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Hayek e o individualismo no discurso econômico

O INDIVIDUALISMO E SEUS CRÍTICOS

Hayek e o individualismo no discurso econômico* * Este texto é parte da pesquisa "Modernidade e Discurso Econômico" que conta com financiamento do CNPq. Nesta etapa pude contar também com o apoio da FIPE/USP.

Leda Maria Paulani

Professora do Departamento de Ecconomia da FEA/USP

As reflexões que se seguem foram suscitadas pela leitura dos textos de Hayek (principalmente 1948a, 1948b, 1948c e 1948d) e buscam discutir as relações entre o indivíduo moderno e a ciência econômica. A primeira seção apresenta a questão. A segunda mostra a natureza historicamente constituída do indivíduo, sua relação contraditória com a modernidade e a peculiar posição em que o coloca a ciência econômica desde A. Smith. A terceira seção precisa os conceitos de individualismo metodológico e individualismo ontológico utilizando a taxonomía de paradigmas desenvolvida por Elster (1989). A quarta seção explora as proposições hayekianas para mostrá-las como um forte indício da natureza contraditória do indivíduo. Uma última seção traz considerações finais.

I

A existência do indivíduo e de sua liberdade de decisão e escolha é um dos pressupostos fundamentais da esfera de saber que conhecemos por ciência econômica1 1 Louis Dumont (1977) é um dos autores que assinalam essa relação, apontando o indivíduo como o ponto de partida do conjunto de idéias que vem a constituir a ciência econômica. A metáfora de Robinson Crusoé e a distinção que Dumont opera entre indivíduo e pessoa indicam claramente qual é a natureza dessa figura, criada pela modernidade, e em que sentido ela se apresenta como o alicerce dessa ciência. Voltaremos a esse ponto mais adiante. A esse respeito ver também Bianchi (1985). . Desde os seus primórdios, nas considerações de Adam Smith, até os atuais e sofisticados modelos de inspiração neoclássica, o individuo se coloca como peça fundamental: sem ele não há nem propensão à troca, nem preço de mercado girando em torno de preço natural, nem maximização sujeita a restrições, nem preferências reveladas, nem propensão a consumir e a poupar, nem decisões de investimento, nem demanda efetiva como ponto de oferta, nem antecipação racional de medidas de política econômica, nem progresso tecnológico, nem concorrência, nem crises ... nem mercado.

Este pequeno inventário arrola categorias e observações, hipóteses e conceitos que constituem a matéria prima de nosso trabalho e com os quais, pois, estamos, nós economistas, bastante familiarizados. Todos esses elementos, contudo, apontam para fenômenos que não se apresentariam enquanto tais, nenhum deles, na inexistência da posição do homem como indivíduo. Mas o que significa isso concretamente? Como se dá essa posição, quem a opera? Não devemos nos esquecer que o próprio Smith, dito pai de nossa ciência, assenta a propensão natural à troca na consideração que cada um tem pelo seu próprio interesse2 2 É bastante conhecida a proposição smithiana a esse respeito: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade mas à sua autoestima..." (1985:50) . Mas como poderia um ser humano atado a outros por relações de hierarquia e dependência pessoal lutar pelo seu próprio interesse? E como poderia fazê-lo se sua identidade fosse antes comunitária do que individualmente definida? No primeiro caso faltar-lhe-ia a igualdade; no segundo o direito privado de posse.

Todas essas considerações vêm no sentido de indicar que esta figura seminal de nossa ciência, e que implicita ou explicitamente está sempre no centro de nossas reflexões, não pertence ao universo das determinações antropológicas gerais mas é historicamente constituída. Mais especificamente diríamos que ela é posta pela modernidade, a qual deve ser entendida weberianamente, vale dizer, enquanto um determinado "espírito de época" que se torna autoconsciente a partir do Iluminismo, e enquanto um determinado processo de modernização social (direito de voto, educação universal, formas urbanas de vida etc.) que aparece como a objetivação histórica desse espírito3 3 A esse respeito ver Habermas (1990) e Paulani (1992b). .

A economia mercantil, ou seja, aquela organização onde a troca constitui-se na forma por excelência de organização da existência material do homem, é, também ela, parte da concreção desse novo espírito. Assim, indivíduo e economia mercantil, indivíduo e capitalismo estão intimamente ligados. Um não existe sem o outro. E se a ciência econômica pretende estudar o funcionamento dessa sociedade não pode desprezar o indivíduo enquanto elemento ativo dentro desse processo. Daí a dominância metodológica que a "rational choice" alcançou em nossa ciência (e que hoje se estende também a outros campos da área social)4 4 Przeworski diz a esse respeito: "Hoje em dia as ciências sociais estão sendo assediadas por uma ofensiva que não se via desde a década de 1890: um esforço deliberado para impor o monopólio do método econômico a todo o estudo da sociedade. De acordo com os economistas neoclássicos, tudo o que acontece enquadra-se em duas categorias: fenômenos econômicos e fenômenos aparentemente não-econômicos. O desafío do individualismo metodológico (...) questiona da mesma forma tudo que se costumava chamar ciência política, sociologia, antropologia e psicologia social. Os conceitos (...) são todos submetidos ao mesmo desafio: o de fornecer microfundamentos para os fenômenos sociais e, especificamente, basear toda a teoria da sociedade nas ações dos indivíduos concebidas como orientadas para a realização de objetivos racionais." (1988:5) Hausman (1984), na mesma linha, lembra que a ciência econômica (e, deduz-se, seu aparato metodológico) é hoje considerada o modelo ou padrão que todas as demais ciências sociais deveriam seguir. , pois que se afigura legítimo partir do indivíduo.

Mas se o indivíduo, como já assinalamos, não é antropologicamente definido mas sim consituído historicamente, tomá-lo metateoricamente como ponto de partida implica consequências do ponto de vista teórico que remetem, para o bem ou para o mal, ao status que o indivíduo ocupa dentro do sistema: ele se mostra efetivamente como sujeito, é a pergunta que surge, ou sua necessária autonomia é questionada pelos resultados? Em outras palavras, reconhecer a preponderância do indivíduo, enquanto ator privilegiado na sociedade moderna (principalmente no âmbito das relações materiais) e, por isso, optar metodologicamente por ele, implica demonstrar sua efetiva realização enquanto ator-sujeito? Será que a ciência econômica fornece o argumento requerido pela pregação do discurso liberal? Será que a partir de seus resultados pode-se garantir de fato a existência do indivíduo em sua plena autonomia de sujeito que soberanamente escolhe e age obtendo o que pretende?

São essas as questões das quais nos ocuparemos e é em função de sua natureza que as reflexões de Hayek ocupam aqui um lugar tão central. Como se sabe esse autor, num artigo clássico (Economics and Knowledge, publicado pela primeira vez em 1937), faz uma crítica devastadora ao caráter do individualismo que embasa a teoria de extração neoclássica, e a partir de então dirige suas investigações para outras questões que não mais as propriamente econômicas. Muito se discute sobre tal mudança de curso na vida intelectual de Hayek, se ela teria se dado em função do impacto das considerações de Popper frente ao apriorismo metodológico que Hayek herdara de Von Mises (Hutchison, 1981), se fora resultado do chamado "debate sobre o cálculo socialista" no qual ele se metera junto, entre outros, com Oskar Lange, (Caldwell, 1988)5 5 Caldwell reafirma sua posição em mais dois artigos posteriores: (1992) e 1994). , se fora por fim uma espécie de resultado natural de suas próprias considerações teóricas desenvolvidas em sua fase anterior de "economista", tendo Wick-sell como sua principal influência (Soromenho, 1994)6 6 Encontra-se aí, além de uma vigorosa defesa de tal posição, também uma boa resenha desse debate. .

O fato concreto, porém, é que, depois de Economics and Knowledge, Hayek nunca mais voltou a ser um economista "de verdade". Nossa suspeita, a ser ratificada (ou não) pelas reflexões que se seguem, é que, com tais críticas, Hayek teria assinado a sentença de morte da ciência econômica em sua vertente neoclássica. Assumir qualquer uma das outras, porém, feriria, também de morte, os princípios liberais por ele defendidos. Por isso foi um caminho sem volta. Tudo isso tem óbvias relações com as questões que aqui trataremos, particularmente com a da relação entre individualismo metodológico e individualismo ontológico em nossa ciência. Mais especificamente a trajetória de Hayek seria indicativa da natureza contraditória do indivíduo e da posição dúbia em que o coloca a modernidade. Não é de espantar, portanto, que Hayek, notório defensor do liberalismo, seja então, sem grande dificuldade e por contraditório que isso possa ser, enquadrado no coro dos pós-modernos, como faz Burczak (1994)7 7 Para uma posição contrária veja Caldwell (1994). .

Antes, porém, que nos detenhamos no pensamento hayekiano, que será o objeto da seção IV, é preciso: 1) demonstrar que o indivíduo é historicamente constituído e indicar sua natureza contraditória; 2) demonstrar que posição peculiar ele ocupa no mundo das relações materiais que é o objeto da ciência econômica; e 3) precisar os conceitos de individualismo metodológico e de individualismo ontológico bem como dar conta da relação entre os dois. A seção II discute os dois primeiros pontos e a III se encarrega do último.

II

Dissemos anteriormente que o indivíduo não pertence ao universo das determinações antropológicas gerais, que ele é posto pela modernidade e, portanto, é historicamente constituído. Mas como se dá essa posição, e que elementos a sustentam? Para responder à primeira parte da questão é preciso inicialmente lembrar que as críticas de ordem metodológica que normalmente são feitas à teoria econômica convencional incomodam-se basicamente com uma espécie de "despreocupação" que ela demonstra, ao partir axiomáticamente do indivíduo, com o problema da coesão e da consistência da sociedade.

Procedendo por comparação a formas pretéritas de organização social, afirmei em outro lugar (Paulani, 1994:20) que, "numa sociedade de castas ou estamentos, ou no mundo feudal da Idade Média, [esse] problema [da coesão social] não se coloca: ainda que existam aí conflitos, a questão da organização da existência material do homem está a priori resolvida por uma bem definida estrutura hierárquica, que diferencia os homens uns dos outros a partir de suas origens e estabelece de modo explícito suas relações de dependência pessoal e, a partir daí, seus papéis no processo produtivo." Nesse sentido, não será demais lembrar, por exemplo, uma interessante observação de um intérprete althusseriano de Marx. Para Balibar (1973), a diferença entre o modo de produção capitalista e o feudal, por exemplo, é que, no segundo, é perfeitamente visível, na própria forma de organização do trabalho, o tempo em que o trabalhador está labutando para a produção de um excedente que irá sustentar as classes hierarquicamente superiores, e aquele no qual trabalha para si mesmo e sua família. No capitalismo, ao contrário, não há necessidade de nenhum expediente extra-econômico para garantir a extração do excedente e sua transferência para outra classe. Daí a relativa autonomia das diversas esferas da vida social, ao passo que, no feudalismo, os dois níveis (o político e o econômico) são inseparáveis 8 8 Sobre esse ponto ver também Benton (1984). .

Contudo, não é preciso ser marxista para aceitar nossas colocações inicias, menos ainda ser althusseriano. O que simplesmente tentamos mostrar é que, nas formações anteriores o homem não era livre, e se não era livre não podia lutar por seu próprio interesse, não era, nesse sentido, indivíduo. Quando a história liberta o homem das amarras tradicionais e o coloca livre, soberano e senhor de si mesmo, cria também um problema que não existia anteriormente, qual seja, o problema da coerência de uma tal formação social constituída por iguais, cada um dos quais com plena liberdade para decidir o que bem entender sobre seu próprio destino9 9 A esse respeito ver também Paulani (1992a). . A dissolução das relações hierárquicas constitui assim - e com isso começamos a responder à segunda parte da questão que abre esta seção -o primeiro passo da posição do homem como indivíduo10 10 Tanto Dumont (1977) quanto Heller (1991) assinalam esse ponto. A esse respeito ver também Fernandes de Souza (1995). e quem dá esse passo é a própria história da formação da sociedade moderna.

O que essa dissolução produz, a igualdade jurídica, não é suficiente, no entanto, para a constituição do indivíduo tal como o conhecemos. Nas comunidades tribais primitivas existia a igualdade, mas não o indivíduo. A busca do interesse próprio não tinha ainda canais para se conduzir. E isto porque a propriedade não era aí privada, era comunal, ou seja, a relação de posse era antes social do que individual. Mesmo nas civilizações mais adiantadas, como as da Antigüidade Clássica, onde já existia algo mais parecido com a moderna propriedade privada, ainda aí era a comunidade o pressuposto da propriedade11 11 "[No mundo antigo] a propriedade significa pertencer a uma tribo (comunidade), ter sua existência subjetiva/objetiva dentro dela e, por meio do relacionamento desta comunidade com a terra (...) ocorre o relacionamento do indivíduo com a terra (...)" (Marx, 1985:86) "Entre os povos antigos, já que muitas tribos viviam juntas em uma mesma cidade, a propriedade tribal aparece como propriedade do Estado e o direito do indivíduo sobre ela como simples possessio (...) Nos povos surgidos da Idade Média, a propriedade tribal desenvolve-se passando por várias etapas diferentes - propriedade feudal da terra, propriedade mobiliária corporativa, capital manufatureiro - até chegar ao capital moderno (...) isto é até chegar à propriedade privada pura, que se despojou de toda aparência de comunidade e que excluiu toda influência do Estado sobre o desenvolvimento da propriedade." (Marx, 1979:96-97). Sobre esse ponto ver também Schmidt (1977). . Ou seja, para a criação do indivíduo moderno, o processo histórico teve de acrescentar, ao lado da dissolução das relações hierárquicas, também a institucionalização jurídica do direito privado de posse12 12 É na Fenomenología do Espírito (parte IV, principalmente item A), como se sabe, que Hegel retrata o nascimento do indivíduo moderno, mais particularmente, de sua consciência como indivíduo sem o que ele não se constitui como tal. Mas, lembra Habermas (1987:31-32), é nas Lições de lena (1990:13-55) que aparece mais claramente a relação entre a institucionalização do reconhecimento individual e o poder privado de disposição que têm os indivíduos sobre as coisas. Sobre isso ver ainda Habermas (1990:13-55), Flickinger (1986) e Paulani (1992b). .

Eis aí, portanto, os dois elementos que constituem o indivíduo moderno e garantem sua posição na história. Mas como ela se dá? Até aqui demonstramos que o indivíduo é uma criação da modernidade. Resta mostrar sua natureza contraditória. Nesse sentido, o primeiro ponto a ser lembrado é que sua constituição enquanto elemento autônomo, livre, independente e dotado de vontade própria só se realiza de fato se lhe for garantido o reconhecimento (de outros indivíduos, evidentemente). Já deixa aí, portanto, de ser verdadeiramente autônoma sua natureza, visto que, na ausência de tal reconhecimento, os atributos que determinam o indivíduo carecem de sentido e não existem efetivamente13 13 Pode-se dizer, por exemplo, que Robinson Crusoé é livre? Não, a não ser no sentido absolutamente não-social de que ele está só na ilha. Naquilo que nos concerne neste trabalho a liberdade tem de ser definida negativamente, vale dizer, como ausência de coerção e não há ninguém na ilha de Crusoé para não coagi-lo. Não custa lembrar que a defesa que faz Hayek da propriedade privada enquanto um espaço necessário para garantir a preservação da liberdade do indivíduo também implica um conceito negativo de liberdade. Porém, como assinala Burczak, e isto é ainda mais interessante para nós, Hayek não deduz tal necessidade de qualquer caráter supostamente livre da natureza humana mas dos limites impostos pelo conhecimento objetivo e racional: "[Para Hayek] a liberdade da interferência coercitiva por parte do Governo ou de outros indivíduos e grupos é importante porque ninguém pode saber o que é bom para as outras pessoas. Não há nenhum conhecimento objetivo padrão de acordo com o qual um grupo possa legitimamente forçar outro grupo a agir. De fato, Hayek defende a liberdade garantida pela propriedade privada porque os indivíduos freqüentemente não sabem sequer o que é bom para eles mesmos." (1994:52) Voltaremos a esse ponto mais adiante . Se entendermos que, do ponto de vista do indivíduo, o conjunto de todos os indivíduos constitui justamente a "sociedade", fica estabelecida então de partida e posta pela modernidade uma complexa, intrincada e contraditória relação entre essas duas figuras que se constituem simultaneamente uma em oposição à outra. Em poucas palavras, é essa relação contraditória entre indivíduo e sociedade que constitui a modernidade (já que é por meio de instâncias sociais que se processa o necessário reconhecimento).

Como compreender então a primeira figura (o indivíduo) na ausência da segunda (a sociedade)? E, invertendo, como compreender a sociedade moderna sem lembrar a todo momento quais são seus elementos constituintes?14 14 A esse respeito, diz Marx: "só no século XVIII, na 'sociedade burguesa', as diversas formas do conjunto social passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meios de realizar seus fins privados, como necessidade exterior. Todavia, a época que produz esse ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente aquela na qual as relações sociais (...) alcançaram o mais alto grau de desenvolvimento. O homem é no sentido mais literal um zoon politikon, não só animal social, mas animal que só pode isolar-se em sociedade. A produção do indivíduo isolado fora da sociedade (...) é uma coisa tão absurda como o desenvolvimento da linguagem sem indivíduos que vivam juntos e falem entre si" (1974:110). Numa explicação puramente funcionalista, por exemplo, o indivíduo não é ator-sujeito, portanto não é propriamente indivíduo, já que é mera peça (funcional) de uma engrenagem chamada sociedade, que opera segundo suas próprias leis15 15 Cabe aqui uma distinção entre funcionalismo e holismo. Enquanto o primeiro é um tipo particular de explicação com características "técnicas" mais ou menos claras tais como, explicar um fenômeno pelas suas conseqüências, inverter a relação causa-efeito etc, o último é uma concepção do objeto. Um exemplo do primeiro tipo: a lógica do capital, (ou o capital) explica o comportamento dos empresários em sua eterna busca de novos meios para elevar a produtividade do trabalho. Exemplos do último: as concepções de Leibnitz, de Hegel, de A. Smith, de Marx, de Mandeville, de Durkhein. Evidentemente há uma forte ligação entre ambos, pois as explicações funcionalistas são típicas das concepções holistas. Nem sempre isso é verdade, porém. Mais sobre isso na seção III à frente. . Numa concepção holista desse tipo, o indivíduo não tem, portanto, o status que a modernidade deveria, em princípio, lhe conceder. No outro pólo, numa tentativa de escapar da contradição constitutiva seminal, uma explicação puramente individualista16 16 Como veremos, Hayek denomina "racionalista" tal individualismo e mostra a contradição que implica sua defesa (1948a:4) não consegue dissecar figuras importantes de seu universo, como as instituições, por exemplo, nem encontrar nexos causais capazes de explicar determinados fenômenos (principalmente as chamadas contrafinalidades), isso quando não sucumbe pura e simplesmente a contradições de ordem lógica17 17 Como mostra De Villé (1990), as tentativas da teoria do equilíbrio geral de dar uma resposta ao problema da coordenação econômica tomando por base apenas e tão somente o comportamento racional dos indivíduos - guiados pelas informações do sistema de preços - apelam quase sempre para hipóteses contraditórias com as premissas. . Nesse tipo de visão, a sociedade propriamente dita é que não existe e é introduzida sempre ad hoc.

A ciência econômica, contudo, nasce sob o signo da conciliação. Para mostrar isso é ilustrativo trazer à cena uma outra ciência social, no caso a ciência política. Se, desconsiderando Maquiavel, tomarmos Hobbes e depois Locke como os pais dessa ciência perceberemos que, sob este enfoque, a sociedade (o "estado de sociedade") surge como resultado de um ato deliberado - consciente, portanto - dos indivíduos em seu "estado natural". Ainda que respeitadas as imensas diferenças entre as concepções dos dois autores - em Hobbes, como se sabe, o contrato que funda a sociedade é de submissão (para evitar a guerra de todos contra todos), enquanto em Locke configura-se como um "pacto de consentimento" (para que o Estado preserve a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos) - a despeito disso, portanto, para a ciência política não parece haver grande problema em se considerar metodológicamente a sociedade, concretizada na figura do Estado, como resultado de uma ação intencional dos indivíduos18 18 Apesar de simplificada aqui a resolução do problema é muito complicada também em Hobbes. Como mostra Prado (1992b), baseado em Parsons, a solução de Hobbes implica um agente que não é mais simplesmente autocentrado mas que leva em conta o funcionamento da sociedade como um todo. . Mas o que acontece com a ciência econômica em seu nascimento, vale dizer, considerada sob o enfoque econômico como se constitui a relação entre indivíduo e sociedade? Adam Smith mostrou, como é sabido, que, nessa esfera, o indivíduo, agindo de acordo com seus próprios interesses e sendo movido conscientemente apenas por eles, acaba produzindo um resultado - o progresso e a riqueza da nação - que não fazia parte de suas intenções.

Assim, se, no que tange à ordem política, a sociedade só nasce a partir da consciência dos indivíduos a respeito da necessidade do Estado, na ordem econômica, a sociedade - concretizada no mercado e em seu dinamismo progressista - surge como que naturalmente e de modo independente da vontade dos indivíduos. A metáfora da mão invisível sugere precisamente - para usar uma expressão forte - que os indivíduos, que pensam estar agindo por si mesmos, autonomamente, estão, na realidade, obedecendo a uma coordenação que vem de fora, a uma força anônima chamada mercado19 19 Diz Smith: "[o indivíduo, quando procura alcançar o maior valor para sua produção] é levado como que por uma mão invisívél a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções." (1985:379) . São indivíduos que agem, não há como negar, mas sua propalada autonomia fica, para dizer o mínimo, sensivelmente abalada.

Dessa forma, Smith teria expressado em seu discurso, sem disso se dar conta, o caráter inerentemente contraditório dessa figura que a modernidade cria, e caráter esse que é ainda mais patente, a despeito de menos visível, quando o foco sobre o qual a observamos é o econômico: o indivíduo só é livre, autônomo, independente, só é indivíduo propriamente, se não for indivíduo, se depender, para o exercício de sua soberania, de uma "regulação invisível" que cai fora de seu arbítrio; essa ilusão, no entanto, é vital para ele, pois só assim ele se comporta como aquilo que pensa ser. Se a sociedade aparece, para o indivíduo político, sob a forma de um Estado e um código de leis - que ao mesmo tempo que lhe concede direitos também lhe exige respeito e lhe impõe deveres delimitando-o em suas ações e expondo, por isso, de certa forma, a contradição que o constitui -, para o indivíduo econômico a sociedade fica invisível20 20 Gorz (1988), num contundente texto de crítica à razão econômica e ao imperialismo dessa razão, mostra que, de fato, a lógica do sistema implica um apagamento da sociedade diante do mercado, o qual deve ser entendido, portanto, como uma coleção de agentes que produz o melhor resultado coletivo possível a partir das decisões individuais de cada um de seus componentes. , e quando aparece em sua concretude, sob a forma do dinheiro, por exemplo, ela não surge para ele como locus de relações sociais mas como um "mundo natural", e continua, portanto, invisível. O homo economicus seria então um iludido porque a contradição que o constitui é reifícada preservando-o em sua soberana liberdade21 21 A referência ao fetichismo tal como Marx o expõe é inevitável e é de fato disso que se trata. No que tange ao mundo econômico, o indivíduo moderno tende a compreender como natural e "coisal" aquilo que é social. Nesse sentido, parafraseando Heller (1991:208) diríamos que, se é verdade que "na sociedade moderna (funcional) não é possível qualquer conhecimento verdadeiro da sociedade sem a reificação dos sujeitos (atores)", essa situação implica para a ciência econômica um problema ainda maior, uma reificação de segundo grau. Nesse campo, o cientista reifica o que já está reificado, ou, se preferirmos, fetichiza o fetiche. .

Em outras palavras, se politicamente a contradição é visível, economicamente ela fica escondida: o agente econômico parece inteiramente livre e pode agir soberanamente; o que o restringe não é a sociedade, mas uma coisa chamada dinheiro (por meio dessa coisa o mercado esconde que é sociedade). Assim, se no plano político a admissão da sociedade é o pressuposto da existência efetiva da individualidade (expondo e acomodando a contradição), no plano econômico a individualidade parece se pôr autonomamente e como a contradição parece não existir fica irresolvida.

III

Tratemos agora de precisar os termos fundamentais deste trabalho. Comecemos pelo individualismo metodológico. Segundo Elster "individualismo metodológico [é] a doutrina segundo a qual todos os fenômenos sociais (sua estrutura e sua mudança) são explicáveis, em princípio, apenas em termos de indivíduos: de suas características, fins e crenças." (1989a: 164) A declaração não diz muito. Segundo Przeworski, companheiro de Elster, ela é mesmo estéril. "Elster está em boa companhia", diz ele, e ironicamente lembra: "ele poderia ter citado a frase de Marx (da Sagrada Família) segundo a qual 'a história não é senão a atividade dos homens na busca de seus objetivos' (1956)"22 22 A ironia de Przeworski poderia ser rebatida althusserianamente com o argumento de que a frase de Marx por ele citada é de uma obra de juventude. Contudo, contra as teses simplistas de que a teoria marxiana é completamente holista e não deixa espaço para a atuação dos indivíduos, encontram-se frases ainda mais fortes mesmo na obra madura de Marx. Por exemplo: "A tese freqüentemente encontrada em São Max [Max Stiner, filósofo alemão, contemporâneo de Marx e Feuerbach, hegeliano de esquerda - LMP], segundo a qual o que cada um é o é através do Estado, no fundo identifica-se com aquela que sustenta que o burguês é apenas um exemplar da espécie burguesa, tese que pressupõe que a classe burguesa existiu antes dos indivíduos que a constituem." (A Ideologia Alemã, 1979:118). Ou ainda, "As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos portanto voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. (...) Para que essas coisas se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a próprias" (O Capital, 1983:79). Isto para não falar da famosa afirmação que Marx faz no Dezoito Brumário, segundo a qual os homens fazem a história, ainda que não a façam como querem. . É preciso, portanto, ir um pouco além. Considerando que o funcionalismo, importado da biologia, é estranho ao mundo dos fatos sociais23 23 "As ciências biológicas usam (...) análises funcionalistas quando explicam a estrutura ou o comportamento dos organismos através dos benefícios para reprodução (...) A análise funcionalista, entretanto, não tem lugar nas ciências sociais porque não existe analogia sociológica à teoria da seleção natural. (Elster, 1989a: 181). , Elster conclui que "o paradigma adequado para as ciências sociais é uma explicação causal-intencional mista - compreensão intencional das ações individuais e explicação causal de suas interações" (1989a: 181) e desafia o marxismo: "Sem um conhecimento sólido sobre os mecanismos que operam no nível individual, as teses marxistas de amplo alcance sobre as macroestruturas e as mudanças de longo prazo são condenadas a permanecer como especulações". (1989a: 165)

Com base nesses indícios poderíamos, pois, sumariamente, dizer que o individualismo metodológico é um preceito metateórico atinente ao mundo dos fatos sociais, segundo o qual a explicação de um fenômeno social qualquer só pode ser considerada científica se, por intermédio dela, pudermos reduzir tal fenômeno às ações intencionais (particularmente ao grupo das consideradas racionais) dos indivíduos e à forma como elas interagem. Como indicamos anteriormente não se pode dizer que não seja legítima tal reivindicação, considerando-se a natureza da sociedade moderna: se o que a caracteriza é precisamente a constituição do indivíduo enquanto ser livre e autônomo para decidir e agir, é nos indivíduos que é preciso colocar o foco, pois são eles que têm, como quer Elster, "olhos que vêem e mãos que se movem". Recusa-se, portanto, atores como "o Estado", "o Capital", "a Cultura" etc. Quem faz uso de tais sujeitos em suas explicações dos fenômenos sociais, é funcionalista, acredita em "totalidades", inverte a relação causal, especula, não faz ciência.

Mas no que consiste efetivamente uma explicação funcional? Segundo o mesmo Elster "na explicação funcional referimos a conseqüência real do fenômeno a fim de dar conta dele. (...) A questão está em como explicar um fenômeno a partir de um outro que acontece depois." (1989b:45-46). Mais uma vez a definição não diz muito, ou, pelo menos, não diz tudo. É que efetivamente podemos observar dois tipos de "inversão", ambas presentes nas ditas explicações "funcionais" ou "teleológicas" e que arrepiam os adeptos (como Elster) da ciência empírico-analítica24 24 O termo "teleológico"é usado como alternativo para funcional, entre outros por Nagel (1968:27-35). Ele é um termo mais forte e ao mesmo tempo mais fraco, consideradas as explicações funcionais do ponto de vista da crítica que lhe fazem os analíticos. Mais fraco se entendermos que a explicação intencional também é, num certo sentido, funcionalista: o político mostra-se amigo dos mais fracos porque quer se eleger. Seu comportamento tem uma função claramente definida, dado o fim que ele busca alcançar, logo, explica-se teleologicamente. Essa teleologia não é problemática, pois a finalidade da ação está posta por um sujeito claramente definido e é, portanto, intencionalmente adotada. O termo é mais forte, porém, quando implica assumir, de algum modo, que o futuro é o agente de sua própria realização. Arrepia os analíticos porque está aí envolvida a atitude, para eles não científica, de postular uma finalidade sem indicar o sujeito que a postula, ou encontrar para ela um sujeito que não pode ser aceito cientificamente, porque é vazio ontologicamente, uma totalidade qualquer que só existiria "no mundo dos conceitos e das abstrações" e à qual não é possível atribuir nenhum tipo de intenção. . O primeiro tipo de inversão é aquela indicada por Elster: trata-se de uma inversão "temporal": explica-se aquilo que vem antes por aquilo que vem depois e não, como, alegam, seria mais natural, o que vem depois pelo que vem antes (o que vem antes é a causa, o que vem depois é o efeito). O segundo tipo implica um inversão digamos "espacial": explica-se o menor pelo maior e não, como também seria mais natural, o maior pelo menor, o mais complexo pelo mais simples25 25 É nesses termos, aliás, que Elster estabelece a tarefa do individualismo metodológico. Depois de defini-lo da forma já assinalada, diz ele: "[Trata-se] de uma forma de reducionismo, o que quer dizer que nos leva a explicar fenômenos complexos em termos de seus componentes mais simples. (...) Não há, em princípio, [para as ciências sociais] objeção a essa redução, mesmo que ela possa ser impraticável no futuro imediato."(1989b:36-37) . Exemplificando: explica-se o comportamento individual pelo ethos, pela sociedade, e não a sociedade pelo agregado dos comportamentos individuais. Este último caso, diga-se de passagem é particularmente interessante para nós, pois trata-se, no presente trabalho, justamente de discutir se, a partir da modernidade, o indivíduo faz a sociedade ou se a sociedade faz o indivíduo.

Elster afirma, porém, que, respeitadas determinadas condições, as explicações funcionais podem ser aceitas nas ciências sociais: "a explicação funcional é aplicável quando um padrão de comportamento se mantém através das conseqüências que gera." (1989b:46). Exige-se, assim, a demonstração de um feedback loop, um efeito retroalimentador que atue como causa na manutenção do curso de ação previamente escolhido pelos agentes; mas isso não vale obviamente se a consequência da ação tiver sido intencionalmente buscada (visto que aí a explicação intencional dá conta do recado).

Tudo se passaria, portanto, como se "a primeira vez" em que se verifica um determinado tipo de comportamento só pudéssemos explicá-lo em função das intenções declinadas pelos indivíduos, sujeitos da ação. A partir daí, porém, as explicações funcionais poderiam ser aceitas desde que se provasse que as conseqüências não pretendidas da ação dos indivíduos acabam agindo no sentido de reforçar e manter tal padrão de comportamento. A explicação fica aceitável, então, porque a conseqüência se transforma em causa (em uma delas pelo menos) da ação intencional dos agentes e encontram-se assim os tão reclamados microfundamentos das macroestruturas26 26 Sobre essa questão veja também Prado, 1993:297. .

Em função de tais considerações, Elster estabelece (1989a: 165-166) uma espécie de gradação nos modelos que utilizam explicações funcionais nas ciências sociais, gradação essa que depende não só da intensidade do uso de tais expedientes, como também do status que nelas assumem as conseqüências das ações dos indivíduos. Apesar de muito confusas vamos tentar extrair das observações de Elster uma idéia mais clara de quais seriam as características de cada um desses paradigmas.

Inicialmente Elster define o Paradigma Funcional Fraco. Admite-se aqui, apenas, que o comportamento dos indivíduos tem conseqüências não pretendidas por eles e que tais conseqüências podem eventualmente ser benéficas para alguma estrutura social, vale dizer, para alguma instância maior do que o próprio indivíduo. Tais conseqüências benéficas, contudo, não explicam o comportamento dos indivíduos (tratar-se-ia, aqui, apenas de uma espécie de "coincidência"). Quem verdadeiramente age é o indivíduo; é ele o sujeito da ação e sua ação não é função de nenhuma instância superior a ele, ou de fins que ele desconhece e que determinam seu comportamento. É esse o tipo de paradigma que pode ser aceitável nas ciências sociais, desde que se demonstre de que modo o benefício causado a tal estrutura pelo comportamento dos indivíduos passa a influenciá-lo e a ratificá-lo. De acordo com Elster, o Paradigma Funcional Fraco também pode ser chamado de "paradigma da mão invisível" e é onipresente nas ciências sociais (1989a:165). O problema com ele é que "(...) em muitas explicações funcionais - e não só no marxismo - o ciclo de realimentação não é demonstrado, mas apenas postulado ou tacitamente suposto. Essa é a principal objeção." (1989b: 47).

Em seguida, Elster define o Paradigma Funcional Principal. A diferença com relação ao primeiro é que ele considera que o comportamento dos indivíduos pode ser explicado por suas conseqüências para as estruturas da sociedade. O comportamento dos indivíduos é aí concebido como portando o que Elster chama de "função latente", o que traduzindo significa: quem age é o indivíduo, ele é o sujeito da ação; mas se as conseqüências de seu comportamento (não pretendidas por ele) forem benéficas para alguma instância que escape do âmbito individual, então é esse resultado que explica seu comportamento, ou seja, ele não é produto de um indivíduo autônomo; é função de uma instância superior que age como o verdadeiro sujeito. A diferença deste com relação ao primeiro paradigma, portanto, não é de intensidade mas tem a ver com o status atribuído aos beneficiários das conseqüências não pretendidas da ação dos indivíduos.

Finalmente, teríamos o Paradigma Funcional Forte. Haveria, ainda aqui, uma sutil diferença de status, visto que, se no modelo anterior ainda existia um certo pudor em atribuir o comportamento dos indivíduos a instâncias que fogem de seu arbítrio - daí a atribuição a esse comportamento de uma eventual função "latente"- agora não há mais essa preocupação e o substantivo da expressão perde o adjetivo que o amenizava. Assume-se pura e simplesmente que o comportamento dos indivíduos é função das estruturas nas quais ele se dá. A diferença principal, contudo é de intensidade: a função, além de não ser mais "latente", não é mais agora eventual, ela existe sempre. Isto significa que para todo e qualquer comportamento dos indivíduos existirá sempre uma estrutura que o explique, vale dizer, que explique sua funcionalidade na manutenção do status quo social. O indivíduo não existe como sujeito, ele é apenas "funcionário das estruturas", ainda que pense que tem autonomia e que age por conta própria.

Mas falamos aqui o tempo todo em sujeito (da ação). No primeiro paradigma ele ainda é o indivíduo, mas as conseqüências não buscadas de seu comportamento podem ter efeitos benéficos sobre alguma estrutura social. Tal resultado, se não questiona diretamente a condição de ator-sujeito exibida pelo indivíduo, traz-lhe já um certo desconforto. Nos dois últimos, o sujeito não é mais o indivíduo. São entidades, maiores do que o indivíduo, que assumem esse papel, utilizando o comportamento dos indivíduos para lograr seus fins. Se for assim, o indivíduo é só um espectro de sujeito; ontologicamente o privilégio cabe às estruturas sociais.

Temos já aí algumas pistas para arriscar a definição de individualismo ontológico e estabelecer as relações entre os dois termos. Conferir ontologia ao indivíduo significa aceitar a hipótese de que ele é de fato o efetivo sujeito da ação, que ele é soberano, que sua autonomia é real (não uma ilusão). A conseqüência irrecusável que daqui se tira é que a sociedade bem como suas estruturas e tudo o mais que lhe concerne é resultado do agir intencional, consciente e deliberado dos indivíduos27 27 É de notar, porém, que o próprio Elster é obrigado a admitir que nem tudo pode ser reduzido a isso. No caso da formação das crenças e preferências que conformam a ação dos indivíduos ele fala, sintomaticamente, de uma "causação subintencional". A esse respeito ver Fernandes de Souza (1995). . Filosóficamente tudo se passa como se a modernidade tivesse entregue ao homem todos os presentes que lhe prometera (soberania, liberdade, realização), como se as promessas do Iluminismo tivessem todas se realizado plenamente.

Como já deve ter ficado claro, não é possível abraçar tal postura (ou defender a sociedade moderna, ou tentar demonstrar a compatibilidade social das decisões individuais) sem admitir, no nível metateórico, o individualismo metodológico. O inverso, contudo, não é verdadeiro. Como vimos, pelas palavras de um individualista metodológico assumido como Elster, as explicações funcionais não são, em princípio, incompatíveis com o individualismo metodológico, ou seja, pode-se admitir o individualismo no nível metateórico, por se reconhecer a natureza da sociedade moderna e a primazia que tem nela o indivíduo, e simultaneamente reconhecer que o comportamento individual pode produzir, no agregado, resultados que não foram pretendidos pelos agentes e que podem vir a determinar seu comportamento. O Paradigma Funcional Fraco parece precisamente dar conta de tal postura.

Com tais ingredientes podemos elaborar um quadro que relacione todas essas possibilidades com alguns autores e escolas emblemáticos de cada uma dessas posições. Antes, porém, é preciso lembrar a posição peculiar em que se encontra a ciência econômica nessa questão da relação do indivíduo com as estruturas sociais e na discussão sobre quem determina quem. Como vimos no final da seção anterior, a existência de instâncias superiores que determinam o comportamento do indivíduo não é problemática no âmbito dos objetos da ciência política, visto que o Estado surge como resultado de um ato intencional e deliberado dos indivíduos que soberanamente decidem abrir mão de parte de seu "direito natural" em prol de uma instância superior que garanta sua liberdade. A existência do Estado, portanto, não coloca em xeque o status do indivíduo enquanto ator-sujeito. Vimos também que o mesmo não acontece no mundo dos fenômenos que são objeto da ciência econômica. Contraditoriamente, porém, é justamente aí que o indivíduo parece ser mais soberano e autônomo porque não há, em princípio, nada que o restrinja, nenhuma instância que não remeta à sua própria liberdade de escolha e decisão. Aí, contudo, o aparecimento de algo como a "mão invisível" de Smith torna-se um problema, porque mostra que os indivíduos, que pensam estar agindo por si mesmos, estão sendo, na realidade, comandados por um poder anônimo que escapa de seu arbítrio.

Vamos agora ao prometido quadro que, por óbvias razões, só se preocupa com os economistas e escolas econômicas.

É verdade que colocar Mc Closkey nesta posição é quase atribuir-lhe um completo non-sense. É, no entanto, o que se deduz da posição de Burczak (1994) sobre a questão28 28 "o trabalho de Mc Closkey, no entanto, deixa o economista heterodoxo ávido por mais. McCloskey restringe sua crítica epistemológica às questões metodológicas, e não faz nenhuma inferência sobre as proposições substantivas da teoria econômica que deveriam seguir-se ao reconhecimento dos limites do conhecimento objetivo. Mais notável ainda, o modelo de rational choice [ou o approach econômico do comportamento humano] sobrevive intacto à sua crítica do modernismo." (Burczak, 1994:32) A esse respeito ver também Paulani, 1992a. . Ainda que Burczak tenha lá o seu quinhão de razão, é preciso dizer, na defesa de Mc Closkey, que seu "não individualismo" é muito mais um ataque à incoerência da postura modernista no nível metodológico por parte da maioria dos economistas do que a admissão de qualquer tipo de holismo. Nesse sentido, Mc Closkey está muito mais para Feyerabend (o do anarquismo metodológico), do que para o marxismo ou para os pós-modernismos, quaisquer que sejam os seus matizes.

Como se percebe, as posições menos confortáveis são as de Hayek e Smith, porque visivelmente contraditórias. Smith, contudo, nunca se preocupou explcitamente com a questão e como tinha um certo "naturalismo" por paradigma29 29 A esse respeito ver Fernandes (1994) e Cremashi (1981). , o questionamento aí implícito a respeito da suposta autonomia do indivíduo não lhe trouxe grandes problemas. Hayek, ao contrário, desde 1937, preocupa-se com a questão e, mais, reivindica-se herdeiro de Smith e assegura que o seu é o verdadeiro individualismo e não aquele adotado pela teoria neoclássica, principalmente no que concerne à noção de equilíbrio. A julgar pelo quadro derivado de Elster, contudo, o verdadeiro individualismo seria mesmo o primeiro, que combina no mesmo diapasão teoria e metateoria. Vejamos então como se desenrola este imbróglio.

IV

Considerando o individualismo metodológico como a prática de buscar, para os fenômenos sociais, quaisquer que eles sejam, explicações que recaiam no agir individual, vale dizer, encontrar na motivação e na ação de agentes soberanos o fundamento dos fenômenos sociais de modo geral e dos fenômenos econômicos particularmente, Hayek foi um pioneiro. Ele foi dos primeiros a conclamar a ciência econômica a voltar-se para seus microfundamentos. Como lembra Burczak (1994:36-37), já em Prices and Production, de 1931, aparece tal exortação, ou seja, antes ainda de sua "transformação". Explicar os resultados sociais em termos das ações individuais seria o antídoto contra teorias que deduzem a ação individual a partir da apreensão de estruturas sociais autônomas.

Seu individualismo, contudo, não se confunde com o individualismo reducionista e atomista exibido pela teoria neoclássica, mormente pelo conceito de equilíbrio. Em Individualism: True and False, Hayek indica sua herança intelectual: o Iluminismo Escocês de A. Ferguson, E. Burke e A. Smith, que, por sua vez, tem predecessores ilustres como Locke, Mande-ville e Hume. É daí, para Hayek, que sai o verdadeiro individualismo. O outro individualismo ele considera falso e neste a influência maior é do racionalismo cartesiano; por isso ele o denomina "individualismo racionalista". Seus representantes mais destacados seriam os Enciclopedistas, Rosseau, os Fisiocratas e, ele vai mostrar, a escola do equilíbrio geral. Diz ele:"(...) por razões que eu irei apresentar, esse individualismo racionalista tende a se transformar no oposto do individualismo, ou seja, socialismo ou coletivismo. Eu reivindico para o primeiro individualismo o nome de verdadeiro porque ele é o único consistente, enquanto o segundo provavelmente será mais apropriadamente considerado como uma fonte de moderno socialismo, tão importante quanto as próprias teorias coletivistas." (1948a:4).

Hayek clama, portanto, por consistência. O primeiro individualismo não pode ser aceito porque seu próprio desenvolvimento o intervene, transformando-o no contrário do que deveria ser, produzindo resultados inversos do que deveria produzir. É preciso então ficar com o segundo, cujos resultados não contradizem seus pressupostos nem seus propósitos. E quais são as razões que Hayek apresenta em defesa de sua posição? A principal delas é a da impossibilidade do conhecimento objetivo, pressuposto invariável dos modelos derivados do individualismo do primeiro tipo. A tal pressuposto ele opõe sua idéia de uma retenção subjetiva de conhecimento, ou subjetivismo. Vejamos isso mais de perto.

Segundo Hayek, o conceito de equilíbrio tem um significado claro se aplicado às ações de um único indivíduo30 30 "O equilíbrio, embora válido como instrumento para a análise do comportamento do indivíduo, isto é, para a investigação da ação racional, seria de pouca utilidade no tocante à compreensão do processo de interação entre as iniciativas dos diversos agentes. Hayek assim o considera pois identifica como característica definidora do conceito de equilíbrio a previsão perfeita."(Soromenho, 1994:2) . Elas devem ser consideradas em equilíbrio se puderem ser entendidas como elementos de um determinado plano. Mas, nesse caso, diz ele, "é importante lembrar que os assim chamados 'dados', dos quais nós partimos nesse tipo de análise, são (exceção feita aos gostos), todos dados à pessoa em questão, as coisas tais como elas existem para ele, e não, estritamente falando, fatos objetivos." (1989b:36) "Contudo, na transição da análise da ação de um indivíduo para a análise da situação na sociedade, o conceito sofreu uma insidiosa mudança de significado." (1989b:39). A mudança que Hayek lamenta diz respeito ao caráter objetivo que ele passa a ter nesse segundo nível, frente ao caráter inequivocamente subjetivo que ele tem no primeiro. "Não parece haver dúvida alguma quanto ao fato de que esses dois conceitos de dados, de um lado no sentido de fatos reais objetivos tal como o observador economista supõe conhecê-los e, de outro, no sentido subjetivo de coisas tal como conhecidas pelas pessoas cujo comportamento se quer explicar, são realmente e fundamentalmente diferentes e devem ser cuidadosamente distinguidos."( 1989b:39)

Isto tudo significa, que, para Hayek, o conhecimento objetivo, pressuposto nas análises da sociedade que faz o individualismo racionalista, não existe, a não ser na cabeça de determinados economistas. Por isso esse individualismo seria reducionista: se os fatos são objetivamente conhecidos (e se o indivíduo é por natureza racional, maximizador), todos os indivíduos, por particulares que sejam suas específicas situações, podem ser reduzidos a átomos cujos comportamentos são essencialmente idênticos e podem ser previstos. Se tudo isso é verdade, pode-se também, racionalmente, desenhar a priori o ótimo social. Se se pode antecipar os resultados não haverá mais conseqüências não-pretendidas da ação dos indivíduos. Todo e qualquer resultado poderá ser intencionalmente buscado. Como assinala Burczak, "Hayek sugere que [os falsos individualistas] pretendem explicar os fenômenos sociais em termos de indivíduos isolados e autosufícientes que são capazes, usando o poder da razão, de desenhar instituições ótimas." (1994:37) Aí, contudo, já não será mais individualista tal sociedade. Resumindo: se se parte da concepção do indivíduo como um agente realmente autônomo, autocentrado, inteiramente determinado por si mesmo, sua descrição só pode ser essencialista e ele se transforma num átomo que, combinado a outros milhares, "produz" uma sociedade que pode perfeitamente ser planejada (eventualmente com melhores resultados). Isso acaba por retirar do indivíduo a primazia que ele tinha como fonte por excelência da ação.

Assim, se se quer realmente preservar o indivíduo como ator privilegiado é preciso, para usar uma expressão cara a Hayek, "apanhá-lo em seu contexto", o que significa mostrar como sua determinação não é autônoma, como ela é processada pelas instâncias sociais. É uma outra forma de dizer que o indivíduo só é de fato indivíduo se não for inteiramente indivíduo, se sua determinação não for inteiramente autônoma31 31 Se alguém considerar que há aqui um certo exagero, uma forçada de mão para retirar de Hayek raciocínios dialéticos que ele nunca pretendeu formular então deve atentar para a seguinte afirmação: "Aqui eu talvez possa dizer que é somente porque os homens são de fato desiguais que nós podemos tratá-los igualmente. Se todos os homens fossem absolutamente iguais em seus dotes e inclinações, nós teríamos de tratá-los diferentemente de modo a conseguir algum tipo de organização social."(1948:15-16) . Paradoxalmente, é o que parece querer dizer Hayek, só assim é que se garante que cada indivíduo seja de fato uma particularidade, irredutível a generalizações. Só assim se garante que a sociedade que tais indivíduos criam seja impassível a previsões e planejamento porque seus resultados não podem ser conhecidos antes que se efetivem32 32 "(...) o verdadeiro individualismo é a única teoria capaz de tornar compreensíveis a formação de resultados sociais espontâneos. E, enquanto as teorias planejadoras levam necessariamente à conclusão de que os processos sociais só podem ser postos a serviço de fins humanos se forem submetidos ao controle da razão humana, e assim levam direto ao socialismo, o verdadeiro individualismo acredita, ao contrário, que se deixados livres, os homens freqüentemente obtêm um resultado melhor do que a razão humana possa planejar ou prever." (Hayek, 1948a: 10-11). . A razão não é assim tão poderosa como Descartes fez crer. O homem não pode pretender solipsisticamente ter conhecimento pleno de tudo. "Ou, colocando as coisas de outro modo, a Razão humana com R maiúsculo não existe no singular, dada ou disponível para alguém em particular, como o approach racionalista parece assumir, mas deve ser concebida como um processo interpessoal no qual a contribuição de cada um é testada e corrigida pela contribuição dos outros." (Hayek, 1948a: 15)

Em outras palavras, se o conhecimento é mesmo subjetivo, cada indivíduo em particular não pode conhecer senão uma insignificante fração da totalidade da sociedade. O problema que é preciso resolver, diz Hayek, "(...) é como a interação espontânea de inúmeras pessoas, cada uma possuindo apenas pequenos pedaços de conhecimento, produz um estado no qual os preços correspondem aos custos, etc, e que só poderia ser produzido por uma intenção deliberada se alguém possuísse o conhecimento combinado de todos esses indivíduos." (1948b:50-51) Ou ainda: "Como pode a combinação de fragmentos de conhecimento existindo em diferentes cabeças produzir resultados que, se tivessem de ser deliberadamente obtidos, requereriam um conhecimento, de parte do planejador, que nenhuma pessoa em particular pode possuir?" (1948b:54) A crítica que Hayek dirige ao conceito de equilíbrio decorre exatamente dessa postura: "Nossa análise [do equilíbrio], ao invés de mostrar quais informações as diferentes pessoas devem possuir a fim de obter aquele resultado, cai no pressuposto de que todo mundo sabe tudo e, elimina, assim, qualquer solução real para o problema." (1948b:51)

Isso nos leva a um grupo final de observações que devem mostrar como a posição de Hayek é indicativa da natureza necessariamente contraditória do indivíduo. Hayek assevera, como vimos, que o pressuposto de um conhecimento objetivo é uma ilusão, que o conhecimento é, na realidade subjetivamente retido, ou em outras palavras, que não é o mundo objetivo que determina a percepção dos indivíduos, mas o mundo tal como ele se mostra para cada um em particular. Mas quais são os elementos que tornam o conhecimento de cada indivíduo um conhecimento particular e intransferível? Como veremos quase todos eles estão relacionados à concepção do indivíduo não como algo autodeterminado, mas socialmente determinado. Além disso, e ratificando ainda mais a avaliação aqui feita da concepção de Hayek, veremos que para ele "o homem é muito mais um animal que segue regras do que um que busca resultados" (Hayek, apud Burczak,1994:41). Como as regras são socialmente estatuídas, isto mais uma vez coloca em xeque a concepção do indivíduo como um ser verdadeiramente autônomo, autosuficiente e autodeterminado.

Como vimos, Hayek rejeita todas as tentativas de fundamentar o conhecimento, seja nos fatos objetivos, seja numa razão transcendental. A percepção para ele é constituída, isto é, não é determinada por nada em particular e ao mesmo tempo é afetada por infinitas coisas, nenhuma das quais é a essencial. A concepção de um agir intencional baseado em percepções que são subjetivamente retidas faz parte da herança austríaca de Hayek, "(...) mas não é suficiente para capturar plenamente a explicação hayekiana dos constituintes da ação humana." (Burczak, 1994:41) Como veremos adiante, além de seus propósitos particulares e do conhecimento subjetivo que cada um possui do mundo, as regras, que os homens seguem meio inquestionadamente, por um processo de imitação, ocupam um papel importantíssimo na visão hayekiana da ação humana33 33 Na realidade esses dois elementos guardam uma relação entre si, visto que, segundo Hayek, as regras influenciam nossa percepção sobre o mundo, particularmente nossa percepção sobre as ações de outras pessoas. e selam definitivamente a concepção do indivíduo como algo socialmente constituído. Antes de discuti-las, porém, devemos investigar quais são os elementos que conformam esse saber que é subjetivamente retido.

O primeiro elemento destacado por Hayek é a linguagem34 34 Para Burczak (1994), é na explicação de como a percepção é constituída pela linguagem e pelos discursos que a hermenêutica de Hayek é mais aparente, porque entender uma ação só é possível compreendendo o significado que as pessoas atribuem a ela. . A língua aparece como uma espécie de ordem espontânea da qual nós adquirimos, sem nos darmos conta disso, um arcabouço para ordenar e contextualizar nossas percepções. Para ele, a estrutura da linguagem implica ela mesma certas visões sobre a natureza do mundo. Dentro dessa ótica, também as teorias e os discursos particulares que dominamos influenciam nossa percepção. Se é assim, porém, aqueles que conhecem o mundo através da mesma língua deveriam ter sobre ele as mesmas percepções, o que contrariaria a proposição de Hayek sobre o caráter eminentemente subjetivo da percepção. Para não sermos tão radicais, Hayek teria de admitir a verdade de tal afirmação ao menos para aqueles que dominam os mesmos "discursos particulares". Isso, contudo, não é um problema para Hayek. Ao contrário, ele acredita mesmo que "Quando não pudermos mais interpretar o que sabemos sobre as outras pessoas através de analogias com nossa própria cabeça, a história cessará de ser a história humana; nós teremos então de apelar para termos puramente behavioristas, tal como a história que nós podemos escrever sobre um formigueiro ou a história que um observador de Marte pode escrever sobre a raça humana."(1948c:75-76)35 35 Na realidade Hayek insurge-se aqui contra a concepção positivista de que ciência natural e ciência social não estão separadas por nenhuma diferença de princípio e que, portanto, ambas podem seguir os mesmos preceitos metodológicos. Para Hayek, ao contrário, "(...) enquanto para o mundo da natureza nós olhamos de fora, para o mundo da sociedade nós olhamos de dentro."(1948c:76). Decorre daí a natureza necessariamente subjetiva do conhecimento que temos do mundo social. Um conhecimento objetivo eqüivaleria ao conhecimento de um marciano sobre a raça humana. Essa espécie de behaviorismo puro que caracterisaria tal saber é defendida, por exemplo, por Nagel (1968), que advoga que uma descrição "condutivista" dos fenômenos sociais é possível e adequada. Sobre essa questão ver também Paulani (1992a: 18-20).

Mas a questão não é problemática para Hayek também porque ele considera que a ação humana é resultado de uma multiplicidade de elementos, nenhum dos quais lhe é essencial ou determinante. O próximo elemento é precisamente o que torna cada indivíduo uma singularidade irredutível e diz respeito a uma sorte de "especialização" que cada um tem na sociedade moderna e que o torna possuidor de informações que ele detém com exclusividade. Esse elemento é a "localização econômica", conjunto de circunstâncias específicas de espaço e tempo que torna o conhecimento uma exclusividade de quem ocupa aquela localização. Ele não é, portanto, como o saber científico, um conhecimento transferível. Diz Hayek : "Hoje é quase uma heresia sugerir que o conhecimento científico não dá conta de todo conhecimento. Mas uma pequena reflexão mostrará que está fora de questão um conjunto de conhecimentos muito importantes mas não organizados que provavelmente não pode ser chamado científico no sentido de um conhecimento sobre regras gerais: o conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e espaço. É com relação a isso que praticamente todo indivíduo tem alguma vantagem sobre os outros, porque ele possui informações únicas." (1948d:80)

Contudo, como é bem lembrado por Burczak, isso não quer dizer que o indivíduo possa superar essa limitação procurando ocupar "diferentes localizações". Isto, é verdade, abriria a porta a diferentes percepções, mas dada sua natureza subjetiva elas não seriam as mesmas dos antigos ocupantes. Postular o contrário seria dizer, inversamente ao que Hayek quer demonstrar, que cada indivíduo tem um acesso especial a um componente particular da realidade objetiva, acesso que o habilita a obter um único, mas objetivo conhecimento.

O tempo seria o terceiro elemento importante (além da linguagem e da "localização") na versão hayekiana dos constituintes da percepção e ação humanas. Sua importância estaria relacionada à concepção de equilíbrio que Hayek adota. Como mencionamos anteriormente, para Hayek, o conceito de equilíbrio tem um significado claramente determinado se for aplicado às ações de um único indivíduo: elas devem estar em equilíbrio entre si. E na medida em que as ações de uma pessoa têm lugar necessariamente no tempo é obvia sua importância. "(...) a ação humana está inteiramente conectada às percepções das possibilidades futuras, isto é, às expectativas. (...) Expectativas sobre os possíveis resultados futuros são importantes constituintes da ação humana."(Burczak, 1994:43-44)

Analisados os elementos constituintes do saber que o indivíduo subjetivamente retém, passemos então a discutir o papel das regras no arcabouço hayekiano. Além de poderem influenciar nossa percepção (veja nota 33), as regras assumem aí uma importância significativa justamente em função da concepção do conhecimento como subjetivamente fundado e de nossa ignorância com relação aos resultados futuros dos cursos de ação por nós escolhidos. Segundo Hayek, a existência de regras protege o homem "...daquilo que ele mais teme e que o põe num estado de terror quando acontece: ... perder o rumo e não saber mais o que fazer" (Hayek, apud Burczak, 1994:45). Elas não são produto, no entanto, de um suposto contrato original resultante, por sua vez, da ação intencional de indivíduos autocentrados. Elas não podem, portanto (assim como a linguagem), ser inteiramente reduzidas às ações de indivíduos racionais. A ênfase de Hayek nesse caráter das regras e convenções como essencialmente não redutíveis ao saber racional deve-se ao fato de que, como nosso conhecimento é limitado, nós, cada um de nós, realmente ignora a maior parte dos fatos que determinam os processos da sociedade. (Daí que não pode ser possível querer demonstrar a ordem do mercado através de uma antecipação racional de seus resultados36 36 Outra das objeções de Hayek à teoria neoclássica tem a ver com seu caráter teleológico. O mercado é entendido como devendo levar a resultados pré-definidos: eficiência, satisfação, maximização, situações ótimas. Os subjetivistas como Hayek, ao contrário, percebem o mercado como um processo criativo aberto e não determinista. Nas palavras de Burczak "Na economia de Hayek, o mercado é um laboratório evolucionário onde sujeitos descentrados e socialmente constituídos criam o futuro." A esse respeito ver também Buchanan e Vanberg (1991). ). Por isso, a maior parte das regras são seguidas sem serem postuladas37 37 Na mesma linha afirma Sugden: "Ordem, nas questões humanas (...), pode surgir espontaneamente na forma de convenções. Estas são padrões de comportamento que se auto-perpetuam. (...) Essas regras não são o resultado de nenhum processo coletivo de escolha.Nem resultam de nenhum tipo de análise racional abstrata empregada na teoria dos jogos clássica, na qual os indivíduos são modelados como se tivessem poderes ilimitados de raciocínio dedutivo mas nenhuma imaginação e nenhuma experiência humana em comum. Nesse sentido, pelo menos, as convenções não são produto de nossa razão." (1989:97) .

Ainda a esse respeito, Hayek diz o seguinte em Individualism: True and False: "(...) as tradições e convenções que emergem numa sociedade livre [são importantes] para uma sociedade individualista [porque] sem serem obrigatórias, estabelecem regras flexíveis, mas normalmente observadas, que tornam o comportamento de outras pessoas altamente previsível. A disposição de se submeter a tais regras, não meramente na medida em que se entenda a razão delas, mas simplesmente na medida em que não se tem nada em contrário, é uma condição essencial para a evolução e o aprimoramento das regras do intercurso social; e a disposição para se submeter aos produtos do processo social que ninguém planejou e cujas razões ninguém pode entender é também uma condição indispensável para que seja possível dispensar a coação."(1948a:23)

Efetivamente o que Hayek está sugerindo é que nem toda ação humana é "racional" e autônoma no sentido requerido pela teoria neoclássica e pelo conceito de equilíbrio. Que boa parte dela é resultado da constituição da percepção humana por meio de um processo que é social e, por isso, não inteligível. Em outros momentos Hayek é ainda mais enfático e chega a parecer um marxista: "[Há] a necessidade, em qualquer sociedade complexa na qual os efeitos da ação de qualquer um vai além de seu espectro possível de visão, de uma submissão às anônimas e aparentemente irracionais forças da sociedade (...) O homem, numa sociedade complexa, não pode ter nenhuma outra escolha a não ser se adaptar àquilo que para ele devem parecer as forças cegas do processo social, obedecendo ordens superiores." (1948a:24)"(... )omercado, à medida que se desenvolve, é uma forma efetiva de fazer com que o homem tome parte num processo mais complexo e amplo do que ele pode compreender (...)"(1948a:14-15) "A desgraça [do mecanismo de mercado] é dupla porque, por um lado, ele não é produto do desígnio humano e, por outro, as pessoas, que são guiadas por ele, normalmente não sabem porque são levadas a fazer o que fazem" (1948d: 87) 38 38 Dada a importância da citação para o argumento aqui defendido repreduzo-a no original: "Its misfortune is the double one that it is not the product of human design and that the people guided by it usually do not know why they are made to do what they do." Agora observemos as seguintes afirmações: "[Os homens] ao equiparar seus produtos de diferentes espécies na troca, como valores, equiparam seus diferentes trabalhos como trabalho humano. Não o sabem, mas o fazem" (Marx, 1983:72). "Esse salto brusco do sistema de crédito para o sistema monetário acrescenta o susto teórico ao pânico prático; e os agentes da circulação estremecem perante o mistério impenetrável de suas próprias relações" (Marx, 1983:116). Foram escritas por Marx, como se vê, mas bem poderiam ter sido escritas por Hayek! .

Em que situação ficamos então? Hayek, o verdadeiro individualista, acaba por concluir que o indivíduo (exceção feita a seus propósitos particulares) desconhece a maior parte dos processos que freqüentemente determinam sua ação, senão vejamos: o saber, que ele subjetivamente detém, depende fundamentalmente da linguagem, caracterizada, tanto quanto o mercado, como uma ordem espontânea e não como produto deliberado da intenção humana; as regras, que junto com tal saber fornecem os parâmetros da ação dos agentes, eles simplesmente as seguem sem se perguntarem o que significam ou por que existem. Em suma, para Hayek, o indivíduo é objeto de processos que se desenvolvem às suas costas, que dirigem da sombra o seu comportamento, e sobre os quais ele não pode ter nenhum controle individual. Onde fica então sua propalada autonomia, sua independência, sua soberania de ator-sujeito? Bom, então talvez seja Hayek o equivocado. O verdadeiro individualismo deve ser o outro e não o dele. O próprio Hayek, contudo, demonstrou as contradições nas quais se move esse último discurso: se ele não consegue demonstrar o surgimento da ordem a partir do comportamento racional e previsível de agentes econômicos que compartilham os mesmos conhecimentos objetivamente fundados, então não atinge seu desiderato e deve ser questionado; se consegue, porém, contradiz suas intenções e acaba por desqualificar os indivíduos como sujeitos na medida em que podem ser substituídos por uma instância planejadora qualquer. Assim, o status do indivíduo enquanto o verdadeiro sujeito da ação propugnado pelos dois discursos no nível metateórico (ambos se reivindicam individualistas), esboroa-se na articulação da teoria propriamente dita.

O problema todo está precisamente na figura que embasa todas essas proposições. Como tentamos demonstrar na segunda seção deste trabalho, o indivíduo é uma figura contraditória e é ele que subverte os discursos. No caso do individualismo racionalista do approach do equilíbrio geral, seu fazer contradiz seu discurso39 39 Não só pelas razões levantadas por Hayek. A esse respeito De Villé (1991:15-16) afirma que, paradoxalmente, o único modelo em que o mercado e a concorrência "fundam" a ordem social - o modelo de equilíbrio geral com o conseqüente estado de concorrência perfeita - é precisamente aquele em que a sociedade (entendida como conjunto de relações e interações sociais) está ausente. Não há relações nem interações sociais porque não há necessidade disso. Todos são price takers e têm de esperar que o leiloeiro encontre o vetor de preços de equilíbrio para só então fazerem as trocas. . Hayek percebe isso e tenta fugir da contradição40 40 Por isso, provavelmente, Hayek nunca tenha voltado a ser um economista "de verdade" depois de Economics and Knowledge. Com suas observações Hayek praticamente assinara a sentença de morte da ciência econômica pelo menos daquela de fundamento individualista então existente. As teorias alternativas eram todas comprometidas com alguma forma de holismo, o que se chocava com seus princípios de recusar a existência de estruturas sociais autônomas. Ele tentou um discurso alternativo, verdadeiramente individualista; saiu uma teoria social, ainda assim eivada de contradições e invadida pelas instâncias sociais. . O preço que paga, porém, é o de ter de admitir que o indivíduo é de uma certa forma contraditório, só é indivíduo se não for indivíduo, se for socialmente determinado. Será Hayek um dialético?

V

Vimos que aparentemente a contradição indivíduo/sociedade parece não existir no mundo dos fenômenos econômicos. Na realidade, o questionamento da soberania do ator econômico começa serenamente, quando o social se impõe sob a forma abstrata da coisa dinheiro. (Tal relação, aliás, aparece na teoria usual: a maximização sob restrições, moto-contínuo do mainstream da teoria econômica não é senão a expressão, no nível da ciência convencional, de tal oposição, a qual aparece, porém, não sob a forma de relação social que essencialmente a constitui, vale dizer, relação entre homens mas, graças ao vínculo da propriedade privada, como relação entre o homem e as coisas.) Essa tensão não se extingue aí, entretanto. É nas conseqüências de cada decisão, livre e soberanamente tomada, que a autonomia do ator econômico é decisivamente colocada em xeque, principalmente, mas não só aí, quando acontecem as chamadas contrafinalidades. Se o resultado fosse sempre socialmente bom, a opção metodológica seria praticamente indiferente, ou seja, tanto faria advogar a mão invisível, como o faz Smith, ou supor que, de alguma forma, a obtenção de um ótimo social também entra como variável na definição da ação intencional dos agentes. Mas, se os resultados são ruins, como ficamos?

As proposições hayekianas, pelas contradições que revelam, constituem expressão das mais perfeitas da posição contraditória do indivíduo pela sociedade moderna, mesmo no mundo das relações econômicas, principalmente no mundo das relações econômicas. A posição social de uma individualidade antes apenas pressuposta (posta então efetivamente só no nível fisiológico) não a faz a modernidade, positivamente. Ao contrário, a posição do indivíduo é feita como pressuposição, ou seja, negativamente. Na realidade, o indivíduo, enquanto objeto contraditório que é, tem sempre uma existência negativa.

Nas sociedades pré-modernas, o indivíduo ainda não é, sua existência não está posta41 41 "Aqueles antigos organismos sociais de produção são extraordinariamente mais simples e transparentes que o organismo burguês, mas eles baseiam-se na imaturidade do homem individual que não se desprendeu do cordão umbilical da ligação natural aos outros do mesmo gênero, ou em relações diretas de domínio e servidão" (Marx, 1983:75). . Quando a história o põe, porém, o nega também, como vimos. Os pressupostos que efetivamente constituem o indivíduo enquanto indivíduo (igualdade jurídica, propriedade privada, liberdade), negam o seu operar enquanto sujeito porque solapam sua suposta autonomia. Que sujeito é esse que, sem o saber, (ou eventualmente até sabendo, mas sem ter o que fazer), produz resultados que não visa, não deseja, dos quais nem sempre gosta? Assim, a verdadeira posição do indivíduo, sua posição positiva, implicaria a recuperação dessa autonomia, ou seja, de um fazer que fosse só intencional. Mas fora do "Bureau Planejador", que ao fim e ao cabo mata o mesmo indivíduo, onde buscar tal realização?

Marx, num instigante trecho dos Grundrisse, em que profeticamente aponta para aquilo que nós hoje chamamos "pós-grande indústria", fala no "indivíduo-social" que resultaria duma sociedade onde a produção e a riqueza tivessem por base não o trabalho imediato executado pelo homem, nem o tempo que ele trabalha, mas "... a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão da natureza e o domínio da mesma graças à sua existência como corpo social" (1985a:228). Em tal sociedade, o indivíduo não seria mais vítima de resultados que produz sem desejar nem seria mais conduzido por forças sobre as quais não tem controle. Mas aí, a autonomia do indivíduo é recuperada graças à sua existência enquanto corpo social. Não se trata mais, portanto, do indivíduo tal como o mundo burguês o conhece.

Por isso o indivíduo é em si uma contradição. Quando ele é (sociedade moderna) se nega. Quando ele não se nega (por exemplo na utopia marxista) aí não é mais. No nosso mundo, portanto, é essa existência que não existe, essa autonomia e independência que constitui o indivíduo mas que também o nega, que o põe como contradição e contradiz os discursos. Nesse sentido o discurso de Hayek está no mesmo barco que o discurso neoclássico. A diferença é que o fazer do último contradiz sua intenção, enquanto o primeiro, ao assumir explicitamente a intenção de não se contradizer, abre, por isso mesmo, um espaço privilegiado para que o objeto se revele como contradição. Não seria mais fácil, para o próprio Hayek, se a contradição fosse assumida de uma vez por todas?

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  • SUGDEN, Robert (1989). "Spontaneous Order". In: Journal of Economic Perspective, volume 3.
  • *
    Este texto é parte da pesquisa "Modernidade e Discurso Econômico" que conta com financiamento do CNPq. Nesta etapa pude contar também com o apoio da FIPE/USP.
  • 1
    Louis Dumont (1977) é um dos autores que assinalam essa relação, apontando o indivíduo como o ponto de partida do conjunto de idéias que vem a constituir a ciência econômica. A metáfora de Robinson Crusoé e a distinção que Dumont opera entre indivíduo e pessoa indicam claramente qual é a natureza dessa figura, criada pela modernidade, e em que sentido ela se apresenta como o alicerce dessa ciência. Voltaremos a esse ponto mais adiante. A esse respeito ver também Bianchi (1985).
  • 2
    É bastante conhecida a proposição smithiana a esse respeito: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade mas à sua autoestima..." (1985:50)
  • 3
    A esse respeito ver Habermas (1990) e Paulani (1992b).
  • 4
    Przeworski diz a esse respeito: "Hoje em dia as ciências sociais estão sendo assediadas por uma ofensiva que não se via desde a década de 1890: um esforço deliberado para impor o monopólio do método econômico a todo o estudo da sociedade. De acordo com os economistas neoclássicos, tudo o que acontece enquadra-se em duas categorias: fenômenos econômicos e fenômenos aparentemente não-econômicos. O desafío do individualismo metodológico (...) questiona da mesma forma tudo que se costumava chamar ciência política, sociologia, antropologia e psicologia social. Os conceitos (...) são todos submetidos ao mesmo desafio: o de fornecer microfundamentos para os fenômenos sociais e, especificamente, basear toda a teoria da sociedade nas ações dos indivíduos concebidas como orientadas para a realização de objetivos racionais." (1988:5) Hausman (1984), na mesma linha, lembra que a ciência econômica (e, deduz-se, seu aparato metodológico) é hoje considerada o modelo ou padrão que todas as demais ciências sociais deveriam seguir.
  • 5
    Caldwell reafirma sua posição em mais dois artigos posteriores: (1992) e 1994).
  • 6
    Encontra-se aí, além de uma vigorosa defesa de tal posição, também uma boa resenha desse debate.
  • 7
    Para uma posição contrária veja Caldwell (1994).
  • 8
    Sobre esse ponto ver também Benton (1984).
  • 9
    A esse respeito ver também Paulani (1992a).
  • 10
    Tanto Dumont (1977) quanto Heller (1991) assinalam esse ponto. A esse respeito ver também Fernandes de Souza (1995).
  • 11
    "[No mundo antigo] a propriedade significa pertencer a uma tribo (comunidade), ter sua existência subjetiva/objetiva dentro dela e, por meio do relacionamento desta comunidade com a terra (...) ocorre o relacionamento do indivíduo com a terra (...)" (Marx, 1985:86) "Entre os povos antigos, já que muitas tribos viviam juntas em uma mesma cidade, a propriedade tribal aparece como propriedade do Estado e o direito do indivíduo sobre ela como simples
    possessio (...) Nos povos surgidos da Idade Média, a propriedade tribal desenvolve-se passando por várias etapas diferentes - propriedade feudal da terra, propriedade mobiliária corporativa, capital manufatureiro - até chegar ao capital moderno (...) isto é até chegar à propriedade privada pura, que se despojou de toda aparência de comunidade e que excluiu toda influência do Estado sobre o desenvolvimento da propriedade." (Marx, 1979:96-97). Sobre esse ponto ver também Schmidt (1977).
  • 12
    É na
    Fenomenología do Espírito (parte IV, principalmente item A), como se sabe, que Hegel retrata o nascimento do indivíduo moderno, mais particularmente, de sua consciência como indivíduo sem o que ele não se constitui como tal. Mas, lembra Habermas (1987:31-32), é nas
    Lições de lena (1990:13-55) que aparece mais claramente a relação entre a institucionalização do reconhecimento individual e o poder privado de disposição que têm os indivíduos sobre as coisas. Sobre isso ver ainda Habermas (1990:13-55), Flickinger (1986) e Paulani (1992b).
  • 13
    Pode-se dizer, por exemplo, que Robinson Crusoé é livre? Não, a não ser no sentido absolutamente não-social de que ele está só na ilha. Naquilo que nos concerne neste trabalho a liberdade tem de ser definida negativamente, vale dizer, como ausência de coerção e não há ninguém na ilha de Crusoé para não coagi-lo. Não custa lembrar que a defesa que faz Hayek da propriedade privada enquanto um espaço necessário para garantir a preservação da liberdade do indivíduo também implica um conceito negativo de liberdade. Porém, como assinala Burczak, e isto é ainda mais interessante para nós, Hayek não deduz tal necessidade de qualquer caráter supostamente livre da natureza humana mas dos limites impostos pelo conhecimento objetivo e racional: "[Para Hayek] a liberdade da interferência coercitiva por parte do Governo ou de outros indivíduos e grupos é importante porque ninguém pode saber o que é bom para as outras pessoas. Não há nenhum conhecimento objetivo padrão de acordo com o qual um grupo possa legitimamente forçar outro grupo a agir. De fato, Hayek defende a liberdade garantida pela propriedade privada porque os indivíduos freqüentemente não sabem sequer o que é bom para eles mesmos." (1994:52) Voltaremos a esse ponto mais adiante
  • 14
    A esse respeito, diz Marx: "só no século XVIII, na 'sociedade burguesa', as diversas formas do conjunto social passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meios de realizar seus fins privados, como necessidade exterior. Todavia, a época que produz esse ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente aquela na qual as relações sociais (...) alcançaram o mais alto grau de desenvolvimento. O homem é no sentido mais literal um
    zoon politikon, não só animal social, mas animal que só pode isolar-se em sociedade. A produção do indivíduo isolado fora da sociedade (...) é uma coisa tão absurda como o desenvolvimento da linguagem sem indivíduos que vivam juntos e falem entre si" (1974:110).
  • 15
    Cabe aqui uma distinção entre funcionalismo e holismo. Enquanto o primeiro é um tipo particular de explicação com características "técnicas" mais ou menos claras tais como, explicar um fenômeno pelas suas conseqüências, inverter a relação causa-efeito etc, o último é uma concepção do objeto. Um exemplo do primeiro tipo: a lógica do capital, (ou o capital) explica o comportamento dos empresários em sua eterna busca de novos meios para elevar a produtividade do trabalho. Exemplos do último: as concepções de Leibnitz, de Hegel, de A. Smith, de Marx, de Mandeville, de Durkhein. Evidentemente há uma forte ligação entre ambos, pois as explicações funcionalistas são típicas das concepções holistas. Nem sempre isso é verdade, porém. Mais sobre isso na seção III à frente.
  • 16
    Como veremos, Hayek denomina "racionalista" tal individualismo e mostra a contradição que implica sua defesa (1948a:4)
  • 17
    Como mostra De Villé (1990), as tentativas da teoria do equilíbrio geral de dar uma resposta ao problema da coordenação econômica tomando por base apenas e tão somente o comportamento racional dos indivíduos - guiados pelas informações do sistema de preços - apelam quase sempre para hipóteses contraditórias com as premissas.
  • 18
    Apesar de simplificada aqui a resolução do problema é muito complicada também em Hobbes. Como mostra Prado (1992b), baseado em Parsons, a solução de Hobbes implica um agente que não é mais simplesmente autocentrado mas que leva em conta o funcionamento da sociedade como um todo.
  • 19
    Diz Smith: "[o indivíduo, quando procura alcançar o maior valor para sua produção] é
    levado como que por uma mão invisívél a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções." (1985:379)
  • 20
    Gorz (1988), num contundente texto de crítica à razão econômica e ao imperialismo dessa razão, mostra que, de fato, a lógica do sistema implica um apagamento da sociedade diante do mercado, o qual deve ser entendido, portanto, como uma coleção de agentes que produz o melhor resultado coletivo possível a partir das decisões individuais de cada um de seus componentes.
  • 21
    A referência ao fetichismo tal como Marx o expõe é inevitável e é de fato disso que se trata. No que tange ao mundo econômico, o indivíduo moderno tende a compreender como natural e "coisal" aquilo que é social. Nesse sentido, parafraseando Heller (1991:208) diríamos que, se é verdade que "na sociedade moderna (funcional) não é possível qualquer conhecimento verdadeiro da sociedade sem a reificação dos sujeitos (atores)", essa situação implica para a ciência econômica um problema ainda maior, uma reificação de segundo grau. Nesse campo, o cientista reifica o que já está reificado, ou, se preferirmos, fetichiza o fetiche.
  • 22
    A ironia de Przeworski poderia ser rebatida althusserianamente com o argumento de que a frase de Marx por ele citada é de uma obra de juventude. Contudo, contra as teses simplistas de que a teoria marxiana é completamente holista e não deixa espaço para a atuação dos indivíduos, encontram-se frases ainda mais fortes mesmo na obra madura de Marx. Por exemplo: "A tese freqüentemente encontrada em São Max [Max Stiner, filósofo alemão, contemporâneo de Marx e Feuerbach, hegeliano de esquerda - LMP], segundo a qual o que cada um é o é através do Estado, no fundo identifica-se com aquela que sustenta que o burguês é apenas um exemplar da espécie burguesa, tese que pressupõe que a
    classe burguesa existiu antes dos indivíduos que a constituem."
    (A Ideologia Alemã, 1979:118). Ou ainda, "As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos portanto voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. (...) Para que essas coisas se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a próprias"
    (O Capital, 1983:79). Isto para não falar da famosa afirmação que Marx faz no
    Dezoito Brumário, segundo a qual os homens fazem a história, ainda que não a façam como querem.
  • 23
    "As ciências biológicas usam (...) análises funcionalistas quando explicam a estrutura ou o comportamento dos organismos através dos benefícios para reprodução (...) A análise funcionalista, entretanto, não tem lugar nas ciências sociais porque não existe analogia sociológica à teoria da seleção natural. (Elster, 1989a: 181).
  • 24
    O termo "teleológico"é usado como alternativo para funcional, entre outros por Nagel (1968:27-35). Ele é um termo mais forte e ao mesmo tempo mais fraco, consideradas as explicações funcionais do ponto de vista da crítica que lhe fazem os analíticos. Mais fraco se entendermos que a explicação intencional também é, num certo sentido, funcionalista: o político mostra-se amigo dos mais fracos porque quer se eleger. Seu comportamento tem uma função claramente definida, dado o fim que ele busca alcançar, logo, explica-se teleologicamente. Essa teleologia não é problemática, pois a finalidade da ação está posta por um sujeito claramente definido e é, portanto, intencionalmente adotada. O termo é mais forte, porém, quando implica assumir, de algum modo, que o futuro é o agente de sua própria realização. Arrepia os analíticos porque está aí envolvida a atitude, para eles não científica, de postular uma finalidade sem indicar o sujeito que a postula, ou encontrar para ela um sujeito que não pode ser aceito cientificamente, porque é vazio ontologicamente, uma totalidade qualquer que só existiria "no mundo dos conceitos e das abstrações" e à qual não é possível atribuir nenhum tipo de intenção.
  • 25
    É nesses termos, aliás, que Elster estabelece a tarefa do individualismo metodológico. Depois de defini-lo da forma já assinalada, diz ele: "[Trata-se] de uma forma de reducionismo, o que quer dizer que nos leva a explicar fenômenos complexos em termos de seus componentes mais simples. (...) Não há, em princípio, [para as ciências sociais] objeção a essa redução, mesmo que ela possa ser impraticável no futuro imediato."(1989b:36-37)
  • 26
    Sobre essa questão veja também Prado, 1993:297.
  • 27
    É de notar, porém, que o próprio Elster é obrigado a admitir que nem tudo pode ser reduzido a isso. No caso da formação das crenças e preferências que conformam a ação dos indivíduos ele fala, sintomaticamente, de uma "causação subintencional". A esse respeito ver Fernandes de Souza (1995).
  • 28
    "o trabalho de Mc Closkey, no entanto, deixa o economista heterodoxo ávido por mais. McCloskey restringe sua crítica epistemológica às questões metodológicas, e não faz nenhuma inferência sobre as proposições substantivas da teoria econômica que deveriam seguir-se ao reconhecimento dos limites do conhecimento objetivo. Mais notável ainda, o modelo de
    rational choice [ou o
    approach econômico do comportamento humano] sobrevive intacto à sua crítica do modernismo." (Burczak, 1994:32) A esse respeito ver também Paulani, 1992a.
  • 29
    A esse respeito ver Fernandes (1994) e Cremashi (1981).
  • 30
    "O equilíbrio, embora válido como instrumento para a análise do comportamento do indivíduo, isto é, para a investigação da ação racional, seria de pouca utilidade no tocante à compreensão do processo de interação entre as iniciativas dos diversos agentes. Hayek assim o considera pois identifica como característica definidora do conceito de equilíbrio a previsão perfeita."(Soromenho, 1994:2)
  • 31
    Se alguém considerar que há aqui um certo exagero, uma forçada de mão para retirar de Hayek raciocínios dialéticos que ele nunca pretendeu formular então deve atentar para a seguinte afirmação: "Aqui eu talvez possa dizer que é somente porque os homens são de fato desiguais que nós podemos tratá-los igualmente. Se todos os homens fossem absolutamente iguais em seus dotes e inclinações, nós teríamos de tratá-los diferentemente de modo a conseguir algum tipo de organização social."(1948:15-16)
  • 32
    "(...) o verdadeiro individualismo é a única teoria capaz de tornar compreensíveis a formação de resultados sociais espontâneos. E, enquanto as teorias planejadoras levam necessariamente à conclusão de que os processos sociais só podem ser postos a serviço de fins humanos se forem submetidos ao controle da razão humana, e assim levam direto ao socialismo, o verdadeiro individualismo acredita, ao contrário, que se deixados livres, os homens freqüentemente obtêm um resultado melhor do que a razão humana possa planejar ou prever." (Hayek, 1948a: 10-11).
  • 33
    Na realidade esses dois elementos guardam uma relação entre si, visto que, segundo Hayek, as regras influenciam nossa percepção sobre o mundo, particularmente nossa percepção sobre as ações de outras pessoas.
  • 34
    Para Burczak (1994), é na explicação de como a percepção é constituída pela linguagem e pelos discursos que a hermenêutica de Hayek é mais aparente, porque entender uma ação só é possível compreendendo o significado que as pessoas atribuem a ela.
  • 35
    Na realidade Hayek insurge-se aqui contra a concepção positivista de que ciência natural e ciência social não estão separadas por nenhuma diferença de princípio e que, portanto, ambas podem seguir os mesmos preceitos metodológicos. Para Hayek, ao contrário, "(...) enquanto para o mundo da natureza nós olhamos de fora, para o mundo da sociedade nós olhamos de dentro."(1948c:76). Decorre daí a natureza necessariamente subjetiva do conhecimento que temos do mundo social. Um conhecimento objetivo eqüivaleria ao conhecimento de um marciano sobre a raça humana. Essa espécie de behaviorismo puro que caracterisaria tal saber é defendida, por exemplo, por Nagel (1968), que advoga que uma descrição "condutivista" dos fenômenos sociais é possível e adequada. Sobre essa questão ver também Paulani (1992a: 18-20).
  • 36
    Outra das objeções de Hayek à teoria neoclássica tem a ver com seu caráter teleológico. O mercado é entendido como devendo levar a resultados pré-definidos: eficiência, satisfação, maximização, situações ótimas. Os subjetivistas como Hayek, ao contrário, percebem o mercado como um processo criativo aberto e não determinista. Nas palavras de Burczak "Na economia de Hayek, o mercado é um laboratório evolucionário onde sujeitos descentrados e socialmente constituídos criam o futuro." A esse respeito ver também Buchanan e Vanberg (1991).
  • 37
    Na mesma linha afirma Sugden: "Ordem, nas questões humanas (...), pode surgir espontaneamente na forma de convenções. Estas são padrões de comportamento que se auto-perpetuam. (...) Essas regras não são o resultado de nenhum processo coletivo de escolha.Nem resultam de nenhum tipo de análise racional abstrata empregada na teoria dos jogos clássica, na qual os indivíduos são modelados como se tivessem poderes ilimitados de raciocínio dedutivo mas nenhuma imaginação e nenhuma experiência humana em comum. Nesse sentido, pelo menos, as convenções não são produto de nossa razão." (1989:97)
  • 38
    Dada a importância da citação para o argumento aqui defendido repreduzo-a no original: "Its misfortune is the double one that it is not the product of human design and that the people guided by it usually do not know why they are made to do what they do." Agora observemos as seguintes afirmações: "[Os homens] ao equiparar seus produtos de diferentes espécies na troca, como valores, equiparam seus diferentes trabalhos como trabalho humano. Não o sabem, mas o fazem" (Marx, 1983:72). "Esse salto brusco do sistema de crédito para o sistema monetário acrescenta o susto teórico ao pânico prático; e os agentes da circulação estremecem perante o mistério impenetrável de suas próprias relações" (Marx, 1983:116). Foram escritas por Marx, como se vê, mas bem poderiam ter sido escritas por Hayek!
  • 39
    Não só pelas razões levantadas por Hayek. A esse respeito De Villé (1991:15-16) afirma que, paradoxalmente, o único modelo em que o mercado e a concorrência "fundam" a ordem social - o modelo de equilíbrio geral com o conseqüente estado de concorrência perfeita - é precisamente aquele em que a sociedade (entendida como conjunto de relações e interações sociais) está ausente. Não há relações nem interações sociais porque não há necessidade disso. Todos são
    price takers e têm de esperar que o leiloeiro encontre o vetor de preços de equilíbrio para só então fazerem as trocas.
  • 40
    Por isso, provavelmente, Hayek nunca tenha voltado a ser um economista "de verdade" depois de
    Economics and Knowledge. Com suas observações Hayek praticamente assinara a sentença de morte da ciência econômica pelo menos daquela de fundamento individualista então existente. As teorias alternativas eram todas comprometidas com alguma forma de holismo, o que se chocava com seus princípios de recusar a existência de estruturas sociais autônomas. Ele tentou um discurso alternativo, verdadeiramente individualista; saiu uma teoria social, ainda assim eivada de contradições e invadida pelas instâncias sociais.
  • 41
    "Aqueles antigos organismos sociais de produção são extraordinariamente mais simples e transparentes que o organismo burguês, mas eles baseiam-se na imaturidade do homem individual que não se desprendeu do cordão umbilical da ligação natural aos outros do mesmo gênero, ou em relações diretas de domínio e servidão" (Marx, 1983:75).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 1996
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