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As câmaras setoriais e o meso-corporativismo

The "sectorial chambers" and meso-corporativism

Resumos

Com base no caso das "câmaras setoriais" na industria automobilística examina-se a introdução de uma experiência de organização "meso-corporativa" no contexto brasileiro.


Regarding the case of the "sectorial chambers" in the automotive industry the introduction of a "meso-corporative" experience in the Brazilian context is examined.


REFORMAS

As câmaras setoriais e o meso-corporativismo* * A primeira versão desse texto foi apresentada no Seminário "The Politics of Inequality in Latin America", realizado em março de 1994 em Nova York. O autor agradece o apoio institucional e intelectual do Cedec, onde foi recebido como pesquisador visitante em diversas ocasiões, do Institute of Latin American and Iberian Studies da Universidade de Columbia, e o apoio financeiro do programa Fulbright-Hays e a Inter-American Foundation. Também agradece a tradução habilidosa realizada por João Paulo Veiga e os comentários de Douglas Chalmers, Alvaro Díaz, Robert Kaufman, Alfred Montero, Victoria Murillo, Katherine Roberts-Hite, Ian Roxborough, Monica Segarra e João Paulo Veiga. Tradução João Paulo Veiga.

The "sectorial chambers" and meso-corporativism

Scott Martin

Prepara tese de doutorado em Ciência Política, e é pesquisador do Center for the Social Sciences da Universidade de Columbia, Estados Unidos, e pesquisador-visitante do CEDEC

RESUMO

Com base no caso das "câmaras setoriais" na industria automobilística examina-se a introdução de uma experiência de organização "meso-corporativa" no contexto brasileiro.

ABSTRACT

Regarding the case of the "sectorial chambers" in the automotive industry the introduction of a "meso-corporative" experience in the Brazilian context is examined.

Em dezembro de 1991, sindicatos, empresários e representantes do Estado brasileiro iniciaram uma nova experiência de negociação tripartite, conhecida por "câmara setorial da indústria automotiva", que gerou em 1992 e 1993 acordos nacionais inéditos. Reunindo representantes do capital, do trabalho e do poder público, tais acordos "neocorporativos" de estilo europeu nunca haviam sido alcançados na história brasileira, seja em nível setorial ou nacional. No plano nacional, acordos tripartites deste tipo chegaram a ser esboçados durante os governos Sarney e Collor, nas tentativas fracassadas de "pactos sociais" ou "entendimentos nacionais". No plano setorial, as câmaras que funcionaram nesses governos sempre foram basicamente mecanismos bipartites (entre o Estado e o capital), que não iam além das questões relativas ao controle de preços e que tinham uma existência muito transitória. A câmara automotiva não só contou com a participação sindical mas também com o apoio de sindicatos importantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), liderados pelo Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, berço do "novo sindicalismo" que emergiu no final dos anos 70 e um dos protagonistas centrais da atividade grevista sem precedentes que se registrou no país ao longo dos anos oitenta.

Os acordos que emergiram da câmara automotiva promoveram impactos significativos na indústria no triênio 1992-94, criando as condições para a retomada das vendas, o aprofundamento da modernização produtiva, um salto de qualidade nas relações trabalhistas, a recuperação dos salários e o aumento na estabilidade do emprego. Ademais, os chamados "acordos das montadoras" no setor industrial de maior peso econômico e simbólico no país trouxeram um novo alento ao conturbado horizonte político e econômico de fins do governo Collor e do começo do governo Itamar, contribuindo para a retomada do crescimento, inspirando a criação de câmaras em outros setores, e indicando alternativas para o redesenho das políticas públicas e dos mecanismos de representação de interesses.

A partir do primeiro semestre de 1994 a câmara automotiva foi se esvaziando enquanto foro de negociação, junto com as experiências de negociações em alguns outros setores, embora nunca tivesse sido desativada formalmente nem muito menos abolida. Entre outros fatores a política de promover as câmaras foi vítima do fogo cruzado entre os ministérios do gabinete econômico do governo Itamar, das vicissitudes das alíquotas de importação dos veículos e da prioridade outorgada aos esforços de estabilização macroeconômica a partir do Plano Real e das disputas políticas da campanha presidencial. No atual governo Fernando Henrique Cardoso as câmaras estão reduzidas a uma sombra do papel que tiveram em 1992 e 1993. Atualmente, reúnem-se de forma irregular e estão limitadas a um foro de consultas sobre as políticas industriais do Estado. Porém, é importante deixar aberta a possibilidade de revitalização das câmaras no futuro (já que depende basicamente da vontade governamental), como também frisar que, mesmo com seu papel reduzido, a existência de foros tripartites, reunindo Estado, capital e trabalho com vistas à discussão de questões relativas à politica industrial, representa uma ruptura com os padrões históricos de representação de interesses no Brasil.

Em que pesem as perspectivas das câmaras setoriais e os motivos do seu enfraquecimento nos últimos dois anos, convém refletir sobre a emergência e o breve auge da experiência da câmara automotiva, pioneira entre as diversas câmaras setoriais. Como assinalam diversos estudos recentes1 1 Embora as formas de abordagem do tema são diferentes e os matizes de interpretação variam do otimismo desenfreado a um certo ceticismo, todos os seguintes autores ressaltam a novidade das câmaras setoriais, especialmente a automotiva, a saber: de Oliveira et. al. (1993), Cardoso e Comin (1993), Guimarães (1994), Diniz (1994) e Arbix (1995). Para uma perspectiva totalmente hostil às câmaras, que as considera apenas um nova versão do pactos corporativistas de velho tipo, ver Salgado (1993a e 1993b). , a câmara automotiva, junto com algumas câmaras em outros setores que funcionaram com relativo sucesso, trouxeram inovações nas formas de representação de interesses e na própria execução das políticas públicas características do sistema político brasileiro. De um relacionamento clientelístico, bipartite e "a portas fechadas" entre Estado e empresas, com a marginalização dos sindicatos de trabalhadores dos círculos de decisão2 2 Sobre a história do relacionamento entre governo e empresários do setor, ver Shapiro (1994). , passou-se a um relacionamento tripartite, com a inclusão dos sindicatos e baseado na transparência e na igualdade formal dos três atores enquanto agentes de negociação. Desta forma, institucionalizou-se a participação direta do capital e do trabalho na determinação das políticas públicas para o setor. Também de forma inédita, estabeleceu-se uma vinculação explícita e direta entre assuntos de "política industrial" e questões relativas à "política trabalhista" e "relações de trabalho", temas tradicionalmente separados. No que diz respeito ao relacionamento entre sindicatos, por um lado, e o empresariado e o Estado, por outro, a câmara trouxe uma situação inédita de negociação abrangente e instituionalizada onde, desde o surgimento do novo sindicalismo em fins dos anos setenta, prevaleceram a assimetria de poder, a confrontação e o antagonismo.

Tendo em vista a ruptura que a câmara automotiva estabeleceu com todos estes padrões históricos e recentes do sistema político e da economia política no Brasil, emerge a seguinte questão: como foi possível superar tantos obstáculos? É evidente que operou-se uma mudança fundamental não só no relacionamento entre os atores mas também no comportamento e nas estratégias de cada um deles. E como se trata de três grandes conjuntos de atores, todo eles com grande complexidade interna — as agências do Estado, o movimento sindical e o empresariado — a tarefa de explicar compreensiva e satisfatoriamente a emergência da câmara automotiva torna-se um grande "quebra-cabeças". Sem pretender apresentar um quadro explicativo global3 3 A tentativa mais ambiciosa e compreensiva nesse sentido é o recente estudo de Arbix (1995). , o presente ensaio tenta contribuir ao debate sobre como emergiu a câmara automotiva mediante uma análise das estratégias dos sindicatos e dos empresários, e do relacionamento dinâmico entre esses dois atores. Obviamente, um processo que implica a "devolução" do poder sobre determinadas questões de política pública para foros de negociação com atores privados não poder-se-ia establecer nem ir longe sem o aval e até o patrocínio de certos setores do Estado. Porém, no caso do tripartismo, torna-se imprescindível explicar não só a atuação do Estado (assunto não tratado no presente ensaio) mas também por que os outros dois atores aceitaram "abdicar" da sua autonomia e de estratégias unilaterais para entrar num processo amplo e institucionalizado de negociação tripartite

Depois de um breve relato do processo de negociação da câmara será sustentada neste texto a utilidade analítica de situar-se este fenômeno dentro do quadro do corporativismo "societal" (ou neocorporativismo) usando o conceito "sub-sistêmico" de "meso-corporativismo". No final perceber-se-á, no entanto, que para compreender a dinâmica da negociação de caráter neocorporativo que se desenvolveu no presente caso é preciso analisar tanto as relações no interior das associações (os padrões de governance) que negociaram os acordos como também os graus variados de "confiança" e "desconfiança" que existiam entre eles. Argumenta-se que esses dois fatores condicionaram decisivamente o ingresso dos atores em uma negociação desse tipo em um país (e um setor) como o Brasil, sempre marcado por relações sociais altamente assimétricas e, recentemente, por muita combatividade sindical. Os dados apresentados foram levantados em várias pesquisas de campo realizadas pelo autor entre 1985 e 1992, sob os auspícios do CEDEC, e foram acrescidas de fontes secundárias compiladas pela mesma instituição.

OS ACORDOS

Antes de adquirirem a forma e a importância no período que abrange o presente estudo, as câmaras setoriais já tinham passado por várias metarmofoses. Originalmente criadas em 1988 pelo governo Sarney como foros de discussão de política industrial no plano das cadeias produtivas, as câmaras, nesta sua primeira versão, acabaram se tornando uma instância de negociação e monitoramento de preços. Durante o governo Collor, as câmaras foram inicialmente rebatizadas como "grupos executivos de políticas setoriais" (GEPS), com a incumbência de definir estratégiais setoriais de modernização produtiva. Em função de várias dificuldades, como o acirramento da crise econômica, as câmaras não tomaram impulso nesta primeira versão. Porém, a partir de março de 1991, as câmaras retomaram o nome original, finalmente adquiriram uma fundamentação legal4 4 Lei Numero 8.178, de 21 de março de 1991. e tornaram-se responsáveis pela liberalização gradativa dos preços congelados. Ademais, graças a uma emenda proposta, naquela ocasião, pelo deputado Aloísio Mercadante (PT-SP) e aprovado pelo Congresso, as câmaras foram dotadas de uma estrutura tripartite, com a inclusão dos sindicatos de trabalhadores.

Em que pese o novo princípio do tripartismo, as câmaras continuaram funcionando basicamente como mecanismo de interlocução entre empresários e governo, com uma participação sindical nula ou muita limitada, dependendo do caso. Na câmara automotiva, o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema só participou de uma reunião (em abril de 1991). Ao constatarem que os empresários e autoridades do Estado não estavam prontos a discutir as propostas sindicais para temas como salários e empregos, os sindicalistas se retiraram do foro e o denunciaram. Em setembro de 1991, completou-se a última fase da liberação dos preços dos automóveis e a câmara do setor deixou de se reunir, tendo sido cumprida sua limitada função.

Uma série de eventos entre setembro e novembro de 1991 conduziram, em conjunto, a reativação e a reestruturação da câmara em dezembro, com a nova incumbência de estabelecer uma política industrial para o setor, que estivesse articulada com os esforços para promover a estabilização macroeconômica. Em meio ao aprofundamento da recessão e do desemprego, a Ford Motores5 5 Diferentemente de outras fábricas no Brasil, essa planta não esteve sob a administração da Autolatina, empresa criada em 1986, resultado da fusão entre a Ford e a Volkswagen, com presença no Brasil e na Argentina. A Autolatina do Brasil foi extinta em 1994. anunciou o iminente fechamento de sua fábrica de motores em São Bernardo, o que implicava a demissão de 700 trabalhadores. Depois do fracasso de uma greve de quatro semanas realizada na fábrica em setembro, uma pequena delegação de sindicalistas de São Bernardo e de aliados políticos do Partido dos Trabalhadores viajou ao Estados Unidos para tentar sensibilizar os executivos da matriz da empresa para voltar atrás na decisão. Embora o objetivo imediato de impedir o fechamento da fábrica não tivesse sido obtido, a viagem acabou criando as condições para uma audiência entre Vicente Paulo da Silva (Vicentinho), presidente do sindicato, e o ministro da Economia Marcílio Marques Moreira. A reunião gerou dois resultados: (1) um apelo público de parte do governo brasileiro à Ford para reconsiderar sua decisão; e (2) a proposta da reativação da câmara setorial da indústria automotiva, agora como genuíno foro tripartite de negociação de todo o leque de temas relativos ao futuro do setor. Como as empresas e associações patronais aceitaram participar de uma câmara setorial agora reestruturada, logo tiveram início as primeiras reuniões, que aconteceram em meados de dezembro do mesmo ano.

Seguiram-se três meses de trabalho contínuo, na forma de grupos temáticos, a fim de elaborar um diagnóstico comum da crise do setor e negociar medidas para combatê-la. Finalmente, no contexto de um seminário de alto nível realizado em Brasília, as partes chegaram a um acordo, que buscava reativar a industria automotiva principalmente através do estímulo ao consumo. O documento, que resultou na redução imediata de 22% no preço final dos automóveis e de veículos comerciais leves, foi cuidadosamente articulado de maneira a distribuir o sacrifício dessa medida entre os governos federal e estadual, com a queda nas alíquotas dos impostos (IPI e ICMS), e nas margens de lucro das montadoras, autopeças e distribuidores6 6 O "pacote" de sacrificios consistiu na redução do IPI e ICMS em 12% e na queda da margens das montadoras (4.5%), das autopeças (3%) e dos revendedores (2,5%). . As montadoras compremeteram-se a só repassar aos preços os aumentos de custos que ocorressem dali em diante.

Já que os trabalhadores do setor vinham sofrendo nos últimos anos um forte arrocho salarial e queda nos níveis de emprego devido à combinação de recessão com agravamento da inflação e que os custos da mão de obra representavam um pequeno percentual do preço final, considerou-se que não era viável pedir-lhes um forte sacrifício material adicional. Pelo contrário, era necessário manter ou até melhorar as suas condições de vida. Porém, a fim de dar um tempo até que a redução dos preços reativasse as vendas e portanto a produção, os sindicatos aceitaram postergar a data base de primeiro de abril para primeiro de julho daquele ano. Nesse ínterim, os trabalhadores receberiam mensalmente a reposição integral da inflação do mês anterior e as empresas manteriam os níveis de emprego. Com o sucesso inicial do acordo, as partes concordaram em junho de 1992, três meses depois de sua implantação, em renová-lo até o final do ano.

Apesar de alguns contratempos como a demora do governo em reabrir os consórcios e uma disputa sobre um aumento de preços anunciado pela Autolatina em abril (e em breve suspenso), o acordo de março de 1992 produziu o importante efeito de estabilizar a produção e impedir uma desestruturação ainda maior do setor. Contudo, embora o tivesse crescido nos primeiros meses, as vendas no mercado interno caíram mais 4.3% no ano7 7 O Estado de São Paulo, 12/01/93, pp. 10. . Foi uma queda muito menor do que aquelas registradas nos dois anos anteriores mas, mesmo assim, os números não atingiram as metas pretendidas no início. O principal motivo foi a grande recessão que ainda vivia o país. Porém, em função do grande aumento das exportações, a produção no setor cresceu cerca de 15% em 19928 8 Essa cifra foi uma estimativa preliminar da Anfavea, citada em "Queima de Estoques", Veja, 18/11/92, pp. 85. , voltando pela primeira vez em muitos anos a atingir os níveis alcançados em 1986, na época do Plano Cruzado. Os trabalhadores foram beneficiados, pois o acordo reverteu as quedas brutais nos níveis de emprego aferidas em anos anteriores e os salários reais aumentaram em razão da indexação e dos aumentos reais obtidos pelos sindicatos em acordos trabalhistas assinados no segundo trimestre. Ao mesmo tempo, alguns outros setores da economia brasileira que tentaram seguir o exemplo bem sucedido da câmara automotiva, como o de informática e a indústria eletro-eletrônica, não conseguiram chegar a nenhum acordo.

No total, os seis grupos de trabalho que funcionaram no interior da câmara automotiva produziram poucos resultados concretos em 1992, devido em parte à crise política gerada pelo impeachment do Presidente Collor. Todavia, algumas das propostas discutidas nos grupos foram retomadas na segunda rodada de negociações realizada em 1993, sob o governo recém— empossado de Itamar Franco.

Após um breve período de indefinição em seguida à posse de Itamar, o novo governo resolveu dar um renovado impulso às câmaras setoriais. A atribuição de coordenar os trabalhos das diversas câmaras foi designada ao Ministerio da Indústria, Comércio e Turismo, um dos três novos ministérios criados a partir do desmembramento do anterior "super-ministério" da Economia9 9 Os outros dois ministérios novos eram o Planejamento e o da Fazenda. Além disso, o Ministério do Trabalho herdou algumas responsibilidades do antigo "superministério" da Economia. . Nas palavras do novo ministro da Indústria, o governo tinha como meta "promover acordos setoriais buscando alternativas negociadas entre empresários, trabalhadores e governo para a reestruturação dos complexos industriais e a modernização das relações de trabalho"10 10 MICT, Secretaria de Política Industrial, "Evolução dos acordos setoriais", agosto de 1993, pp. 3. . A câmara automotiva retomou assim as negociações em novembro de 1992.

Enquanto os participantes avançavam rumo a um novo acordo, as reuniões foram interrompidas temporariamente em janeiro, quando o presidente sugeriu à Autolatina que a empresa voltasse a produzir o modelo "Fusca" cuja produção havia sido descontinuada no Brasil em 1986. O desfecho do episódio foi uma série de convênios bilaterais negociados fora da câmara entre o governo e as montadoras, favorecendo os veículos "populares" pela isenção tributária. Embora quem houvesse iniciado o debate sobre o estímulo à produção de veículos com preços mais acessíveis ao consumidor brasileiro eram justamente os sindicalistas do setor, eles agora questionavam tanto a falta de ênfase na qualidade e na sofisticação nos convênios dos carros populares quanto a volta às "negociatas de bastidores" entre grandes empresas e o Estado.

A despeito do episódio dos convênios sobre carros "populares", os participantes da câmara automotiva chegaram a um novo acordo, assinado em 15 de fevereiro de 1993. Desta vez, ampliou-se consideravelmente o leque de signatários. Juntaram-se ao sindicato de São Bernardo às montadoras (representadas pela Anfavea), às autopeças (Sindipeças) e aos distribuidores (Fenabrave), todos signatários do primeiro acordo juntamente com os representantes do Estado, as seguintes entidades: a Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, a Força Sindical, mais 24 associações e sindicatos patronais representando vários outros fornecedores de peças, partes, componentes e matérias - primas e representantes de quatros ministérios11 11 Além disso, três secretários de Fazenda (São Paulo, Bahia e Minas Gerias) participaram das negociações enquanto observadores. . Além disso, o novo acordo era muito mais complexo e abrangente que o seu antecessor12 12 tamanho do documento testemunha sua complexidade — 14 páginas, incluindo 8 cláusulas e 20 artigos, em comparação ao documento anterior de apenas 2 páginas e sete itens. , incorporando não apenas um pacote de medidas para a reativação do setor a curto prazo como também um programa de reestruturação para o setor de médio e longo prazos. De novo, a principal medida do acordo foi uma redução dos preços dos automóveis, obtida a partir de uma nova redução dos impostos, das margens, e a garantia de não elevação dos preços reais praticados pelos fornecedores de partes, peças e componentes. Dependendo da potência do veículo, a queda dos preços ao consumidor variava de 10 a 15% do preço final13 13 O objetivo dessa medida foi o de estimular o consumo e a produção dos modelos "populares" para que pudessem se tornar mais acessíveis ao consumidor brasileiro ao invés dos modelos médios e de luxo, que caracterizaram a produção das montadoras durante os anos oitenta. 14 Algumas dessas medidas acabaram sendo adotadas em janeiro de 1994 pela câmara setorial de tratores e máquinas agrícolas. . Outras medidas de estímulo à demanda incluíram a promessa de extensão do prazo dos consórcios e da redução de impostos e maiores facilidades para a compra de tratores, ônibus e máquinas agrícolas por parte do governo federal. Também o segundo acordo, além de manter a indexação dos salários pela variação da inflação mensal, estabeleceu um programa de recuperação dos salários reais mediante aumentos de 6,27% em termos reais, três vezes ao ano, com o objetivo de reestabelecer em março de 1995 o poder de compra dos níveis existentes em abril de 1989.

Diferentemente de seu antecessor, o acordo de fevereiro de 1993 estabeleceu metas de médio e longo prazos para a indústria. Um ambicioso calendário de expansão da produção foi estabelecido. A produção total passaria de 1,1 milhão de veículos em 1992 para cerca de 2 milhões de veículos ao ano no final do século. Em relação ao emprego, as partes acordaram a criação de 4.000 novos empregos nas montadoras, 5.000 no segmento de comercialização e distribuição de veículos, e outros 82.000 no segmento de autopeças, tudo até o final de 1994. Para alcançar essas metas, teria que haver uma investimento total de US$ 20 bilhões até o final do século, metade realizado pelas montadoras15 15 Os outros US$ 10 bilhões seriam divididos entre as autopeças (US$ 6 bilhões), produtores de pneus e câmaras (US$ 1 bilhão), os segmentos de fundição e siderurgia, fornecedores de matérias-primas e os distribuidores entrariam com outros US$ 3 bilhões. .

O protocolo trabalhista paralelo ao acordo também trouxe duas inovações institucionais relevantes. Em primeiro lugar, o acordo duraria 30 meses, o que o caracterizava como "o mais longo acordo trabalhista de todos os tempos no Brasil", segundo palavras do Ministro da Indústria e do Comércio, José Eduardo de Andrade Vieira16 16 José Eduardo de Andrade Vieira, "Câmara Setorial e Democracia Econômica", Folha de São Paulo, 09/09/93, pp. 2-2. . Em segundo lugar, o protocolo objetivava, progressivamente, a centralização do processo das negociações trabalhistas dentro do setor automotivo.

O segundo acordo produziu resultados imediatos já em 1993. A produção total chegou a 1.38 milhão de veículos, um recorde nacional, mais de 28% acima dos níveis de 1991 e 30.000 além da ambiciosa meta estipulada pelo acordo de fevereiro de 199217 17 A taxa de crescimento é citada por Vicentinho em seu artigo intitulado "Os desafios para 1994", Folha de São Paulo, 06/01/94, pp. 1-3. . As.vendas no mercado interno aumentaram 40% e ultrapassaram o recorde de 198018 18 O número total de veículos vendidos no mercado doméstico foi de 1.017 milhão, O Estado de São Paulo, 03/01/94, pp. 7. Não fosse uma queda acentuada das exportações - devido principalmente ao declínio das importações por parte da Argentina - os níveis de produção teriam sido ainda maiores. , graças ao acordo mas também em parte ao aumento das vendas dos "carros populares"19 19 De abril a dezembro, 150.000 carros foram vendidos, e no final do ano os "carros populares" tinham aumentado cerca de 30% sua participação no mercado interno, O Estado de São Paulo, 03/01/94, pp. 7. . O segmento de autopeças também apresentou acentuada expansão, registrando cerca de 25% de aumento no faturamento total e 20% nas vendas a mercados externos20 20 Folha de São Paulo, 20/01/94, pp. 2-7. . Considerando que o setor como um todo representa cerca de 10% do Produto Interno Bruto, o crescimento da produção e das vendas contribuiu para a retomada do crescimento econômico: o Produto Interno Bruto cresceu 1,5% em 1993, revertendo o declínio de 1% aferido em 199221 21 The New York Times, 03/01/94. . Segundo estimativa, o setor automotivo sozinho contribuiu com ao menos um terço do crecimento do produto industrial do país no ano, calculado em aproximadamente 10%22 22 O Estado de São Paulo, 03/01/1994, pp. 7. .

O segundo acordo também trouxe ganhos materiais consideráveis para os trabalhadores. Dada a indexação dos salários pela inflação mensal, o aumento geral de 6,3% em abril, e os bônus e gratificações concedidas pelas empresas que muitos trabalhadores receberam mais tarde, os salários reais aumentaram sensivelmente; segundo estimativa, o poder de compra aumentou 30% no segmento de autopeças23 23 A estimativa é de Cláudio Vaz, então Presidente do Sindipeças, Folha de São Paulo, 20/ 01/1994, pp. 2-7. . Os níveis de emprego também cresceram cerca de 4,8% nas montadoras e 3% no segmento de autopeças24 24 Os dados relativos às montadoras estão no artigo de Vicentinho, "Os desafios para 1994", Folha de São Paulo, 06/01/94, pp. 1-3; e os dados relativos às autopeças são de Cláudio Vaz, Folha de São Paulo, 20/01/94, pp. 2-7. . Ao mesmo tempo, câmaras setoriais em dezenas de outros setores industriais e, mesmo em serviços, proliferaram em 1993 e começo de 1994, embora só se alcançassem acordos nos setores de brinquedos, construção naval e tratores e equipamentos agrícolas.

O MESO-CORPORATIVISMO

Em termos institucionais a negociação tripartite na indústria automotiva brasileira incorpora claramente as características do "corporativismo societal"25 25 Os trabalhos mais importantes sobre o conceito de "Corporativismo Societal", todos discutindo o caso europeu, são Schmitter (1974); Schmitter e Lehmbruch (eds), (1982); e Berger (ed.), (1981). Para uma revisão da literatura, ver Wilson (1983). — também conhecido como "corporativismo liberal", "neocorporativismo" ou "corporativismo democrático" — e, em particular, aquelas encontradas em nível regional ou setorial, conhecidas por "meso-corporativismo". Essa classificação baseia-se em várias considerações. Em primeiro lugar, a negociação da câmara setorial exibia as características básicas da intermediação de interesses de tipo neocorporativo (oposta ao do tipo pluralista-liberal), isto é, um processo de negociação entre, de um lado, os órgãos e agências estatais e, de outro, associações de interesses hierarquicamente organizadas, funcionalmente definidas, em número limitado e mutuamente exclusivos, supondo cada uma das partes deter o monopólio da representação que, em última instância, é reconhecido e institucionalizado pelo Estado26 26 Essas características foram originalmente discutidas por Schmitter (1974). .

Em segundo lugar, o modo de condução das negociações era decididamente de caráter neo-corporativo. Através de um processo institucionalizado, o Estado e os atores sociais em conjunto formulavam, implementavam e consolidavam uma política para o setor automotivo. Assim, pelas características do neo-corporativismo27 27 Embora a primeira "onda" da literatura sobre o neocorporativismo fosse caracterizada por uma polarização entre aqueles (liderados por Schmitter) que entendiam o conceito como uma forma de intermediação de interesses, e aqueles (liderados por Lehmbruch) que viam no corporativismo um processo de formulação de políticas, ambas as posições convergiram durante a segunda "onda". As duas posições acabaram sendo consideradas, do ponto de vista teórico, "primas" (e.g., os ensaios in Lehmbruch e Schmitter, 1982) ou consideradas parte de um mesmo fenômeno (e. g., os ensaios in Cawson, ed., 1985). , tornava-se difusa a distinção entre o "público" e o "privado", e entre "Estado" e "sociedade civil".

Em terceiro lugar, as negociações da câmara automotiva se encaixam melhor na categoria do corporativismo societal do que na categoria na qual países latino-americanos como o Brasil eram vistos como "protótipos" — o corporativismo de Estado. As associações em questão gozavam de relativa autonomia em relação ao Estado, e engajavam-se em um processo de negociação que envolvia um verdadeiro intercâmbio de idéias e posições ao invés da imposição da vontade de uma ou mais partes sobre as outras. Segundo, conforme outros casos existentes no mundo contemporâneo, os arranjos de caráter societal-corporativo no setor automotivo brasileiro existiam paralelamente aos princípios básicos de representação territorial que regem o sistema político nacional enquanto exemplo de democracia liberal28 28 Essa característica, por si só, é insuficiente para caracterizar um arranjo de tipo "societal corporativo". Como Coleman (1985) evidencia, o corporativismo estatal pode existir no plano setorial dentro dos limites de um regime nacional de tipo liberal-democrático. .

Finalmente, a negociação de tipo neo-corporativo acontecia em um nível intermediário, ou "meso", no setor automotivo brasileiro. Os protagonistas das negociações eram os sindicatos, as associações e sindicatos empresariais, bem como os diversos órgãos e agências governamentais que dispunham de competência para a formulação de políticas setoriais. A noção de "meso-corporativismo" foi empregada por diversos autores para capturar a dinâmica específica desse processo de intermediação de interesses e de formulação de políticas, que estão circunscritos ao nível intermediário de um setor da economia, uma região ou uma área de competência bem definida29 29 Ver Wassenberg (1982); Cawson, ed. (1986), pps. 107-127; e Allen e Riemer (1989). . A existência de arranjos corporativos em nível sub-sistêmico foram e continuam sendo muito importantes em alguns países avançados com pouca ou nenhuma tradição de negociação abrangente entre as associações nacionais de caráter intersetorial (as últimas constituindo-se a marca registrada do "macro-corporativismo"), tais como a Alemanha.

Explicando a emergência de arranjos de tipo neocorporativo, muitos autores enfatizam algumas variáveis e pré-condições de caráter institucional. Nas seções seguintes, examinar-se-à a distância existente entre essas variáveis e a compreensão dos eventos recentes na indústria automotiva brasileira. O principal argumento, considerando a variável institucional, é o de que o impacto das instituições não passa pela dimensão da centralização da autoridade no interior das associações como meio exclusivo para adquirir a capacidade de barganha perante os outros atores e a capacidade de liderança perante os próprios integrantes da associação, mesmo que essas capacidades sejam indispensáveis para participar nas negociações neocorporativas. Ao contrário, a importância da variável institucional se encontra no comportamento associativo e no grau de sociabilidade que sustenta a construção de identidades e da própria representação, bem como as relações de conflito e compromisso dentro dessas organizações. A premissa fundamental é a de que — particularmente no caso do corporativismo de Estado — a habilitação dos líderes para negociar acordos com aqueles que foram considerados durante muito tempo seus "inimigos", bem como para acordar compromissos em benefício dos seus membros, depende de sua representatividade e legitimidade aos olhos dos últimos. Tal legitimidade depende, por sua vez, do que eu chamo de processos de governance, ou seja, o conjunto de normas, costumes e regras, tanto formais quanto informais, que regem as relações entre representantes e representados.

OS SINDICATOS

A participação sindical na câmara da indústria automotiva coloca uma certa dificuldade para a literatura neo-corporativa. Ao invés de sindicatos organizados de forma estritamente hierárquica e centralizada em federações ou sindicatos nacionais de indústria, um fato comum em muitos setores dos países industrializados, os trabalhadores da indústria automotiva no Brasil foram representados nas negociações tripartites por um único sindicato, que abrangia apenas dois municípios. Pelo acordo de março de 1992, o Sindicato de São Bernardo e Diadema foi o único a negociar, representando os trabalhadores, embora tivesse o apoio de dois outros sindicatos filiados à CUT30 30 O Sindicato de Santo André que fundiu-se, em 1993, ao Sindicato de São Bernardo, e o de Betim, Minas Gerais. . Pelo acordo de fevereiro de 1993 juntaram-se ao sindicato de São Bernardo a Confederação Nacional e a Federação Estadual dos Metalúrgicos da CUT, e os sindicatos filiados à Força Sindical. Mesmo assim, o sindicato de São Bernardo continuou sendo o principal intorlocutor por parte dos trabalhadores31 31 Dentre os representantes dos sindicatos, Vicentinho foi quase o único sindicalista citado pela imprensa durante as semanas que precederam ao acordo. Para precisar melhor o papel e envolvimento de outras organizações sindicais, em termos de influência e de capacidade de articulação junto ao sindicato de São Bernardo, seria necessário uma pesquisa mais detalhada. .

Por que apenas um sindicato foi capaz de negociar e representar os interesses de toda a categoria metalúrgica empregada na indústria automotiva? Quatro fatores em conjunto dotaram o sindicato de legitimidade e autoridade para agir como um "equivalente funcional"32 32 Lehmbruch (1982) levanta a possibilidade da "equivalência funcional" em sua discussão acerca dos pré-requisitos organizacionais para a participação sindical na negociação de tipo societal corporativa. às federações de sindicatos centralizadas setorialmente, ou sindicatos nacionais de indústria, tais como existem em alguns outros países: (1) sua posição de liderança na negociação contratual do setor; (2) sua forte liderança no interior da CUT; (3) seus mecanismos de representação interna, que garantiam um alto nível de participação a partir da base, dentro de um contexto de democracia representativa (em contraste aos mecanismos de representação direta) e (4) sua habilidade em utilizar recursos institucionais.

Desfrutar de um status de liderança na capacidade de negociação foi resultado direto de uma estrutura industrial concentrada, de mecanismos de participação sindical democráticos e abertos e de uma forte tradição de combatividade. Dada a forte concentração de fábricas de caminhões e automóveis na região de São Bernardo do Campo, o sindicato representava mais de 40% de todos os trabalhadores das montadoras brasileiras, bem como um número significativo de trabalhadores das empresas de autopeças33 33 Durante o período de assinatura do acordo de 1992, haviam sob a jurisdição do sindicato cerca de 42.084 trabalhadores ligados às montadoras e 15.053 às autopeças. Ver sub-seção do Dieese de São Bernardo do Campo e o próprio sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema, "A Categoria em Números. Câmara Setorial: Sindicato Abranda o Desemprego e Recupera o Salário", setembro de 1992, pp. 17. . Ademais, no caso das montadoras, elas apresentavam altos índices de sindicalização (mais de 80%). Ao longo da década de 80, aproveitando essa forte presença no setor, o sindicato passou a articular suas negociações anuais de contratos coletivos com os outros sindicatos de metalúrgicos afiliados à CUT na região do ABC e do interior de São Paulo. O sindicato também dispunha de uma estrutura com altos níveis de participação e democracia, que iam do chão da fábrica à direção do sindicato. A combinação da concentração geográfica da indústria metalúrgica na sua base (entre elas as montadoras e autopeças), e a ativa política sindical com estruturas democráticas internas, ajudaram a fazer do sindicato o pólo mais importante do sindicalismo combativo no Brasil a partir dos anos setenta.

A liderança política exercida pelo sindicato de São Bernardo no interior da CUT teve origem com as greves lideradas por Luis Inácio Lula da Silva no final dos anos setenta, que marcaram o surgimento do chamado "novo sindicalismo"34 34 Ver Keck (1989). . A acentuada influência dos dirigentes de São Bernardo na CUT reflete o peso da tendência predominante na central conhecida por "Articulação Sindical") e a forte presença de seus quadros nas estruturas internas. O único presidente da CUT durante 10 anos, desde sua fundação em agosto de 1983 até 1994, foi Jair Meneguelli, o sucessor de Lula como presidente do sindicato de São Bernardo. A "dinastia de São Bernardo" no interior da CUT continuou com a eleição de Vicentinho presidente da central por ocasião de seu 5.o Congresso, realizado em maio de 1994.

Ademais, a habilidade do sindicato em manter tanta influência dentro do movimento sindical deve-se, em grande parte, ao fato de que a CUT, mesmo com mais de dez anos de idade, ainda era uma organização descentralizada que buscava se transformar de um papel de coordenação política para o de uma liderança nacional vis-à-vis outros sindicatos. Por exemplo, as confederações setoriais foram criadas apenas em 1990 e, mesmo assim, existiam apenas nos setores mais organizados e ainda não dispunham de tantos recursos institucionais quanto os sindicatos de base. Nesse contexto, alguns sindicatos "locais" poderosos como o dos metalúrgicos de São Bernardo (e dos bancários de São Paulo) exerciam uma grande influência sobre a CUT nos seus setores a que pertencem e funcionavam como pólos "semi-autônomos".

Finalmente, a capacidade institucional de formulação de propostas de que dispunha o sindicato de São Bernado quanto ao complexo processo de reestruturação produtiva foi resultado de vários fatores. Em primeiro lugar, através da contribuição de seus membros, a organização acumulou uma considerável soma de recursos humanos, institucionais35 35 Inclui-se um departamento de formação de lideranças sindicais; um departamento de imprensa que publica um jornal diário e uma revista bimestral; um grande departamento jurídico; um pequeno estúdio de produção de TV (conhecido por "TV dos Trabalhadores") e uma numerosa assessoria. Há anos o sindicato deixou de utilizar os fundos oriundos do imposto sindical obrigatório. e materiais que superava com folga aqueles disponíveis na própria CUT. Em segundo lugar, as lideranças sindicais cultivavam relações estreitas com profissionais de alto nível que compunham o quadro técnico do Dieese e o próprio departamento jurídico do sindicato. A assessoria e as informações produzidas por esses órgãos foram cruciais para dotar as lideranças de capacidade de negociação nas câmaras setoriais, principalmente naquelas questões que não faziam parte do cotidiano do sindicato até aquele momento, como as questões relativas ao contrato coletivo, o mix de produção, os incentivos à exportação, a política tributária, etc. Além do mais, os pesquisadores do Dieese36 36 Departamento Inter-Sindical de Estudos Sócio-Econômicos. , particularmente seus economistas, foram os principais formuladores do que vieram a ser as propostas sindicais sobre essas questões na câmara setorial e participaram dos grupos de trabalho da câmara automotiva.

AS EMPRESAS

A participação dos empresários nas câmaras setoriais teve um caráter muito mais "classicamente" neocorporativo do que a participação sindical — a saber, organizações setoriais organizadas de forma centralizada. No Brasil há dois tipos de organizações empresariais com esse perfil — os sindicatos oficiais e as associações voluntárias paralelas. Em acordo com suas raízes no corporativismo estatal do sistema brasileiro, os sindicatos continuavam a existir por meio da obrigatoriedade de participação, da representação igual de todas as empresas, independentemente de seu porte e do financiamento do imposto sindical. Desde os anos setenta, contudo, associações voluntárias emergiram paralelamente às organizações oficiais em muitos setores da indústria brasileira. Contudo, com o tempo desenvolveu-se em muitos setores o costume de realizarem eleições conjuntas, manterem diretorias em parceria e estabelecerem a seguinte divisão de trabalho: os sindicatos negociam com os sindicatos de trabalhadores (devido, em grande parte, à competência legal de assinar contratos em nome de seus associados) e as associações incumbem-se de outras tarefas de interesse comum do setor, tais como assessoria técnica, lobbying, etc37 37 Ver Kingstone (1994b), capítulo 6. . Esse é o caso dos dois mais importantes conjuntos de atores na negociação da câmara setorial — a associação das montadoras (Anfavea) junto com o seu sindicato (Sinfavea) e a associação das empresas de autopeças (Abipeças) e o Sindipeças.

Em virtude da pesquisa aqui relatada estar muito mais centrada nos sindicatos de trabalhadores e nas relações de trabalho do que no empresariado, vou limitar-me a duas observações com respeito à participação das organizações setoriais patronais na câmara setorial da indústria automotiva. A primeira indica que tanto as montadoras quanto as autopeças parecem ter conquistado a necessária legitimidade para representar seus membros nos anos recentes. Esse fenômeno é muito importante por duas razões. Primeiro, como Offe e outros indicam38 38 Ver Offe (1985b). Isso contrasta com a situação dos sindicatos de trabalhadores onde, segundo Offe, os integrantes não detêm nenhum poder real enquanto indivíduos mas sim enquanto uma coletividade que atua conjuntamente. , a ação coletiva por parte das associações empresariais está sujeita a um poderoso obstáculo: são os "membros", as empresas, que controlam as mais importantes decisões (investimento, produção, relação com o sindicato de trabalhadores, etc). Segundo, no Brasil, as associações de empresas tanto no plano setorial como no plano nacional sempre foram pouco democráticas internamente e mais orientadas à obtenção de benefícios particularistas do Estado do que a servir seus associados39 39 Ver Amadeo e Camargo (1991) e Kingstone (1994b), capítulo 6. . Em conseqüência, é digno de nota que as negociações da câmara setorial foram iniciadas em meio a claras mudanças internas em ambas organizações, que apontavam na direção de uma maior profissionalização e de melhoria na capacidade de liderança. Em 1992, a Anfavea/Sinfavea e a Abipeças/Sindipeças realizaram eleições de onde emergiram líderes dinâmicos "modernizadores" (Luiz Adelar Scheuer e Cláudio Vaz, respectivamente) não vinculados a velhas práticas pouco democráticas e de relações privilegiadas com o Estado40 40 Ver Kingstone (1994b), capítulo 6. . Ao menos no caso das montadoras, a mudança na direção da entidade teve um impacto direto e imediato no andamento das câmaras setoriais: conforme as negociações do primeiro acordo avançavam, em março de 1992, um entendimento informal foi alcançado entre as partes por meio do qual o ainda presidente da ANFAVEA, Jacy Mendonça — que tinha um passado de atritos com o governo, os sindicatos e os distribuidores de veículos — foi obrigado a ceder seu posto ao presidente eleito Scheuer, para favorecer uma atitude de diálogo e reforçar as negociações. As declarações dos negociadores sugerem que a emergência de uma liderança mais ativa, representativa e com maior legitimidade foi chave para o sucesso inicial das câmaras setoriais41 41 A importância da saída de Mendonça foi realçada pelas declarações de um executivo presente às reuniões: "Alguns disseram abertamente que nenhum acordo seria sancionado com a presença dele". Ver Veja, 01/04/92, pp. 75. .

O segundo ponto sobre a participação empresarial relaciona-se às disputas e à cooperação intersetorial. Dada a presença de representantes de toda a cadeia produtiva na câmara, foi possível aos empresários dividir os custos e sacrifícios entre eles mesmos. Contudo, parece claro que as autopeças e os distribuidores de veículos assumiram uma parcela desproporcional do ônus, resultado de suas menores margens de lucro e por causa de sua dependência vis-à-vis às montadoras. Por todos os indicadores disponíveis, o oligopólio das montadoras e suas relações "monopsônicas" com os fornecedores deram-lhes condições de forçar concessões que aparentemente eram equitativas mas que na realidade transferiram a maior parte dos sacrifícios para os segmentos mais vulneráveis e mais competitivos do complexo automotivo .

O CORPORATIVISMO SOCIETAL

Com respeito à participação dos empresários e trabalhadores, a transformação e democratização gradual do tradicional corporativismo de Estado em direção ao corporativismo social nos anos 80 facilitou a constituição de agentes e instituições com grande capacidade de negociação. Pode-se notar essa tendência em ao menos três dimensões: monopólio da representação, recursos e competência legal para a negociação. Mesmo considerando certa ambigüidade gerada pela Constituição de 1988, empresas e sindicatos continuavam (ao menos nos setores mais modernos) a operar dentro de estruturas sindicais unitárias, não-competitivas, fruto de uma legislação trabalhista criada nos anos 30 sob o regime Vargas. Mesmo com seu status legal questionado, o princípio básico da unicidade sindical permanecia válido e em uso42 42 Enquanto a unidade mínima de representação sindical continua sendo o município e o princípio da unicidade continua legalmente em uso, a abolição da obrigatoriedade do reconhecimento do sindicato por parte do ministério do Trabalho criou muitas situações de rivalidade entre diferentes sindicatos no interior da mesma jurisdição. Contudo, essa prática foi muito mais comum em setores pouco organizados onde havia, portanto, um "vácuo de representação", do que naqueles mais organizados como é o caso dos metalúrgicos. Além disso, a partir da Constituição de 1988 não há mais qualquer obstáculo legal à fusão de sindicatos oriundos de municípios limítrofes, como aconteceu com certa freqüência nos setores mais organizados. . No que diz respeito aos sindicatos de trabalhadores em indústrias com um grau relativamente alto de concentração regional, pode-se argumentar que o princípio tradicional de representação de caráter territorial-setorial conduz, em maior medida do que um sistema puramente "pluralista" (com sindicatos competitivos existentes dentro de uma mesma base de negociação) ou do que o sindicalismo por empresa ou fábrica, à formação de agentes de negociação unificados e poderosos. Em conseqüência, os sindicatos de metalúrgicos existentes no plano municipal continuavam a desfrutar dos benefícios legados pelo corporativismo relativos ao exclusivo direito de negociação em benefício de toda a categoria tanto dos trabalhadores nas montadoras quanto nas autopeças (bem como daqueles que trabalham em outros segmentos metalúrgicos) que estavam sediados na mesma jurisdição. Ademais, não obstante as várias tentativas de abolição, os sindicatos de empregadores e a maior parte dos sindicatos de trabalhadores continuavam sendo financiados pelo imposto sindical obrigatório, que lhes concedia uma fonte segura e estável de recursos (o sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema era uma exceção importante, já que devolvia os recursos do imposto sindical desde meados dos anos oitenta). Finalmente, somente esses sindicatos eram legalmente capazes de celebrar as convenções coletivas e assinar os acordos fora da data-base (seja em nível da empresa, grupo de empresas ou de toda a categoria), o que tendia a fortalecer tanto as associações setoriais frente às empresas quanto as lideranças sindicais frente aos delegados de base e aos representantes das comissões de fábrica.

É importante sublinhar que não foi o tradicional corporativismo brasileiro que criou as condições para a bem sucedida negociação das câmaras setoriais no setor automotivo brasileiro, mas sim a sua transformação em direção a um sistema mais participativo e democrático durante os anos que precederam a instalação das câmaras. Os acordos das montadoras seriam inconcebíveis sob o sistema tradicional, que perpetuou a tutela do Estado sobre as relações capital-trabalho. Não obstante o projeto inicial do novo sindicalismo de destruir completamente as velhas estruturas, foi apenas com a sua transformação democrática e a extensão e aprofundamento de suas competências setoriais além das fronteiras municipais que elas se tornaram adaptáveis às formas neocorporativas de intermediação de interesses. Essa transformação democrática foi fruto, principalmente, das práticas inovadoras e críticas contundentes ao corporativismo tradicional que constituiram o eixo do novo sindicalismo e da então recém fundada CUT e de correntes dissidentes no meio empresarial, se bem o crescimento e auge desses movimentos também se beneficiassem em certa medida do processo mais amplo de democratização que viveu o país. O fortalecimento de associações setoriais de caráter legítimo e participativo impediu que a negociação se atomizasse única e exclusivamente em nível de empresa, um resultado comum da tendência atual de "flexibilização" das relações de trabalho em muitos países do mundo contemporâneo43 43 Sobre as tendências da descentralização das negociações coletivas para o nível das empresas nos países industrializados, ver Katz (1993) e Hyman (1994). Sobre as consequências dessa tendência para a organização e a estratégia sindicais, ver Kern e Sabei (1991) sobre a Alemanha e Locke (1992) sobre a Itália. . Além disso, esse padrão de organização de interesses criou uma base propícia ao esforço recente de centralização da negociação setorial na câmara automotiva sem prejuízo às negociações que ocorrem em nível de empresa a respeito das modalidades específicas da participação dos trabalhadores, de mudanças tecnológicas e de outros elementos da modernização produtiva.

Considerando a transição inusitada de um corporativismo de Estado para o corporativismo societal no caso do setor automotivo brasileiro, dentro do contexto latino-americano, emergem duas indagações relativas às implicações mais amplas do presente estudo. Primeiro, para aqueles preocupados com a "cultura política" da consolidação da democracia na região, poderiam as propriedades geradoras de consenso que resultam do corporativismo societal traduzir-se em uma alternativa (ou pelo menos um complemento) à fragmentação de interesses e a exacerbação de conflitos que os arranjos de tipo liberal-pluralista costumam promover? Segundo, considerando os acordos da câmara setorial como forma de promoção da estabilização econômica44 44 Roxborough (1992a e 1992b). Ele considera esse ponto no contexto de uma crítica à estreiteza de parte da esquerda e do movimento sindical na região ao professarem a defesa da autonomia e do "anti-corporativismo". e da reestruturação produtiva, as formas de corporativismo mais avançadas oferecem algo mais promissor do que uma negociação atomizada e circunscrita às empresas?

A CONFIANÇA DAS ASSOCIAÇÕES

Embora os acordos promovidos pela câmara setorial automotiva não possam ser bem compreendidos se não estiverem situados no contexto do corporativismo societal, a experiência brasileira emergiu a partir de uma trajetória bem diferente da clássica "trajetória do corporativismo societal" da Europa Ocidental. Por que essa literatura nos ajuda a identificar o problema mas não indica as respostas? O caso brasileiro difere do neo-corporativismo encontrado nos países da Europa Ocidental (principalmente nos casos da Áustria e Alemanha e da Escandinávia), comparando-se o Brasil dos anos noventa com o auge do corporativismo naqueles países durante a grave crise econômica dos anos sessenta e setenta. As diferenças começam com o menor grau de desenvolvimento industrial brasileiro, bem como a ausência de uma herança liberal - democrática e dos padrões sociais que caracterizaram o chamado "Estado de Bem-Estar Social"45 45 A literatura sobre o "Estado de Bem-Estar Social" nos países de capitalismo avançado bem como sua crise atual é bastante vasta. Uma síntese útil e provocativa está em Offe (1984). . As diferenças prosseguem com o forte contraste entre a herança autoritária brasileira do corporativismo de Estado46 46 Entre os principais trabalhos em inglês sobre o controle corporativo exercido pelo Estado sobre os sindicatos encontram-se Erickson (1977), Erickson e Middlebrook (1982), e Cohen (1989). — que existiam com uma forma de dominação de classe com a subordinação dos sindicatos ao Estado — e a herança societal-corporativa européia de matriz democrática, que constitui historicamente um mecanismo de "compromisso de classes democrático"47 47 Ver, por exemplo, Przeworski (1985). , ou de "hegemonia" na acepção gramsciana do termo.

Ademais, a comparação entre o Brasil contemporâneo e a Europa de duas décadas atrás enfatizaria um marco histórico no qual a inflação, o desemprego, e outras variáveis macroeconômicas fossem a expressão de uma crise da ordem econômica keynesiana, cuja resposta imediata, para o caso europeu, estabeleceu-se por caminhos neocorporativos. De outro lado, essas mesmas variáveis estariam intimamente relacionadas à modernização produtiva e a competitividade das empresas no caso do Brasil contemporâneo (bem como de toda a América Latina e da economia internacional). No contexto de muitos países europeus, o governo e as empresas concederam uma certa estabilidade no emprego em troca de restrições aos aumentos salariais, no contexto de uma estratégia global de combate à "estagflação". No caso da indústria automotiva brasileira, tratava-se da concertação em nível meso para promover a modernização de um setor atrasado (segundo os padrões internacionais), em aparente declínio e caracterizado até recentemente por altíssimos níveis de conflito entre capital e trabalho. Evidenciar as diferenças em termos das respectivas heranças históricas e das conjunturas políticas e econômicas contemporâneo nos casos da negociação meso-corporativa no Brasil e dos arranjos macro-corporativos em vários países europeus tem por objetivo ressaltar as diferentes formas e trajetórias de emergência do corporativismo. No caso brasileiro, por exemplo, seria ingênuo sustentar a existência de uma condição que foi tão básica e comum no pós-guerra europeu que nem é levada em conta nas explicações para a emergência alí do corporativismo social; a saber, que governo, empresários e sindicatos reconheçam-se um ao outro como interlocutores legítimos. Devido à ausência histórica da prática de negociação coletiva autônoma, o alto nível de conflito que caracterizou as relações de trabalho do final dos anos setenta até o final dos anos oitenta, e o tradicional paternalismo das elites perante as classes subalternas, o Brasil carecia deste fundamento. Na Europa, ao contrário, dada a arraigada autonomia tanto dos sindicatos como das associações de empregadores, bem como da prática de negociação coletiva bilateral, a criação ou a extensão de arranjos de caráter corporativo nos anos sessenta e setenta realizaram-se sobre uma estável e duradoura cultura de interlocução entre capital, trabalho e o Estado, já existente há muito tempo. Não é por acaso que foi justamente nos países que careciam de tal cultura de interlocução ( e de instituições trabalhistas que pudessem enraizá-la) onde as tentativas de concertação fracassaram nos anos setenta e começo dos oitenta (como na Inglaterra), ou tiveram pouca expressão ou duração (como na Itália), ou nem sequer foram tentadas por um governo de esquerda (como na França de Mitterand).

A implicação dessa diferença entre o Brasil e a Europa "corporativa" é a de que devemos compreender a fundo de que forma os padrões cooperativos — que eram um "dado" no caso de alguns países Europeus do pós-guerra, tiveram que ser política e socialmente construidos no caso do Brasil contemporâneo48 48 Obviamente, a "cultura da interlocução" que existia entre capital, trabalho e Estado em muitos países europeus não foi uma constante da história, forjando-se no bojo dos duros conflitos internos e internacionais na primeira metade do século. Além do mais, essa cultura materializou-se muito menos em países como a Itália, a França e a Inglaterra, onde não é por acaso que o corporativismo de tipo tripartite nunca consolidou-se apesar dos esforços consideráveis desenvolvidos nos anos sessenta e setenta. . Em termos teóricos, o conceito de "confiança" (trust) — que vem sendo utilizado em várias áreas das ciências sociais, incluindo a ciência política49 49 Para a caracterização do conceito de trust ver, por exemplo, o volume interdisciplinar editado por Gambetta (1988); apliacado à Economia, Lorenz (1993); à Sociologia, Luhmann (1979) e Coleman (1990); e à Ciência Política, Sabei (1982, 1990) e Putnam (1993). — pode nos ajudar a caracterizar o fenômeno em questão. Na forma em que é normalmente empregado, confiança denota a disposição de um ator fazer-se vulnerável em relação à ação de um adversário, com o qual existe uma relação de interdependência (mesmo que assimétrica) na expectativa de que a reciprocidade do adversário deixe-o (ou deixe-os) em posição de vantagem em relação à situação original. Essa qualidade é considerada útil e, às vezes, pode ser um "lubrificante" poderoso na transformação de relações de conflito e/ou competitivas em uma situação cooperativa entre diferentes atores sociais ou políticos, nos contextos em que faltam sanções ou mecanismos de fiscalização (oversight) que possam garantir a cooperação.

A presente pesquisa na indústria automotiva brasileira sugere que a prática de negociação que desencadeou a consertação tripartite no final de 1991 surgiu dentro de um processo de mudanças em curso há vários anos nas relações capital-trabalho e que se constituiu em uma pré-condição indispensável para a emergência e o sucesso da nova experiência tripartite. Essas mudanças, que poder-se-iam caracterizar como um processo que vai da percepção do "inimigo" para a do "adversário", geraram a crença, por parte dos dois lados, que o outro era suficientemente confiável para justificar a abertura de negociações cujas formas não tinham precedentes até então e cujas conseqüências, a partir daquele momento, mostravam-se imprevisíveis. A explicação para a busca da cooperação de ambas as partes estava na percepção que compartilhavam de que a crise no setor poderia se agravar ainda mais caso medidas concretas não fossem tomadas.

Se a história de conflitos nas relações de trabalho no setor automotivo brasileiro for levada em conta, e se se considerar também o compromisso duradouro da CUT na busca de autonomia e de estratégias de mobilização, o quadro era altamente desfavorável à emergência de negociações tripartites no setor automotivo e em qualquer outro setor. Esse tipo de consideração não está presente nas análises recentes dos acordos setoriais que identificam na crise por que passava o setor uma condição mais do que suficiente para reverter as grandes tendências históricas recentes50 50 Embora haja um certa ambigüidade acerca desse ponto, a equipe de pesquisadores do Cebrap que estudaram os acordos setoriais parecem enxergar uma mudança nas atitudes sindicais e empresariais mais como um resultado direto da crise por que passava o setor do que a continuidade de um processo que havia se inciciado anteriormente e que foi apenas acelerado pela crise. Ver Oliveira, et. al. (1993) e Cardoso e Comin (1993). . Coincidência ou não, essa crise indutora de mudanças de comportamento também constitui a principal explicação que os estudantes do meso-corporativismo oferecem à pergunta de por quê as associações e o Estado inicialmente resolvem criar ou fortalecer mecanismos neocorporativos51 51 Ver, por exemplo, os vários ensaios in Cawson, ed. (1985). . Por essa razão, percebe-se a recorrência freqüente ao uso do termo "cartel corporativo anti-crise" para descrever o resultado do processo de negociação. No caso presente, a crise por que passava o setor promoveu apenas o estímulo imediato à cooperação. Suas motivações de fundo não podem ser compreendidas fora do contexto da história recente de relações de conflito e cooperação no setor automotivo. Por exemplo, vale lembrar que a crise aguda que experimentou o setor no começo da década de oitenta le vou não à concertação mas ao acirramento dos conflitos trabalhistas e à adoção de estratégias "unilaterais" e "egoístas" por parte dos dois atores, ou seja, tudo ao contrário do que aconteceu no início dos anos noventa.

Antes de fundamentar os argumentos, convém ressaltar que a presente análise se nutre de uma tendência oculta dentro da tradição neo-corporativa, que concede grande importância à orientação normativa dos atores como uma variável condicionante de grande importância. Uma resistência ideológica forte, por parte do Estado ou dos atores sociais, foi vista como uma forte barreira à emergência ou consolidação de estruturas de negociação neo-corporativas em alguns casos estudados, como a França e a Grã Bretanha dos anos setenta52 52 Por exemplo, Boston (1985) utiliza esse argumento com respeito à resistência por parte dos sindicatos britânicos a não negociar nada além das políticas de curto prazo relativas a questões salariais nos anos setenta. Lehmbruch também relata a "perspectiva prevalente" de que o fracasso nos esforços em acordar uma política salarial na França durante os anos sessenta foi devido à "intransigência ideológica de parte dos sindicatos", embora o autor dá maior peso a fraqueza estrutural dos sindicatos. No mesmo artigo, ele também nota que as tendências corporativas na Grã-Bretanha durante os anos setenta encontrariam um forte obstáculo ao seu crescimento e consolidação em razão da "crença arraigada sobre o poder soberano do Parlamento e do governo parlamentarista". Ver Lehmbruch (1982), pp. 21-22. . Ademais, na forma de uma proposição teórica geral, Claus Offe chama a atenção para a importância da existência de certas normas comuns como uma precondição para a existência de situações cooperativas: "No mínimo, o corporativismo, para ser estável, deve não apenas gerar consenso; deve, acima de tudo, pressupor consenso, isto é, uma aceitação sólida e consensuada de um certo tipo de representação e acomodação de interesses (ênfase do autor)53 53 Offe (1985). ". Em síntese, trata-se de um consenso sobre meios e procedimentos, mais do que sobre fins.

O consenso sobre a legitimidade dos meios para expressar reivindicações e resolver conflitos, bem como a própria legitimidade da existência de uma relação de interlocução, não poderiam ser considerações mais distantes da realidade das relações de trabalho no Brasil no período que começa a partir do final dos anos setenta, tanto no plano setorial como no plano nacional. Os pequisadores do Cebrap que estudam as câmaras setoriais da indústria automotiva descrevem, com muita propriedade, as relações capital-trabalho na indústria automotiva durante esse período como "uma relação conflituosa em que se busca a anulação do 'outro'"54 54 Essa passagem encontra-se em Oliveira, et. ai. (1993), pp. 6. É também citado em Cardoso e Comin (1993, pp. 18), quem, juntamente com outros pesquisadores, completam a equipe encabeçada por Oliveira no Cebrap. . Tomando-se, primeiramente, o caso dos sindicatos, a CUT "herdou" do novo sindicalismo a postura de oposição combativa tanto ao capital quanto ao Estado. Os sindicatos cutistas estiveram no centro do grande período de mobilização sindical no Brasil, durante os anos oitenta, incluindo as duas greves gerais patrocinadas pela central no governo Sarney, o que não acontecia desde as primeiras décadas do século. Além disso, a CUT assumiu uma oposição intransigente frente ao modo pactuado da transição democrática e o caráter conservador e elitista da chamada "Nova República". Por sua vez, o sindicato de São Bernardo esteve na vanguarda dos mais importantes conflitos industriais durante o mesmo período.

De parte tanto do Estado quanto dos empresários, o antagonismo em relação à CUT foi maior ainda. Os governos Figueiredo, Sarney, e Collor denunciaram a CUT como "radical"; encorajaram a criação de sindicatos rivais à CUT no movimento sindical e empregaram uma política que combinava diálogo e repressão. Enquanto isso, os empresários, particularmente aqueles representados pela Fiesp, tiveram uma atitude mais dura com os sindicatos em meados dos oitenta, depois de mostrarem uma abertura ao diálogo e à negociação no início da década. As montadoras, que fizeram parte desse processo, apenas alguns anos depois de terem concordado com a criação da primeira comissão de fábrica eleita, reiniciaram as práticas de dispensa de militantes e, no caso da Ford, demitiram todos os integrantes da comissão de fábrica56 56 Palavras de um membro de uma comissão de fábrica entrevistado pelo autor, 11/11/92, São Bernardo do Campo. Exemplos de decisões nas quais a comissão foi rotineiramente consultada durante o período de minha pesquisa foram a transferência de trabalhadores para outras unidades ou fábricas, a redução da jornada de trabalho, problemas disciplinares, e mudanças no layout para a acomodação de novas máquinas. eleita em 1986. Dada a explosiva combinação de uma forte militância sindical organizada a partir do sindicato dos metalúrgicos com uma direção "dura" por parte das montadoras55 55 Além de uma amostragem de 13 trabalhadores, eu entrevistei mais 12 sindicalistas (membros de comissões de fábrica anteriores e récem-eleitas e membros eleitos da CIPA, a comissão interna bilateral de prevenção de acidentes que todas as empresas brasileiras são obrigadas por lei a constituir) e aproximadamente um número igual de executivos, divididos entre supervisores de produção e diretores de relações industriais. Em concordância tanto com sindicalistas e a empresa, a identidade dos entrevistados não será divulgada. , a indústria automotiva foi palco, principalmente entre 1985-87, de greves que se constituíram em verdadeiras batalhas , envolvendo a ocupação de fábricas e depredações, o que provocava acusações entre sindicalistas e empresários e até ameaças de sabotagem.

De junho a dezembro de 1992 a presente pesquisa, realizada em São Bernardo do Campo sobre relações de trabalho nas montadoras, compreendeu entrevistas com trabalhadores de base, sindicalistas e executivos e supervisores das montadoras . As entrevistas revelaram que, desde a agudização dos conflitos em meados dos anos oitenta, ocorreram profundas mundanças nas relações capital-trabalho. Os supervisores tornaram-se menos autoritários; demissões deixaram de ser utilizadas como medida disciplinar e tornaram-se objeto de negociação; e as relações entre a comissão de fábrica e a direção da empresa, embora sujeitas a retrocessos, tornou-se mais "profissional" e sujeita a procedimentos institucionais. Essas mudanças podem ser atribuídas a dois processos relacionados que aconteceram tanto de parte dos sindicalistas quanto da direção da empresa: (1) uma autocrítica dos respectivos papéis nos conflitos e (2) a ascensão de novas lideranças nas empresas e nos sindicatos que não estavam identificadas com o período de antagonismo.

Embora os conflitos freqüentes sobre salários e emprego continuassem, devido à situação do setor no país, a busca da cooperação foi impulsionada no final da década, conforme aumentava o interesse das empresas pelo maior envolvimento de trabalhadores nos programas de qualidade. As entrevistas tanto com sindicalistas quanto com executivos confirmaram que, nas palavras de um sindicalista, "agora para tudo eles falam com a comissão de fábrica primeiro". Contudo, a despeito do fato de que a comissão não mais se opôs frontalmente aos programas de "participação" e qualidade da empresa, uma política de participação ampla das instâncias sindicais nos referidos programas não foi adotada devido a discordâncias entre os sindicalistas em relação à questão.

Outras entrevistas, em outras fábricas, sugeriram que as mudanças no chão da fábrica haviam sido observadas eram parte de um processo mais amplo de evolução das relações de trabalho na indústria automotiva. O diretor de recursos humanos de uma montadora disse ao autor, em agosto de 1990, que o sindicato e a direção da empresa haviam desenvolvido uma maior "compreensão" da necessidade do aperfeiçoamento de diálogo57 57 Entrevista com o diretor de recursos humanos de uma montadora, 23/08/90, São Paulo. . Ele também disse que tinha desenvolvido boas relações de trabalho não apenas com Vicentinho mas também com sindicalistas da Força Sindical que representavam trabalhadores de outras fábricas58 58 É importante frisar que essa declaração foi feita logo após uma greve turbulenta de 45 dias numa fábrica da Autolatina em São Bernardo do Campo, onde ocorreram demissões de ativistas e quebra-quebras. .

Entrevistas com lideranças sindicais de São Bernardo do Campo59 59 Entre 1990 e o final de 1992, o autor entrevistou mais de 20 lideranças do sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema, tanto da diretoria atual e anterior quanto das comissões de fábrica e outras instâncias sindicais de base. também revelaram que o sindicato havia amainado sua forte oposição aos programas de "participação" dos trabalhadores, patrocinados pelas montadoras a partir do final do anos oitenta, e havia começado a encorajar os sindicalistas e trabalhadores a participarem dos esforços de promoção da elevação da produtividade e da melhoria da qualidade. A mudança na postura do sindicato teve o objetivo de moldar e, se necessário, contestar as decisões da empresa, bem como fazer dos mecanismos de participação e dos programas de qualidade um instrumento de melhoria das condições de trabalho. O diretor de relações de trabalho de uma outra fábrica do mesmo setor em São Bernardo confirmou a mudança na estratégia do sindicato, comentando que Vicentinho freqüentemente utilizava a seguinte frase: "nós não estamos defendendo os empresários, estamos defendendo a indústria"60 60 Entrevista com o autor, 27/03/92, São Bernardo do Campo. . Confirmando o que disseram outros entrevistados de outras fábricas, esse executivo confirmou que durante esses dois anos, o "clima de confronto" dos anos anteriores deu lugar a um processo de negociação no qual os sindicalistas haviam assumido uma posição "mais franca, transparente, de maior respeito". Paralelamente, ele notou que os dois lados vinham-se tratando sob o entendimento implícito de que qualquer disputa seria motivo de negociação, antes que os trabalhadores organizassem uma nova greve ou paralização, e de qualquer mudança de peso na política de recursos humanos da empresa seria comunicado ao sindicato com antecedência.

Em suma, muito antes das negociações da câmara setorial, os sindicalistas de São Bernardo e as montadoras haviam transformado uma situação de "guerra total" em uma situação de diálogo institucionalizado onde o "uso da força" — na adoção de medidas unilaterais e punitivas de um lado contra o outro — tornou-se um procedimento só utilizado em última instância. Ou seja, os"inimigos" irreconciliáveis passaram à condição de "adversários". De parte do sindicato, a mudança de atitude fez parte de uma redefinição mais ampla de sua estratégia, que o autor caracteriza em outro ensaio como um movimento de uma "combatividade de oposição" em direção à uma "combatividade de inovação", tomando os termos utilizados por Cristopher Allen para o contexto europeu61 61 Para Allen (1990, pp. 70, nota 15), a "combatividade de oposição" refere-se à "tradicional, defensiva, militância anti-capitalista, incapaz (ou não desejosa) de formular uma alternativa ao status quo...". Ele define a "combatividade de inovação" como o "uso da mobilização sindical que aponta uma estratégia e tática que pode ser empregada com o objetivo de transformação da realidade". . Essa transição a um "sindicalismo propositivo", conforme os termos utilizados pelos sindicalistas de São Bernardo, puderam ser percebidas pelo menos desde a campanha presidencial de 1989. Com a possibilidade de vitória de Luis Ignácio Lula da Silva, o candidato do Partido dos Trabalhadores (e o primeiro líder de São Bernardo) as lideranças sindicais pediram ao escritório do Dieese em São Bernardo a elaboração de um documento com propostas para uma política industrial alternativa para o setor automotivo. Um fato importantíssimo e pouco divulgado é o de que o relatório de 93 páginas, entitulado "Modernização Industrial: uma perspectiva alternativa para a Indústria Automotiva" lançou muitas das propostas que depois se tornariam as propostas oficiais dos trabalhadores por ocasião da instalação da câmara setorial, em dezembro de 199262 62 "Modernização Industrial: Os Rumos Recentes e Alternativos da Indústria Automobilística", Estudo Especial da Sub-seção do Dieese, Sindicato dos Metalúrgicos e São Bernardo do Campo e Diadema, outubro de 1989 (terceira versão). Ver parte III, pp. 62-93, onde o relatório esboça de um modelo de desenvolvimento alternativo para o setor, com respeito à política industrial, modelo de produção, e de relações de trabalho. . Segundo o então secretário-geral do sindicato de São Bernardo, Luiz Marinho, a participação sindical na câmara setorial foi assim "o resultado da acumulação de experiência, informações e pesquisa" (grifo do autor)63 63 Entrevista com o autor, 11/12/92, São Bernardo do Campo. .

As mudanças em São Bernardo ocorriam paralelamente ao aumento da intensidade dos debates no interior da CUT com respeito à forma de resolver o seguinte dilema: participar dos diversos foros institucionais ou, ao contrário, manter a "pureza"de classe e a autonomia sindical mediante a não-participação. Quando confrontada com o "dilema da participação" nos esforços de constituição de um pacto social nacional durante o governo Sarney, a CUT teve uma participação relutante, mas usou o foro de negociação mais para marcar uma posição intransigente do que para avançar propostas concretas. Uma vez que as outras partes também pareciam não apostar no consenso, a culpa pelo fracasso das negociações não pode ser creditada apenas à CUT. Contudo, com a possibilidade de participação sindical nos sub-grupos de trabalho do Mercosul, a reativação das câmaras setoriais, e as tentativas de negociação de um pacto social no governo Collor, o "dilema da participação" tornou-se um assunto controverso dentro da CUT em 1990 e 1991. Com o crescimento da participação dos sindicatos cutistas em diferentes câmaras setoriais e no Mercosul, bem como a vitória de Vicentinho como sucessor de Meneguelli na presidência da central, as forças pró-participação acabaram por consolidar sua hegemonia. Porém, em virtude da persistência de correntes mais intransigentes nas empresas estatais e no funcionalismo público onde a CUT tem grande força (dentro de sua estrutura ainda muito descentralizada) e a pouca disposição do Estado para ter os sindicatos como interlocutores da reestruturação do aparelho de Estado, as experiências inovadoras de efetiva participação dos sindicatos cutistas na modernização econômica não se expandiram, até agora, para o setor público.

Um processo similar — embora mais lento e desigual — também foi detectado na postura do governo em relação à CUT. Embora as relações fossem abertamente hostis durante o governo Collor, em parte devido à indicação um sindicalista conservador, Antonio Rogério Magri, para o ministério do trabalho, o governo reconheceu de fato a primazia da CUT entre os interlocutores no movimento sindical ao chamá-la várias vezes à negociação de um pacto social, embora continuasse denunciando seu "radicalismo". Sob o governo Itamar Franco as relações tornaram-se mais amistosas, em parte por causa da indicação para o Ministério do Trabalho de Walter Barelli, durante muito tempo um aliado dos sindicatos na condição de presidente do Dieese.

Essa incipiente cultura de interlocução que se vinha desenvolvendo nas relações trabalhistas foi uma condição necessária para a negociação setorial tripartite. Se o antagonismo que prevaleceu durante os anos anteriores continuasse, o florescimento do neocorporativismo na indústria automotiva brasileira não teria se materializado, como aconteceu com o fracasso das negociações sobre o pacto social no governo Sarney e com as estratégias unilaterais de confronto praticadas no setor automobilístico durante a recessão do início dos anos oitenta. A condição imediata que catalizou a ação cooperativa, contudo, manifestou-se na forma de uma sensível retração na indústria automotiva no início dos anos noventa. Enquanto o setor havia experimentado um declínio gradual nos anos oitenta, a crise se agravou no início dos anos noventa com uma combinação de aumento da recessão, queda nas exportações, aumento das importações e uma grande incerteza acerca dos novos investimentos no mercado brasileiro. Desse modo, a conjuntura na qual as partes deram início à negociação tripartite foi particularmente negativa: as montadoras presenciaram uma queda significativa nos níveis de produção e no faturamento, os sindicatos viram os níveis de emprego declinar e sentiram a ameaça de dispensas em massa; e os governo de São Paulo e federal preocupavam-se com a possibilidade de desindustrialização e desinvestimento naquele que era considerado o setor mais importante em fonte de empregos e receita. Ademais, as demissões em massa provocadas pelo fechamento da fábrica da Ford (e de outras grandes empresas do setor industrial) turvaram ainda mais o ambiente, enquanto circulavam rumores na imprensa sobre o fechamento de outras fábricas no setor. Contudo, quando as montadoras e os sindicatos decidiram constituir a câmara setorial, eles fizeram uma "profissão de fé", não um "salto no escuro". A experiência acumulada de diálogo e negociação conduziu as três partes, particularmente as empresas e os sindicatos, a ter uma crença realista nos possíveis benefícios de se utilizarem de um enfoque tripartite para enfrentar os problemas do setor. Em particular, os atores acreditavam que as outras partes não aproveitariam de forma mesquinha as concessões ou fraquezas do adversário, recusando assim a busca de alternativas unilaterais.

CONCLUSÃO

Colocado no contexto da teoria neocorporativa, meus argumentos sobre a ascensão do meso-corporativismo no setor automotivo brasileiro sugerem que, quando transposto ao terreno "inexplorado" da América Latina, certos "ajustes" analíticos e práticos fazem-se necessários. Em países caracterizados por uma democracia frágil, uma forte tradição de corporativismo de Estado, e relações e estruturas sociais altamente desiguais, as barreiras ao estabelecimento do corporativismo social são muito fortes. Em tais arranjos, a herança de elitismo e populismo, ainda fortemente arraigada, que domina as relações entre as elites e os demais estratos sociais são antitéticas em relação aos principais elementos do corporativismo societal - a saber, relações de negociação direta, conduzidas com base em uma situação de igualdade formal, entre associações organizadas e autônomas, representando interesses opostos e mesmo contraditórios. Ademais, os esforços ocasionais para superar as tradições de corporativismo de Estado, elitismo, populismo, através de estratégias de oposição e mobilização, como a que caracterizou a emergência do novo sindicalismo e a formação da CUT, costumam encontrar fortes resistências por parte das elites, e acabam gerando uma dinâmica de confrontação que é igualmente prejudicial à negociação neocorporativa.

Nem a dominação pura e simples das elites nem uma dinâmica de dominação com forte resistência dos "de baixo" são propícias para empreender formas mais democráticas de representação de interesses, tais como os arranjos neocorporativos. A experiência do setor automotivo no Brasil sugere as condições sob as quais se torna possível transformar modos autoritários e excludentes de intermediação de interesses, seja no nível "meso" de um determinado setor, região ou arena política, seja no nível macro ou micro. Não bastam as mudanças estruturais (econômicas, sociais ou políticas, as que forem relevantes) que criam a atmosfera de crise, na medida em que as crises não geram automaticamente suas próprias saidas e os "inimigos" dificilmente deixam de lado os velhos antagonismos de um momento para o outro, ainda mais nessas condições. De fato, não seria difícil imaginar cenários nos quais os modos de representação se transformam sem o estímulo de uma crise sequer, se bem não seja o caso do presente estudo. Crise ou não, tais transformações parecem depender sobretudo dos atores envolvidos passarem não somente a ver as estratégias de confrontação como contraprodutivas (na medida em que o adversário não é passível de "eliminação") mas também a considerar um ao outro como suficientemente "confiáveis" para empreender uma negociação ampla e assumir os riscos de vulnerabilidade inerentes a tal negociação. Dessa forma, são os aprendizados gerados pelos próprios conflitos que acabam levando levando os atores à criação de formas mais avançadas e democráticas de negociação e representação de interesses.

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  • *
    A primeira versão desse texto foi apresentada no Seminário "The Politics of Inequality in Latin America", realizado em março de 1994 em Nova York. O autor agradece o apoio institucional e intelectual do Cedec, onde foi recebido como pesquisador visitante em diversas ocasiões, do Institute of Latin American and Iberian Studies da Universidade de Columbia, e o apoio financeiro do programa Fulbright-Hays e a Inter-American Foundation. Também agradece a tradução habilidosa realizada por João Paulo Veiga e os comentários de Douglas Chalmers, Alvaro Díaz, Robert Kaufman, Alfred Montero, Victoria Murillo, Katherine Roberts-Hite, Ian Roxborough, Monica Segarra e João Paulo Veiga. Tradução João Paulo Veiga.
  • 1
    Embora as formas de abordagem do tema são diferentes e os matizes de interpretação variam do otimismo desenfreado a um certo ceticismo, todos os seguintes autores ressaltam a novidade das câmaras setoriais, especialmente a automotiva, a saber: de Oliveira et. al. (1993), Cardoso e Comin (1993), Guimarães (1994), Diniz (1994) e Arbix (1995). Para uma perspectiva totalmente hostil às câmaras, que as considera apenas um nova versão do pactos corporativistas de velho tipo, ver Salgado (1993a e 1993b).
  • 2
    Sobre a história do relacionamento entre governo e empresários do setor, ver Shapiro (1994).
  • 3
    A tentativa mais ambiciosa e compreensiva nesse sentido é o recente estudo de Arbix (1995).
  • 4
    Lei Numero 8.178, de 21 de março de 1991.
  • 5
    Diferentemente de outras fábricas no Brasil, essa planta não esteve sob a administração da Autolatina, empresa criada em 1986, resultado da fusão entre a Ford e a Volkswagen, com presença no Brasil e na Argentina. A Autolatina do Brasil foi extinta em 1994.
  • 6
    O "pacote" de sacrificios consistiu na redução do IPI e ICMS em 12% e na queda da margens das montadoras (4.5%), das autopeças (3%) e dos revendedores (2,5%).
  • 7
    O Estado de São Paulo, 12/01/93, pp. 10.
  • 8
    Essa cifra foi uma estimativa preliminar da Anfavea, citada em "Queima de Estoques",
    Veja, 18/11/92, pp. 85.
  • 9
    Os outros dois ministérios novos eram o Planejamento e o da Fazenda. Além disso, o Ministério do Trabalho herdou algumas responsibilidades do antigo "superministério" da Economia.
  • 10
    MICT, Secretaria de Política Industrial, "Evolução dos acordos setoriais", agosto de 1993, pp. 3.
  • 11
    Além disso, três secretários de Fazenda (São Paulo, Bahia e Minas Gerias) participaram das negociações enquanto observadores.
  • 12
    tamanho do documento testemunha sua complexidade — 14 páginas, incluindo 8 cláusulas e 20 artigos, em comparação ao documento anterior de apenas 2 páginas e sete itens.
  • 13
    O objetivo dessa medida foi o de estimular o consumo e a produção dos modelos "populares" para que pudessem se tornar mais acessíveis ao consumidor brasileiro ao invés dos modelos médios e de luxo, que caracterizaram a produção das montadoras durante os anos oitenta.
    14 Algumas dessas medidas acabaram sendo adotadas em janeiro de 1994 pela câmara setorial de tratores e máquinas agrícolas.
  • 15
    Os outros US$ 10 bilhões seriam divididos entre as autopeças (US$ 6 bilhões), produtores de pneus e câmaras (US$ 1 bilhão), os segmentos de fundição e siderurgia, fornecedores de matérias-primas e os distribuidores entrariam com outros US$ 3 bilhões.
  • 16
    José Eduardo de Andrade Vieira, "Câmara Setorial e Democracia Econômica",
    Folha de São Paulo, 09/09/93, pp. 2-2.
  • 17
    A taxa de crescimento é citada por Vicentinho em seu artigo intitulado "Os desafios para 1994",
    Folha de São Paulo, 06/01/94, pp. 1-3.
  • 18
    O número total de veículos vendidos no mercado doméstico foi de 1.017 milhão,
    O Estado de São Paulo, 03/01/94, pp. 7. Não fosse uma queda acentuada das exportações - devido principalmente ao declínio das importações por parte da Argentina - os níveis de produção teriam sido ainda maiores.
  • 19
    De abril a dezembro, 150.000 carros foram vendidos, e no final do ano os "carros populares" tinham aumentado cerca de 30% sua participação no mercado interno,
    O Estado de São Paulo, 03/01/94, pp. 7.
  • 20
    Folha de São Paulo, 20/01/94, pp. 2-7.
  • 21
    The New York Times, 03/01/94.
  • 22
    O Estado de São Paulo, 03/01/1994, pp. 7.
  • 23
    A estimativa é de Cláudio Vaz, então Presidente do Sindipeças,
    Folha de São Paulo, 20/ 01/1994, pp. 2-7.
  • 24
    Os dados relativos às montadoras estão no artigo de Vicentinho, "Os desafios para 1994",
    Folha de São Paulo, 06/01/94, pp. 1-3; e os dados relativos às autopeças são de Cláudio Vaz,
    Folha de São Paulo, 20/01/94, pp. 2-7.
  • 25
    Os trabalhos mais importantes sobre o conceito de "Corporativismo Societal", todos discutindo o caso europeu, são Schmitter (1974); Schmitter e Lehmbruch (eds), (1982); e Berger (ed.), (1981). Para uma revisão da literatura, ver Wilson (1983).
  • 26
    Essas características foram originalmente discutidas por Schmitter (1974).
  • 27
    Embora a primeira "onda" da literatura sobre o neocorporativismo fosse caracterizada por uma polarização entre aqueles (liderados por Schmitter) que entendiam o conceito como uma forma de intermediação de interesses, e aqueles (liderados por Lehmbruch) que viam no corporativismo um processo de formulação de políticas, ambas as posições convergiram durante a segunda "onda". As duas posições acabaram sendo consideradas, do ponto de vista teórico, "primas" (e.g., os ensaios in Lehmbruch e Schmitter, 1982) ou consideradas parte de um mesmo fenômeno (e. g., os ensaios in Cawson, ed., 1985).
  • 28
    Essa característica, por si só, é insuficiente para caracterizar um arranjo de tipo "societal corporativo". Como Coleman (1985) evidencia, o corporativismo estatal pode existir no plano setorial dentro dos limites de um regime nacional de tipo liberal-democrático.
  • 29
    Ver Wassenberg (1982); Cawson, ed. (1986), pps. 107-127; e Allen e Riemer (1989).
  • 30
    O Sindicato de Santo André que fundiu-se, em 1993, ao Sindicato de São Bernardo, e o de Betim, Minas Gerais.
  • 31
    Dentre os representantes dos sindicatos, Vicentinho foi quase o único sindicalista citado pela imprensa durante as semanas que precederam ao acordo. Para precisar melhor o papel e envolvimento de outras organizações sindicais, em termos de influência e de capacidade de articulação junto ao sindicato de São Bernardo, seria necessário uma pesquisa mais detalhada.
  • 32
    Lehmbruch (1982) levanta a possibilidade da "equivalência funcional" em sua discussão acerca dos pré-requisitos organizacionais para a participação sindical na negociação de tipo societal corporativa.
  • 33
    Durante o período de assinatura do acordo de 1992, haviam sob a jurisdição do sindicato cerca de 42.084 trabalhadores ligados às montadoras e 15.053 às autopeças. Ver sub-seção do Dieese de São Bernardo do Campo e o próprio sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema, "A Categoria em Números. Câmara Setorial: Sindicato Abranda o Desemprego e Recupera o Salário", setembro de 1992, pp. 17.
  • 34
    Ver Keck (1989).
  • 35
    Inclui-se um departamento de formação de lideranças sindicais; um departamento de imprensa que publica um jornal diário e uma revista bimestral; um grande departamento jurídico; um pequeno estúdio de produção de TV (conhecido por "TV dos Trabalhadores") e uma numerosa assessoria. Há anos o sindicato deixou de utilizar os fundos oriundos do imposto sindical obrigatório.
  • 36
    Departamento Inter-Sindical de Estudos Sócio-Econômicos.
  • 37
    Ver Kingstone (1994b), capítulo 6.
  • 38
    Ver Offe (1985b). Isso contrasta com a situação dos sindicatos de trabalhadores onde, segundo Offe, os integrantes não detêm nenhum poder real enquanto indivíduos mas sim enquanto uma coletividade que atua conjuntamente.
  • 39
    Ver Amadeo e Camargo (1991) e Kingstone (1994b), capítulo 6.
  • 40
    Ver Kingstone (1994b), capítulo 6.
  • 41
    A importância da saída de Mendonça foi realçada pelas declarações de um executivo presente às reuniões: "Alguns disseram abertamente que nenhum acordo seria sancionado com a presença dele". Ver
    Veja, 01/04/92, pp. 75.
  • 42
    Enquanto a unidade mínima de representação sindical continua sendo o município e o princípio da unicidade continua legalmente em uso, a abolição da obrigatoriedade do reconhecimento do sindicato por parte do ministério do Trabalho criou muitas situações de rivalidade entre diferentes sindicatos no interior da mesma jurisdição. Contudo, essa prática foi muito mais comum em setores pouco organizados onde havia, portanto, um "vácuo de representação", do que naqueles mais organizados como é o caso dos metalúrgicos. Além disso, a partir da Constituição de 1988 não há mais qualquer obstáculo legal à fusão de sindicatos oriundos de municípios limítrofes, como aconteceu com certa freqüência nos setores mais organizados.
  • 43
    Sobre as tendências da descentralização das negociações coletivas para o nível das empresas nos países industrializados, ver Katz (1993) e Hyman (1994). Sobre as consequências dessa tendência para a organização e a estratégia sindicais, ver Kern e Sabei (1991) sobre a Alemanha e Locke (1992) sobre a Itália.
  • 44
    Roxborough (1992a e 1992b). Ele considera esse ponto no contexto de uma crítica à estreiteza de parte da esquerda e do movimento sindical na região ao professarem a defesa da autonomia e do "anti-corporativismo".
  • 45
    A literatura sobre o "Estado de Bem-Estar Social" nos países de capitalismo avançado bem como sua crise atual é bastante vasta. Uma síntese útil e provocativa está em Offe (1984).
  • 46
    Entre os principais trabalhos em inglês sobre o controle corporativo exercido pelo Estado sobre os sindicatos encontram-se Erickson (1977), Erickson e Middlebrook (1982), e Cohen (1989).
  • 47
    Ver, por exemplo, Przeworski (1985).
  • 48
    Obviamente, a "cultura da interlocução" que existia entre capital, trabalho e Estado em muitos países europeus não foi uma constante da história, forjando-se no bojo dos duros conflitos internos e internacionais na primeira metade do século. Além do mais, essa cultura materializou-se muito menos em países como a Itália, a França e a Inglaterra, onde não é por acaso que o corporativismo de tipo tripartite nunca consolidou-se apesar dos esforços consideráveis desenvolvidos nos anos sessenta e setenta.
  • 49
    Para a caracterização do conceito de
    trust ver, por exemplo, o volume interdisciplinar editado por Gambetta (1988); apliacado à Economia, Lorenz (1993); à Sociologia, Luhmann (1979) e Coleman (1990); e à Ciência Política, Sabei (1982, 1990) e Putnam (1993).
  • 50
    Embora haja um certa ambigüidade acerca desse ponto, a equipe de pesquisadores do Cebrap que estudaram os acordos setoriais parecem enxergar uma mudança nas atitudes sindicais e empresariais mais como um resultado direto da crise por que passava o setor do que a continuidade de um processo que havia se inciciado anteriormente e que foi apenas acelerado pela crise. Ver Oliveira, et. al. (1993) e Cardoso e Comin (1993).
  • 51
    Ver, por exemplo, os vários ensaios in Cawson, ed. (1985).
  • 52
    Por exemplo, Boston (1985) utiliza esse argumento com respeito à resistência por parte dos sindicatos britânicos a não negociar nada além das políticas de curto prazo relativas a questões salariais nos anos setenta. Lehmbruch também relata a "perspectiva prevalente" de que o fracasso nos esforços em acordar uma política salarial na França durante os anos sessenta foi devido à "intransigência ideológica de parte dos sindicatos", embora o autor dá maior peso a fraqueza estrutural dos sindicatos. No mesmo artigo, ele também nota que as tendências corporativas na Grã-Bretanha durante os anos setenta encontrariam um forte obstáculo ao seu crescimento e consolidação em razão da "crença arraigada sobre o poder soberano do Parlamento e do governo parlamentarista". Ver Lehmbruch (1982), pp. 21-22.
  • 53
    Offe (1985).
  • 54
    Essa passagem encontra-se em Oliveira, et. ai. (1993), pp. 6. É também citado em Cardoso e Comin (1993, pp. 18), quem, juntamente com outros pesquisadores, completam a equipe encabeçada por Oliveira no Cebrap.
  • 55
    Além de uma amostragem de 13 trabalhadores, eu entrevistei mais 12 sindicalistas (membros de comissões de fábrica anteriores e récem-eleitas e membros eleitos da CIPA, a comissão interna bilateral de prevenção de acidentes que todas as empresas brasileiras são obrigadas por lei a constituir) e aproximadamente um número igual de executivos, divididos entre supervisores de produção e diretores de relações industriais. Em concordância tanto com sindicalistas e a empresa, a identidade dos entrevistados não será divulgada.
  • 56
    Palavras de um membro de uma comissão de fábrica entrevistado pelo autor, 11/11/92, São Bernardo do Campo. Exemplos de decisões nas quais a comissão foi rotineiramente consultada durante o período de minha pesquisa foram a transferência de trabalhadores para outras unidades ou fábricas, a redução da jornada de trabalho, problemas disciplinares, e mudanças no layout para a acomodação de novas máquinas.
  • 57
    Entrevista com o diretor de recursos humanos de uma montadora, 23/08/90, São Paulo.
  • 58
    É importante frisar que essa declaração foi feita logo após uma greve turbulenta de 45 dias numa fábrica da Autolatina em São Bernardo do Campo, onde ocorreram demissões de ativistas e quebra-quebras.
  • 59
    Entre 1990 e o final de 1992, o autor entrevistou mais de 20 lideranças do sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema, tanto da diretoria atual e anterior quanto das comissões de fábrica e outras instâncias sindicais de base.
  • 60
    Entrevista com o autor, 27/03/92, São Bernardo do Campo.
  • 61
    Para Allen (1990, pp. 70, nota 15), a "combatividade de oposição" refere-se à "tradicional, defensiva, militância anti-capitalista, incapaz (ou não desejosa) de formular uma alternativa ao status quo...". Ele define a "combatividade de inovação" como o "uso da mobilização sindical que aponta uma estratégia e tática que pode ser empregada com o objetivo de transformação da realidade".
  • 62
    "Modernização Industrial: Os Rumos Recentes e Alternativos da Indústria Automobilística", Estudo Especial da Sub-seção do Dieese, Sindicato dos Metalúrgicos e São Bernardo do Campo e Diadema, outubro de 1989 (terceira versão). Ver parte III, pp. 62-93, onde o relatório esboça de um modelo de desenvolvimento alternativo para o setor, com respeito à política industrial, modelo de produção, e de relações de trabalho.
  • 63
    Entrevista com o autor, 11/12/92, São Bernardo do Campo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      1996
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