ajuste e reconversão econômica na década de oitenta6 6 Basta mencionar um indicador conhecido: de acordo com dados da CEPAL a população em situação de pobreza baixou de 45% a 41% entre 1970 e 1980 para subir de 41% a 46% da população total entre 1980 e 1990 (CEPAL 1994, p. 157). A complexidade do problema fica visível no caso do Chile, que, em anos recentes, conseguiu diminuir o número de pobres ao preço de aumentar a brecha entre os grupos mais ricos e mais pobres. . Uma espécie da "darwinismo social" corrói os mecanismos de integração. É verdade que subsistem os laços tradicionais de solidariedade, mas essas redes têm um alcance limitado. Os mecanismos estatais de seguridade social, por seu turno, são insuficientes e ineficientes, sendo desmantelados em benefício de seguros individuais. Ao mesmo tempo, as políticas sociais são reformuladas em função de critérios de eficiência econômica, muitas vezes inconsistentes com os objetivos de coesão social. Em suma, a flexibilização da trama social, exigida pelo desenvolvimento da sociedade de mercado, termina agravando a desarticulação de uma sociedade historicamente débil.

Neste contexto, torna-se prioritária a reconstituição de padrões de integração social que sejam não só compatíveis com a eficiência econômica como concordantes com critérios de equidade social e, sobretudo, politicamente viáveis. Trata-se de criar e readequar um conjunto de direitos e instituições como contrapartida necessária à diferenciação social e funcional. Em todos os países latino-americanos presta-se a maior atenção à nova "agenda social": desde a reforma das políticas sociais (incluindo políticas de emprego) até formas inovadoras de participação, passando pela criatividade cultural. Basta recordar a "questão social" em inícios do século para visualizar o desafio no final do século; como então, o próprio desenvolvimento capitalista exige um Estado que defenda a ordem coletiva contra as tendências à exclusão e à fragmentação. Nesse sentido, o Estado moderno encontra sua "razão de ser" no Estado de bem-estar. Essa tarefa torna-se mais urgente com os processos de globalização7 7 Considerando que as pressões migratórias entre os países dependem das oportunidades de emprego, resulta indispensável nivelar as condições sociais de vida e homologar os direitos sócio-econômicos. No futuro, a integração regional da América Latina não poderá responder apenas a exigências comerciais mas deverá abarcar as condições de bem-estar social dos diversos países. ; se a competitividade numa economia globalizada restringe a margem de manobra do Estado (condicionada pelo livre fluxo dos capitais) ela também incrementa o papel do Estado na articulação social. Sua viabilidade política depende da reformulação do "pacto social-democrata" (Bresser et al, p. 93). De fato, multiplicam-se as vozes que, desde diversos ângulos, reclamam um novo "pacto social" ou, mais modestamente, uma cadeia de acordos setoriais que permitam rearticular os diferentes setores sociais e políticos, determinar uma perspectiva comum e distribuir os custos e benefícios do processo. Trata-se de um enorme esforço de reorganização social, que pressupõe a criação de consensos fundamentais. Isso nos remete ao terceiro desafio enfrentado pela reforma do Estado.

3. Estado e democratização

O desafio da América Latina pode ser resumido na tarefa de harmonizar o desenvolvimento econômico com a equidade social e a democracia política. Compatibilizar diferentes objetivos é uma tarefa eminentemente política, na qual, como vimos, o Estado desempenha um papel preponderante. Em conseqüência, requeremos um enfoque mais político do que tecnocrático do Estado. Como aponta Collin Bradford (1994a, p.17) "existe uma relação entre a necessidade de uma reforma do Estado e a necessidade de uma renovação na política, de modo que os objetivos da reforma sejam claramente definidos, sustentados, concretizados e realizados por intermédio da política". Apesar de certa recuperação da análise política do Estado, a brecha entre Estado e política democrática continua aberta. Já ressaltei, no caso do México, um traço geral da América Latina: a desvinculação entre o processo de democratização e a reforma do Estado. Por um lado, há reformas substantivas dos procedimentos eleitorais e, muito menores, do sistema de partidos e do regime presidencialista. Essa preocupação com a democracia como regime político não abarca, entretanto, o Estado. Por outro, a reforma do Estado guia-se por um enfoque tecnocrático, sem fazer referência à ordem democrática. Poucas vezes se coloca a questão do Estado democrático. Não obstante os inconvenientes que apresenta8 8 Há, sem dúvida, bons argumentos para limitar o conceito de democracia ao regime político ou à sociedade política. Touraine (1994, p. 69) insta a "denscofiar dos chamados a democratizar o Estado ou a sociedade. O Estado é por si democrático, posto que sua função principal consiste em defender a unidade e a força da sociedade frente aos estados estrangeiros e as mudanças históricas de longo alcance". , o termo permite chamar a atenção sobre a natureza política do Estado.

Ao falar de Estado democrático destacamos a dimensão política do Estado enquanto comunidade de cidadãos. Tendo desaparecido os princípios constitutivos externos (legitimidade divina, tradição consagrada) é por meio do Estado como instância geral que a sociedade (dividida) se reconhece a si mesma enquanto ordem coletiva e que os indivíduos se reconhecem reciprocamente como pertencentes a uma mesma comunidade. O Estado não é neutro: como "síntese da sociedade" representa, garante e reproduz os padrões de convivência social. Em conseqüência, as formas de constituição e de exercício da cidadania devem ser tomados como elementos constitutivos do Estado. Isso marca não só a diferença com o Estado autoritário; também estabelece uma referência crítica para avaliar nos dias de hoje o Estado em nossos países. Quando em vastos territórios da região não existe nem igualdade perante a lei nem um acesso eqüitativo à justiça, não existe um aparelho estatal razoavelmente eficiente e os serviços públicos se encontram "feudalizados" em benefício de elites locais, ou seja, quando amplos setores não estão em condições de exercer seus direitos de cidadania o caráter democrático do Estado está em xeque (O'Donnell 1994).

Por outro lado, a referência ao Estado democrático destaca o caráter político da intervenção estatal. Considerando o papel estratégico do Estado na condução do desenvolvimento social, não é indiferente se a intervenção estatal é decidida segundo critérios democráticos ou não-democráticos. Já vimos que a capacidade promotora ou "catalizadora" do Estado depende não só da autonomia do aparelho estatal, encarnada no ideal weberiano da racionalidade burocrática; tampouco basta essa embedded autonomy desenvolvida em redes de interação com os atores sociais. A intervenção estatal implica — desde a definição das opções até a execução das decisões tomadas — a elaboração e atualização contínua de acordos políticos; está pois estreitamente presa ao tipo e à dinâmica do sistema político e, em particular, ao sistema de partidos. A experiência latino-americana é particularmente rica em fenômenos que, de uma maneira ou outra, assinalam as dificuldades na construção desses acordos políticos que ofereçam respaldo social às novas estratégias de desenvolvimento. Isso favorece a tendência a two track polities, em que a democracia fica restringida à sociedade política, enquanto o governo se situa acima do jogo democrático e livre de peias para levar a cabo medidas de reconversão econômica de alto custo social. Esta estratégia — democracia na arena política, mas não no governo — parece oferecer "a melhor oportunidade de reconciliar as metas contraditórias de democracia e executivos fortes, capazes de sustentar a racionalidade econômica"(Kohli 1993, p. 683). Trata-se de uma fórmula atraente, pois dá resposta à pergunta recorrente dos governo na região: como harmonizar eficiência econômica (capitalista) e legitimidade política (democrática)? A encruzilhada convida à interrogação sobre as capacidades estatais de condução política.

AS DIFICULDADES DA CONDUÇÃO

Essa sumária revisão das transformações do Estado ressalta um aspecto crucial para reconceptualizar a relação entre Estado e sociedade: a capacidade de condução dos processos sociais por parte do Estado. Independentemente de como determinemos as funções e capacidades do Estado (Almond e Powell 1966) por longo tempo esteve fora de dúvida que o Estado encarna o centro diretor da vida social. Atualmente o estudo do Estado está determinado por um fenômeno de destaque: a natureza do Estado como instância geral; de representação e coordenação social encontra-se em xeque. "A história do pensamento político do século XX pode ser escrita como a história da crescente modéstia das pretensões à condução que se colocam para o Estado" (von Beyme 1991, p. 355 sg). Da euforia da planificação passamos aos pactos corporativos, para desembocar na idéia de sistemas auto-regulados. Na realidade, a acelerada diferenciação da sociedade e a crescente autonomia dos diversos campos da vida social questiona cada vez mais a "unidade" da sociedade e, por essa via, a capacidade do Estado de organizar a vida em comum. Arroja-se na cara do "primado da política" a nova complexidade social. A isso agregam-se na América Latina as reformas neoliberais, que eliminam o Estado, seja como promotor de múltiplos processos seja como destinatário de muitas reivindicações sociais. Não obstante, suspeito de que a demanda de condução subsiste. Ainda mais: cabe supor que as novas e maiores incertezas incrementam as exigências de condução. Vejo na "crise de orientação" que caracteriza nossa época tanto o reflexo das diminuídas capacidades do Estado como a reclamação por novos alvos orientadores. Encontramo-nos pois na situação paradoxal de que as capacidades estatais de condução diminuem ao mesmo tempo que as demandas de condução aumentam.

Antes de tratar do dilema, devo indicar o que entendo por capacidades estatais de condução. Começo por uma delimitação negativa: não me refiro à liderança política, embora o processo de tomada de decisões governamentais (sua coerência política, qualidade técnica e comunicação social) mereçam maior atenção. Ademais, a visão intelectual e os "fatores subjetivos" dos dirigentes pareceriam ser o principal condicionante das diferenças nas políticas econômicas entre e dentro dos diferentes partidos (Maravall 1995, p. 215). Tampouco me refiro à gestão das políticas públicas, sendo que ela representa um aspecto crucial de qualquer reforma do Estado (Lahera 1993). As medidas tendentes a desburocratizar a administração pública, dando-lhe uma perspectiva mais dinâmica (mais empresarial) pouco nos dizem sobre os fins organizacionais.

A capacidade condutora (steering capacity) consiste, no meu entender, no poder do Estado de coordenar as forças sociais em torno de uma perspectiva de desenvolvimento. Remete pois à decisão política acerca dos objetivos sociais e ao desenho de estratégias consistentes com tais fins. Mas a direção depende não só da finalidade desejada (decidida); depende também, como vimos, de um reordenamento das forças sociais. Impõe-se articular os diferentes atores e processos sociais com vista à perspectiva fixada. O Estado cumpre essa tarefa de coordenação de múltiplas formas. Aqui ressalto um aspecto poucas vezes considerado: a fixação de limites. Por uma parte, fixando limites temporais. Todo Estado recorta o passado e estiliza em função de uma história nacional do mesmo modo que recorta o futuro aberto, fixando entre infinitas possibilidades um horizonte de objetivos desejados e/ou prováveis e, portanto, definindo uma perspectiva que canaliza e articula as expectativas dos distintos setores. Por outro lado, fixando os limites do espaço social. Delimitar o espaço social, estabelecendo os critérios de inclusão e exclusão, é seguramente o elemento fundamental do Estado na construção da ordem. Esta delimitação básica implica outras classificações ordenadoras das relações sociais, como, por exemplo, os limites entre o lícito e o ilícito (sistema legal). Merece uma menção à parte pela sua complexidade a tarefa do Estado de fixar limites ao mercado. Dado que a economia de mercado e, em particular, o processo capitalista de acumulação não têm mecanismos de auto-restrição, foram-lhes impostos limites a partir de fora. Além do direito, a moral e os bons costumes, cabe ao Estado estabelecer o quadro institucional indispensável para canalizar o desenvolvimento espontâneo do mercado. Finalmente, o Estado deve fixar seus próprios limites, demarcando seu próprio campo de ação. Embora as normas básicas — direitos humanos, Estado de direito, divisão de poderes, federalismo — costumem ter nível constitucional, as dificuldades em restringir a expansão administrativa indicam as dificuldades que — em todos os casos — a fixação de limites encontra. Estes tendem a ser fluidos e móveis, adequando-se às dinâmicas sociais. No entanto, todos os deslocamentos de limites, todas as transgressões jamais põem em dúvida a necessidade de limites. No fundo, trata-se de reduzir a complexidade do real. O ser humano e a vida social não suportam demasiada realidade. O Estado cristaliza esse recorte da realidade; ao demarcar e tornar previsível a realidade cotidiana, estabelece a ordem das coisas. Sobre esse pano de fundo podemos lançar um olhar mais agudo nos problemas de condução que o Estado enfrenta atualmente.

A ação do Estado foi questionada e cerceada pelo antiestatismo da ofensiva neoliberal nos anos oitenta. Essa restrição deliberada da intervenção estatal esteve acompanhada de outras tendências que comprometem as capacidades estatais de condução. Agora, quando o papel estratégico do Estado volta a ser valorizado, convém revisar esses fatores, alguns dos quais saltaram à vista na recente crise mexicana.

1. A restruturação do espaço. Esta é a primeira razão para o declínio da capacidade estatal de condução. O "efeito tequila" mostrou conclusivamente a desproporção que existe entre o caráter global das grandes transformações sociais e o alcance apenas nacional que tem o manejo político desses processos. A globalização dos mercados financeiros, das comunicações e das inovações tecnológicas, assim como as das mudanças climáticas, das epidemias e do crime organizado, ressalta os estreitos limites (nacionais) que se antepõem à ação estatal. A restruturação do espaço geográfico não chega a ser compensada por uma coordenação supranacional dos governos. Apesar da precária legitimação democrática desses acordos, a própria política democrática (desde a identificação cidadã até as instituições representativas) tende a descansar sobre uma noção de pertinência territorial que precisamente é solapada pelos processos de globalização.

2. A diferenciação funcional. Os diferentes campos da vida social — economia, arte, ciência etc — adquirem cada vez mais autonomia, obedecendo a racionalidades específicas e incompatíveis entre si. Configura-se uma sociedade sem centro, descentrada, que torna impossível uma visão centralizada do "todo". A "lógica política" já não pode estabelecer funções vinculantes para outros campos (o campo econômico ou o científico), que obedecem a outros códigos. Frente a tais subsistemas auto-organizados e auto-referidos a condução política é, segundo Luhmann e Hayek, não só desnecessária como inadequada. Embora não adotemos essa posição extrema, é evidente que a dispersão do espaço social redefine o papel do Estado como vértice da pirâmide social e, concretamente, limita o mando hierárquico de que dispõe o Estado.

3. O redimensionamento do tempo. Isso é evidente na crise mexicana, ao considerar-se a defasagem entre as dinâmicas econômicas e políticas. A disponibilidade ou criação de recursos políticos (apoio parlamentar, opinião pública etc) obedecem a um ritmo muito mais pausado do que o exigido pelas idas e vindas da economia. Em geral, existe uma arritmia entre a urgência das decisões governamentais e a lentidão com que amadurecem as políticas democráticas. Por conseguinte, a agenda pública se fragmenta em diversas "ordens do dia" sobrepostas, esfumando a perspectiva. Ainda mais: prevalece uma assintonia generalizada entre os diversos processos e mudanças sociais — uma sociedade com múltiplas velocidades — que o Estado não consegue sincronizar.

4. Modificam-se os horizontes da política. Como aponta Luhmann (1973) um aspecto crucial da política é a distância temporal que medeia entre presente e futuro, entre decisão e resultado. Toda decisão é uma aposta, na medida em que antecipa um resultado desconhecido por todos. Que uma decisão seja correta ou não só pode ser constatado ex post; o êxito ou fracasso são juízos posteriores à ação, enquanto a decisão é anterior. Esta "antecipação arriscada do futuro" torna-se problemática com a atual aceleração do tempo. Vivemos um "presente onipresente" no qual o futuro se desvanece e, portanto, resulta mais difícil fixar metas e comprometer-se com determinados resultados. Um excesso de opções possíveis desborda o cálculo dos resultados prováveis e, portanto, aumenta o risco da aposta política. A esta situação de maior contingência a política responde buscando decidir com máxima flexibilidade as metas e reduzi-las ao prazo mais curto. Ao mesmo tempo, contudo, uma extrema flexibilidade na seleção dos objetivos imediatos incrementa a demanda de sentido. A política enfrenta pois o dilema de encurtar ao mínimo o horizonte de ação e, simultaneamente, construir um horizonte de sentido que transcenda a imediação (Millán 1995). Mas a desvinculação entre presente e futuro deteriora precisamente as capacidades do Estado de projetar uma ordem duradoura. Isto nos leva ao último ponto.

5. O vertiginoso incremento da incerteza. Esta é a razão principal do enfraquecimento das capacidades de condução do Estado (e que engloba os motivos anteriores). Existe uma nova e maior complexidade social (Zolo 1994) que se manifesta na variedade e descontinuidade das linguagens, entendimentos, técnicas e valores em uso. Esta já assinalada autonomia dos códigos funcionais combina-se com uma crescente interdependência entre os diferentes subsistemas, dando lugar a uma coordenação difusa e policêntrica. A conseqüente pluralidade de espaços, regulados por critérios contingentes e flexíveis, mina os princípios universais e as crenças coletivas que serviam de ancoragem simbólica. Multiplicam-se assim as opções possíveis, provocando uma "sobrecarga seletiva"; quanto mais se amplia a margem das possibilidades mais urgente se torna a decisão. Neste contexto de crescente incerteza é tentador reduzir a complexidade mediante um "fechamento" das alternativas aceitas. Ou seja, renunciar à condução e seus dilemas e instalar-se onde puder na ordem de coisas existente: "more of the same".

Suscitam-se assim duas questões acerca da capacidade estatal de condução: é ela necessária? é ela possível? É dispensável a condução estatal quando a vida social (o sistema social) consiste num conjunto de subsistemas auto-regulados espontaneamente conformes aos seus respectivos códigos, que se coordenam horizontalmente entre si mediante uma rede de conexões e interações. Certamente essa diferenciação funcional avança a grandes passos e, de fato, solapa as estruturas hierárquicas. Apesar disso, a auto-regulação interna e a coordenação entre os diferentes subsistemas não são auto-suficientes ao ponto de prescindir da direção estatal. Voltemos ao exemplo do México. Nem o questionamento das formas de integração social provocado pela rebelião de Chiapas nem os efeitos disruptivos da crise financeira sobre a estrutura produtiva se resolvem de maneira espontânea, muito menos as turbulências mundiais provocadas pelo "efeito tequila". Nessas e em outras situações semelhantes todos os atores envolvidos demandam a intervenção do Estado, e essa expectativa é um elemento da realidade. Mesmo em países com menor grau de conflitividade, como o Chile, o próprio desenvolvimento social exige que o Estado fixe um horizonte para a diversidade de opções possíveis. Para poder levar a cabo uma "política de Estado" (baseada em acordos de longo prazo que evitem uma relação de "soma zero" entre governo e oposição) requer-se um "projeto de país" , ou seja, "um consenso nacional em torno a uma referência orientadora de longo prazo, que facilite um processo de desenvolvimento em que todos os atores possam 'remar' harmonicamente numa mesma direção" (Boeninger 1994, p. 28). Parece-me, em resumidas contas, que não estamos ante uma "auto-regulação social" que torne prescindível a intervenção estatal.

AS POSSIBILIDADES DA CONDUÇÃO

Admitindo-se a necessidade de uma capacidade estatal de direção, a pergunta de fundo aponta para suas possibilidades. Considerando o contexto que acabamos de resenhar, em que medida é factível que o Estado conduza o processo social? Trata-se de saber quais pretensões de condução são razoáveis e com que recursos conta (ou pode criar) o Estado nas circunstâncias atuais.

Na atualidade as pretensões de direção estatal não são maiores nem menores, mas diferentes. Mudaram as condições que sustentavam as fórmulas clássicas de soberania externa e interna do Estado. No âmbito externo, a política mundial já não se reduz ao sistema de estados. Embora as relações de poder entre os estados continuem sendo evidentes, especialmente na dimensão Norte-Sul, também observamos as dificuldades de (todos) os estados em controlar os processos econômicos internacionais. No âmbito interno a crescente complexidade social tornou obsoletos os discursos e os recursos de "planificação global" que prevaleciam nos anos sessenta. Em muitos campos (da política tecnológica à defesa do consumidor) as instituições estatais já não dispõem da informação, das capacidades de execução e dos mecanismos de controle necessários para realizar políticas à margem dos atores sociais. Esse enfraquecimento da intervenção estatal não significa em si um fortalecimento da iniciativa privada. Esta por sua vez depende do Estado em termos do quadro institucional e normativo, das prioridades nacionais e dos convênios internacionais que delimitam as "regras do jogo" e condicionam as expectativas. Vai-se criando uma interdependência entre instâncias estatais e atores sociais em múltiplas matérias que já não podem ser resolvidas por si sós, nem pelo mando hierárquico do Estado nem pelo mercado (ou seja, por uma coordenação descentralizada). Disso não resulta que as demandas de condução sejam agora mais modestas; são mais complicadas.

As possibilidades de conduzir os processos sociais do Estado dependem de condições de índole muito diferente. Por um lado, o Estado não é, de modo algum, uma instituição homogênea. À parte as pugnas intraburocráticas de interesses e ciúmes, coexistem em seu seio racionalidades diferentes; as políticas de Estado de lenta maturação e longo prazo entram em choque com o cálculo conjuntural imposto pela competição partidária. Além disso, o sistema partidário na América Latina costuma ser fraco em legitimidade e expertise e tem dificuldades para manejar com desenvoltura a dialética de conflito e cooperação própria do processo democrático. Por outro lado, o Estado se encontra inserido em uma estrutura social que se caracteriza por fortes desigualdades sócio-econômicas e grandes diferenças étnico-culturais. Isso gera uma ordem de prioridades muito fracionada e horizontes temporais diversificados. As capacidades estatais dependem, especialmente no novo contexto, da interação com os atores sociais. Os atores de trajetória mais longa (associações empresariais, sindicatos) estão habituados a viver à sombra do Estado e aprendem muito lentamente a desenvolver iniciativas autônomas; os novos movimentos sociais tendem a ser mais criativos, mas de responsabilidade limitada. Tais condições, somadas aos problemas antes apontados, restringem as capacidades estatais de condução.

As possibilidades são também limitadas pelos recursos disponíveis. Ao Estado custa cada vez mais recorrer ao seu recurso fundamental: a hierarquia. Basta ver a distância que vai da situação atual ao anterior estatismo, tão influente na América Latina. Este apoiava-se em dois pressupostos: o de que o Estado dispõe de recursos ilimitados de condução e, por outro lado, que a sociedade é amplamente amoldável pela intervenção estatal. Ambas premissas mostraram-se errôneas9 9 Minha reflexão não leva em conta a dimensão histórica do tema. Estudos futuros deverão comparar nossa época de inflexão com os processos de decomposição e recomposição do ordenamento social nos anos trinta, quando ocorre uma importante reestruturação do Estado tanto na América Latina quanto na Europa. . Tanto a hierarquia baseada no mando administrativo como a hierarquia baseada no mando político e na sua legitimidade são recursos limitados; além disso, a sociedade de mercado recorta drasticamente o campo da ação estatal. Mas isso não significa que a coordenação vertical dos processos sociais (hierarquia) seja substituída por uma coordenação horizontal (mercado). Sabemos bem que o mecanismo de preços não opera para tudo nem sempre. Justamente em momentos de crise, quando as demandas de condução são mais urgentes, o mercado falha. Além disso, a "antecipação arriscada do futuro"(Luhmann) refletida pelos preços costuma traduzir-se em apostas tanto ou mais especulativas quanto as decisões políticas.

Hierarquia e mercado são os principais mas não os únicos mecanismos de coordenação na sociedade moderna. De fato, o Estado conta não só com a planificação e os pactos corporativos, mas também dispõe de outros instrumentos de condução: a criação de instâncias autônomas de direito público, a delegação de tarefas a organizações não governamentais, a política de subsídios, a concertação mediante redes informais e, claro, a intervenção subsidiária no caso de fracasso dos mecanismos de mercado (von Beyme 1991, p. 352).

Na América Latina estão adquirindo especial relevância dois dos dispositivos mencionados. Por um lado, a formação de instituições públicas, autônomas em relação ao governo (como é o caso de vários Conselhos), que fixam objetivos e balizamento institucional, garantem o cumprimento das normas vigentes, velam pela transparência do mercado e defendem o usuário. Trata-se de instâncias mediadoras que, sem depender de diretrizes governamentais, resguardam o interesse público ao mesmo tempo que respeitam a auto-regulação do campo e as dinâmicas do mercado. Por outro lado, o desenvolvimento de redes políticas informais, que reúnem os principais atores estatais e sociais interessados me resolver determinada matéria. Destaco, em particular, as mencionadas redes de negociação, na convicção de que boa parte da "política realmente existente" (de políticas de desenvolvimento regional e políticas de exportação às reformas dos sistemas de saúde e educação) ocorre nesses mecanismos de coordenação.

As redes políticas

Com o fim de compensar as insuficiências dos mecanismos estatais de coordenação vertical surgem os policy networks (Marin e Mayntz 1991) como estruturas mais flexíveis de coordenação horizontal. Quando a capacidade de formular, decidir, executar a avaliar políticas se encontra dispersa em distintos atores, públicos e privados, essa interdependência leva à conformação de redes que permitem intercambiar informação, negociar os interesses em jogo, distribuir custos e benefícios e assim tomar em conjunto as decisões com a certeza de que cada participante cumpra os compromissos contraídos. Esse mecanismo tem a vantagem de facilitar uma interação rápida e fluente entre diferentes instituições; tanto entre distintas instâncias estatais como entre estas e os partidos, atores econômicos e atores sociais. Ademais tem o mérito de estar circunscrito a determinada matéria e reunir os organismos interessados em chegar a resultados concretos, com a conseqüência de que as negociações costumam ser ágeis e de duração limitada. As redes políticas se diferenciam tanto do corporatismo quanto do mercado. Diversamente dos pactos corporatistas ou das negociações com grupos de pressão, não se trata de uma concertação de interesses contrapostos, convocada, avalizada e implementada pela hierarquia de uma instância estatal. Diversamente do mercado, as redes não se apoiam no equilíbrio espontâneo de alguma "mão invisível" mas apontam deliberadamente para um resultado intencional de interesse compartilhado por todos.

A coordenação reticular não substitui a estrutura hierárquica; a condução estatal costuma desenvolver-se mediante uma combinação de mecanismos verticais e horizontais. Também nas redes estão presentes relações de poder, mas amortecidas pelo propósito de chegar a decisões compartilhadas. Quanto ao mais, vale lembrar que as redes não representam uma panacéia para os males da condução política. Não obstante seu auge, as redes políticas levantam uma série de problemas conhecidos. Mencionarei alguns (Messner 1994).

(a) A teoria dos jogos nos ensina alguns problemas enfrentados pelas estratégias de cooperação e conflito em que se desenvolvem as redes. Por um lado, a possível inconsistência dos atores, seja porque se trata de atores heterogêneos, internamente divididos, seja porque variam com o tempo. Além disso, no caso das burocracias estatais, elas podem ser demasiado fechadas, restringindo excessivamente o campo de manobra, ou estar subordinadas a vínculos clientelísticos, distorcendo as negociações. Há, por outro lado, a permanente tentação de todo participante de ir de "carona" (free rider), obtendo os eventuais benefícios sem pagar os custos.

(b) As redes podem paralisar-se ou dissolver-se pelo poder de veto que tenham um ou vários atores. Também nas redes horizontais existem relações de poder, ou seja, uma distribuição assimétrica dos recursos relevantes (saberes específicos, controle da informação, existência de posições de privilégio, disposição de recursos financeiros). Isso permite a um ou vários atores vetar ou criar obstáculos a decisões contrárias aos seus interesses. Mesmo supondo uma distribuição semelhante dos recursos, pode existir uma interdependência funcional, de modo que a decisão de cada ator dependa das decisões dos demais. Se não ocorre um ajuste mútuo cada ator pode bloquear o acordo ou promover debates intermináveis.

(c) Outro tipo de dificuldades provém do bloqueio de decisões inovadoras. Uma razão disso encontra-se na necessária estabilidade das redes; a forte interdependência dos atores, a complexidade das negociações e os custos de transação exigem uma cooperação duradoura e a busca de compromissos. A busca de laços consolidados inibe conflitos e favorece consensos; daí que as redes costumem ter aversão a riscos e voltar-se para mudanças incrementais. Outro freio à exploração de caminhos novos pode ser o excesso de coesão. Uma vez que a negociação em redes pressupões certas orientações, regras e rotinas compartilhadas, essa cumplicidade pode gerar um conformismo que descarta alternativas e inovações. Essa inércia torna-se mais evidente quando uma rede deve abandonar o enfoque estabelecido. As redes são eficientes quando se trata de negociar sobre a base de interesses assentados e horizontes estáveis; em contrapartida, tendem a ser pouco flexíveis para adaptar-se a novas situações.

(d) As relações de confiança, reciprocidade e auto-estima requeridas pelo funcionamento de uma rede costumam gerar a conformação de um in-group delimitado. Esta tendência freqüentemente provoca um "fechamento" ou isolamento da rede relativamente ao ambiente e, em conseqüência, externalidades indesejáveis: a rede recusa a coordenação com outras instâncias ou decide acordos cujos custos são transferidos a terceiros. Isso nos conduz a duas objeções cruciais.

(e) Por mais bem sucedida que seja qualquer rede em obter acordos, estes refletem o interesse compartilhado dos atores participantes da rede e não necessariamente o interesse "dos outros" que não participam. Geralmente, as redes (assim como os pactos corporativos) excluem a representação de interesses não-organizados (desempregados, usuários de hospitais ou outros serviços etc). Boa parte da população fica assim excluída de acordos que, no entanto, podem afetar sua vida cotidiana. Mesmo incorporando uma representação funcional (ONGs) dos interesse não-organizados, as redes não se preocupam primordialmente com algum "interesse geral". A débil ou nula presença do interesse público tem seu impacto aumentado pela circunstância de que o sistema político não costuma ter capacidade para revisar e modificar os acordos produzidos pelas redes. Isso nos remete ao problema do Estado democrático.

(f) As redes supõem a aquiescência das "terceiras partes", ou seja, da maioria dos cidadãos não envolvidos nessas transações. Ao se atribuir um consenso tácito aos resultados acordados pelas redes, renuncia-se à geração de um acordo efetivo do conjunto dos cidadãos através das instituições representativas. A cidadania se vê confrontada a uma miríade de redes e, por essa via, a microdecisões que vão conformando de fato uma subestrutura institucional, um "Estado oculto" fora do alcance da opinião pública. Subtraído à luz pública, o Estado deixa de cumprir até mesmo os critérios "realistas" da democracia como mercado oligopólico-liberal (Zolo 1994, p. 166 sg). A cisão entre Estado e democracia torna-se completa.

A REDEFINIÇÃO DO ESTADO

Grande parte dos países latino-americanos realizaram em maior ou menor medida uma profunda reforma do Estado nos últimos anos. As medidas obtiveram avanços importantes na redução da atividade empresarial do Estado, na diminuição da administração pública e na modernização do quadro institucional. Não obstante, é um processo inconcluso, por seu enfoque unilateral. Freqüentemente as reformas tiveram como único propósito incrementar a eficiência do Estado em função da economia capitalista de mercado. Não levaram em conta nem as diferentes funções que este cumpre na produção e reprodução da ordem social nem, pelo outro lado, as profundas transformações da ordem existente e seu impacto nas coordenadas básicas da ação estatal.

As experiências recentes de adequação ao novo quadro mundial, assim como suas dificuldades (refletidas na crise mexicana) obrigam a uma redefinição do Estado. Tanto a reformulação do Estado nacional, adaptado a uma competição econômica mundializada, como a reorganização e integração da sociedade mediante um novo tipo de Estado de bem-estar e o desenvolvimento de um Estado democrático que assegure um exercício eqüitativo e criativo da cidadania — enfim, todos os desafios apontam para um Estado forte. Bem visto, o poder do Estado consiste, em grande medida, em sua capacidade de conduzir os processos sociais. O problema de fundo encontra-se pois em reconstituir as capacidades estatais de condução e coordenação no momento mesmo em que uma crescente complexidade põe em xeque o Estado enquanto instância geral de representação e regulação social.

A crise do Estado torna mais agudas as incertezas da nossa época. Ao mesmo tempo que as vertiginosas mudanças e o conseqüente desconcerto ante a nova complexidade incrementam as demandas de condução, o Estado dispõe de menos recursos políticos. Na realidade, atualmente nem o Estado nem o mercado ou a sociedade civil, nenhum por si só consegue estabelecer um horizonte de futuro fiável, que permita canalizar os processos sociais e as opções políticas em uma perspectiva compartilhada. A única maneira de proteger a convivência social frente às novas incertezas consiste em compartilhar os avatares do futuro mediante vínculos recíprocos. Ao par com o enfraquecimento do mando hierárquico e centralizado do Estado surgem então instâncias e procedimentos de coordenação horizontal e descentralizada. Essas redes políticas conformam uma espécie de "sistema de seguro mútuo"(von Beyme 1991, p. 195), no qual as capacidades e responsabilidades da condução já não se encontram exclusivamente no Estado mas são compartilhadas mediante uma trama de vínculos entre instâncias estatais e atores sociais.

A nova modalidade de coordenação não contempla, entretanto, o caráter democrático da condução. As redes excluem a população não-organizada, ao mesmo tempo que lhe atribuem um consenso tácito com os resultados acordados. Dá-se uma "neutralização do consenso" (Zolo 1994, p. 166) que conduz, tendencialmente, a uma espécie de democracia cindida, em que a democracia fica limitada à sociedade política (e, em particular, à competição oligopólica dos partidos políticos) enquanto o Estado, operando na penumbra, assegura que as decisões sejam tomadas conforme critérios técnicos. Essa cisão entre democracia e governo, entre legitimidade democrática e eficiência econômica, talvez facilite compatibilizar o regime democrático com as medidas pouco populares de restruturação econômica. É possível que a adesão à democracia possa amortecer a insatisfação com a situação econômica ou, por outro lado, o descontentamento com o desempenho do governo possa produzir uma rejeição não só das políticas como da política tout court. Os estudos empíricos não oferecem conclusões unívocas (Maravall 1995). Apesar disso, as atuais tendências insinuam uma lição muito simples: é bastante diferente ter democracia do que ter políticas democráticas. Sobre esta brecha levanta-se, hoje em dia, o Estado na América Latina.

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  • *
    "La reforma del Estado y el problema de la conduccion politica". FLACSO, Mexico,
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  • 1
    Segundo estimativas do Banco Mundial, em 1994 cerca de 64% do volume total dos fluxos líquidos de recursos aos países em desenvolvimento provinham de fontes privadas, o que supõe um aumento de mais de 150% desde 1990. Cerca de 59% da inversão estrangeira direta concentrou-se em cinco países: China, México, Argentina, Malásia e Tailândia (Banco Mundial, 1994, 31). Tradução de Gabriel Cohn.
  • 2
    Na atualidade os mercados de divisas tranformaram-se no epicentro de um a economia mundial da especulação (Chesnais, 1994). Por sua magnitude (as transações ultrapassam 1,2 bilhões de dólares por dia) os recursos nacionais de um país revelam-se irrisórios para fazer frente a um ataque à sua moeda.
  • 3
    Declaração do vice-presidente para a América Latina e o Caribe, citado pelo jornal
    Reforma, Cidade do México, 14/6/1994.
  • 4
    Cerca de 31% da população economicamente ativa do México é empregada pelo Estado, incluindo instâncias municipais e empresas paraestatais (
    La Jornada, 27/7/1995).
  • 5
    Ilustrativo do descompasso é o balanço da experiência chilena, realizado por Enrique Correa: "Sem dúvida houve avanços em subtrair do setor público diversas atividades produtivas, nem sempre de boa maneira. Mas as funções mais próprias do Estado seguem mal atendidas, enquanto seus novos papéis são objeto de uma desconsideração de gravidade estratégica (...) A proposta não seguiu o
    como fazer, talvez porque a sabedoria convencional enfatiza exclusivamente a quantidade e não a qualidade do setor público". (Correa 1995, p. 11).
  • 6
    Basta mencionar um indicador conhecido: de acordo com dados da CEPAL a população em situação de pobreza baixou de 45% a 41% entre 1970 e 1980 para subir de 41% a 46% da população total entre 1980 e 1990 (CEPAL 1994, p. 157). A complexidade do problema fica visível no caso do Chile, que, em anos recentes, conseguiu diminuir o número de pobres ao preço de aumentar a brecha entre os grupos mais ricos e mais pobres.
  • 7
    Considerando que as pressões migratórias entre os países dependem das oportunidades de emprego, resulta indispensável nivelar as condições sociais de vida e homologar os direitos sócio-econômicos. No futuro, a integração regional da América Latina não poderá responder apenas a exigências comerciais mas deverá abarcar as condições de bem-estar social dos diversos países.
  • 8
    Há, sem dúvida, bons argumentos para limitar o conceito de democracia ao regime político ou à sociedade política. Touraine (1994, p. 69) insta a "denscofiar dos chamados a democratizar o Estado ou a sociedade. O Estado é por si democrático, posto que sua função principal consiste em defender a unidade e a força da sociedade frente aos estados estrangeiros e as mudanças históricas de longo alcance".
  • 9
    Minha reflexão não leva em conta a dimensão histórica do tema. Estudos futuros deverão comparar nossa época de inflexão com os processos de decomposição e recomposição do ordenamento social nos anos trinta, quando ocorre uma importante reestruturação do Estado tanto na América Latina quanto na Europa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      1996
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