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A socialização e a formação escolar

Socialization and education

Resumos

Confrontando-se as teorias clássicas da modernidade e as teorias sociológicas contemporâneas da socialização, propõe-se uma concepção "fragmentada" da socialização, que renuncia a uma apresentação globalizante da realidade social. Para essa concepção, a unidade de socialização (em particular, da socialização escolar) aparece não como dado e sim como produto do trabalho dos atores.


Contrasting classical theories of modernity and contemporary sociological theories of modernization a "fragmented" conception of socialization is proposed, which renounces to any globalizing presentation of social reality. For this conception the unity of socialization (particularly school socialization) appears not as given but as a product of the actor's work.


AS TRANSIÇÕES E A MODERNIDADE

A socialização e a formação escolar* * "Theories de la socialisation et definitions sociologiques de l'ecole". Publicado originalmente na Revue Française de Sociologie. Tradução de Carlos Thadeu C. de Oliveira.

Socialization and education

François DubetI; Danilo MartuccelliII

IProfessor de Sociologia da Universidade de Bordeaux II e pesquisador do CADIS/CNRS, Paris

IIPesquisador do CADIS/CNRS, Paris

RESUMO

Confrontando-se as teorias clássicas da modernidade e as teorias sociológicas contemporâneas da socialização, propõe-se uma concepção "fragmentada" da socialização, que renuncia a uma apresentação globalizante da realidade social. Para essa concepção, a unidade de socialização (em particular, da socialização escolar) aparece não como dado e sim como produto do trabalho dos atores.

ABSTRACT

Contrasting classical theories of modernity and contemporary sociological theories of modernization a "fragmented" conception of socialization is proposed, which renounces to any globalizing presentation of social reality. For this conception the unity of socialization (particularly school socialization) appears not as given but as a product of the actor's work.

A socialização designa o duplo movimento pelo qual uma sociedade se dota de atores capazes de assegurar sua integração e de indivíduos, de sujeitos suscetíveis de produzir uma ação autônoma. De imediato, a socialização é definida por uma tensão situada no centro de diversos debates sociológicos, mobilizando, de uma só vez, representações do ator e representações do sistema social. Para além da retórica opondo "determinismo" e "liberdade", os sociólogos propuseram diversas definições do problema. Uma vez adquirida a gramática sociológica comum segundo a qual a ação humana é socializada e o individualismo mais afirmado quanto mais pronunciada for a diferenciação social, dois grandes conjuntos teóricos podem ser distinguidos. O primeiro definiu a socialização como internalização1 1 A tradução literal do termo original seria interiorização. Optamos por internalização devido a sua já consagrada utilização na Sociologia [N. do T.] normativa e cultural, afirmando assim a "reversibilidade" da subjetividade dos atores e da objetividade do sistema. O segundo grupo de teorias privilegia o tema do distanciamento, da atividade dos indivíduos, da separação entre o ator e o sistema. Mesmo se esse vocabulário não é muito satisfatório, podemos admitir grosseiramente que o primeiro conjunto de teorias se inscreve na imagem clássica da modernidade, enquanto que o segundo, mais sensível à heterogeneidade cultural e social, procede de uma concepção "pós-moderna" do indivíduo2 2 O qualificativo "pós-moderno" deve ser entendido aqui no sentido mais banal do termo, visando simplesmente a sublinhar a distância entre as teorias clássicas da modernidade e as teorias contemporâneas que nesse debate informam a crítica. Além disso, essa noção não possui, para nós, consistência própria. . Cada um desses grandes conjuntos está associado a duas grandes figuras da integração social: aquela que privilegia a integração social e aquela que atribui primazia à integração sistêmica. Podemos então discernir várias famílias de teorias da socialização. Após examinarmos as teorias da socialização e demonstrarmos as lógicas essenciais em torno de quatro tipos principais, tentaremos mostrar como elas engajam definições sociológicas da escola e da educação, pois, no plano analítico como no das práticas, a escola cruza uma concepção do ator e uma representação do sistema. A apresentação dessas definições da escola será uma maneira de indicar nossas próprias preferências.

AS REPRESENTAÇÕES DO INDIVÍDUO

Uma das máximas essenciais da sociologia e da antropologia consiste em, sob diversas formas, associar a modernidade à emergência do indivíduo. Qualquer que seja o vocabulário escolhido, a passagem da tradição à modernidade, do holismo ao individualismo, faz sempre da formação do indivíduo um dos critérios essenciais das sociedades modernas. Ao longo desta transformação, a socialização aparece ao mesmo tempo mais essencial e mais incerta, à medida que o paradoxo da socialização não cessa de se reforçar, já que passamos da idéia de inclusão total dos indivíduos na sociedade - representação que pode liquidar a idéia mesma de indivíduo - àquela de uma distância crescente entre os indivíduos e o sistema. Podemos distinguir três concepções globais do ator social, concepções essas que não mais se inscrevem em uma "necessidade" evolucionista. Se a periodização aqui proposta segue de perto a máxima sociológica da modernidade, é evidente que apresenta mais de uma similitude com outras classificações como aquelas de Riesman (1964) e de Sennett (1979). Insistimos, entretanto, que se trata de verdadeiras "matrizes" representativas, compreendendo no seu próprio seio diferenças de envergadura.

A representação do homem comunitário

De uma maneira ou de outra esta representação está na base de todas as concepções sociológicas, e é a alteridade teórica radical contra a qual se construiu o pensamento sociológico moderno. Desse ponto de vista, não seria exagerado dizer que a figura do homem comunitário não possui propriamente história teórica. Basta ler a descrição que dela fez Tönnies (1977) para se ter uma representação bastante atual. Esta permanência teórica só é compreensível se levarmos em conta a função dessa figura, que estabelece um rompimento entre dois tipos de ator e, ademais, entre dois tipos de coletividade3 3 Essa função é notadamente manifesta na grande síntese da sociologia clássica proposta por Parsons (1951), sob a forma de oposição entre quatro variáveis de configuração que retomam - e clarificam analíticamente - o essencial da dicotomia de Tönnies entre comunidade e sociedade. . O ator da comunidade está sempre submetido à coletividade, moldado por ela, incapaz de se desprender, trans-passado pelo calor do grupo, pelo rigor dos códigos, e desprovido de um espaço de iniciativa individual. O homem da comunidade está sob a dupla marca da unidade e da totalidade. Unidade da vontade e dos modelos culturais, unidade dos espíritos e das crenças comuns. Totalidade do homem que se dá por inteiro, corpo e espírito, à vida coletiva. O ator comunitário pertence a um conjunto regido por laços naturais ou espontâneos, subordinando-se a uma coletividade cujo sentido excede aquele de cada um de seus membros. É o sentimento de pertencer à comunidade que domina a ação dos indivíduos. A sociologia encadeou essa representação do indivíduo a um "estágio" de fraca diferenciação social, o da sociedade dita tradicional.

Sabemos que todos os grandes autores experimentaram sentimentos ambivalentes em relação à modernidade. Quanto mais a consciência da irreversibilidade do processo de diferenciação se impõe, mais transparecem os discursos críticos de veleidades passadistas e de nostalgias conservadoras, e mais, de fato, é possível perceber um esgarçamento teórico nas atitudes dos pensadores clássicos. Desse ponto de vista, há um verdadeiro paradoxo no seio do pensamento social: os indivíduos modernos, ao menos no período clássico da sociologia cujo ápice é, deste ponto de vista, a obra de Parsons, são representados como se seguissem sem qualquer hesitação o movimento da modernidade, quando esses teóricos, no fundo, são atormentados por um sentimento irresistível de nostalgia4 4 Dois livros, de sensibilidade muito diferenciada, se debruçaram sobre essa dimensão das teorias sociológicas ou modernas (Berman, 1982; Stauth, Turner, 1988). . Não seria difícil encontrar ambivalências deste tipo no pensamento de Durkheim e de Simmel, assim como no de Weber e Marx5 5 Em Marx, e apesar do lugar relativamente secundário que essa preocupação ocupa em sua obra, o indivíduo comunitário pertence a uma formação social pré-capitalista e está caracterizado por uma espécie de não-dissociação, até mesmo uma completude não desprovida de romantismo, ao ponto de emergir, por vezes, e apesar do fascínio de Marx pela modernidade, como uma espécie de figura ideal da individualidade. . O ator comunitário emerge como um indivíduo antes do nascimento da sociedade moderna; apesar de variantes não negligenciáveis, ele encarna a fusão do ator e da cultura, uma forma de segurança e de plenitude quando o conjunto da existência é habitado e encantado pela cultura e pelos deuses. Para dizer de maneira bastante simples e rápida, nessa representação que é mais um postulado teórico que observação antropológica, mal podemos falar de individualidade.

A internalização, o indivíduo "moderno"

A figura do indivíduo aparece como uma conseqüência mais ou menos direta de um nível crescente de diferenciação social e de racionalização. A maior densidade subjetiva dos indivíduos da sociedade moderna procede de uma sociedade mais complexa, na qual o indivíduo cruza com um número cada vez mais elevado de atores e na qual está submetido a um maior estímulo por parte do ambiente. Pertence a diversos círculos sociais e deve cumprir um número crescente de tarefas e de papéis. De Simmel a Merton, de Durkheim a Parsons, essa ligação entre o individualismo e a complexidade moderna se impõe a todos. O indivíduo moderno resulta da pluralidade de subsistemas de ação regidos por orientações e regras cada vez mais autônomas6 6 Para esta visão clássica da modernidade, ver Durkheim, 1986; Weber, 1971. .

No seio desse processo, a noção de "papel" torna-se essencial. Em razão da diversidade dos subsistemas sociais, os indivíduos devem adquirir competências múltiplas para fazer frente à diversidade das ações que são obrigados a desempenhar. A socialização conduz a uma individualização crescente à medida que cada indivíduo faz parte de círculos de ação diferentes: a individualização é, então e sempre, um corolário direto da diferenciação (Simmel, 1986; 1989). As estruturas sociais se dividem à medida que se especializam e o ator é guiado por valores cada vez mais universais, suscetíveis de se aplicar a uma multidão de casos particulares. Os códigos são substituídos por orientações de ação internalizadas, por sentimentos e convicções.

Esta representação dominante originou duas grandes versões opostas. A primeira é uma versão "encantada" da socialização. A ligação entre a individuação e a diferenciação social assegura, em um único movimento intelectual e prático, de uma só vez, a autonomia pessoal e a integração social do indivíduo. É a socialização que dá conta da ligação entre a ação individual e a ordem social à medida que o ator agencia, freqüentemente de maneira inconsciente, princípios de ação que definem a coerência da sociedade. Mas se a vida social repousa sobre um conjunto de valores comuns e princípios de ação mais ou menos circunscritos, o indivíduo permanece senhor da escolha definitiva. Do ponto de vista desta sociologia "encantada", a liberdade emerge como o esquecimento da socialização que a tornou possível. O ideal do indivíduo depende da estrutura da sociedade mas, ao mesmo tempo, este ideal de homem visa a engendrar indivíduos autônomos, libertos do peso da tradição e capazes de independência de julgamento.

A segunda versão, ao contrário, é "desencantada" e crítica. A sociedade, percebida como um conjunto de estruturas de poder, se inscreve nos indivíduos que são então operados pelo sistema social. A autonomia é geralmente apresentada como uma ilusão subjetiva, tanto quanto as práticas sociais são concebidas, em versões extremas dessas teorias, como signos da ordem social. A socialização aparece como uma forma de programação individual que assegura a reprodução da ordem social por meio de uma harmonização das práticas e das posições. Essa versão desencantada da modernidade está notadamente presente na obra comum de Bourdieu e Passeron (1964; 1970).

O debate entre essas duas versões cruzadas da socialização foi particularmente vivo no que diz respeito à escola. A primeira se esforça por pensar a socialização como a internalização de uma disciplina necessária ao exercício da autonomia; a segunda, vê no processo um adestramento das almas, uma sujeição dos indivíduos, uma programação da reprodução social. Na versão encantada, a socialização é trágica: o indivíduo, cuja consciência é formada pela sociedade, é capaz de se revoltar, graças à sua liberdade de consciência, contra esta mesma sociedade. Na versão crítica, a socialização é a incorporação de um espaço social estruturado, graças ao qual a história e a ação de cada agente são especificações da história e das estruturas coletivas. Mas uma profunda unidade liga essas duas versões no que diz respeito ao próprio processo de socialização. Nos dois casos, o indivíduo, além de suas margens mais ou menos grandes de autonomia, é definido pela internalização de normas e de disposições comuns à sociedade ou a uma classe social.

A força dessa concepção sociológica do indivíduo está em estabelecer "correspondências" com diversas teorias psicológicas. Tenham os autores se apoiado mais sobre a obra de Freud, de Mead ou de Piaget para definir de maneira precisa os processos de formação da individualidade, todos concordam sobre a natureza do indivíduo socializado. Isso porque, ainda que a palavra não tenha sempre sido empregada, a idéia de papel 7 7 No original, rôle [N. do T.] - definido como o encontro do indivíduo com os códigos sociais -está no centro do modelo (Merton, 1965). É o que exprimem os dois grandes dilemas do indivíduo moderno: de uma parte, o dilema sociológico da "incongruência dos papéis", isto é, a obrigação de agir em função de diferentes modelos em diversos domínios de ação e, de outra parte, o dilema moral da culpabilidade individual, a presença, na consciência individual, da majestade da sociedade (Durkheim, 1985).

É claro, essa matriz geral não exclui diferenças consideráveis entre os autores. Para alguns, o indivíduo moderno não é jamais inteiramente socializado; contrariamente ao que deixam supor certas concepções críticas da socialização, persistem nele pulsões não socializáveis, como tentou mostrar Elias (1973; 1975), na esteira das interpretações weberiana e freudiana. Ao destaque dado à distância entre o eu e o self, em Mead, se opõe a insistência sobre sua imbricação na noção de habitus, de Bourdieu. Mas no fundo, trata-se apenas de variações no seio de uma mesma concepção segundo a qual os "papéis" permitem, na modernidade, gerir a tensão entre a objetividade e a subjetividade, estabelecendo um acordo entre as motivações individuais e as posições sociais, graças à constituição de um conjunto de atitudes ligadas às diversas posições sociais (Bourdieu, 1980; Parsons, 1951). A internalização desses esquemas de atitudes constitui o indivíduo em ator socializado, adaptado, até mesmo conformista. Claro, os atores não são jamais socializados ao ponto de impedir toda mudança e de se limitar a reproduzir o estado anterior da sociedade.

A propósito dessas análises, é totalmente legítimo falar de indivíduo (em oposição ao homem comunitário), mas não é possível falar de sujeito. A distinção é sutil mas visa a sinalizar que se o indivíduo e sua individualidade são efetivamente reconhecidos, o são somente por meio de um processo de inclusão na sociedade. O ator é o sistema: não que o indivíduo seja subordinado ao sistema como no modelo comunitário, mas no sentido em que o indivíduo é apenas o reverso do sistema social, seu lado subjetivo (Dubet, 1994). Desse ponto de vista, a querela do holismo e do individualismo aparece por vezes desprovida de sentido. Nada ilustra melhor essa representação que o significado do "individualismo". A palavra designa menos um ator autônomo que a internalização de modelos coletivos na intimidade das condutas individuais8 8 Nesse sentido preciso é necessário distinguir a concepção do indivíduo proposta pelo pensamento liberal - que se liga, por razões no mínimo cronológicas a esta concepção - da representação sociológica contemporânea do sujeito. . O indivíduo é um "personagem social" cuja subjetividade e a posição social aparecem como duas faces de um mesmo conjunto. O indivíduo é ao mesmo tempo uma "pessoa" (reciprocidade de pontos de vista entre os sentimentos e as identidades sociais) e um "papel" (forte imbricação entre uma tarefa e uma motivação). A personalidade, o sistema social e a cultura estão intimamente imbricadas, permitindo estabelecer ligações estreitas entre os percursos individuais e os processos coletivos.

O distanciamento, o indivíduo "pós-moderno"

A sociologia clássica pensou o indivíduo por meio da correspondência entre as dimensões subjetivas de sua ação e as dimensões objetivas de seu estatuto. Ora, este princípio de continuidade sempre foi causa de problemas. Tomando-o por dado, a sociologia colocou em evidência os mecanismos de construção de similitudes, insistindo na distância entre essas duas dimensões; é uma outra imagem da modernidade que se impõe e é a especificidade da individuação que se torna o problema central9 9 Para esta visão da modernidade, ver Simmel, 1988; Touraine, 1992. . Doravante, o indivíduo não é mais definido por uma correspondência estreita entre a objetividade e a subjetividade, mas concebido pela sua maior distância em relação ao mundo. O problema da socialização torna-se aquele da reflexividade, da crítica, da justificação, do distanciamento. Para dar conta deste processo, é preciso uma vez mais fazer referência a uma diferenciação social crescente que aumenta o fosso entre as posições sociais e as motivações individuais ao ponto em que sua junção não pode mais ser assegurada pelo viés dos esquemas organizados de ação, isto é, pelos papéis. Existem, claro, tarefas objetivas delimitadas, mas as motivações e as orientações subjetivas consensuais não são mais tidas como adquiridas, cabendo ao próprio ator a decisão10 10 Para Luhmann esta passagem é testemunha da transformação da semântica do indivíduo, seguida da passagem da diferenciação estratificada à diferenciação funcional. A concepção do indivíduo passa então da problemática da "inclusão" indivíduo-sociedade à problemática da "exclusão". Devido à diferenciação social, o indivíduo não pertence mais a nenhum domínio social específico mas é definido, antes de mais nada, pela exclusão de cada um deles. O indivíduo torna-se um sujeito auto-referencial (Luhmann, 1995). . Essa concepção testemunha um crescimento da incerteza de um ponto de vista individual. O afastamento estrutural crescente entre a objetividade e a subjetividade alimenta uma dupla tentação: seja a inclinação em direção a versões extremas de uma sociologia dos sistemas sem atores (a sociedade é uma estrutura de poder ou um mercado), seja a construção de uma visão intimista e dessocializada dos atores (a sociedade é uma soma aleatória de interações).

Expliquemos de outra maneira esta mudança de perspectiva. A representação moderna do indivíduo insistiu na distância do papel. Ninguém sublinhou melhor este mecanismo que Mead (1963): a individuação é sinônimo de distância do papel, o diálogo entre o "eu" e o "self, o processo pelo qual o ator aprende a se olhar com os olhos dos outros. Bem outra é a "distância" a partir da qual certos autores definem atualmente a individualidade. Agora, este afastamento é uma conseqüência mais ou menos direta de um estado das relações sociais, à medida que a distância crescente entre a objetividade e a subjetividade é uma das maiores características da sociedade moderna. É neste sentido que é preciso sublinhar a diferença entre o modo de socialização assegurado pela noção de "papel" e aquele que evocam as idéias de "distanciamento" e de "reflexividade". Os "papéis" supõem uma sociedade já suficientemente diferenciada para que os indivíduos possam se tornar os atores sociais sem especificidades, mas na qual são ainda possíveis, ao menos teoricamente, arranjos consensuais mais ou menos precisos em torno de uma tarefa. A influência crescente do modelo do distanciamento evoca o modo de socialização de uma sociedade moderna avançada, caracterizada por uma desarticulação das lógicas e marcada pela impossibilidade de definir precisamente os papéis. Certamente, há tarefas objetivas, mas daqui em diante o espaço da iniciativa individual não pára de crescer no seio de cada situação socialmente definida. Desde então, a socialização é o aprendizado da gestão de uma distância entre as dimensões subjetivas e as posições sociais. A complexidade dos sistemas e a diversidade das situações obrigam os atores a gerir, sempre de maneira circunscrita, sua distância e sua implicação no mundo. Desse ponto de vista, a noção de socialização secundária se esvazia de qualquer conteúdo: no limite, podemos dizer que o indivíduo deve, em cada interação e a cada "momento", reconstruir uma socialização secundária (Berger, Luckman, 1986).

Além de suas diferenças, todas as "novas" sociologias começam por contestar a harmonia preestablecida pelo modelo clássico. Dos ataques que Wrong (1961) endereça à concepção "hipersocializada" de Parsons, até as concepções cada vez mais radicais da etnometodologia, passando pelos trabalhos que insistem nas capacidades "criativas" do sujeito (Castoriadis, 1975; Touraine, 1973), é sempre a correspondência entre a subjetividade e a ação social que está no centro das críticas. O tema do distanciamento do ator desloca e substitui a antiga preocupação da in-ternalização11 11 O interesse crescente pela obra de Mead pode ser interpretado neste contexto. Com efeito, sua importância maior para esta família de sociólogos não provém do fato de esses terem se convertido à sua explicação psicossocial da gênese do indivíduo, mas de terem encontrado em sua obra, não sem alguma obscuridade, uma linguagem alternativa que prefigura muitas das suas preocupações atuais. . Nesta perspectiva, a oscilação detectavel na obra de Elias se revela exemplar, desde a insistência sobre a internalização crescente dos constrangimentos externos até a preocupação com a natureza do engajamento e do distanciamento do indivíduo com relação ao mundo.

Se todas essas teorias insistem sobre a distância dos sujeitos ao mundo social, nenhuma dentre elas, além de algumas facilidades polêmicas, estabelece verdadeiramente uma ruptura entre os indivíduos e a sociedade. O ator não se separou do sistema, não seria mais que um mero "retorno" às concepções pré-sociológicas do ator. Esta é a razão pela qual o renascimento dos debates entre a sociologia e a filosofia deve ser interpretado com prudência. Com efeito, a tensão da qual dão conta hoje os sociólogos é de natureza diferente daquela que sempre animou a filosofia moderna, a saber, a vontade de fundar o mundo a partir do sujeito e a preocupação em acentuar fortemente a dimensão autônoma do sujeito12 12 Isso não impede de encontrar esse tipo de tensão no seio da obra de certos autores. Na França, é sobretudo o caso da obra de Foucault, na qual é possível constatar a passagem de uma concepção do indivíduo como resultado dos constrangimentos externos internalizados, até mesmo como o produto de uma série de técnicas ortopédicas da alma (a sujeição) em direção a uma concepção de um indivíduo mais autônomo, ou antes definido por uma estética da existência. Ora, à medida que essa evolução se dá na contracorrente do estado da diferenciação social, essas representações tornam-se formas históricas eternamente concorrentes. Para essa evolução, ver Dreyfus e Rabinow (1984). . O problema sociológico não é o da "liberdade" e do "determinismo"13 13 Como por exemplo está manifesto na evolução da obra de Sartre. Cf. Sartre, 1943; 1960. , mas o da maneira pela qual se constrói a individuação em função das variações da diferenciação social14 14 Entretanto, a interpretação das fontes morais do sujeito em Taylor (1989), desde a internalização agostiniana até a radicalização subjetivista contemporânea, e que faz do sujeito moderno um verdadeiro palimpsesto [pergaminho manuscrito do qual a primeira escritura foi raspada com o fim de receber novo texto - N. do T.], pode efetivamente alimentar a reflexão mútua. Cf. Descombes, 1996. . Para a sociologia é evidente que os atores, sua "Razão", suas boas razões e suas motivações, são antes o resultado de um processo de aquisição social do que um componente não-social da subjetividade. Mas, mesmo aceitando a idéia de que o sujeito não é mais do que o produto da socialização, essas posições insistem sobre a distância que se abre entre as posições sociais e o domínio pessoal. Para muitos, a identidade social não mais está encarnada, tal qual uma "segunda natureza", mas essa distância não é tampouco o fruto de uma "natureza" humana qualquer resistente à socialização. O conjunto dessas teorias insiste sobre a tensão crescente entre a socialização e a subjetivação, entre a negociação da identidade por meio de outrem e a identidade biográfica por meio de si, o intervalo entre as duas tendências dando lugar a uma concepção dinâmica e relacionai da identidade que aponta, à sua maneira, a distância social constitutiva da subjetividade (Dubar, 1991).

Esse "distanciamento" é interpretado de duas grandes maneiras. Para um primeiro grupo de autores ele é a conseqüência de uma sociedade na qual os atores são confrontados a um conjunto heterogêneo de lógicas de ação. A autonomização das lógicas dos sistemas sociais, sem princípio unitário central, se prolonga em tensões internas aos atores, comandados, a cada momento, por diferentes racionalidades sociais. O indivíduo é concebido como um sujeito incerto (Ehrenberg, 1995), multiforme, fragmentado e descentrado, um "nó" em meio a redes de comunicação. O sujeito está sob o domínio da "disseminação" de si, é um efeito da superfície e da interseção das tramas de interações15 15 Foi entre os autores pós-modernos que esta representação mais se desenvolveu (Martuccel-li, 1992). . Este sujeito é forçado a gerir contradições institucionais (Bell, 1978; Friedland, Alford, 1991), a articular as diferentes dimensões da ação e a construir uma experiência (Dubet, 1994). O afastamento das situações permite aos indivíduos orientar e justificar as ações com a ajuda dos diversos princípios de justiça (Boltanski, Thévenot, 1991). Os atores16 16 Para esta visão da modernidade, ver Giddens, 1991. se constituem em sujeito coletivo por meio de diversas configurações simbólicas deslocadas das realidades sociais pré-constituídas (Laclau, Mouffe, 1985). Essas situações complexas põem em evidência a extensão do grau de reflexividade pessoal dos atores. A partir de outros pressupostos, um esforço intelectual deste tipo é também identificável entre os autores que defendem uma concepção excêntrica17 17 No sentido de deslocada do centro [N. do T.]. da personalidade humana, notadamente na obra dos marxistas "pós-modernos" anglo-saxões ou em ensaios de síntese com outras tradições (Jameson, 1984; Harvey, 1989).

Para um segundo grupo de teóricos o distanciamento deve ser interpretado em termos cognitivos. A tendência da passagem de uma socialização normativa em direção a uma socialização cognitiva, pode ser assim interpretada entre certos autores. O ator é concebido então como agindo em meio à incerteza, visando a reduzir a complexidade com o auxilio de rotinas, fazendo escolhas em situações ambíguas por meio de preferências inconsistentes18 18 É atualmente a orientação encarnada na França por Boudon, que construiu o programa de uma sociologia cognitiva das "boas razões" do agir e do acreditar (Cf. Boudon, 1986; 1990; 1995). . O problema da motivação se transforma; o sujeito é um organizador de informações. Este "distanciamento" cognitivo já está presente em muitas das teorias da organização, como a de March e Simon (1979), até os neo-institucionalistas e passando por Crozier e Friedberg (1977) (Friedberg, 1993; Powell, Di Maggio, 1991). A "estratégia" dos atores não mais se confunde com a definição da situação imposta pelo quadro organizacional. As instituições não engendram lealdades morais, não são mais que um ambiente dado em termos de oportunidades e constrangimentos. O ator é sempre definido pela distância de sua posição social; autônomo, ele se orienta menos em função das "normas" que em função das oportunidades. Esta "ruptura" cognitiva está presente também em diversas variantes de sociologías compreensivas: é preciso não mais pensar, mesmo implicitamente, a socialização como um processo "passivo" de transmissão de normas e de aquisição de papéis. Em todos os casos, o ator não faz mais emergir uma ordem coletiva preestabelecida, e sobretudo, é o próprio quadro situacional, e não mais a internalização das normas, que define as atitudes. Para Goffman, que encarna de maneira mais forte essa representação do indivíduo, o sujeito se define pela gestão incansável de suas imagens face aos outros. A subjetividade pode ser autêntica ou cínica mas está sempre aquém ou além da "máscara" ou do "papel" (Goff-man, 1968; 1973). Para os fenomenólogos trata-se, no essencial, de estudar as bases da ação na consciência, muito mais que o peso das estruturas sociais sobre a ação; é necessário ir além de uma definição da socialização como intemalização das "tipificações" das pessoas (Schutz, 1974; Schutz, Luckmann, 1977)19 19 No conjunto desses trabalhos a ênfase recai sobre a dimensão cognitiva (a ligação entre o sentido subjetivo e as condições objetivas), e mesmo a intemalização das normas é concebida por uma perspectiva cognitiva. . No interacionismo simbólico o ator não está tanto sob o domínio da motivação (interna ou externa); ele é uma unidade reflexiva e interativa capaz de pensar de maneira autônoma e de adaptar, pelo distanciamento, os símbolos adquiridos às suas próprias necessidades. A socialização se dissolve na interação (Blumer, 1969). Enfim, para os etnometodólogos, a ordem social não repousa sobre a comunhão das normas mas emerge como atividade prática no curso da interação cotidiana (Cicourel, 1979; Garfinkel, 1967). O quadro simbólico nunca é perfeitamente mútuo; ambíguo por natureza, obriga os indivíduos a agir por intermédio de um conjunto de "razões práticas" mais ou menos conscientes.

Mas, para além de todas essas diferenças - que não são meros detalhes -, insistamos sobre dois pontos essenciais de acordo. Em primeiro lugar, e mesmo que o argumento não seja sempre expresso nesses termos, é propriamente o grau de diferenciação crescente da sociedade que dá conta, em última análise, dos estados crescentes de diferenciação individual. Em segundo lugar, o conjunto dessas teorias insiste sobre a distância entre o indivíduo e a sociedade. Deste ponto de vista, o estranhamento em relação ao mundo e a si mesmo, torna-se o principal dilema dos sujeitos contemporâneos20 20 Este dilema está presente de uma maneira crítica sobretudo entre as feministas. Entretanto, e mesmo se a carga crítica é a mesma, podemos destacar as duas representações diferentes do ator social. De um lado, é possível observar uma concepção "patriarcal" - que no fundo mobiliza uma representação moderna do indivíduo já que a mulher é definida pela intemalização dos valores dominantes - e, de outro, uma concepção que insiste sobre a forte distância estabelecida entre a experiência feminina e sua situação social - a mulher seria forçada a se ver com os olhos do Outro, o homem, estabelecendo-se então um rompimento entre o íntimo vivido e os tipos sociais. .

SOCIALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL

Como as teorias da socialização se articulam com as teorias gerais da integração social? Duas grandes posições se destacam claramente e não fazem outra coisa que retomar, de diferentes maneiras, o debate opondo, já há um século, Durkheim a Spencer: da integração social integração sistêmica (Lockwood, 1975). As duas posições se apoiam em concepções diferentes da vida social. Para a primeira, a integração social supõe uma cultura comum aos atores e a possibilidade de coordenar as ações por meio de normas estabelecendo a reciprocidade das condutas. Para a segunda posição, a integração da sociedade se opera por intermédio de mecanismos impessoais, notadamente o dinheiro e o poder, independentemente de um acordo preestabelecido entre os indivíduos. Evidentemente, essas duas concepções não excluem algumas concessões: Durkheim já sublinhava a importância dos mecanismos sistêmicos na coordenação das ações em uma sociedade de solidariedade orgânica, enquanto que Spencer supunha, implicitamente, a existência de indivíduos socializados, pelo menos de um ponto de vista cognitivo.

A integração social

O modelo da integração social suspende o estabelecimento de uma ordem e de uma regularidade do sistema de acordos culturais e normativos. À medida que a socialização harmoniza as condutas, as expectativas e as capacidades de adaptação dos atores, ela é o fundamento da ordem social. A ligação entre o ator e o sistema não é dada mas reconstruída nos e pelos indivíduos na sua socialização. É nesse sentido que a socialização torna-se uma espécie "de equivalente universal" da sociologia, que visa a estabelecer correspondências entre as posições sociais e práticas. A socialização é ao mesmo tempo o que explica as condutas e o que as condutas devem explicar. E pouco importa aqui a maneira pela qual esta ligação é precisamente estabelecida, seja pela internalização de um conjunto de normas, seja por meio de uma teoria da argumentação21 21 É sobretudo esta a proposta de Habermas, para quem o descentramento das imagens do mundo e o desencantamento exigem, afim de coordenar as ações, a liberação dos princípios endógenos de validade dos discursos e práticas. A argumentação e seus prolongamentos institucionais tornam-se o mecanismo maior de coordenação das ações, o que Habermas chama a "racionalização do mundo vivido". Todo desvio desta situação normativa ideal é julgado por Habermas como a patologia própria da modernidade. , seja ainda por diferentes maneiras pelas quais os atores rearticulam seu universo pessoal às dimensões sociais. Que esta ligação seja "firme" ou "difusa", é sempre a partir dela que pode ser interpretada a integração da sociedade. Para autores como Parsons ou Habermas, e apesar da grande atenção dedicada aos processos de integração sistêmica, está claro que a socialização detém o papel maior na manutenção do equilíbrio da sociedade. É a reversibilidade'do ator e do sistema que está no centro desta representação. A "personalidade" é uma disposição forjada pela sociedade; daí o lugar ocupado em suas obras, como na de Durkheim, pela análise das fraquezas e das crises de motivação, e pela anomia, qualquer que seja seu nome22 22 Como tema de "desvio" em Parsons (1951), ou quando a crise de motivação é percebida como uma das maiores crises do capitalismo, em Habermas (1978). .

A integração sistêmica

A segunda concepção da integração não reserva um papel central à socialização na explicação da integração social. Certamente os autores estão longe de negar a realidade a um processo de socialização dos indivíduos mas, doravante, este processo não mais permite estruturar a sociedade. A sociedade é concebida seja como o resultado de uma agregação, mais ou menos aleatória, de diferentes ações individuais apoiadas por múltiplas motivações, seja como um encavalamento, sem princípio central, dos domínios de ação, cujo acordo não é mais estabelecido em todos os âmbitos da sociedade, mas a partir de cada sistema parcial em acordo com as redes comunicacionais, sempre conjunturais. Não é mais possível continuar a aceitar a idéia de uma suposta coerência do sistema social, e a sociedade é premida entre as exigências culturais do modernismo, os princípios da sociedade política e os imperativos da produção (Bell, 1978). A sociedade moderna opera uma transferência do peso essencial da integração social em direção aos princípios de integração sistêmica por meios cada vez mais impessoais que coordenam as ações dos indivíduos, externamente aos seus arranjos culturais (Luhmann, 1991; De Georgi, 1993). Privilegia-se, assim, o estudo das diferentes distâncias entre as motivações dos indivíduos e os resultados de suas ações. Na base dos "efeitos perversos" está sempre a separação da objetividade e da subjetividade, maneira de insistir no caráter aleatório e conjuntural de toda regulação social (Boudon, 1977). A evolução histórica das sociedades ocidentais, o ritmo e a extensão da mudança social, determinam a constituição de uma sociedade complexa. As situações objetivas e "sistêmicas" se autonomizam em relação às dimensões subjetivas da ação; a regulação das relações sociais não pode mais ser vista somente no âmbito local, ela exige a consideração de um conjunto mais vasto e mais impessoal, aquele dos mecanismos de integração sistêmica. Efeito emergente ou mecanismo sistêmico autônomo, a integração do sistema não pode mais ser confundida com os acordos culturais e normativos.

O ESPAÇO DAS TEORIAS DA SOCIALIZAÇÃO

As teorias da socialização opõem os adeptos de uma teoria da internalização àqueles de uma teoria do distanciamento. Cada um desses dois grandes conjuntos pode ser associado às duas teorias fundamentais da integração. É o cruzamento desses dois eixos que permite estruturar o campo do debate sociológico sobre a socialização.

1. O ator e o sistema são as duas faces de uma mesma realidade e é por meio da teoria da socialização que se forja a integração da sociedade. A socialização torna-se um equivalente geral da própria sociologia; ela é o que explica as condutas e o que os sociólogos devem explicar. A socialização permite abordar o indivíduo por meio das ligações entre essas duas dimensões. A socialização não descreve apenas um mecanismo, ela é também a resposta ao "problema de Hobbes". O interesse dos funcionalistas pela escola e pela educação é diretamente tributário dessa concepção de integração social e de socialização. A escola, mas também a familia e a religião são concebidas como instituições, aparelhos capazes de transformar valores em normas, normas em disposições e disposições em personalidades individuais.

2. A segunda familia teórica associa a concepção "moderna" da socialização à idéia segundo a qual a integração social se realiza por mecanismos impessoais. No mais das vezes, essas teorias são de inspiração marxista e estruturalista. No essencial, o tema da socialização, se não esteve verdadeiramente ausente da tradição marxista23 23 A parte a produção soviética do período, o tema está presente na obra de certos marxistas influenciados pela fenomenología, na descendência dos trabalhos gramscianos sobre a hegemonia ou ainda nos estudos de inspiração marxista que tratam da escola. Entre esses últimos, vários defenderam uma concepção, e implicitamente, um papel da socialização que os aproxima muito da posição precedente. Cf. Althusser, 1970; Baudelot, Establet, 1971; Bowles, Gintis, 1976. , está longe de ocupar uma posição central24 24 Não nos esqueçamos que na tradição marxista a noção de "socialização" faz referência, antes de mais nada, à coletivização dos meios de produção. . Esta ausência relativa se explica pela importância dos elementos impessoais e estruturas que definem os mecanismos da ordem social: estruturas relativamente independentes da vontade dos atores. Ademais, a própria noção de classe social, verdadeiro sujeito-objeto do marxismo, torna-se o equivalente coletivo do personagem social da tradição sociológica. É claro, a problemática da socialização mostra claramente a tensão existente entre os "dois marxismos", um mais objetivista, outro mais subjetivista; um abordando a integração social como resultado de um estado de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, o outro integrando o peso da ideologia dominante na reprodução da sociedade. Mas nos dois casos, forçosamente concluímos que é menor o papel da socialização como princípio explicativo da continuidade social, assim como o da existência de uma concepção da socialização como internalização de um conjunto cultural, como atestam as diversas versões da ''falsa consciência" e da consciência como "reflexo" do mundo social.

3. Essas teorias insistem sobre o peso da individuação e se apegam a uma representação "pós-moderna" da socialização mantendo, ao mesmo tempo, uma concepção social da integração. A noção de socialização conserva, às vezes, apenas de maneira normativa, um papel maior na integração da sociedade. Freqüentemente, o problema da ordem social e da manutenção das estruturas sociais não é abordado em si mesmo, mas a vontade de interpretar a vida social a partir do trabalho dos atores e da ligação que eles estabelecem entre as dimensões objetivas e subjetivas de sua ação reserva um lugar central aos princípios de integração social.

Foi a adoção deste modelo que conduziu Habermas a uma visão crítica da modernização. Em uma concepção deste tipo, as esferas diferenciadas da sociedade devem buscar suas fontes normativas no mundo vivido. Os meios impessoais da integração sistêmica deveriam ser simplificações das conexões hipercomplexas do mundo moderno. Este acordo, pervertido no capitalismo contemporâneo, teria reificado as estruturas simbólicas do mundo vivido (Habermas, 1978), sua colonização avançando juntamente com a crise de motivação e, logo, de socialização dos indivíduos. É também este o propósito de Giddens sobre a "dualidade da estrutura", a um só tempo, condição e resultado das práticas constitutivas dos sistemas sociais. Trata-se de insistir ao mesmo tempo sobre o caráter contingente das interações, das competências dos atores sociais e sobre a reprodução dos sistemas sociais ao longo do tempo e do espaço. A recorrência da vida social faz com que as estruturas sejam, ao mesmo tempo, regras e expedientes; aliás, as regras conhecidas pelos atores sociais nem sempre são explícitas, freqüentemente se tratando apenas de uma consciência prática. Ora, mesmo se a articulação da sociedade passa por mecanismos impessoais como o dinheiro e os sistemas especializados, a socialização detém um papel chave na teoria da estruturação (Giddens, 1987).

4. A quarta família de teorias insiste sobre a separação radical da subjetividade dos atores e dos grandes princípios de integração societal. É notadamente o caso da teoria geral dos sistemas de Luhmann, na qual a diferenciação funcional organiza os processos de comunicação em torno das funções especiais, necessárias e independentes. A ordem social não é mais estabelecida a partir da sociedade e de maneira hierárquica, mas a partir de cada sistema parcial (político, administrativo, religioso, econômico...) de acordo com as redes comunicacionais, sempre conjunturais. Neste quadro, o sujeito perde toda consistência real e torna-se "produto" do princípio funcional de redução da complexidade, verdadeiro guia dos sistemas sociais. Cada subsistema social, regido por um programa "identitário" fechado, se adapta às perturbações vindas do exterior que, no entanto, não modificam o programa inicial. A complexidade da sociedade moderna obriga, segundo Luhmann, à renúncia do estudo da vida social a partir de sujeitos individuais e leva a centrar a análise nos subsistemas, únicos "atores" verdadeiros. Em uma concepção deste tipo, o sujeito é fragmentado e definido pela sua distância em relação aos sistemas sociais dos quais ele é apenas o contorno, e a socialização tem um papel menor enquanto princípio de ordem social no seio de-um único subsistema social.

Uma problemática deste tipo também está no coração do debate "micro-macro" da sociologia anglo-saxã. A articulação entre as realidades macrossociológicas e as realidades microssociológicas torna-se altamente problemática, pois não há acordo perfeito entre as duas dimensões. As teorias afirmam o caráter interdependente de cada sistema e o desenvolvimento, em cada um deles, de propriedades emergentes próprias. Elas destacam também uma desarticulação radical entre os diferentes níveis25 25 Para uma apresentação exaustiva da ligação "micro-macro", ver Ritzer, 1993 (capítulo 10); Alexander, 1988. . Mas, em todos os casos, a resposta ao problema da integração da sociedade não é mais fornecida por intermédio da teoria da socialização. A idéia de uma separação dos domínios se impõe; insiste-se sobre a distância crescente entre o sujeito e o mundo social e sobre a incapacidade de uma teoria da socialização de dar conta da integração da sociedade.

A mesma representação está também presente em certas versões do individualismo metodológico. De um lado, qualquer que seja a verossimilhança social e psicológica da hipótese do ator racional utilitarista, o indivíduo é sempre definido, ao menos in abstracto, pelas capacidades estratégicas e cognitivas que não se devem ao contexto e às normas. Do outro lado, a ordem social se explica, no fundo, com a ajuda de um princípio de regulação social homólogo ao mercado, concebido a um só tempo enquanto princípio não transcendente da ordem, redutor da complexidade, e canal de circulação de informações. O mercado permite, em um único movimento, dar conta da interrelação de elementos diversos sem princípio central e da explosão das particularidades. O modelo do mercado não exige sequer a comunicação das razões da conformidade; o cálculo individual, por meio de uma série de formas de agregação, produz condutas adaptadas.

Evidentemente, não se trata aqui de reduzir as teorias sociológicas, sobretudo as mais ricas, a um ou outro desses quatro tipos. Algumas oscilam de um pólo a outro, outras exibem um núcleo duro e aspectos secundários. Mas podemos admitir que esses tipos estruturam o campo da sociologia da socialização e que definem posições fundamentais entre as quais os pensamentos mais flexíveis podem circular. Este é sobretudo o caso das teorias de inspiração fenomenológica e interacionista que não se remetem necessariamente a uma concepção global da integração social. Deste ponto de vista, a recusa de uma concepção programada da socialização pode permanecer relativamente indeterminada e se acomodar a várias representações da sociedade. Essa distinção dos dois tipos de problemas é referida com humor pelo próprio Goffman quando ele escreve: "não me ocupo da estrutura da vida social, mas da estrutura da experiência individual da vida social. Dou pessoalmente prioridade à sociedade e considero os engajamentos dos indivíduos como secundários: este trabalho, portanto, trata apenas do que é secundário" (Goffman, 1991:22). Não é portanto surpreendente que haja tantos "Goffman" quanto leitores: cinismo e vazio das classes médias para uns, sistema todo poderoso para outros26 26 O mesmo juízo poderia ser feito das diversas leituras de Simmel. . Quanto à etnometodologia, ela postula que a questão da natureza da integração global do sistema não está fundada em um ponto de vista epistemológico. O caráter relativamente indeterminado de todo o espaço do que chamamos por vezes as "novas sociologías" não significa que elas não tenham algum interesse ou que esta ausência mesma não coloque um problema fundamental: a saber, se a idéia de sociedade é útil para a sociologia. Mas esta mesma indeterminação pode explicar o sucesso dessas teorias; elas não postulam uma representação da vida social.

A SOCIALIZAÇÃO ESCOLAR

Porque constitui um domínio acidentado, a sociologia da escola põe em evidência a diversidade e a especificidade dos conjuntos teóricos que tentamos trazer à luz. Ela permite também situar essas teorias, suas ordens de sucessão, e mostrar como elas podem, às vezes, se combinar. Nas linhas que se seguem, evocaremos particularmente a sociologia francesa da escola. A partir do quadro teórico proposto é possível destacar quatro definições sociológicas da escola além das representações mais comuns.

1. A escola é uma instituição

Esta definição da escola corresponde ao modelo 1 e pode ser plenamente ilustrada pela concepção durkheimiana da educação. Em larga medida a escola preenche as funções próprias da socialização religiosa nas sociedades tradicionais. Ela socializa os atores com valores laicos e universais das sociedades modernas. Sempre levando em conta a especificidade das posições sociais, ela forma indivíduos tanto mais autônomos quanto mais fundados na coletividade e na Razão moderna são os valores que comandam a educação. Não há contradição entre a autonomia do ator e a integração social; mais ainda, quanto mais socializado é o indivíduo, mais ele é senhor de si mesmo. Esse modelo se apresenta como uma "paidéia funcionalista", associando a adaptação do indivíduo à plenitude de sua humanidade. A cultura escolar não é uma cultura de classe, é uma cultura nacional moderna, isto é, uma cultura ao mesmo tempo específica e universal, o que muitos hoje chamam uma cultura "republicana", porque ela forma franceses e cidadãos capazes de exercer seus próprios julgamentos.

O percurso mesmo da socialização escolar repousa sobre uma homologia profunda entre a filogênese e a ontogênese (Durkheim, 1922; 1925; Dewey, 1990). No momento em que a criança, como o "primitivo", é plenamente social, e está como que "hipnotizada" pelo mestre, a escola a conduz pouco a pouco para um mundo mais complexo e mais abstrato. A obediência "natural" e o realismo moral descritos por Piaget são substituídos por uma imagem mais distributiva da justiça e da reciprocidade das relações humanas. O grupo dos pares sucede o laço de autoridade e o ator torna-se um indivíduo à medida que se domina a si mesmo, muito mais do que obedece aos mestres e ao controle do grupo de seus pares27 27 Lembremos que Parsons (1959) retomou este tipo de raciocínio apresentando a classe como um sistema social. . Os exercícios escolares devem permitir a crítica. Ao mesmo tempo que a escola cria indivíduos e cidadãos, ela assegura a integração de uma sociedade nacional moderna em um momento no qual a religião já não está mais em condições de cumprir este papel. Mas sabemos a que ponto Durkheim apontou para as afinidades entre as duas instituições, sobretudo destacando a dimensão "sagrada" da função do instrutor. O caráter "encantado" desta concepção da educação não é, evidentemente, ingênuo, mas deposita uma grande confiança na educação como modo de formação dos indivíduos e como chave da integração social. Principalmente para Durkheim, implica também uma antropologia pessimista já que a anomia coletiva e o instinto de morte individual são apenas duas faces do mesmo vazio social. Assim, "quando nossa consciência fala, é a sociedade que fala em nós" ( Durkheim, 1925:76).

Além da confiança na modernidade aí implicada, essa concepção da escola não supõe apenas que a educação seja adaptada aos "costumes"; ela clama por uma harmonia entre a estrutura social e a formação escolar, uma forma de justiça que foi a do "elitismo republicano". A cultura escolar é "neutra" e universal e, por este viés, opera uma seleção dos melhores, cada um encontrando, a seu tempo, o lugar que lhe convém. Os talentos e as posições se harmonizam da mesma maneira que a subjetividade dos indivíduos e a objetividade das funções sociais são percebidas como duas faces da mesma realidade.

2. A escola é um aparelho

A sociologia da educação que se desenvolve na França a partir de Os herdeiros e de A reprodução, obras conjuntas de Bourdieu e Passeron, prolonga o modelo precedente, mas o desencanta, apresenta dele uma versão crítica. Ela o prolonga porque afirma a influência do social e, freqüentemente, a acentua. Mas a tonalidade crítica conduz a atribuir um poder ao sistema que não é mais definido em termos de integração social mas em termos de dominação sistêmica. Onde a idéia de instituição destacava a continuidade e a harmonia das personalidades e dos valores, a idéia de aparelho sugere que a influência das finalidades objetivas do sistema se impõe para além da consciência dos atores. A ilusão e a cegueira dos atores se inscrevem na distância entre o indivíduo e o sistema. Como diz Bourdieu em O sentido prático, Durkheim deve ser "revisitado" por Marx (Bourdieu, 1980).

A teoria da reprodução comanda a da socialização desde que o modelo de instituição é submetido a uma crítica cujos argumentos essenciais são conhecidos. O caráter universal e neutro da cultura escolar é recusado. A grande cultura escolar, por sua abstração e sua formalização, aparece como um "ardil" da dominação de classe. Se é necessário que os agentes acreditem em sua neutralidade é para melhor mascarar o papel dos códigos lingüísticos e dos pressupostos implícitos pedagógicos que estabelecem familiaridades e convivências entre as classes dirigentes e os códigos escolares (Bernstein, 1975). A educação é o ardil de uma dominação legitimada pela distância mesma da socialização e da objetividade do sistema de dominação. Os membros das classes populares aprendem a obedecer, os das classes dominantes aprendem a crer na legitimidade de seu poder; uns e outros são aprisionados em uma socialização cujo sentido real lhes escapa. Esta representação da escola, nuançada em Bourdieu e Passeron, adquiriu aspecto mais radical ainda em Althusser (1970) e seu alunos (Baudelot, Establet, 1971). A escola não forma nem indivíduos nem sujeitos, ela produz "sujeição".

A noção de aparelho emerge como o contra-modelo da noção de instituição no momento em que a massificação escolar enfraquece as ilusões da escola republicana. Quando a massificação escolar e a instalação progressiva do colégio único deveriam engendrar uma igualdade crescente de oportunidades, observou-se rapidamente que as desigualdades se mantinham ou que não se atenuavam de maneira sensível, e que as diversas relações com o estudo permaneciam fortemente marcadas, pela origem social dos alunos. A crítica da ideologia do dom desempenhava então um papel essencial: ela demonstrava a uma só vez a influência total da socialização, o peso das funções objetivas do aparelho escolar e aquele da ilusão, e até mesmo da alienação no próprio processo pedagógico. Mesmo se a noção de habitus afirma a unidade da objetividade e da subjetividade, permanecem visíveis, no aparelho escolar, as finalidades dos atores e as funções do sistema, e face a isso, a sociologia deve assumir uma atitude de denúncia.

Pode-se discutir essa interpretação da concepção de Bourdieu. Mas, de fato, ao afirmar que a ordem social é "aquela que reina nos cérebros", ao insistir sobre a harmonia estabelecida entre a objetividade e a subjetividade, Bourdieu parece se colocar no quadro geral de uma integração social, e não haveria nenhuma dificuldade em fundamentar esta leitura. Entretanto, ao mesmo tempo Bourdieu escolhe uma posição crítica na qual a cegueira do ator não é mais uma limitação de seu entendimento mas uma necessidade da dominação. A liberdade do ator aparece como uma ilusão em face das "leis" do sistema. Esta cegueira não é mais que a distância do ator ao sistema.

3. A escola múltipla

A idéia da escola múltipla se diferencia dos dois modelos precedentes. Mas ela permanece ligada ao tema da integração social, interpretando a socialização em termos de atividades dos indivíduos (modelo 3). É o que tentamos delimitar com a noção de experiência escolar. Porém, importa primeiramente admitir a diversidade e a autonomia das funções da escola. A idéia de instituição deve ser decomposta em várias funções analíticamente independentes: uma função de integração que procede do modelo "clássico" da socialização pela internalização; uma função de distribuição que leva a considerar a escola como um "mercado"; uma função de subjetivação ligada à relação particular que os indivíduos constróem com a cultura escolar (Dubet, Martuccelli, 1996). É porque essas diversas funções se autonomizam progressivamente que a socialização não pode mais ser vista em termos de aprendizado de papéis, mas em termos de construção de experiências. Dito de outra maneira, a unidade da socialização não está mais dada aos atores, mas deve ser construída por eles, o que implica que a socialização deve estar centrada sobre o distanciamento.

Mas essa concepção "fragmentada" da socialização não deve nos conduzir ao tema de um corte radical entre o ator e o sistema. Com efeito, cada uma das lógicas da experiência escolar remete a uma das funções objetivas da escola e depende de mecanismos de socialização autônomos e de processos de determinação específicos. Se os indivíduos constróem sua experiência e sua socialização de uma maneira autônoma e "livre", eles o fazem a partir de um material cultural e social que não lhes pertence. Assim, a integração social aparece como o produto do trabalho dos atores.

Essa representação da escola e da socialização renuncia a todo princípio de unidade, quer se trate dos valores, da dominação ou do mercado. Como os modelos 2 e 4, ela leva em conta as mutações da escola republicana na qual a massificação e a democratização introduziram os mecanismos do "mercado", e onde todos os alunos são confrontados às tensões mais vivas entre a cultura escolar de um lado, e as culturas escolares e juvenis, de outro. Estariam também neste modelo as análises nitidamente centradas na diversidade dos princípios sociais em trabalhos relativos às "economies de la grandeur", quando as normas de justiça aparecem como contraditórias e múltiplas, quando a integração social é mais o produto da atividade dos indivíduos do que dos valores "transcendentes" do sistema (Boltanski, Thévenot, 1991).

4. O mercado da educação

Três anos após A reprodução, Boudon (1973) fornece uma interpretação alternativa da desigualdade de oportunidades. Ainda que esta obra não pretenda propor uma teoria da escola e da educação, ela fornece uma visão construída sobre a dualidade das intenções dos atores e dos efeitos sistêmicos. Os equilíbrios do sistema não repousam sobre qualquer finalidade integrativa global mas são simplesmente o resultado dos efeitos agregados das escolhas dos atores; o sistema funciona como um mercado. Quanto à teoria da socialização implícita nesta análise, ela se coloca o mais longe possível do modelo clássico da formação dos indivíduos e repousa inteiramente sobre o postulado da racionalidade dos indivíduos que decidem e escolhem em função de sua percepção de seus interesses e dos recursos de sua situação. A psicologia abstrata do individualismo metodológico jamais se define como uma internalização do social, mas como uma capacidade própria de julgamento. De imediato, o ator é considerado como um indivíduo autônomo, muito mais que um agente que internalizou uma cultura e valores. É por esta razão que essa concepção latente da escola se situa no modelo 4 que nós propusemos, e se mantém distanciada dos modelos precedentes. No limite, essa representação da escola e mais genericamente, da sociedade, conduz menos a uma teoria da socialização que a uma sociologia cognitiva concebida como uma sociologia da construção da racionalidade individual, dentro de um quadro social definido como uma situação, e não como uma cultura internalizada. Quanto ao sistema, é um equilíbrio mais ou menos estável no qual a demanda supera a oferta; em todo caso, não é um sistema de integração mais ou menos funcional.

Ainda que se situem em uma orientação totalmente diferente, poderíamos encontrar a mesma dualidade em certos trabalhos de inspiração interacionista e etnometodológica. Como mostrou claramente Four-quin, a propósito da "nova sociologia da educação" britânica, a análise dos micromecanismos de socialização centrados sobre as capacidades de criação e de adaptação dos atores, sobretudo na classe, permanece descolada do funcionamento geral do sistema escolar (Fourquin, 1983). Dito de outro modo, à medida que destacam a autonomia e o distanciamento dos indivíduos, os processos de socialização podem permanecer simplesmente limitados a um nível microssociológico ou, ao contrário, participar de teorias mais gerais, notadamente aquelas da reprodução. Mas, no limite, o corte analítico entre os níveis micro e macro é, neste caso como no de Goffman, um dos traços essenciais desta concepção da socialização como individuação. Desse ponto de vista as teorias interacionistas podem se acomodar a diversas teorias da integração geral do sistema social. Não surpreende, portanto, que elas sejam mobilizadas nas quatro definições da escola que propusemos, e que essas mesmas teorias interacionistas não proponham nenhuma definição da escola.

***

À medida que as teorias da socialização são necessariamente teorias da conformidade e da ''clonagem" e teorias do indivíduo e de sua autonomia, elas oscilam, para além de suas características próprias, entre vários pólos que tentamos construir e distinguir. Para o primeiro conjunto, não poderia haver uma verdadeira contradição entre as duas dimensões; a internalização do social é também uma subjetivação, o que supõe, a rigor, uma grande confiança nos valores da modernidade. Sabemos que Durkheim, que melhor construiu esse modelo, não escondia alguma angústia e pessimismo. No segundo conjunto, a socialização se reduz à internalização do social, pois se as disposições adquiridas permitem adaptações e estratégias, a redução do sistema a mecanismos de dominação concebe a individualização como ilusão ou como uma questão de estilo. O terceiro pólo teórico é constituído de teorias que se esforçam em conciliar a individualização e o distanciamento com uma análise de processos sociais de integração; é recusada a separação entre o ator e o sistema. Enfim, o último pólo justapõe uma teoria autônoma do indivíduo a uma concepção também autônoma do sistema.

Este quadro não pretende dar conta de todas as teorias da socialização. Ele deixa sobretudo de lado as teorias de inspiração interacionista e fenomenológica. Evidentemente não se trata de um esquecimento e tampouco significa que essas teorias não tenham interesse. Mais simplesmente, essas teorias da socialização não se distinguem quanto ao lugar da socialização nos mecanismos de integração geral do sistema. É o que mostra a breve referência às teorias da escola que propusemos: a partir de seus postulados teóricos, elas descrevem a socialização mas não dizem nada da natureza social da escola.

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  • Schutz, A., Luckmann, T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires, Amorrortu, 1977.
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  • Weber, M. Économie et société. Paris, Plon, 1971.
  • Wrong, D. "The oversocialized conception of man in modern sociology". American Sociological Review, Xxvi, 2, 1961.
  • *
    "Theories de la socialisation et definitions sociologiques de l'ecole". Publicado originalmente na
    Revue Française de Sociologie. Tradução de Carlos Thadeu C. de Oliveira.
  • 1
    A tradução literal do termo original seria
    interiorização. Optamos por
    internalização devido a sua já consagrada utilização na Sociologia [N. do T.]
  • 2
    O qualificativo "pós-moderno" deve ser entendido aqui no sentido mais banal do termo, visando simplesmente a sublinhar a distância entre as teorias clássicas da modernidade e as teorias contemporâneas que nesse debate informam a crítica. Além disso, essa noção não possui, para nós, consistência própria.
  • 3
    Essa função é notadamente manifesta na grande síntese da sociologia clássica proposta por Parsons (1951), sob a forma de oposição entre quatro variáveis de configuração que retomam - e clarificam analíticamente - o essencial da dicotomia de Tönnies entre comunidade e sociedade.
  • 4
    Dois livros, de sensibilidade muito diferenciada, se debruçaram sobre essa dimensão das teorias sociológicas ou modernas (Berman, 1982; Stauth, Turner, 1988).
  • 5
    Em Marx, e apesar do lugar relativamente secundário que essa preocupação ocupa em sua obra, o indivíduo comunitário pertence a uma formação social pré-capitalista e está caracterizado por uma espécie de não-dissociação, até mesmo uma completude não desprovida de romantismo, ao ponto de emergir, por vezes, e apesar do fascínio de Marx pela modernidade, como uma espécie de figura ideal da individualidade.
  • 6
    Para esta visão clássica da modernidade, ver Durkheim, 1986; Weber, 1971.
  • 7
    No original, rôle [N. do T.]
  • 8
    Nesse sentido preciso é necessário distinguir a concepção do indivíduo proposta pelo pensamento liberal - que se liga, por razões no mínimo cronológicas a esta concepção - da representação sociológica contemporânea do sujeito.
  • 9
    Para esta visão da modernidade, ver Simmel, 1988; Touraine, 1992.
  • 10
    Para Luhmann esta passagem é testemunha da transformação da semântica do indivíduo, seguida da passagem da diferenciação estratificada à diferenciação funcional. A concepção do indivíduo passa então da problemática da "inclusão" indivíduo-sociedade à problemática da "exclusão". Devido à diferenciação social, o indivíduo não pertence mais a nenhum domínio social específico mas é definido, antes de mais nada, pela exclusão de cada um deles. O indivíduo torna-se um sujeito auto-referencial (Luhmann, 1995).
  • 11
    O interesse crescente pela obra de Mead pode ser interpretado neste contexto. Com efeito, sua importância maior para esta família de sociólogos não provém do fato de esses terem se convertido à sua explicação psicossocial da gênese do indivíduo, mas de terem encontrado em sua obra, não sem alguma obscuridade, uma linguagem alternativa que prefigura muitas das suas preocupações atuais.
  • 12
    Isso não impede de encontrar esse tipo de tensão no seio da obra de certos autores. Na França, é sobretudo o caso da obra de Foucault, na qual é possível constatar a passagem de uma concepção do indivíduo como resultado dos constrangimentos externos internalizados, até mesmo como o produto de uma série de técnicas ortopédicas da alma (a sujeição) em direção a uma concepção de um indivíduo mais autônomo, ou antes definido por uma estética da existência. Ora, à medida que essa evolução se dá na contracorrente do estado da diferenciação social, essas representações tornam-se formas históricas eternamente concorrentes. Para essa evolução, ver Dreyfus e Rabinow (1984).
  • 13
    Como por exemplo está manifesto na evolução da obra de Sartre. Cf. Sartre, 1943; 1960.
  • 14
    Entretanto, a interpretação das fontes morais do sujeito em Taylor (1989), desde a internalização agostiniana até a radicalização subjetivista contemporânea, e que faz do sujeito moderno um verdadeiro palimpsesto [pergaminho manuscrito do qual a primeira escritura foi raspada com o fim de receber novo texto - N. do T.], pode efetivamente alimentar a reflexão mútua. Cf. Descombes, 1996.
  • 15
    Foi entre os autores pós-modernos que esta representação mais se desenvolveu (Martuccel-li, 1992).
  • 16
    Para esta visão da modernidade, ver Giddens, 1991.
  • 17
    No sentido de deslocada do centro [N. do T.].
  • 18
    É atualmente a orientação encarnada na França por Boudon, que construiu o programa de uma sociologia cognitiva das "boas razões" do agir e do acreditar (Cf. Boudon, 1986; 1990; 1995).
  • 19
    No conjunto desses trabalhos a ênfase recai sobre a dimensão cognitiva (a ligação entre o sentido subjetivo e as condições objetivas), e mesmo a intemalização das normas é concebida por uma perspectiva cognitiva.
  • 20
    Este dilema está presente de uma maneira crítica sobretudo entre as feministas. Entretanto, e mesmo se a carga crítica é a mesma, podemos destacar as duas representações diferentes do ator social. De um lado, é possível observar uma concepção "patriarcal" - que no fundo mobiliza uma representação moderna do indivíduo já que a mulher é definida pela intemalização dos valores dominantes - e, de outro, uma concepção que insiste sobre a forte distância estabelecida entre a experiência feminina e sua situação social - a mulher seria forçada a se ver com os olhos do Outro, o homem, estabelecendo-se então um rompimento entre o íntimo vivido e os tipos sociais.
  • 21
    É sobretudo esta a proposta de Habermas, para quem o descentramento das imagens do mundo e o desencantamento exigem, afim de coordenar as ações, a liberação dos princípios endógenos de validade dos discursos e práticas. A argumentação e seus prolongamentos institucionais tornam-se o mecanismo maior de coordenação das ações, o que Habermas chama a "racionalização do mundo vivido". Todo desvio desta situação normativa ideal é julgado por Habermas como a patologia própria da modernidade.
  • 22
    Como tema de "desvio" em Parsons (1951), ou quando a crise de motivação é percebida como uma das maiores crises do capitalismo, em Habermas (1978).
  • 23
    A parte a produção soviética do período, o tema está presente na obra de certos marxistas influenciados pela fenomenología, na descendência dos trabalhos gramscianos sobre a hegemonia ou ainda nos estudos de inspiração marxista que tratam da escola. Entre esses últimos, vários defenderam uma concepção, e implicitamente, um papel da socialização que os aproxima muito da posição precedente. Cf. Althusser, 1970; Baudelot, Establet, 1971; Bowles, Gintis, 1976.
  • 24
    Não nos esqueçamos que na tradição marxista a noção de "socialização" faz referência, antes de mais nada, à coletivização dos meios de produção.
  • 25
    Para uma apresentação exaustiva da ligação "micro-macro", ver Ritzer, 1993 (capítulo 10); Alexander, 1988.
  • 26
    O mesmo juízo poderia ser feito das diversas leituras de Simmel.
  • 27
    Lembremos que Parsons (1959) retomou este tipo de raciocínio apresentando a classe como um sistema social.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 1997
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