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Apresentação

Apresentação

A transição é longa e tem muitas faces. Não, amiga leitora, não se trata de um antigo provérbio chinês. É só uma referência ao núcleo temático do presente número de Lua Nova. Quando se fala de transição política entende-se, em geral, o processo de passagem de outro regime para a democracia. Já a transição econômica e social, para além das antigas questões de desenvolvimento, remete a processos que muitos considerariam impensáveis há não muitas décadas: nada menos do que a passagem do socialismo real para o capitalismo ainda mais real. Nessa modalidade de transição o capitalismo assume o centro da cena, como protagonista da comédia de costumes que substituiu o drama da utopia: a modernização. Neste ponto já não se trata só de processos de transição política ou econômica. Agora importa também a dimensão cultural, relativa aos significados dos modos de existir, pensar e agir socialmente. Está em jogo todo um modo de vida: a modernidade. Conclui-se então que, se a transição democrática conduz por definição à democracia, a modernização conduz à modernidade? E que portanto modernidade e democracia são duas faces da mesma moeda? Dito assim fica fácil, mas também não se disse nada. Há ainda o que dizer, sobre esse complexo temático? Nós de Lua Nova achamos que sim, e queremos convidá-la, amiga leitora, para essa aventura.

É verdade que sempre que se fala de transição, para não dizer modernização, ressoa ao fundo pelo menos o título de um famoso artigo de Freud, sobre "análise terminável ou interminável". Existe ponto final para uma transição política para a democracia? (Considerando que não se trata da mesma coisa que uma transição econômica do plano para o mercado - veja-se o artigo de Altvater). Entre nós já houve quem o proclamasse, e não era gente menor. E o argumento para tanto é, parece, semelhante ao da análise individual. Trata-se de passar da etapa da aquisição das condições mínimas de sustentação de um modo de vida para a etapa da consolidação do adquirido e da construção do novo. Claro que primeiro convém conhecer o que sequer permite manter vivo o que se conseguiu realizar (veja-se o artigo de Przeworski e colaboradores). A dificuldade, imagino, é também semelhante no caso das "grandes" transições de regimes políticos ou de sistemas econômicos e no caso das "pequenas" transições biográficas. Consolidar o que? Construir o que? Em nome do que? (Veja-se o artigo de Therborn) Ou nem se trata de consolidar e construir mas de encontrar os meios para tornar tudo mais fluente, para descongelar as "relações petrificadas", como diria o homem que há um século e meio melhor pensou essa coisa toda? E a democracia, é um mero "ponto de chegada" ou é uma referência, um horizonte para a ação? Mas, paremos por aí. Não dá para exigir respostas a tudo isso de um simples número de Lua Nova - mesmo quando, neste caso, não é simples mas é duplo, exatamente para dar mais espaço ao tema. (Claro que isso não significa que não haja boas sugestões em nossos recentes números 36, "Democracia", 38, "O individualismo e seus críticos" e 39, "Governo e direitos"). O fato é que este número percorre um longo caminho, ao rastrear as faces da transição e da modernidade em escala internacional, ou na política local e regional, ou nos desdobramentos da organização sindical na ação política, ou nas modalidades da violência urbana e de "modernização por baixo", ou nas políticas de saúde, ou na educação e nos processos de socialização. E, considerando o peso da dimensão cultural na caracterização da modernidade, torna-se duplamente instigante a crítica a uma concepção hermenêutica de cultura que quase encerra este número. Quase, porque ainda temos, como fecho, a ampla reflexão de Hermínio Martins, com toda sorte de estímulos para o que interessa, que é aprofundar o debate.

O EDITOR

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 1997
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