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Construção constitucional e teorias da democracia

Forms of constitution making and theories of democracy

Resumos

Com base numa tipologia de formas de construção constitucional e com ênfase nos processos de constitucionalização chega-se a um conjunto de princípios básicos para vincular a construção constitucional às exigências da democracia. A análise concentra-se simultaneamente na reconstrução de casos históricos e no exame crítico das teorias relevantes. Especial atenção é dada às reivindicações do modelo norte-americano como exemplar. Os processos em andamento de mudança constitucional na Europa do Leste também são discutidos.


On the basis of a typology of forms of constitution making and with emphasis on the constitutionalization process a set of basic principles for linking constitution making with the demands of democracy is put forward. The analysis deals both with the reconstruction of historical cases and with the critical examination of relevant theories. Special attention is given to the claims concerning the exemplary character of the American model. The ongoing processes of constitutional change in Eastern Europe are also discussed.


CONSTITUIÇÃO

Construção constitucional e teorias da democracia* * "Forms of constitution making and theories of democracy". Cardozo Law Review, vol. 17, 1995, 2. Tradução de Clarice Cohn.

Forms of constitution making and theories of democracy

Andrew Arato

Professor da Sociologia na New School of Social Rescarch, New York

RESUMO

Com base numa tipologia de formas de construção constitucional e com ênfase nos processos de constitucionalização chega-se a um conjunto de princípios básicos para vincular a construção constitucional às exigências da democracia. A análise concentra-se simultaneamente na reconstrução de casos históricos e no exame crítico das teorias relevantes. Especial atenção é dada às reivindicações do modelo norte-americano como exemplar. Os processos em andamento de mudança constitucional na Europa do Leste também são discutidos.

ABSTRACT

On the basis of a typology of forms of constitution making and with emphasis on the constitutionalization process a set of basic principles for linking constitution making with the demands of democracy is put forward. The analysis deals both with the reconstruction of historical cases and with the critical examination of relevant theories. Special attention is given to the claims concerning the exemplary character of the American model. The ongoing processes of constitutional change in Eastern Europe are also discussed.

Há ainda aqueles que acreditam que construção constitucional é uma tarefa que se encontra inteiramente no domínio dos juristas. É verdade que todos os textos constitucionais dos tempos modernos foram elaborados por juristas. Por trás destes textos, no entanto, estão os atores políticos e as forças mais importantes de uma dada sociedade, levando alguns intérpretes à concepção de que fazer uma Constituição representa o trabalho do político no sentido estrito, e do pouvoir constituant1 1 Carl Schmitt, Verfassungslehre (1928). . Por essa concepção, aquele, qualquer que seja, que tem o "poder constituinte", ou age em seu nome, controla os juristas. Mas importa realmente o método pelo qual se faz uma Constituição? Em ambos os casos, o método ele mesmo pode ser considerado epifenômeno — uma fachada formalista, seja para a atividade dos especialistas, seja para a auto-expressão de um poder soberano ilimitado2 2 Schmitt não se preocupa com a forma; todas as formas são problemáticas. Importa apenas o "quem", o pouvoir constituant — não o como, e nem mesmo o agente específico do pouvoir constituant. .

Porém, do ponto de vista da teoria democrática, o tipo de processo que estabelece as regras do jogo da democracia política não pode ser tido como irrelevante. Dados os compromissos com preocupações não-democráticas envolvidas na política "normal", nas democracias liberais, é especialmente importante que o processo constituinte seja ele mesmo democrático num sentido relativamente forte. No entanto, já que qualquer democracia só pode ser concebida de acordo com regras e rumos específicos, cai-se facilmente no problema da circularidade quando se exige que constituições sejam feitas democraticamente. Alguns intérpretes chegaram a enfatizar a importância de um elemento fático irredutível que repousaria na base da validade de nossas normas constitucionais3 3 Veja-se em particular os positivistas legais Austin, Kelsen e Hart. Cf, por exemplo, H.L.A. Hart, The Concept of Law (1961). , enquanto muitos outros insistiram em um momento inevitável de violência quando da fundação constitucional4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). .

Evidentemente, procedimentos não-democráticos de realização de uma Constituição não se justificam hoje. A figura antiquada do legislador, o arquiteto não-participante de constituições, não pode ser revivida de modo plausível. Simultaneamente, porém, parece não haver como eliminar logicamente um elemento não-democrático anterior aos procedimentos democráticos que produzem uma Constituição democrática. Consideremos um exemplo instrutivo: a formação da Quarta República francesa.

No verão de 1945, seis meses depois da Libertação, o governo provisório francês convocou a primeira eleição para uma assembléia nacional. Nesse momento, o governo apresentou em um referendo duas questões à população. A primeira, se a nova assembléia deveria ser uma Assembléia Constituinte, para um período de no máximo seis meses, apenas enquanto durasse a redação da Constituição. E a segunda, caso a resposta fosse afirmativa, se o novo governo deveria ser provisório, com duração limitada à redação da Constituição. De fato, seguiram-se respostas afirmativas, o que levou à anulação da já interrompida Terceira República e de sua Constituição de 1875. A assembléia eleita, junto ao referendo, tornou-se portanto constituinte, de fato produzindo uma Constituição em abril de 1946. De acordo com a norma de procedimento de ratificação elaborada por essa assembléia, a proposta constitucional foi submetida à população para aprovação na forma de um segundo referendo popular — e foi rejeitada. Subseqüentemente, foi eleita uma segunda Assembléia Constituinte. Essa segunda Assembléia teve sucesso na elaboração de uma Constituição, com pequenas diferenças em relação à primeira, que foi por fim aprovada em outubro de 1946 em um referendo nacional. Assim, nascia a Quarta República.

Embora seja difícil imaginar um processo constituinte de procedimentos mais democráticos5 5 Cf. Jean Foyer, "The Drafting of the French Revolution of 1958". in Robert A. Goldwin & Art Kaufman (org) Constitution Makers on Constitution Making, 1988 (a seguir, citado como Constitution Making); David Thompson, Democracy in France since 187O.( 5ª ed,. 1969), pp.232-37. , um aspecto central desse processo não foi produzido democraticamente: a lei eleitoral utilizada para a eleição de ambas as assembléias. Esta lei, implementada pelo governo provisório, originário da guerra e da resistência, efetivou, pela primeira vez na história da França, o voto proporcional. Portanto, poder-se-ia argumentar que essa escolha já implicava uma pluralidade de partidos que só poderia produzir uma Constituição para um governo de coalizão, dependente de uma pluralidade de partidos, criando-se necessariamente um poder executivo fraco6 6 Cf. Foyer, acima nota 5.; Michel Debré, "The Constitution of 1958: Its Raison d'Etre and how it Evolved", in William G. Andrews & Stanley Hoffman (org) The Impacto of the Fifth Republic in France (1981). O argumento de Debré de que de Gaulle convocou uma assembléia constituinte é tecnicamente incorreto. Seu argumento de que, na França, o sistema eleitoral toral proporcional produziu uma pluralidade de partidos não é confirmado pela história dá Terceira República. Debré acusa ainda a Terceira República de representar um governo de assembléia e de partido, a despeito de seu sistema eleitoral em dois turnos. A referência feita por Debré a essa norma eleitoral é de difícil compreensão, especialmente dada a habilidade deste sistema na produção de maiorias coesas na Quinta República. Evidentemente, a variável que falta é o sistema presidencial. Porém, não há norma eleitoral que tivesse produzido este sistema em 1945. Foi necessária a construção constitucional presidencial para produzi-lo em 1958. De acordo com Debré, foi por "respeito à democracia" que de Gaulle, equivocadamente, não apresentou seu próprio texto constitucional em 1945, momento em que "parecia onipotente". . No entanto, esse argumento não pode ser provado — já que a Terceira República, com outra lei eleitoral, produziu também uma pluralidade, de partidos — assim como, obviamente, não pode ser negado7 7 Um sistema eleitoral majoritário e em dois turnos, como aquele empregado na formação das Terceira e Quinta Repúblicas, pode produzir maior desproporcionalidade que um sistema, plural, se um partido receber uma grande parcela de votos no primeiro turno.Porém, o mesmo sistema pode não reduzir o número de partidos de modo tão eficiente como um plural.:Em, um sistema plural, apenas os partidos capazes de ser os primeiros em distritos membros unitários sobrevivem. Em uma sociedade relativamente homogênea pode haver poucos partidos. Por isso a tendência por eleições pluralitárias na formação de sistemas bipartidários. Em uma sitema eleitoral em dois turnos, sobrevivem os partidos que são capazes de formar coalizões potencialmente bem suceddidas para o segundo turno. Isso significa que partidos que não detêm a liderança — ou mesmo que estão em segundo lugar em um distrito — podem sobreviver e mesmo atuar em um papel importante. De acordo com essa linha de raciocínio, a representação proporcional não criou a estrutura multipartidária da Quarta República, mas apenas permitiu sua sobrevivência nos tempos da Terceira República. Somente a introdução da votação pluralitária de tipo inglês (aparentemente desejada por um círculo de juristas ao redor de de Gaulle e Michel Debré) poderia ter reduzido o número de partidos. . Enquanto) Charles de Gaulle, encabeçando o governo provisório, originalmente aceitou o sistema proporcional de votação, seus seguidores jamais se cansaram de insinuar que o processo estava dominado por algo próximo de uma conspiração da esquerda, ou dos "partidos"8 8 Debré, supra nota 6. . Portanto, apesar de seu caráter aparentemente ultra-democrático, a fundação da Quarta República, permaneceu contestada, especialmente à luz da alta taxa de abstenção no referendo final. Dada a regra de referendo em uso, a taxa de abstenção não deveria ter tido importância; no entanto, ela aparentemente teve. Ao final, a dimensão supostamente não-democrática da Quarta República veio a ser mais lembrada que as sofridas tentativas de criação de legitimidade de um novo começo mediante um procedimento puramente democrático9 9 Wiktor Osiatinsky aborda a relevância especial da representação proporcional na eleição de uma assembléia constituinte. Voltarei a isso quando discutir a questão do princípio do consenso. .

TIPOS HISTÓRICOS

Profundamente consciente da profundidade do problema do "início", Hannah Arendt pensou que, com todas as suas "perplexidades" (as quais ela explorou brilhantemente), ele poderia ser resolvido10 10 Arendt, acima nota 4. . Ela procurou por "um início contendo seu próprio princípio", e, nessa busca, nunca considerou irrelevante o método de formulação da Constituição. Ela distingue três desses métodos, de acordo com a fonte das constituições. Constituições, do ponto de vista de Arendt, podem ser produtos de um processo longo de evolução orgânica, de atos de um governo já estabelecido, ou criadas por assembléias revolucionárias no processo de formação de um governo11 11 Thompson, acima nota 5, pg. 144. . Deveríamos adicionar a essa lista o fato de que atos de governo podem ser atribuídos a legislativos, executivos, ou judiciários.

Ademais, as assembléias que Arendt considera "revolucionárias" podem tomar uma de duas formas. A primeira, conhecida como uma convenção, tem como único atributo a redação da Constituição, enquanto outras assembléias lidam com afazeres políticos diários. O segundo tipo de assembléia é um órgão extraordinário que, enquanto redige uma Constituição, exercita a plenitude de todos os poderes políticos. Em qualquer dos casos, a forma legal revolucionária pode ser usada, de fato, em contextos políticos não-revolucionários12 12 Para os diversos níveis do conceito de revolução — sistêmico, fenomenológico, hermenêutico e legal — veja Andrew Arato, "Revolution, Restoration, and Legitimation", in Michael D. Kennedy (org) Envisioning Eastern Europe (1984). . Enfocando apenas a forma legal, temos portanto seis tipos puros de construção constitucional, sem se ater à possibilidade — de fato a probabilidade — de combinações.

No entanto, essa lista pode ser mais reduzida. Se, em teoria, constituições podem realmente ser criadas pelo Judiciário, é improvável que esse método exista em isolamento. Algo deve ser feito por outros mecanismos políticos, talvez mitológicos, antes que juizes possam interpretar e, através da interpretação, criar. Em alguns contextos reais, como os Estados Unidos, os juizes são atores principais na formação constitucional, em grande parte em razão das tradições do direito não estatutário, de leis feitas por juizes. Portanto, falamos aqui de um modelo misto que incorpora uma avaliação de longo prazo. Nesse sentido, qualquer processo bem sucedido de construção constitucional será uma mistura de no mínimo dois métodos, porque, independente de como constituições foram originalmente produzidas, elas são moldadas — seja por interpretação jurídica, por processos de revisão constitucional, ou ambos — por razões lógicas e históricas inevitáveis (isso se a Constituição tiver sorte suficiente para sobreviver). Como me preocupo, para os propósitos dessa artigo, apenas com a formulação original das constituições, este ponto importante, que concerne à natureza mista da construção constitucional, será deixado de lado. Assim também, a idéia de construção constitucional pelo Judiciário não será considerada. Portanto, os seis tipos puros de origens constitucionais podem, de modo seguro, ser reduzidos a cinco.

Arendt não ofereceu exemplos para ilustrar suficientemente seus três tipos de construção constitucional. É difícil saber com precisão o que ela tinha em mente quando descreveu as constituições pós-Primeira e Segunda Guerras Mundiais como atos de governos já constituídos. Certamente, a formação da República de Weimar13 13 Cf. Hajo Holborn, A History of Modem Germany: 1840-1945 (1969). e da Quarta República, às quais ela faz referências oblíquas como "sistemas", não podem ser entendidos pelo ponto de vista legal, na visão de seus oponentes, como atos de governos já estabelecidos. A Lei Fundamental Alemã (Grundgesetz), na qual, muito provavelmente, Arendt estava pensando14 14 Esse é o tópico da única referência de Arendt nesse contexto a Verfassungrescht und Verfassungrealität de Karl Loewenstein. , foi, em certo sentido, o produto de governos locais já estabelecidos. Esses governos tinham já constituições e elegeram órgãos políticos que sobreviveram inteiramente à formação do novo Estado federal.

Mas esse era também o caso da elaboração da Constituição norte-americana em 1787, que Arendt elogia especificamente por ter como origem não um estado de natureza jurídica mas "pequenas repúblicas" já constituídas. De fato, tanto a Constituição americana como a Grundgesetz foram, do ponto de vista legal, produzidas não por essas próprias legislaturas, através do mandato imperativo de delegados (a exemplo de um tratado como os Artigos da Confederação, ratificados em 1781), mas por representantes de legislaturas estaduais reunidas em um órgão criado apenas para esse propósito. Em ambos os casos, formaram um governo inteiramente novo.

Portanto, ambos contiveram um elemento de participação de legislaturas estabelecidas no ato de constituir um governo. Porém, o órgão constituinte, em cada caso, e apesar da diferença da terminologia (Convenção Constitucional versus Conselho Parlamentar), foi reunido para um propósito único, coexistindo com legislaturas locais estabelecidas, as quais detinham todas as funções legislativas restantes. Embora os líderes das unidades federativas alemãs tenham rejeitado explicitamente o modelo de convocação de uma assembléia constituinte, na realidade foi o modelo da revolução francesa (praticado durante a elaboração da Constituição de Weimar) que eles rejeitaram, e não o modelo da fundação americana. No entanto, os processos de participação pública, tão importante para Arendt, foram, de fato, muito diversos nos casos da Convenção de Filadélfia e do Conselho Parlamentar. Ademais, mesmo os métodos de ratificação americanos foram diferentes. Contrastando com o modelo alemão, convenções estatais especialmente eleitas, e não legislaturas estatais regulares, tiveram a tarefa de ratificação. Em termos políticos, um processo foi o resultado final de uma dinâmica revolucionária, enquanto o outro foi uma função direta de uma derrota militar e da ocupação.

Finalmente, Arendt está certa em reenfatizar a afirmação de Loewenstein de que os formuladores do Grundgesetz exibiram uma "profunda descrença do povo". Porém, mesmo essas circunstâncias especiais não permitem que o Grundgesetz, representando a ordem legal de um Estado que teve sua origem como o produto de um órgão especialmente eleito e sem existência anterior ou posterior à sua atividade constituinte — portanto, um órgão que de fato teve uma dinâmica independente — seja descrito sumariamente como um ato de governo15 15 O papel dos Aliados ocidentais pode ser desconsiderado com segurança nesse contexto. Os Aliados desejavam uma assembléia constituinte e um referendo público, mas falharam em realizá-los. Desejavam estabelecer o Federalismo, mas as unidades federativas (os Länder) alemães desejavam, eles mesmos, esse mesmo sistema, de modo que os mesmos tipos específicos de relações centrais e federais poderiam ter sido desenvolvidos pelos participantes alemães. Portanto, parece ser correta a conclusão de Peter Merkl de que "a influência dos Aliados foi mais ostentatória que real", mesmo que não se deva negligenciar a reação pública negativa a seu comportamento. Peter H. Merkl, The Origin of the West German Republic (1963). .

Se queremos um exemplo de construção constitucional como um ato de governo, a formação da Quinta República francesa nos servirá melhor. Aqui de fato um governo, e especificamente seu braço executivo através do ministro da Justiça, produziu uma Constituição sob sua medida. Certamente, a continuidade legal foi mantida, com o Parlamento votando (sob a grande pressão política do momento) para ceder inteiramente ao Executivo seu papel de revisão constitucional, e os membros do Legislativo sendo rebaixados a um papel meramente consultivo16 16 Veja-se Thompson, acima nota 5, pg. 265, cuja descrição negativa e sumária é mais ou menos confirmada pelos detalhes apresentados por Foyer, supra nota 6, pp. 15-17, quem aparentemente acredita que, porque a norma exclusivamente parlamentar da revisão constitucional da Quarta República frustrou uma mudança constitucional genuína, não haveria outro mecanismo de construção constitucional que não desconsiderasse, mais ou menos, o Parlamento como um todo. No entanto, o fato de que o Parlamento votou por uma norma de revisão que elimina seu própria atuação, ou a reduz para uma que seja meramente consultora, indica que não era impossível, ao menos naquele momento histórico, um processo de revisão estrutural do resto das normas constitucionais que incluísse o Parlamento. Poder-se-ia imaginar um procedimento que daria ao presidente um papel importante, embora não totalmente dominante. Já que o Parlamento votou pelo último tipo de norma de revisão, ele poderia ter votado também pelo primeiro. . Poderia esse voto ser outra coisa que não uma resposta implícita à ameaça da força? É possível que, sob as condições da crise existente, muitos dos legisladores não tenham querido ficar em uma posição na qual bloqueariam o acesso à única solução perceptível. Qualquer que seja o caso, o processo de formação da Quinta República foi conduzida pela ameaça da força. Dificilmente esse processo poderia ser mais diverso do que o modelo clássico da assembléia constituinte da formação da Quarta República, outra referência possível, mas (como já indicado) implausível da "construção constitucional governamental" de Arendt.

Pode-se conceder, é claro, que construção constitucional através de um Parlamento regular é também um ato de governo, especialmente quando uma posição dominante do Executivo reduz a assembléia a seu instrumento. No entanto, um Parlamento é uma instância democraticamente eleita e, em condições contemporâneas, muito mais aberto a escrutínio democrático que o Executivo. Assim, faz algum sentido que se mantenha separadas as duas formas de construção constitucional — parlamentar e executiva. Isso é verdade especialmente porque, como será mostrado, a segunda, diferentemente da primeira, é um terreno mais provável para construção constitucional sob princípios normativos exigentes.

MODELOS

Com essas considerações em mente, os cinco tipos de construção constitucional podem ser ilustrados, ao menos de um modo preliminar, enfocando-se os diferentes mecanismos utilizados para a produção de constituições no mundo moderno. Exemplos dos vários mecanismos são os seguintes:

1. Convenção constitucional: a Convenção de Massachusetts, 1780; a Convenção da Filadélfia, 1787; e, em termos puramente formais, o Conselho Parlamentar alemão, 194817 17 Note-se que a Rússia falhou em estabelecer uma constituição usando esse mecanismo no verão de 1993, após o colapso da União Soviética. .

2. Assembléia constituinte soberana: a Convenção da Pensilvania, 1776; a Assembléia Constituinte francesa, 1789-1791; a Convenção Nacional francesa, 1793-1795; a Assembléia de Weimar, 1918; as Assembléias Constituintes francesas, 1945; Bulgaria e Romênia, 1990.

3. Legislatura normal: nove legislaturas estaduais americanas, 1776-1777; o Parlamento espanhol ("constituinte") de 1977; as repúblicas Tcheca e Eslovaca, 199218 18 Atualmente, tanto na Polônia como na África do Sul, casas de suas legislaturas normais sentam, ou ao menos votam, juntos, como uma "assembléia constituinte". .

4. Executivo: os governos de Napoleão Bonaparte em 1799, 1802 e 180419 19 A famosa frase "je suis le pouvoir constituam" foi, aparentemente, alterada. Cf. R. R. Palmer, The Age of Democratic Revolution, 1760-1800 (1959) pg. 214. ; o ministro da Justiça francês, 1958; o governo de Boris Yeltsin, outono de 1993; o governo de Menem na Argentina, 1994.

5. Processo evolutivo: as constituições do Reino Unido, da Nova Zelândia e de Israel; as constituições de Connecticut e Rhode Island no século XIX.

Como qualquer tipologia esses cinco tipos de construção constitucional indubitavelmente trazem problemas de fronteiras20 20 Para a diferenciação dos quatro tipos de processos constituintes entre os estados durante o período da Revolução Americana, veja a fina análise de R. R. Palmer, op. cit. pp. 217-228. Para um melhor exame desse ponto, veja-se o adendo a, no final deste artigo. . Como podemos interpretar constituições como aquela produzida na Argentina em 1994, em que (como é tradicionalmente o caso em muitos países latino-americanos) foram respeitadas as formalidades do modelo americano, mas as formas foram meramente uma cobertura para construção constitucional governamental — de fato presidencial —, o que não passou desapercebido por ninguém na Argentina21 21 No que se refere a esse ponto, baseio-me na descrição de minha aluna Fiorenza Möring, assim como em conversas com meu outro aluno, Carlos Enrique Peruzotti. ? Formas, embora não geralmente vazias, ocasionalmente ficam reduzidas a meras conchas, apenas aludindo à constitucionalidade. Em casos assim, como o da Argentina, o qual só é plenamente compreensível em um contexto em que há pouca constitucionalidade, eu enfatizaria o processo político real, deixando de lado as formas um tanto vazias.

Os primeiros três processos de construção constitucional pressupõem a autonomia dos três tipos de assembléia. No entanto, o foco apenas nesses órgãos levanta questões sobre as fronteiras. Por que teriam sido as duas assembléias francesas de 1945 mais extraordinárias — ou menos "normais" — que o Parlamento espanhol de 1977? Na realidade, algumas pessoas se referem informalmente (e eu acredito que de modo incorreto) ao órgão que fez a Constituição espanhola como "assembléia constituinte". Seria essa uma questão meramente de nomenclatura? Tanto em 1945 quanto em 1977, afinal, o tema era a transição constitucional, política e legal, da ditadura à democracia. Essa questão importante pode ser respondida, acredito, apesar do fato de os historiadores não se referirem a nenhum desses processos como sendo uma revolução.

As assembléias francesas se tornaram constituintes com base explícita em um referendo que decretou o fim da Terceira República e estabilizou (ou, na realidade, legalizou) um governo provisório — provisório exatamente porque atuou em uma situação em que a antiga Constituição não mais existia e a substituta não existia ainda. Cada uma dessas assembléias constituintes unicamerais clássicas foram incubidas de produzir uma Constituição em um prazo limitado (seis ou sete meses), e deveriam permanecer em sessão apenas enquanto completavam a votação em um texto constitucional, e até um referendo que aprovasse o texto constitucional.

Na Espanha, a legislatura bicameral nova de 1977 foi eleita de modo inteiramente legal, com base em uma Lei para Reforma Política. Passou pelas últimas Cortes, foi confirmada em um referendo popular em 1976, e reunida por um período legislativo normal cuja duração ultrapassou o período de elaboração da Constituição. Além disso, os atores estavam eles mesmos cientes da distinção entre o que consideravam o percurso europeu tradicional de construção constitucional, que envolve um assembléia constituinte soberana, e o método que vieram a adotar — depois de sérios desentendimentos. A opção por uma "ruptura" legal criou um governo provisório pelo período de construção constitucional, embora os requerimentos da oposição democrática (similar à "esquerda" em outros contextos, como por exemplo na Alemanha Ocidental em 1948 e na África do Sul em 1992) tenham sido, por fim, explicitamente rejeitados. Assim como o foi a idéia de que a assembléia deveria se dissolver, junto com a convocação de novas eleições, quando se encerrasse o trabalho constituinte22 22 Cf. Francisco R. Llorente, The Writing of the Constitution in Spain, in Constitution Makers, pg. 239 (ao lado do comentário por José P. Pérez-Llorca); cf. também Andrea Bonime-Blanc, Spain's Transition to Democracy: the Politics of Constitution-making (1987). .

Na França, as assembléias produziram constituições para um futuro em que elas (assim como os poderes operativos correntes) não mais existiriam, e no qual seriam substituídas por órgãos diversamente constituídos e recentemente eleitos. Na Espanha, o Parlamento produzia uma Constituição sob a qual ele e a monarquia existente iriam continuar a atuar23 23 No entanto, não me referiria a esse Parlamento como pré-democrático, já que ele foi evidentemente eleito sob uma constituição de transição (ou lei orgânica) que já era democrática. Bonime-Blanc, acima nota 22, pg. 35. É claro que algumas instituições podem sobreviver mesmo em meio a rupturas constitucionais. Na França de 1791, a monarquia persistiu durante todo o processo constituinte, caso análogo ao das legislaturas estaduais sob a Constituição americana. Porém, nesses dois casos, bastante distintos entre si, o órgão constituinte foi dissolvido após o sucesso de sua empreitada. . Concluindo, não apenas a prática mas também a teoria desses dois processos constituintes foram diferentes. Enquanto as assembléias francesas de 1945 operaram com a teoria sieyèsiana clássica do poder constituinte, os criadores constitucionais espanhóis concordaram explicitamente em abandonar o modelo em favor de um método de continuidade legal.

Atualmente, em algumas das democracias em recente formação, todas essas opções estão, em princípio, abertas. Na Hungria, por exemplo, houve em 1989 convocações (mal sucedidas) para a eleição de uma assembléia nacional constitucional — embora não estivesse claro se essa assembléia deveria coexistir com o Parlamento comunista, ou se deveria operar como uma assembléia constituinte européia tradicional. Provavelmente, a discussão jamais tenha chegado a ponto de levantar essa questão importante. Esse Parlamento de 1990, o primeiro a ser eleito em eleições livres, poderia ter sido — mas não foi — eleito como uma assembléia constituinte soberana (como na Bulgária e na Romênia). A nova Constituição foi elaborada por uma pluralidade de mecanismos numa variedade de lugares: a Mesa-Redonda Nacional de 1989; o último Parlamento comunista; os dois partidos majoritários do primeiro Parlamento eleito em votação livre, atuando através desse órgão; a nova Corte Constitucional; e o segundo Parlamento eleito livremente. Até o presente momento, todos têm sido atores constituintes principais. Se a construção constitucional persistir seguindo o mesmo padrão, esse processo pode produzir uma Constituição por evolução de longo termo, tendo a Corte Constitucional como principal protagonista. Alguns defendem fortemente essa opção. Outros acreditam que uma Constituição inteiramente nova deve ser redigida e aprovada democraticamente em um período de tempo curto e definido (aproximadamente o mandato do Parlamento corrente), tendo o Parlamento ou, mais questionavelmente, o ministério da Justiça atuando no papel principal.

TEORIA DEMOCRÁTICA E MODELOS

Poderia a teoria (ou as teorias) democrática nos auxiliar nessas escolhas, onde quer que elas surjam? Em outras palavras, a questão que se coloca é se as cinco opções de construção constitucional podem ser arranjadas segundo o critério das diferentes teorias democráticas. Cada uma das teorias que seguem tem conseqüências significativamente diversas para a avaliação de diferentes percursos de construção constitucional.

a. Democracia revolucionária (ditadura soberana)

A abordagem européia clássica de construção constitucional desde "a era das revoluções democráticas" é o caminho da assembléia constituinte soberana. Em particular, o radicalismo de esquerda tende para essa opção sempre que possível. Porém, em um nível teórico, é a teoria do poder constituinte, defendida desde Sieyès a Schmitt, a representante da mais importante justificativa para essa abordagem. Essa doutrina não assume apenas a distinção entre constituant e constitué mas também que, na transição entre duas constituições (ou seja, entre dois pouvoirs constitués), há um hiato revolucionário — uma condição ex lex — no qual a única fonte de autoridade legítima é o poder constituinte, o qual, em condições democráticas, é a nação revolucionária ou o povo. Como a nação, enquanto tal, não pode gerar uma Constituição, a tarefa, assim como o poder, é delegado a uma instância que atua legitimamente em seu nome.

Sieyès formulou um argumento democrático para sustentar esse difícil último passo, que parte de uma interpretação particular de vontade geral rousseauniana, a qual, afirma, poderia ser formada por uma assembléia genuinamente representativa24 24 Cf. Keith Baker, "Constituition". in M. Ouzof & F. Furet (org) Philosophical Dictionaire of the French Revolution (1989) . Essa síntese da legitimação democrática direta com um modelo político que exclui radicalmente qualquer democracia direta não poderia funcionar, e certamente não funcionou em 1791-1792. A doutrina peculiar de Carl Schmitt da "ditadura soberana" é a única tentativa séria de lidar com essa dificuldade em um nível teórico.

De acordo com Schmitt, a assembléia constituinte, com a qual se identifica o poder constituinte do povo, tem delegada também a tarefa de construção constitucional. Ele acredita também que, no período de construção constitucional, a assembléia deve exercer todos os poderes, constituinte e legislativo, executivo e judicial, já que não se poderia prover nenhum poder além da assembléia representativa sem a Constituição que está ainda por ser feita. Este é o sentido do adjetivo "soberano" que Schmitt usa para qualificar esse tipo especial de ditadura revolucionária e distingui-la da ditadura comissária mais limitada, a qual não tem poderes constituintes. Apesar de legalmente ilimitada, a assembléia constituinte pode permanecer em poder e completar suas tarefas apenas se o povo, como poder constituinte, se identificar com ela. A teoria da democracia de Schmitt pressupõe não tanto a identidade real, jurídica, da assembléia e da vontade democrática, como o fez Sieyès, e sim a variedade dos possíveis atos de identificação sociologicamente manifestados — como as insurreições revolucionárias que salvaram a assembléia Constituinte em 1789.

Um outro ato de identificação desse tipo é um referendo nacional e majoritário. Na visão de Schmitt, que segue o ponto de vista das críticas jacobinas da Constituição de 1791, a legitimidade e a viabilidade da Constituição requer ratificação popular. Foi esse ponto de vista, e não o original de Sieyès, que sobreviveu como parte da tradição revolucionária da Revolução Francesa. Evidentemente, Schmitt tinha reservas importantes a respeito da Assembléia Constituinte de 1791, da qual Sieyès foi arquiteto e ideólogo. O principal problema que encontra não é o fato de que a convocação dessa assembléia, originariamente os Estados Gerais, tem origem no rei e não no povo. A identificação revolucionária popular com a assembléia transferiu a instância convocatória da nova Assembléia Constituinte do rei para o povo. Porém, Schmitt considera uma omissão fatal o fato de que, a assembléia não considerou essencial ter seu produto constitucional ratificado em um referendo popular consoante a peculiar interpretação que Sieyès faz de Rousseau (e o fez meramente através da "vontade de todos", e não da vontade geral). Assim, a Convenção Nacional de 1793, a qual exerceu abertamente uma ditadura revolucionária, ofereceu porém seu trabalho constitucional para ratificação em um referendo popular, agindo de uma maneira mais legítima como comissária da verfassungsgebende Macht, do poder constituinte . No entanto, mesmo essa assembléia, nos termos da teoria de Schmitt (ele é ambíguo quanto ao caso efetivo), deveria ter-se dissolvida imediatamente quando o referendo resultou positivo e a tarefa da Convenção presumivelmente se completou.

O modelo de construção constitucional por uma assembléia constitucional que Schmitt considera plenamente democrático envolve, portanto, cinco elementos: (1) a dissolução de todos os poderes constituídos anteriormente; (2) uma assembléia popularmente eleita ou aclamada com plenitude de poderes; (3) um governo provisório inteiramente baseado nessa assembléia; (4) uma Constituição levada a um referendo nacional e popular; e (5) a dissolução da assembléia constituinte após a ratificação da Constituição, a qual estabelece oportunamente um governo constituído. A legitimidade desse governo deriva de uma origem na qual um poder real se estabelece como a fonte da validade legal. Essa legitimidade é democrática quando o poder real é incontestavelmente o do povo unido ou da nação, no sentido político. Desse ponto de vista, quanto mais poderes previamente estabelecidos ou constituídos participam no processo, mais o empreendimento é interpretado como tentativas ilegítimas de ursupação do lugar do poder constituinte.

Schmitt foi especialmente crítico quanto ao uso do processo de emendas (o qual ele interpreta basicamente em termos de poderes constituídos) para mudar o que é essencial nas constituições25 25 Cf. Schmitt, acima nota 1. . No entanto, mesmo a construção constitucional abrangente através de parlamentos comuns é, a seus olhos, inteiramente inadmissível. Essa última opinião corresponde, é certo, à visão que prevaleceu nos Estados Unidos desde James Madison e os Federalist Papers. No entanto, Schmitt tem o modelo americano como "misto", incorporando, em ambos os processos, o da Convenção Constitucional e o do resultado constitucional, duas decisões incompatíveis: uma pelo povo como o pouvoir constituant para um governo nacional unitário, outra por um poder constituinte diferente, os estados, para um governo (co)federal.

Finalmente, no que é característico às concepções de Schmitt, a construção constitucional presidencial tem um papel especialmente proeminente. De acordo com ele, o poder constituinte não pode ser limitado por procedimentos de antemão — não pode ser ligado, mesmo por uma forma específica de construção constitucional, a uma assembléia soberana. Assim, se a ratificação por referendos populares pode expressar identificação com uma Constituição no caso de assembléias constituintes, dada a plena ruptura com poderes regularmente constituídos, o mesmo tipo de aclamação popular demonstra a presença do poder constituinte e sua identificação com a Constituição independente do modo de elaboração. Particularmente, as constituições produzidas sob a liderança carismática de Napoleão satisfazem ao padrão de Schmitt, que, no limite, se baseia na idéia a idéia de uma ligação potencial entre democracia e ditadura popular. A aprovação da construção constitucional plebicitária-carismática permanece indubitavelmente idiossincrática na tradição do pensamento democrático revolucionário.

Na versão de Schmitt, seja qual for o caso, a posição democrática revolucionária implica a seguinte ordenação das formas possíveis de construção constitucional:

1. a assembléia constituinte soberana;

2. a construção constitucional por um poder Executivo popular;

3. o modelo "misto" dos Estados Unidos;

4. a construção constitucional parlamentar; e

5. o processo evolutivo26 26 Esse último mecanismo pressupõe a ausência de uma "decisão" do poder constituinte claramente definida, e portanto pode ser tido apenas como um caso marginal de constituição e de formulação constitucional do ponto de vista de Schmitt. .

b. Democracia dualista: republicana e império da lei

Hannah Arendt submeteu a posição democrática revolucionária a uma crítica acerba — cuja intensidade se ligava indubitavelmente ao fato de que Carl Schmitt se tornara o expoente máximo dessa posição. Seguindo implicitamente a linha textual de Schmitt, mas invertendo sua avaliação, Arendt enfoca a frase famosa de Sieyès, pela qual o poder constituinte se encontra "no estado de natureza". Ela rejeita de modos diversos tanto a interpretação de que o poder constituinte pode se basear apenas em indivíduos atomizados quanto a de que ele não pode ser ligado a restrições legais de qualquer tipo. Utilizando-se do caso americano, que admite ser excepcional, ela busca demonstrar que é possível derivar o poder constituinte de órgãos políticos previamente organizados, e a autoridade legal da Constituição de uma fonte diversa da mera identidade do constituinte. De acordo com ela, quando a fonte de poder é a totalidade atomizada de indivíduos, ou a totalidade imaginada da nação, e quando a autoridade legal deriva exclusivamente dessa fonte,a Constituição será "construída em areia movediça"27 27 Arendt, acima, nota 4, pg. 162. .

Evidentemente, para Arendt, liberdade política e participação, como fontes de construção constitucional revolucionária e a dimensão a ser institucionalizada em constituições republicanas, representam o principal critério a partir do qual as revoluções e as constituições devem ser julgadas. Menos óbvio mas igualmente importante é o fato de que ela acredita também que a política republicana deve se basear no império da lei e não na "democracia", independente da dimensão de qualquer grupo portador de direitos na sociedade.

Utilizando-se do primeiro critério, o da participação democrática, mostra forte admiração pelos modelos revolucionários dos Estados Unidos e da França dentre a lista das experiências constitucionais, mesmo que, como afirma, o segundo tenha degenerado numa revolução permanente no sentido jurídico, incapaz de estabelecer instituições livres. Somente essas grandes revoluções envolveram, ao menos no início, o compromisso extraordinário de uma grande número de (admitidamente auto-selecionadas) pessoas no debate, na discussão e na participação política, direcionadas para a criação de instituições livres — falando de modo mais prosaico, construção constitucional. Somente aqui ela esperava poder aplicar a frase de Thomas Paine: "Uma Constituição não é o ato de um governo, mas de um povo constituindo um governo". No final de sua lista estavam os esforços pós-primeira e segunda guerras mundiais, nos quais os governos supostamente teriam conseguido excluir a participação política e a discussão geral, redigindo as leis básicas que eles mesmos preferiam sob o abrigo de seus próprios peritos e conselheiros legais.

Entre os dois extremos está sua preferência pelo caminho inglês, que produziu uma Constituição não escrita relativa a "instituições, costumes e precedentes", para a qual ela aceita a alegação de Gladstone de que "resultou da história progressiva"28 28 Id.,pg. 143. . Ademais, pode-se deduzir de sua concepção de que constituições produzidas por legislaturas normais, que envolvem geralmente extensas discussões — ao menos entre as paredes do Parlamento —, seriam preferíveis àquelas produzidas em ministérios da justiça, que são impostos aos próprios legisladores através da disciplina partidária, ou oferecida ao eleitorado sem este desvio. Arendt o faz supor quando celebra a construção constitucional nas treze colônias originais, embora ela perceba em outro momento que a maioria das constituições estaduais foram na realidade produtos de legislaturas regulares29 29 Id.,pp. 141,300-301. . Por fim, Arendt demonstra somente menosprezo pela construção constitucional presidencial plebiscitária-carismática.

Utilizando-se de seu segundo critério, o do império da lei, tanto quanto o do sucesso na construção de uma tradição constitucional, Arendt acreditou que somente os americanos tiveram sucesso na construção constitucional revolucionária, mesmo que eles também tenham falhado na formulação de uma Constituição republicana genuína, que institucionalizasse a participação.

Portanto, sua ordenação das formas de construção constitucional é aproximadamente a que segue:

1. o modelo "republicano" dos Estados Unidos;

2. a assembléia constituinte soberana;

3. o processo evolutivo;

4. a construção constitucional parlamentar; e

5. a construção constitucional pelo ramo executivo.

As razões de Arendt para preferir o modelo americano ao francês merecem ser exploradas. Com certeza, ela se perturba mais do que Schmitt com o fato de que a Constituição de 1791 não foi nem delegada nem ratificada popularmente, e de que todo o esforço entre 1789 e 1791 foi tirado do alcance daqueles para quem "as resoluções e deliberações" deveriam ter sido retiradas30 30 Id, pp. 125-126. . A crítica é suficientemente convincente, mas é pouco elucidativa em relação aos esforços posteriores (estilizados por Schmitt) que seguiram um modelo democratizado da assembléia constituinte soberana com sua plenitude de poderes. De fato, nesse argumento específico, Arendt claramente vai longe demais ao sugerir que o primeiro esforço francês de construção constitucional popular foi o ancestral da imposição de constituições por peritos e governos. Essa é uma afirmação implausível que só é possível porque sua categorização de construção constitucional é tão difusa.

O segundo argumento de Arendt, porém, alcança o núcleo da diferença entre os modelos americano e francês. Assim, os americanos tiveram a sorte de serem capazes de evitar que seu poder constituinte fosse empurrado para um estado de natureza legal. Sieyès e seus seguidores (por fim a maioria da Assemblée Constituante) não puderam evitá-lo e, conseqüentemente, o postularam como logicamente inevitável e mesmo desejável. Como na doutrina de Sieyès, o poder constituinte da Revolução Francesa estava de fato no estado de natureza, na medida em que nenhuma forma prévia de organização e legalidade (por exemplo, o veto real) podia limitá-lo. O caminho estava aberto para a ficção do "povo" ou da "nação" como justificativa, no curto prazo, da ditadura de uma assembléia. E pior, o poder constituinte era, no longo prazo, identificado na França com a vontade mutante da multidão mobilizada, sobre a qual não era possível fundar nenhum império da lei estável, culminando numa reserva e ameaça política permanente face a todos os poderes constituintes. Foi essa de fato a concepção de Carl Schmitt do poder constituinte da verfassungsgebende Gewalt — embora não seja idêntica à noção de Sieyès de pouvoir constitutant —, a qual corresponde à subversão constante dos poderes constituintes na revolução francesa na análise de Arendt. De acordo com ela, a autoridade legal baseada nessa noção de poder constituinte não pode ser institucionalizada com estabilidade alguma31 31 Para um melhor exame deste ponto, veja-se o adendo b, no final deste artigo. .

Os americanos, de acordo com Arendt, não tentatam derivar o poder (uma questão de fato) e a autoridade legal (uma questão de validade normativa) da mesma fonte federada.

"Sem dúvida, as leis devem sua existência real ao poder das pessoas e de seus representantes nas legislaturas; mas esses homens não poderiam representar, simultaneamente, a fonte última da qual essas leis teriam que derivar para que tivessem autoridade e fossem válidas para todos, maiorias e minorias, gerações presentes e futuras"32 32 Arendt, supra nota 4, pp. 182-183. .

Arendt não acreditou que tal autoridade poderia ser derivada do "eu desejo" ou "eu decido" de uma assembléia revolucionária, como o pouvoir constituam de Sieyès ou a ditadura soberana de Schmitt. Portanto, sua teoria republicana é enfáticamente formulada de modo dualista33 33 Cf. Frank Michelman, "Can Constitutional Democrats be Legal Positivists: or Why Constitutionalism? "Constellations , (1996) (em que se introduz o conceito de "sempre dentro da lei"). .

Arendt tem sucesso, acima de tudo, na demonstração da separação entre soberania democrática popular e conservação da autoridade legal sob a Constituição. Para ilustrar essa separação, Arendt se utiliza do exemplo da religião cívica ministrada pela Corte Suprema, uma instituição capaz de preservar a Constituição através da argumentação34 34 Arendt aparentemente não percebe que a idéia de Woodrow Wilson da Corte Suprema como "um tipo de assembléia constitutional em sessão contínua", Arendt, acima nota 4, pg 201, é inconsistente com seu argumento, já que essa assembléia teria tanto poder quanto autoridade. . Dito isso, a origem independente da autoridade legal da Constituição permanece ainda um tanto duvidosa, tanto na realidade como na análise de Arendt. Ela afirma que os constituintes americanos não foram eleitos legalmente mas exerceram seus poderes "de acordo com as leis e limitados por ela"35 35 Arendt, supra nota 4, pg. 166. . Assim, parece sustentar a continuidade legal da Constituição com base em arranjos legais prévios, como constituições estaduais, o direito não estatutário e talvez os Artigos da Confederação36 36 Idem. . Ao tomar essa questão como dada, ela falha em detectar a dramaticidade dos esforços de Madison na defesa da legalidade dos atos da Convenção em face de acusações de peso em contrário37 37 Cf. The Federalist 49 (James Madison) Cf. também Bruce Ackerman, The Future of the Liberal Revolution (1992). Ackerman perde também a dramaticidade ao pressupor a extra-legalidade, e ao não reconhecer o esforço desesperado de permanecer "sempre dentro da lei". .

Nessa linha de raciocínio em particular, a busca americana para uma fundação mais profunda da nova autoridade legal foi apenas uma função da herança da idéia judaico-cristã do da lei como comando. Penso porém que Arendt mantém, inconsistentemente, a existência de um hiato legal38 38 Arendt, acima nota 4, pg. 205. que teria forçado os americanos à busca da fundação da autoridade legal do futuro. À diferença dos franceses, no entanto, os americanos não quiseram fundar essa autoridade legal somente no poder popular. De acordo com Arendt, com o fim da plausibilidade do enraizamento da tradição da lei natural na religião, os formuladores constitucionais americanos tiveram alguma dificuldade em derivar a autoridade legal da Constituição, que acabou por ser tornada sagrada por uma fonte inteiramente distinta. Isso parece confirmar a defesa de Schmitt do radicalismo de Sieyès e da Revolução Francesa.

No entanto, é nesse contexto que a separação implícita em Arendt entre origem e entre forma, do "quem" e do "como", das fundações constitucionais lhe serve bem. Os sujeitos de construção constitucional nos Estados Unidos eram portadores de poder político — eles estavam em continuidade com o passado, surgindo primeiro dos estados e posteriormente das jurisdições municipais. A autoridade da Constituição, porém, tem origem no modo como os os delegados desse poder organizaram o processo de elaboração e ratificação das convenções. Isso explica o que Arendt quer dizer por um início contendo seu próprio princípio, salvando o ato de fundação da "violência impositiva" sem referência alguma a um absoluto39 39 Note-se portanto que Arendt parte de sua noção anterior, presente em The Human Condition, de acordo com a qual as repúblicas se fundam em produção, mais que em ação, útil na criação de um muro ao redor da liberdade pública, e que é então institucionalizado como espaço público. On Revolution relaciona a idéia do arquiteto de uma nova cidade à violência e mesmo ao crime. . O princípio de discussão pública envolvendo "compromisso mútuo e deliberação comum" é portanto a fonte da autoridade do novo sistema de poder. Nessa versão de seu argumento, o princípio de e respeito mútuo contido no início é, para Arendt, o fundamento tanto'da autoridade legal posterior quanto da sacralização da Constituição. Esse fundamento auxiliou na proteção de sua estabilidade frente às conseqüências da incapacidade de institucionalizar a liberdade pública nas estruturas de participação em pequena escala na política40 40 Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o adendo c, no final deste artigo. .

d. Democracia dualista: posição revolucionária

Arendt estava ciente da natureza excepcional do contexto da construção constitucional americana, e, em particular, do fato de que instituições federais pré-existentes são a condição de um poder constituinte que não caia no perigo de um vácuo legal41 41 Arendt, acima nota 4, pg. 166. . Além disso, a despeito do fato de que pouco se interessa pela construção de modelos, ela acredita que os americanos realmente falharam em institucionalizar a liberdade pública. Estou convencido que ela tenha, porém, falhado nesse ponto crucial por uma idéia de política derivada dos antigos — a qual ela reivindica ter descoberto nos conselhos das revoluções modernas.

Bruce Ackerman conseguiu, em uma análise altamente sugestiva, ir além de Arendt e preencher a lacuna, mas com o custo de uma Construção de modelo bastante questionável. Na época revolucionária, os americanos, afirma Ackerman, tentavam institucionalizar uma política dualista — a política em duas vias das legislaturas comuns e mobilizações extraordinárias ligadas à mudança constitucional —, mais que um ideal puramente republicano. Assim, no nível de uma ordem política regularmente constituída Ackerman tem sucesso em relacionar sugestivamente aquilo que no republicanismo de Arendt são dois termos inteiramente separados: a política de participação e a lei protegendo/ampliando a atividade do ramo jurídico. Além disso, o dualismo na teoria de Ackerman não se dá somente entre lei e poder, mas aparece como duas formas de democracia no interior do próprio sistema de poder.

Na raiz de vários dos problemas42 42 Tome-se, por exemplo, a idéia extremamente problemática de que a Constituição americana pode ser, foi e deve ser novamente, se necessário, inteiramente emendada para além dos limites do artigo V. da imaginosa concepção de Ackerman está a idéia de uma origem constitucional que é problemática tanto teórica como historicamente. Essa idéia, no entanto, é usada em outro momento tanto como medida pela qual os esforços contemporâneos em política constitucional são julgados sem piedade quanto como uma referência a partir da qual recomendações concretas podem ser feitas. Para Ackerman, a elaboração da Constituição de 1787 foi um ato de revolução, e as pessoas que a fizeram, revolucionários que se libertaram de uma legalidade inutilizável. Porém, seriam Madison e seus colegas revolucionários porque eles finalizaram a institucionalização já iniciada da Revolução Americana, ou porque eles levaram adiante uma revolução (afortunadamente) pacífica contra os Artigos da Confederação? A primeira opinião é evidentemente aquela de Arendt, enquanto Ackerman parece acreditar que ambas as afirmações são verdadeiras.

Seguindo a concepção da Hans Kelsen, Ackerman argumenta incorretamente que, se a Constituição de 1787 não fosse revolucionária no sentido legal, as leis fundamentais norte-americanas seriam ainda baseadas nos artigos da Confederação, que a Convenção de 1787 teria meramente emendado. Para evitar tal possibilidade, ele passa a formular e desenvolver o conhecido argumento de que os atos da Convenção foram ilegais. Como resultado, ele considera as repetidas tentativas intelectuais e políticas de Madison de salvar uma legalidade ameaçada e tênue como um caso de transparente argumentação advocatícia43 43 Bruce Ackerman, "We, the People", Foundations (1991). Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o adendo d, no final deste artigo. .

Além disso, ele parece perder o sentido pleno do argumento de Madison no Federalist 49, o qual afirma que o novo sistema político deve ser dualista não só no resultado como também em sua origem. Em 1787, essas origens foram providenciadas pelas políticas das legislaturas estabelecidas. Nos Estados Unidos, essas legislaturas detinham todos os poderes prévios durante o período de redação e ratificação. As políticas da convenção extraordinária, porém, restringiam-se à elaboração e proposta de uma Constituição a outras instituições que já eram (ou seriam) estabelecidas legalmente. Evidentemente, a dimensão federal da Constituição americana (a natureza não-emendável da representação estadual igual no Senado, a dimensão federalista do artigo V) expressava claramente o papel crucial de poderes legalmente constituídos durante o processo de esquematização do novo regime. É claro, porém, que além de estabelecer uma dimensão nacional de poder baseado nos interesses da maioria dos indivíduos (e não de estados), a Convenção institucionalizou também outro tratado político, superior — a saber, a proteção de sua própria "realização legal superior" por uma estrutura rigorosa de emenda (o nível de dificuldade do artigo V) e pela criação de um Judiciário federal (em sua interpretação por Hamilton, e posteriormente por Marshall)44 44 Devo admitir que esse é o sentido que dei originalmente à concepção dualista de Ackerman. Ele próprio prefere, porém, outra interpretação: uma que enfatiza revolução e descontinuidade legal. . Em outras palavras, o texto só faz sentido se se reconhece a pluralidade de suas fontes, ou seja, das formas de poder que ele institucionaliza.

No entanto, Ackerman parece acreditar que um início revolucionário monista pode levar a um produto dualista. Assim, mesmo com respeito à oscilação de Arendt entre a continuidade legal e a ação comunicativa como fontes da autoridade constitucional, ele se volta para uma concepção mais unitária, baseada em uma idéia um tanto mitológica da soberania popular. Na realidade, esse direcionamento minimiza as diferenças entre construção constitucional por uma assembléia constituinte soberana e por uma convenção constitucional de tipo americano. Ackerman foi, portanto, forçado a analisar esses resultados distintos em termos das opções evidentemente diferenciadas de desenho entre os construtores constitucionais nos Estados Unidos e na França. Assim, perde-se nessa concepção a ligação histórica, facilmente demonstrável, entre origens e desenhos constitucionais. A perspectiva justificadamente crítica de Arendt é, também, perdida, no que diz respeito ao padrão europeu de construção constitucional revolucionária e democrática45 45 Para um desenvolvimento deste ponto, junto com os temas suscitados pela nota 43, veja-se o mesmo adendo c, no final deste artigo. .

A característica mais questionável da argumentação de Ackerman, porém, é a sua desenvolta transformação do padrão americano em modelo. O modelo americano é tornado merecedor de imitação por sua institucionalização bem sucedida de políticas dualistas. O livro recente de Ackerman, The Future of the Liberal Revolution, o afirma abertamente, particularmente com referência aos poloneses46 46 Ackerman, acima nota 37, pp. 55-56. e russos47 47 Id., pp. 57-59. , que eles realizem convenções constitucionais especiais, externas ao cenário de operações dos parlamentos regulares existentes, sob liderança presidencial48 48 Mais surpreendente é o fato de que ele perde a natureza extremamente incomum da figura de George Washington, que foi o único aspirante à presidência na história que não fez uso de sua grande influência potencial na Assembléia Constituinte para tentar construir uma instituição presidencial forte. e apoiada por mobilização de massa.

É claro que Ackerman está ciente da maioria das outras opções de construção constitucional. Sua ordem de preferência aparece como sendo amplamente, senão completamente, similar à de Arendt, embora a meta dualista pudesse sugerir o contrário. De acordo com Ackerman, uma assembléia constituinte com todos os poderes plenos pode realizar a tarefa tão bem quanto convenções separadas, já que, como afirma, "vários textos plausíveis" foram assim produzidos49 49 Ackerman, acima nota 37, pg. 59. . Ele falha porém em considerar como e porque poucas tradições viáveis, e sobretudo dualistas, tiveram sua origem no método clássico europeu. Em oposição ao julgamento no mais das vezes implícito mas severo de Arendt, ele considera o modelo alemão — que reconhece corretamente como parcialmente paralelo ao original americano mas sem a participação popular — como "quase tão bom" quanto o seu predecessor, mas ainda potencialmente utilizável em razão da característica consistentemente sintética do Grundgesetz50 50 Id. .

Assim como Arendt, Ackerman considera o método evolutivo de alcançar uma legitimidade constitucional como potencialmente viável, embora o padrão britânico51 51 Id.,pg.61. o desconcerte, com razão, por sua modelagem a circunstâncias únicas e não passíveis de repetição. Alternativamente, o exemplo que utiliza é o da Espanha52 52 Id, pg. 47. , desconhecendo o caráter parlamentar normal de seu processo de construção constitucional, assim como o fato de que, nesse sentido específico, qualquer Constituição durável ganha legitimidade — e mesmo sua durabilidade — por um processo evolutivo em que interpretação, revisão e mudança na cultura política interagem no longo prazo. Surpreendentemente, dado que o modelo espanhol é obviamente parlamentar, ele só dedica comentários negativos à construção constitucional parlamentar, já que supostamente esse método é incapaz de proteger a Constituição frente ao processo de decisão política normal.

Permitam-me notar que esse último argumento não é convincente, tanto política como logicamente. Devemos ter em mente que partidos que são, em qualquer momento dado, capazes de produzir uma legislação constitucional sob normas de emenda e ratificação difíceis não desejarão colocar os partidos futuros em uma posição mais cômoda para modificar seu trabalho original. Porém, mesmo quando atuam sob normas de emenda mais fáceis ou votando por maioria simples, os partidos podem não saber se seus adversários serão capazes no futuro de explorar essas normas contra eles. Assim, há razões, em ambos os casos, para proteger a Constituição contra futuras maiorias legislativas. Ackerman parece argumentar que são os interesses institucionais monistas do Parlamento que concorrem contra uma estrutura dualista futura. Porém, o mesmo argumento deveria se aplicar a assembléias constituintes monistas — órgãos que Ackerman de fato não critica53 53 Para um tratamento mais extenso deste ponto, veja-se o adendo d, no final deste artigo. .

É interessante considerar porque, após uma argumentação que muitos considerariam demasiado "legalista", Ackerman rejeita tão veementemente o modelo parlamentar de construção constitucional. Em primeiro lugar, ele se preocupa (corretamente, diria eu) com o fato de que versões contemporâneas desse método na Europa Central Oriental deixaram o processo constituinte e semi-revolucionário aberto indefinitivamente. Isso representa a possibilidade de que o processo degenere em reformas constitucionais contínuas, o que ameaçaria seriamente a estrutura dualista que distingue a lei constitucional da legislação comum. Já argumentei em outra ocasião que este processo carrega o perigo de revolução permanente sob algumas circunstâncias possíveis54 54 Cf. Arato, acima nota 12, pg. 180. . Além disso, ele acredita que em particular a construção constitucional em etapas e em geral o modelo parlamentar não podem confiavelmente produzir um alto nível de comprometimento simbólico com a Constituição e com o patriotismo constitucional, o que, segundo ele, demanda um processo extraordinário.

De qualquer modo, Ackerman ordena as diversas formas de construção constitucional como segue:

1. o modelo dos estados Unidos, tido como dirigido presidencialmente e democrático revolucionário;

2. a assembléia constituinte soberana;

3. o tipo alemão de dualismo não-democrático;

4. o processo evolutivo; e

5. a construção constitucional parlamentar.

Suas recomendações aos poloneses e aos russos (assim como sua crítica ao padrão húngaro, dominado pelo Parlamento e pela Corte Constitucional) são baseadas nessa hierarquia. Devo notar ainda que o recado de Ackerman aos poloneses e aos russos, de modo consistente com o fio dualista de seu próprio pensamento, mas inconsistente com seu vínculo entre revolução e Constituição, não carrega nenhum aviso explícito de ilegalidade. É claro que, como sabemos, a ilegalidade e um governo provisório acabaram formando uma característica central da elaboração da Constituição de Yeltsin. Mas a própria exploração que Ackerman faz do problema da ilegalidade na Convenção da Filadélfia deveria tê-lo alertado para as dificuldades de se posicionar nos limites da legalidade quando se estabelece uma dualidade potencial de poder entre instâncias legislativas e constituintes. Porém, a linha revolucionária de seu pensamento aparentemente o tornou insensível a perigos tão óbvios. Infelizmente, e talvez porque já tenha se decidido sobre a ilegalidade do original, ele se preocupa pouco com o que a ilegalidade significaria nesse contexto inteiramente distinto a que se volta agora55 55 Ao menos no caso polonês Ackerman defende o que é, com efeito, o modelo de Massachusetts em 1780 — a única instância do método dualista que produziu uma constituição em um estado não-federativo — a saber, uma convenção constitucional especial que poderia submeter seu documento para aprovação ao Parlamento reunido antes de uma ratificação popular em um referendo. Seu conselho à Rússia é menos claro, e é aqui que aborda a possibilidade de eleição de uma assembléia constituinte de tipo europeu, embora ele pareça preferir uma convenção voltada para questões constitucionais enquanto a legislatura normal permanece voltada para a economia e a reforma econômica. Vale notar que a preferência de Ackerman é repentinamente justificada de modo apenas pragmático. A defesa de uma convenção constitucional separada contra todas as outras opções é afirmada como a seguinte: (1) o isolamento do problema de ordem constitucional de muitos outros temas de curto prazo também presentes na agenda; e (2) a criação de incentivos especiais a um grupo para que tenham sucesso em redigir uma constituição capaz de ser ratificada, um grupo cujo prestígio futuro dependeria grandemente do sucesso dessa empreitada. Ackerman, acima nota 37, pp. 51-56. O argumento é plausível, exceto pelo fato de que um comitê de um Parlamento regular para redigir uma constituição de alta visibilidade, um partido comprometido com a elaboração da nova constituição, ou mesmo uma assembléia constituinte, poderia ser similarmente situado. .

Admitamos que a mobilização quase revolucionária em torno da elaboração da Constituição que Ackerman defende levará posteriormente à diferenciação dos percursos de construção constitucional parlamentar e de convenção especial, mas apenas, até onde vemos, ao trazer o último procedimento mais próximo das assembléias revolucionárias constituintes. Permita-me afirmar mais uma vez que Ackerman falava a sério quando defendia uma estratégia legalmente impecável para Walesa e Yeltsin, à diferença de sua reinterpretação histórica das origens da Constituição americana. No entanto, vale notar que, mesmo sem o benefício da visão retrospectiva, o caráter potencialmente explosivo de uma situação em que líderes carismáticos, apoiados por mobilização popular, foram bem sucedidos em elaborar uma proposta constitucional para uma legislatura em sessão que provavelmente desejaria rejeitar a conseqüência óbvia desse esforço — ou seja, os fortes elementos de presidencialismo na Constituição. Por que deveríamos assumir que as legislaturas polonesa ou russa iriam se auto-limitar suficientemente, como fez o Congresso em 1787, ou que Walesa ou Yeltsin seriam capazes de exibir o auto-controle de George Washington? Porém, se nenhum dos polos poderia demonstrar auto-controle, o caminho se abre para uma crise constitucional plena, ou, pior, para a guerra civil. Uma Constituição só pode emergir em tal situação se um lado consegue se impor ao outro — uma fundação ruim para a legitimidade e a estabilidade futura.

Quero chegar ao seguinte: se aceita, a interpretação revolucionária de Ackerman pode levar a resultados políticos muito perigosos. Ele parece estar ciente dessa falha fundamental, e por isso recomenda a poloneses e russos apenas a versão de sua abordagem que mais se aproxima do modelo dualista ou legalista de Arendt. Porém, mesmo a versão dualista pode ter a tendência de se tornar revolucionária se adotada em circunstâncias em que as condições políticas, sociais e culturais prévias do padrão americano de construção constitucional estão ausentes. Coerentemente, a ambigüidade teórica de Ackerman (entre dualismo e monismo) é aquela da ambivalência do modelo americano de construção constitucional quando considerado abstratamente. Portanto, o modelo pode reaparecer como monista revolucionário-democrático ou como dualista, não-democrático e não-revolucionário, em circunstâncias históricas diferentes. Essa séria dificuldade ilumina negativamente a idéia de imitação do modelo americano, e talvez de qualquer outro.

d. Democracia liberal: dos modelos aos princípios

É surpreendente que Ackerman, depois de lamentar que os europeus orientais tenham fugido da originalidade de sua "revolução", insista na imitação do modelo americano de construção constitucional como o modo de recuperar essa originalidade. Mas sobre que seria baseada essa opção? Imitação de qualquer coisa é uma razão fraca, especialmente pelo fato de que, como vimos, os modelos concretos podem tornar-se algo inteiramente diferente quando adotados em circunstâncias dramaticamente distintas. Portanto, em uma dada situação, as circunstâncias devem tomar prioridade na análise, já que nelas se localizam fatores importantes da experiência constitucional própria de um país ou de uma cultura, através da qual podemos aprender56 56 Tal relação reflexiva com a história do país, e não o desejo de imitar os americanos, levou os formuladores da Lei Fundamental alemã ( Grundgesetz) ou melhor, os governos dos Länder que escolheram a forma do processo de construção constitucional, a espelhar os aspectos formais da construção constitucional americana. Evidentemente, esse método não produziu, de início, o que a Constituição americana sempre teve — ao menos após a ratificação da Bill of Rights, ela própria um produto de discussão pública apaixonada —, um alto nível de legitimidade política e identificação. .

Reflexividade e aprendizado, porém, não lidam de per si com o problema da legitimidade, que é a principal preocupação de Ackerman. Além da tradicionalização ou mesmo sacralização lenta da Constituição, que requer condições favoráveis, apenas princípios políticos podem produzir subseqüentemente legitimidade. Foi essa precisamente a descoberta de Hannah Arendt. No entanto, quando se trata de princípios, mais que de normas ou modelos, enfrenta-se inevitavelmente uma pluralidade na qual é impossível estabelecer uma hierarquia57 57 Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o adendo e, no final deste artigo. . Infelizmente, refletindo sobre a característica modelar da construção constitucional americana, Arendt encontrou um único desses princípios: aquele da comunicação pública, o qual ela converteu numa concepção demasiadamente concreta de uma forma de organização58 58 Acredito ser esse o ponto no qual a idéia de Arendt de um início que contém seu próprio princípio a confunde. Para ela, um início desse tipo teria que ser organizado em consonância com seu modelo de política normativo e bastante contrafatual. Para um crítica da confusão de princípios de legitimação e formas de organização, ver Jürgen Habermas, "Legitimation Problems in the Modern State", in Communication and the Evolution of Society (tradução de Thomas McCarthy, 1979). Infelizmente, muitos dos discípulos de Habermas que falam de "democracia deliberativa" perderam esse seu insight. É claro que o desinteresse de Habermas pelas formas de organização que poderiam plausivelmente invocar sua legitimidade a partir de princípios democráticos tem sido, às vezes, a causa desse erro oposto: a redução de sua teoria a uma desprovida da dimensão institucional. . A vantagem de enfocar princípios, no entanto, é precisamente o fato de que eles nos permitem, quando escolhemos ou avaliamos uma abordagem atualmente, focar não a escolha de um modelo ou de um tipo concreto de organização, mas a pluralidade de princípios plausíveis utilizados para legitimar resultados produzidos em uma variedade de experiências históricas.

Porém, quais são os princípios que concernem à construção constitucional e como eles devem ser usados? Pode-se esperar aqui maior auxílio de teorias políticas mais formais, ao invés de abordagens que enfocam modelos concretos de participação (como democracia direta e democracia participativa). Infelizmente, a maioria das teorias liberais do constitucionalismo são orientadas para resultados (possivelmente em razão das origens inglesas da teoria liberal, pela qual apenas o resultado pode ser avaliado) 59 59 Mas aqui também se pode apelar a Madison. Em seu argumento polivalente em The Federalist 40, a Convenção não excedeu sua autoridade (exceto em um ponto, no qual as normas eram absolutamente irracionais). Porém, mesmo que o tivesse, os framers agiram de um modo não autorizado por razões de dever cívico. Se isso não for convincente, os críticos devem considerar os resultados, os quais eles não gostariam de rejeitar somente em razão de suas origens problemáticas. De acordo com ele, se uma constituição satisfaz plenamente às difíceis exigências do governo republicano (ou seja, representativo) e do federalismo, seria um grande erro continuar a buscar um resultado igulamente bom ou melhor produzido por um processo melhor (naquele tempo, uma segunda convenção constitucional defendida pelos anti-federalistas). O liberal pós- Bill of Rights teria, é claro, adicionado a proteção institucionalizada dos direitos fundamentais às marcas de uma constituição normativamente adequada, justificando tal documento sem referência a origens específicas. .

John Rawls é um liberal desse tipo, e no geral ele também se interessa apenas no produto — um que institucionalize os dois princípios de justiça, e seja capaz de garantir sua eficácia sob contextos sociais, culturais e políticos específicos. Mesmo quando, em Political Liberalism60 60 John Rawls, Political Liberalism (1993). , vem aceitar a concepção dualista de Ackerman, Rawls é menos interessado em construção constitucional do que na estrutura institucionalizada em duas vias, estabelecendo a dualidade tanto em leis (superior e comum) quanto em instâncias de elaboração de leis (constitucional e legislativa)61 61 Ademais, ele está definitivamente interessado no processo pelo qual uma série de normas, originalmente aceita por razões pragmáticas e talvez estratégicas, pode se tornar gradativamente ligado a uma identidade cívica emergente, adquirindo assim poderes de motivação "internos". Mas, mesmo neste argumento, o modo pelo qual as normas são originalmente criadas não é exposto em profundidade. . Uma linha de argumentação em seu trabalho anterior, A Theory of Justice62 62 John Rawls, A Theory of Justice (1971). , é, porém, uma exceção a essa orientação para resultados, na medida em que explora a legitimidade dos resultados em termos do procedimento idealizado pelo qual todos os participantes consentiriam com tal resultado. Embora ele continue avaliando e criticando os arranjos existentes em termos de sua estrutura, e não em termos dos processos empíricos que levaram a seu estabelecimento, seu argumento projeta uma perspectiva orientada por princípios que abre uma porta lateral para a avaliação de processos. Particularmente, sua análise da "convenção constitucional" pode ser utilizada tanto por formuladores constitucionais quanto por seus críticos63 63 Para desenvolvimentos deste ponto, veja-se o adendo f, no final deste artigo. .

De acordo com a perspectiva de Rawls, constituições (e legislação) podem ser consideradas "justas" se incorporarem o princípio de justiça e forem construídas como se os atores considerassem, no momento de suas origens, apenas as circunstâncias (por exemplo, nível econômico, cultura política, padrões de interação) de uma dada sociedade, e não os interesses, opiniões e qualificações de atores racionais voltados para metas, engajados na construção de instituições. No estágio da convenção constitucional, essa afirmação ideal é entendida em termos de um "véu de ignorância" modificado, ou um véu de ignorância parcialmente levantado. Não pensamos ainda em assembléias e discussões. A diferença entre a "posição original" e a "convenção constitucional" está apenas em que, na última, permite-se aos atores que conheçam a sociedade concreta para a qual pretendem construir normas.

Essa concepção é suficientemente abstrata para ser aplicada a contextos em que "democracias constitucionais" estão em processo de estabelecimento64 64 Veja-se, também, o adendo f. . Além disso, à diferença do princípio de interação comunicativa a que recorre Arendt, é impossível confundir-se a idéia de um véu de ignorância com um modelo concreto de organização. A concepção de Rawls é potencialmente sugestiva aos formuladores de constituições por diversas razões.

Em primeiro lugar, ele estabelece uma condição mínima em termos do resultado, sem o qual o processo não seria legítimo — a saber, a incorporação em instituições políticas do primeiro princípio de justiça (o segundo pertence, a seu ver, mais ao estágio da legislação), que consiste em direitos civis e políticos65 65 Id. pp. 197,221. .

Em segundo lugar, ele sugere que o cidadão deve decidir não apenas "que arranjos constitucionais são justos para reconciliar opiniões conflitantes de justiça", mas considerar também "algumas maneiras de projetar essa máquina [constitucional] mais justa que outras"66 66 Id. . Certamente, ele não aplica seu conceito de participação democrática a esse nível, felizmente talvez, já que não é fácil formular o que significa a democracia antes que instituições democráticas sejam estabelecidas.

Em terceiro lugar, ele é bastante explícito sobre o fato de que princípios abstratos não devem ser levados a modelos constitucionais concretos, devendo ser aplicados de tal modo a selecionarmos dentre a pluralidade de arranjos justos possíveis aquele com maior possibilidade de se realizar. Esse arranjo seria o mais adequado, no sentido da possibilidade de se estabelecer, e efetivo, assim como capaz de garantir os princípios de justiça dadas as crenças e os interesses das pessoas na sociedade e táticas políticas que podem ser efetivas67 67 Id., pg. 198. . E, embora esse argumento seja formulado em relação a instituições que são sempre concebidas em termos procedimentais, ele se aplica necessariamente a procedimentos de criação de instituições, na medida em que elas devam ser consideradas justas.

Em quarto lugar, ele nos diz que deve haver não só uma separação entre construção constitucional e legislação (em dois estágios), como também uma interação (um movimento de "ida e volta") entre esses dois processos, que na realidade são um aprendizado mútuo, para que se chegue à melhor Constituição68 68 Cf. abaixo. . Por fim, Rawls nos fornece ao menos um princípio pelo qual os procedimentos de construção constitucional podem ser normativamente avaliados, exatamente aquele do véu de ignorância, o qual é concebido de modo a permitir graus nos quais os participantes desconhecem circunstâncias específicas. Do modo como o vejo, esse princípio somente faz sentido em contextos históricos específicos quando interpretado em termos de uma pluralidade de outros princípios.

A idéia de "véu de ignorância", sendo hipotética e fictícia, permite translações empíricas que não pressupõem a aplicação literal de condições restritivas, mas se mantém apenas como princípio regulador que auxilia a reflexão. No contexto de construção constitucional, perguntariamos então, não necessariamente se os atores realmente ignorariam seus interesses no processo de construção constitucional, mas apenas se eles admitiriam suspender — ou cancelar — as vontades de seus interlocutores em nome das conseqüências de seu conhecimento real. Essa segunda premissa pode ser interpretada, é claro, meramente em termos do resultado: se a Constituição se realizou como o que poderia ser o produto de pessoas ignorantes, ou naquele momento desligadas, de seus interesses. Nesse caso, poderíamos ter uma razão para atribuir racionalmente o "véu de ignorância" aos atores. Porém, ela pode se referir também ao processo. Agiram os participantes de tal modo que poderíamos crer racionalmente em algo que é, obviamente, uma ficção: que eles agiram como se não conhecessem ou se distanciassem de seus interesses? Essa crença ou estranha afirmação só se faz plausível se descobrirmos outros princípios em atuação no processo real que levaram a soluções institucionais e que reduziram de modo demonstrável o papel dominante de alguns interesses particulares, dos quais os atores devem, obviamente, estar cientes.

PRINCÍPIOS DE CONSTRUÇÃO CONSTITUCIONAL

Devemos ir além da idéia de utilização de um modelo — ou mesmo uma forma organizacional específica — para avaliar esforços na política constitucional. Mas devemos também superar a tendência liberal a enfocar, no caso das constituições, apenas o resultado substantivo, e não os processos de institucionalização e re-institucionalização. Um modo de fazê-lo é encontrar princípios que nos auxiliem a formar uma perspectiva contrafatual, com soluções institucionais que tenham ajudado a alcançar legitimidade democrática na história do constitucionalismo. Do meu ponto de vista, a influência contínua e global do constitucionalismo americano deve-se não apenas à posição histórica pioneira e à estabilidade da Constituição americana, mas também a uma série de princípios levados realmente a sério no momento de origem, assim como nos períodos posteriores da Reconstrução. Esses princípios mantêm posições importantes nas narrativas contadas e recontadas sobre a tradição constitucional, seguindo a primeira historia, contada por Madison e seus colegas. Embora não se possa esperar institucionalizar todos esses princípios em formas correntes de procedimentos de políticas constitucionais, se não se prestar atenção à sua combinação suficiente construções constitucionais não podem ser bem sucedidas.

a. Publicidade

Como se sabe, a Constituição americana foi redigida sem qualquer acesso público ao processo, enquanto as Constituições francesas de 1791 e 1793 foram produzidas sob a observação, e com a participação, de galerias abertas. De fato, dois modelos empíricos da esfera pública estão envolvidos aqui: um na ausência de qualquer constrangimento (os Estados Unidos) e outro em que os pontos de vista relevantes podiam ser ouvidos (França). A superioridade do modelo americano foi alcançada apenas quando, completada a tarefa da Convenção, o processo foi plenamente aberto, em encontros formais e informais, pela imprensa, por panfletagem, e pela eleição de assembléias para ratificação. É bastante importante que os delegados do processo secreto sabiam que ele teria que ser subseqüentemente aberto para assegurar a ratificação. Esse modelo de comunicação conseguiu, assim, recombinar as dimensões separadas de uma esfera pública livre em um processo de conseqüências significativas. A Bill of Rights foi produto não da Convenção, mas do processo público de discussão e crítica. Atualmente, é impensável que uma construção constitucional legítima pudesse contornar uma ampla discussão pública. Essa discussão socializa os atores principais, que devem, assim, conduzir e defender posições para as quais argumentos normativamente convincentes podem ser pensados. Além disso, ela permite que pontos de vista sub-representados sejam expressados e ouvidos. Mas os formuladores de constituições necessitam ainda a liberdade plena de deliberação. Portanto, as duas dimensões de publicidade — deliberação e abertura — devem estar ligadas em um único quadro organizacional.

b. Consenso

Uma Constituição norte-americana poderia ter sido produzida por aqueles estados com a maioria da população, deixando provavelmente pouca opção a estados menores que não concordassem ao fim com os termos impostos pela maioria. A norma de votação utilizada pela Convenção, porém, deu um voto igual a cada estado, permitindo potencialmente um veto da minoria de uma decisão da maioria. No que concerne aos resultados, nos temas mais difíceis daquele tempo (como representação de estados versus dos indivíduos; representação sulista), foram preferidas fórmulas consensuais, mesmo quando a maioria poderia ter-se imposto. Atualmente, salvo por questões de federalismo, a representação política partidária é também uma área importante na qual soluções consensuais são possíveis e desejáveis. Tanto a Lei Fundamental alemã quanto a Constituição espanhola foram projetadas por arranjos consensuais, atravessando clivagens como as entre federalismo e centralismo e entre partidos políticos. Como mostram esses exemplos, mesmo antes do encontro dos órgãos formuladores constitucionais, pode-se elaborar normas eleitorais, como representação proporcional, incorporando a preferência ao consenso sobre a democracia majoritária ao menos no nível de políticas constitucionais. Sob normas eleitorais e de decisão majoritárias, as constituições resultantes refletem apenas a visão majoritária.

c. Continuidade Legal

Evidentemente, houve significativos desafios à legalidade no processo de produção da Constituição americana. A Convenção tinha como função recomendar emendas aos Artigos da Confederação; mas, ao invés disso, ela produziu outra Constituição. Ela propôs um método de ratificação diverso das normas de revisão dos Artigos. Ainda assim, houve tentativas bem intencionadas de reparação de uma legalidade ameaçada. Madison e seus colegas levaram ao Congresso suas recomendações, e não tentaram contorná-lo apelando diretamente à população do país ou dos estados. E mais, tentaram fazer com que a nova norma de ratificação fosse ela mesmo aceita como uma emenda aos Artigos. Embora o Congresso não tenha formalmente emendado os Artigos, atendeu à reivindicação da Convenção, remetendo a Constituição para a aprovação dos estados. Os estados, por seu turno, não decidiram sobre os procedimentos, mas procederam à organização de convenções especiais, como especificavam ambas, Convenção e Constituição. Não se pode negar que uma continuidade legal bastante ameaçada foi assim ao menos parcialmente restaurada. Em todas as tentativas recentes de construção constitucional parlamentar, da Espanha à Hungria, da Polônia à África do Sul, o processo de emenda produziu, seja novas normas de ratificação para constituições completamente novas, ou então constituições totalmente revisadas e produzidas ao modo de um quebra cabeças. Em qualquer dos casos, a continuidade legal foi preservada.

Essa continuidade legal é especialmente importante na defesa da identidade e da segurança dos indivíduos em meio a transformações políticas em grande escala. Ela anuncia à população que seus governantes estão sempre sujeitos à lei, e não podem simplesmente impor sua própria vontade, arbitrária.

d. Pluralidade de democracias

A Constituição americana foi redigida por delegados de legislaturas estaduais e, de acordo com seu desejo, ratificada por convenções estaduais especiais, eleitas com esse único propósito. Constituições modernas são produzidas geralmente por dois mecanismos democráticos: a assembléia que redige (parlamento regular ou assembléia constituinte) e referendos populares (nacionais ou federais). Dadas as implicações exclusivas de qualquer tipo de procedimento democrático formal, a combinação de uma pluralidade de formas tem um efeito compensador importante. De fato, historicamente, nem todo referendo foi bem sucedido na ratificação das constituições; o que demonstra que, quando aqueles que foram inicialmente excluídos têm aberto algum outro canal de participação, eles podem usar — e usarão — este canal em algo mais que de modo simbólico. Da parte dos atores inicialmente envolvidos com a elaboração da Constituição, a abertura de um segundo e inteiramente diferente recurso democrático para o povo representa um ato de boa fé. Além disso, o período trancorrido entre dois procedimentos democráticos prove oportunidades especiais para uma discussão pública que tem então a proposta completa disponível — e que ainda pode ser modificada por aqueles que sejam suficientemente ativos e organizados.

Em todos os países, pode-se combinar formas diretas e representativas de democracia. Em países organizados de modo federativo, ou em países com governos locais fortes e independentes, um segundo eixo de pluralidade é oferecido segundo dimensões centralizadas e decentralizadas. Quanto mais tipos puderem ser combinados em um procedimento plausível, maior será a legitimidade democrática potencial da Constituição.

e. O véu da ignorância como processo empírico

A idéia do véu de ignorância nos chama a atenção para a necessidade da pluralidade de princípios, que deve ser levada a sério para que se possibilite um procedimento de construção constitucional justo. Em um sentido bem mais limitado, porém, a essa idéia pode ser dado algum conteúdo empírico imediato. Embora não seja possível que os atores ignorem suas próprias necessidades e interesses, há contextos empíricos que podem reduzir a extensão na qual eles possam utilizar esse conhecimento numa direção particular. No que segue, listarei apenas os principais desses contextos, com um pequeno comentário.

1. Construção constitucional e legislação

Esse é um modo pelo qual os atores podem se colocar em uma posição na qual eles podem não perceber inteiramente a relação entre seus interesses pessoais e escolhas específicas de forma. Um desses mecanismos é realizado pela fórmula americana, ou pelas assembléias constituintes tradicionais, especialmente com uma norma como aquela inspirada por Robespierre (embora desafortunadamente desastrosa naquele momento), proibindo os constituintes de concorrer às primeiras eleições regulares. Fórmulas como essas, evidentemente, estabelecem um véu de ignorância apenas para os indivíduos, e não para grupos, regiões, partidos ou classes.

2. A criação ou revisão de normas eleitorais

A experiência mostra que a criação de novas normas eleitorais sempre deixa os partidos políticos, independente do que eles possam pensar, menos que plenamente capazes de antecipar as relações de poder do futuro. Portanto, a menos que estejam absolutamente satisfeitos com a norma eleitoral existente e queiram estruturar várias outras dimensões na ordem constitucional a seu redor, os formuladores das constituições se esforçarão para escolher uma nova norma eleitoral com resultados incertos. Evidentemente, esses resultados serão mais incertos quando normas eleitorais não são efetivadas por imposição, e, de fato, serão mais incertos quanto mais distante no tempo for o momento de elaboração da norma da eleição mais próxima. As normas eleitorais, é claro, representaram um dos temas mais importantes — e mais controversos — enfrentados pelos constituintes americanos.

3.O tempo de construção constitucional

O problema do véu de ignorância pode ser traduzido como aquele de se encontrar um tempo ótimo para fazer decisões. Atores relevantes podem resolver agir em um momento — e mesmo resolver deliberadamente agir — em que seu conhecimento sobre a relação entre interesse e forma é insuficiente. Adam Przeworski69 69 Adam Przeworski, Democracy and the Market Politic and Economic Reforms in Eastern Europe and Latin America (1991). , por exemplo, cujo interesse parece se limitar à estabilidade da democracia ao invés de questões de justiça, usa a categoria de véu de ignorância para descrever uma situação real em que os atores não conhecem o balanço das forças em sua sociedade. Ele enfoca em particular a questão de se as forças serão fortes ou fracas em uma contestação democrática, se elas pertencerão, ao final, a maiorias ou minorias. Nesse contexto, de acordo com Przerowski, os atores irão optar por um quadro institucional que envolva grandes pesos e contrapesos, incluindo a proteção a minorias. Um quadro institucional como esse terá grande chance de controlar conflitos subseqüentes e se tornar estável. Quando os atores estão realmente cientes do balanço de forças, tanto faz se as escalas estão ou não equilibradas, as chances de estabilidade constitucional futura são bem menores. Przeworski segue argumentando que os atores podem estar em uma posição de ignorância no que diz respeito a seus interesses em um campo futuro de forças na medida em que eles formulam suas instituições antes de eleições ou depois de uma eleição que se mostrou não decisiva. A segunda dessas condições, porém, não se abre à formulação, enquanto a primeira é uma opção apenas para construção constitucional parlamentares, já que assembléias especiais e convenções não podem legitimamente adiar suas funções de construção constitucional.

F. Reflexividade

Aprender a partir do passado — ou construir um processo capaz de aprender consigo mesmo — é, no início, um princípio cognitivo, mais que normativo. No entanto, eleitorados têm o direito de esperar que aqueles que eles elegeram para a importante tarefa de projetar sua instituições aprendam com todas as experiências relevantes. Ademais, a reflexividade pode requerer também que o processo de formulação, assim como seu produto, estejam abertos à reflexão e à crítica. De fato, muitos dos resultados constitucionais têm sido previamente delineados, historicamente, pelos métodos de construção constitucional, e mesmo antes, pelos métodos de escolha de delegados. Nos Estados Unidos, por exemplo, o fato de que os delegados foram escolhidos por legislaturas estaduais, em uma maneira similar à eleição do Congresso, tornou mais ou menos inevitável que um processo de ratificação que envolvesse votação por estados fosse escolhido pela Convenção. Isso poderia ser usado como argumento contra a representação popular baseada em um número de indivíduos em cada estado. Perguntou-se se, sendo a votação por tamanho da população desejável, por que não votar desse modo aqui? Quando permitida a se engajar conscientemente em um debate público sobre o projeto de procedimentos de construção constitucional, uma comunidade política pode ganhar acesso aos produtos de uma fase de decisiva importância, na qual, de fato, muitos temas cruciais serão decididos. Na medida em que um procedimento envolve um horizonte de tempo, permanece aberta à discussão eoà: crítica em seus diversos estágios.

Muitos dos esforços de construção constitucional ao longo dos últimos vinte anos foram caracterizados por uma reflexividade crescente. Todos os principais esforços mostram indícios de que os atores principais aprenderam com os repetidos fracassos de construção constitucional revolucionária democrática, e que reconhecem a necessidade de satisfazer as exigências de democracia e legalidade de uma nova maneira. Demonstrou-se ser especialmente útil a reflexão sobre o fracasso dos esforços revolucionários democráticos passados na comunidade política própria, como foi o caso da Alemanha em 1848 e da Espanha em 1977. Nesse sentido, a reflexividade acarretou também o debate consciente e finalmente a integração de muitos dos princípios de construção constitucional listados nesse artigo. Mais recentemente, nas "revoluções" da Europa Oriental, contrárias à herança da "Revolução", foi possível fazer o aprendizado a partir do passado ainda mais consciente e frutífero para o constitucionalidade. Particularmente, a inovação institucional das Mesas Redondas na Europa Central permitiu a formulação de mudança radical, cuja legalização poderia ser efetivada por parlamentos subseqüentes.

Polônia e Hungria alcançaram um grau maior de reflexividade no momento em que o processo de construção constitucional foi concebido, de início (embora talvez de modo relutante por muitos), de modo a envolver estágios distintos. Isso já havia sido permitido por algum aprendizado, enfatizado por Rawls, no que concerne à interação dos processos constitucional e legislativo.

Por fim, na África do Sul, um método de construção constitucional temporalmente estenso, com diversas atapas cuidadosamente delimitadas, organizou-se formalmente com a intenção de lidar com problemas fundamentais apenas quando estes eram passíveis de uma decisão consensual, permitindo assim a cada solução que preparasse os fundamentos políticos, sociais e psicológicos enfrentar-se o problema seguinte. Assim, o país, organizando o recurso escasso do tempo e utilizando-o plenamente, capacita-se aparentemente a percorrer o caminho difícil do consocionalismo à constitucionalidade.

CONCLUSÃO

Evidentemente, há a possibilidade de um aprendizado excessivo sobre o domínio legal, como nos adverte Niklas Luhmann70 70 Niklas Luhmann, A Sociological Theory of Law (1985). . Aprender pode significar também o aprendizado de não aprender. Constitucionalismo implica, necessariamente, elevar o patamar de aprendizado possível; ou seja, que se tente não aprender imediatamente frente às frustações empíricas. Em constituições, esse efeito é alcançado através de normas de emenda relativamente severas. No que diz respeito à construção constitucional, a mesma exigência significa que o processo não deve ser deixado aberto indefinidamente. Como mostra o caso extremo da Grã-Bretanha, uma das fragilidades cruciais de construção constitucional parlamentar normal é a ausência de uma legitimidade suficiente para encerrar o processo, o que significaria atar as mãos de parlamentares futuros e elevar ilegitimamente o Parlamento presente a um status superior ao de seus subseqüentes. Simultaneamente, podemos ver agora que construção constitucional parlamentar, como exemplifica o bem sucedido caso espanhol, pode fazer justiça a muitos dos princípios apresentados nesse artigo. É claro que a construção constitucional parlamentai* sempre pode apoiar-se no princípio da continuidade legal. Isso pode significar, ou não, trabalhar sob uma norma difícil de emenda71 71 Quando não, seria aconselhável estabelecer uma norma de ratificação de alguma dificuldade. . Adicionalmente, quando envolve grande exigência de consenso, e quando suplementado por extensas discussões públicas e outros canais democráticos (diretos ou federais), a construção constitucional parlamentar pode gerar uma autoridade legítima suficiente para encerrar definitivamente o processo, ao estabelecer uma Constituição significativamente mais difícil de emendar.

A despeito do mau exemplo da primeira assembléia constitucional genuinamente democrática (a Convenção Nacional francesa de 1793), encerrar o processo, ao menos em princípio, parece fácil para esses órgãos. Nesse caso, porém, os exemplos históricos apontam para a dificuldade de se organizar procedimentos consensuais de redação e processos de participação pública. Como foi percebido por Hannah Arendt, a descontinuidade legal radical implicada por essas assembléias torna extremamente difícil a manutenção da autoridade de um produto frente às mudanças da opinião democrática72 72 Arendt, supra nota 4. . Além disso, na dependência de um público mobilizado, os redatores encontram sérias dificuldades para integrar opiniões derrotadas ou minoritárias em um consenso que reflete também os desejos e interesses de partes não-mobilizadas e minoritárias da população. De fato, se os procedimentos se abrem inteiramente ao público — algo difícil de se evitar em tempos de mobilização revolucionária —, essas assembléias podem ter dificuldade em respeitar o princípio da coerência, sem o qual as consituições não podem funcionar.

Essa argumentação vai no sentido de inverter a classificação da formas de construção constitucional característica a todas as teorias democráticas de constituições consideradas aqui. De acordo com ela, o modelo americano preserva seu orgulho da prioridade apenas se notarmos, novamente, quão difícil tem sido imitar esse modelo em situações nas quais a cultura política subjacente, as condições institucionais herdadas, e as condições de consenso são significativamente diferentes. A construção constitucional parlamentar revela-se como a segunda melhor opção, conquanto incorpore vários dos princípios enfatizados aqui. Segue-se o padrão evolutivo, historicamente excepcional, no geral inimitável, e certamente não formulavel, seguido pela construção constitucional revolucionária democrática. Somente as constituições produzidas pelo Executivo merecem realmente as restrições de Arendt a respeito de construção constitucional governamental. Devemos persistir criticando esse caminho, a despeito do aparente sucesso da Quinta República, como um mecanismo de difícil legitimação e potencialmente autoritário, tanto para a construção constitucional quanto para revisões em larga escala da Constituição.

ADENDOS

Adendo a: Formas de construção constitucional — Evidentemente, uma taxonomia baseada no tipo de agência (ou, no caso de constituições não escritas, no processo histórico) envolvida em construção constitucional não é a única interpretação possível. Desconsiderando os diferentes status jurídicos de instâncias de construção constitucional propostos por Jon Elster ("Constitution Making in Eastern Europe: Rebuilding the Boat in the Open Sea". Pub. Admin. Rev. 169,1993). mesmo nos casos da Convenção de Filadélfia de 1787 e da Assembléia Constituinte francesa de 1789-1791, especificamente comparadas por ele, devemos examinar as assembléias de construção constitucional a partir de um quadro analítico mais diferenciado. Elster enfatiza as seguintes questões: (1) Quem convoca a assembléia, e se está permanece dependente daquele; (2) Quais as normas internas adotadas pela assembléia, e, particularmente, se o processo é público; (3) Qual o processo de ratificação adotado? Além disso, Elster trata essas três questões em termos de uma distinção importante entre legitimidade política "ascendente", "horizontal" e "descendente" (upstream, midstream and downstream). Nenhum desses critérios, é claro, é aplicável ao caso das constituições não escritas, enquanto meu critério de agência ou fonte é também obviamente limitado nesses casos. Mais importante, no caso dos outros três tipos de processos constituintes, muitas das questões que interessam Elster seguem-se automaticamente do tipo de agência de construção constitucional envolvida. Apenas no caso do segundo modelo a assembléia pode se libertar plenamente da instância convocatória. Pela teoria de Sieyès, esse tipo de assembléia deve se tornar livre nesse sentido — mesmo que a batalha de 1791, sobre a possibilidade de um veto real do texto constitucional, tenha exigido de Sieyès e seus seguidores um tremendo esforço para afirmar com sucesso essa concepção. Até onde sei, a problemática, no sentido legal, para o modelo em questão não foi subseqüentemente posta em dúvida. No caso de um modelo como o da Convenção da Filadélfia, por outro lado, a relação entre quem convoca e a assembléia permanece indefinida até o fim, e apenas uma auto-limitação ao menos por um dos lados poderia evitar um conflito fatal na relação entre a instância convocadora e a instância de construção constitucional — uma situação de poder dual. Em 1787, foi o Congresso que praticou a auto-limitação quando mandou a Constituição para ratificação pelos estados, em contradição com suas próprias regras, em um processo no qual nove votos "sim" levariam à aprovação. Por outro lado, na Alemanha, onde os formuladores constitucionais tiveram que buscar um status mais baixo logo de início, foram eles que praticaram a auto-limitação, e perderam no único caso de conflito com os primeiros ministros dos Länder. (Merkl, supra nota 15, pp. 65-67). Porém, na Alemanha em 1948 e 1949, os mesmos partidos políticos que dominaram tanto os Länder quanto o conselho mediaram a maioria dos conflitos potenciais. Nos casos de construção constitucional por legislaturas normais, é impossível sustentar o mecanismo de assembléia. No entanto, a instância formuladora constitucional em caso algum é emancipada de limites legais prévios. O tema das normas internas é, de fato, bastante variável, e portanto resistente à classificação. No entanto, o crucial tema procedimental de publicidade dos procedimentos pode ser resolvido com referência a meus quatro tipos de processo constituinte. A construção constitucional executiva não é, jamais, pública, enquanto o método parlamentar normal deve sempre o ser, ao menos no sentido formal. Na realidade, como é óbvio, as decisões de fato, nesse como em todos os casos, tendem a gravitar em torno de sessões informais secretas, as quais, como mostra o recente caso espanhol, são expostas a vazamentos e revelações à imprensa. Por fim, assembléias constituintes e convenções são, em teoria, livres para seguir os modelos originais americano (de sessões secretas) ou francês (de sessões públicas). Porém, nas condições contemporênas, é muito difícil evitar a exigência da publicidade, e é difícil imaginar como uma assembléia nacional pudesse evitar a combinação de publicidade formal e decisões secretas características de parlamentos normais. Por essas razões, não há necessidade ou possibilidade de emprego as duas primeiras distinções de Elster para propósitos taxonômicos. Porém, sua última distinção, o método de ratificação, poderia ser usada para adicionar cinco subtipos a cada um de meus primeiros quatro tipos: não ratificação; ratificação por referendo nacional; ratificação por eleitorados provinciais; ratificação por assembléias provinciais; e ratificação por convenções provinciais especiais. No caso de um Estado federativo todas as cinco categorias são possíveis, ao menos em teoria, enquanto no caso de estados centralizados apenas as duas primeiras são úteis. Além disso, é fundamental saber se os referendos são precedidos por discussões públicas significantes. Porém, essas diferenças, e o grande número de subtipos que elas trazem — em princípio, senão na história real —, não requerem a substituição do leque mais simples de cinco tipos por um de vinte e cinco ou cinqüenta tipos, dos quais muitos nunca tiveram uma realização histórica.

Adendo b: Arendt e a Constituição americana — Pode-se criticar H. Arendt tanto por um traço de inconsistência como por uma falta de realismo em tirar vantagem da circunstância favorável — mas inteiramente contigentes — de que a Constituição americana poderia se tornar legitimamente mais um produto de governos constituídos, ao contrário da Constituição francesa de 1791. Evidentemente, a diferença de pontos de partida faz toda a diferença. Os governos, ou, como ela prefere tratá-los, os "corpos políticos" dos estados americanos já se fundavam em princípios estatais republicanos, mais que estamentais hierárquicos. Mesmo antes das críticas de Edmund Burke, mas se apoiando no exemplo americano, os seguidores de Mounier desejaram construir a nova monarquia constitucional na França sobre ao menos alguns dos poderes constituídos (como a monarquia hereditária). Falharam decididamente na tentativa, dadas tanto a natureza das instituições hereditárias como as políticas de seus dirigentes ( Cf. R. R. Palmer, The Age of Democratic Revolution, citado no texto, nota 19). Como é evidente, Sieyès tentou tirar vantagem dessas condições, o que lhe deu uma oportunidade de resolver, supostamente para sempre, o problema da fundação de uma nova sociedade política. Porém, na situação dada, é quase impossível negar o fato de que ele fez da Assembléia Constituinte uma encarnação da nação como um poder constituinte, e portanto a única fonte de poder e de autoridade legal. Embora não haja razão para negar a dificuldade enfrentada pela França em seguir o modelo americano, vale enfatizar o resultado negativo da solução particular que inspirou tantos construtores constitucionais posteriores. O ponto de vista de Arendt não é exatamente o de que os franceses poderiam ter agido de modo diferente. Esta é uma posição de Burke, o qual acreditava que as instituições estamentais do passado poderiam ter sido preservadas e mantidas como alicerce. Seu argumento é, mais exatamente, o de que os americanos podiam, eles também, ter feito dois erros, que não fizeram: (1) o de perder seu poder constituinte ao sacrificar o poder constituído dos estados; (2) o de derivar de uma única fonte tanto o novo sistema de poder como a autoridade da Constituição. De acordo com Arendt, os americanos estavam em posição vantajosa, já que seus poderes pré-estabelecidos eram pequenas repúblicas, e portanto incorporavam exatamente a forma política que desejavam estabelecer na nova federação; uma forma que representou, entre outras coisas, uma solução para uma constituição nova e construída sobre poderes constituídos. Em particular, as instituições políticas e as constituições dos estados que elegeram os delegados para a Convenção Constitucional, e a quem se creditava a função da ratificação, permaneceram em plena força durante e após o processo constituinte. (H. Arendt, On Revolution, pp. 165-166). De fato, preservar uma constituinte organizada federativamente foi uma luta difícil na Convenção da Filadélfia. Mas as normas de votação adotadas de início, assim como o procedimento de ratificação que emergiu da Convenção, implicaram a sobrevivência dos estados como, no mínimo, elementos importantes da União, cujo poder constituinte, e posteriormente de emenda, não se basearia meramente na coleção de indivíduos no país como um todo. De resto, como bem se sabe, o entusiasmo de Arendt pelo esforço americano em construção constitucional vem temperado por críticas. Ela acreditava que os americanos limitaram muito apressadamente os poderes do governo, falhando portanto em institucionalizar a liberdade pública — cujo exercício criou a Constituição. Não obstante, esse argumento não é formulado de modo consistente, já que a algo relutante liberal Arendt apoia também o estabelecimento das liberdades civis como um dos mecanismos de proteção da esfera privada, sem a qual a participação pública se torna impossível. Liberdades civis auxiliam na proteção da política do impasse de uma revolução permanente, o que torna impossível a produção de uma constituição estável — de seu ponto de vista, o verdadeiro "fim" de uma revolução. Portanto, a crítica de Arendt à Constituição americana se reduz ao fato de que os americanos não estabeleceram a liberdade pública em uma forma semelhante ao que Jefferson propõe como um sistema distrital, um tipo de "federalismo dentro do federalismo", ou elementos de democracia direta como escolas de cidadania e participação. No entanto, esta questão diz respeito a conteúdos constitucionais, e não se refere diretamente a métodos de construção constitucional. Arendt é bastante cética em relação a duas "propostas" anteriores de Jefferson, dirigidas a políticas constitucionais: uma que concerne a revoluções periódicas como desejáveis, outra que envolve o projeto de realizar uma convenção constitucional a cada geração. De acordo com ela, a primeira idéia confunde liberação e revolução, enquanto a outra desconsidera a importância de um sistema estável de autoridade legal para a institucionalização de um governo republicano.

Adendo c: Continuidade e descontinuidade legal — Em meu artigo "Constitution and Continuity in the Transitions". (Constellations nº 1 & 2, 1994) eu próprio inclinei-me a aceitar o argumento pela descontinuidade legal. No entanto, espanta-me o fato de que uma "revolução" contra o Congresso da Confederação tenha se assemelhado na forma, embora provavelmente não na violência política, à segunda Revolução Francesa de 1792 contra a Assembléia Legislativa, mais que à Revolução de 1789 contra o "antigo regime". Não surpreende que Madison se esforçasse tanto para demonstrar a legalidade das ações da Convenção; é um erro considerar esses esforços como meramente "legalistas". Com a exceção da justificativa da ratificação por apenas nove estados — em que ele realmente se utiliza de um estratagema legal e admite por fim que a Convenção "excedeu seus poderes"—, os argumentos de Madison para a legalidade no sentido estrito são sérios e merecedores de consideração. (Cf. The Federalist, 40, por James Madison). Evidentemente, a Convenção realmente excedeu sua autoridade real além do único sentido admitido — suas ações foram "informais", seus privilégios "presumidos", suas propostas "não-autorizadas" (Madison, no Federalist, 40). Mas não era uma esperança vã a de que essas irregularidades ainda pudessem ser tornadas consistentes com a legalidade — isto é, serem posteriormente apagadas —, conquanto esse esforço incluísse não apenas as ações dos eleitores e delegados às convenções estatais, mas, em primeiro lugar, as ações das autoridades corretamente eleitas que mantiveram seu status de 1787 a 1791. Madison indubitavelmente argumenta, com outras palavras, que a Convenção não teve "poderes reais e finais para o estabelecimento de uma Constituição para os Estados Unidos... [seus] poderes eram meramente consultivos e de recomendação; que assim eram expressados pelos estados, e entendidos pela Convenção..." Madison afirma também, no mesmo texto, que a Constituição proposta não teria "maior conseqüência do que o papel em que é escrita, ao menos que seja selada com a aprovação daqueles para quem se dirige". Sem dúvida, Ackerman interpretaria esses destinatários como "we the people", como sugerem as sessões seguintes em Federalist 40, as quais ele, compreensivelmente, enfatiza. Porém, o contexto dado indica o Congresso e os estados como os únicos canais legais pelos quais o povo poderia ser endereçado. O próprio Madison se esforçou consideravelmente para levar o Congresso da Confederação a votar favoravelmente à Constituição e a seguir as recomendações de ratificação da Convenção. Perder de vista as razões pelas quais Madison agiu assim, além do fato de que ele foi bem sucedido em uma parte significativa de seus esforços, leva ao postulado incorreto de uma ruptura revolucionária no sentido legal. Claramente, não poderia haver uma ruptura assim no nível político, precisamente porque a autoridade política nos Estados Unidos em fins do século XVIII, antes e depois da elaboração da Constituição, estava investida primeiramente nas mãos de governos estaduais, que não foram postos em dúvida e que estavam sob constituições estaduais. Portanto, se o princípio de que a Convenção Constitucional derivou sua autoridade fundamentalmente do povo era revolucionário, esse princípio revolucionário era já institucionalizado, e, como diríamos hoje, auto-limitador (cf. Palmer, The Age of Democratic Revolution, nota 19, pg. 231). Isso significa, porém, que o princípio revolucionário estava circunscrito pela lei — uma lei que representava o princípio da continuidade em meio à mudança constituicional. Porém, se fosse uma interpretação melhor a que postulasse a posição dominante dos "revolucionários" no período de construção constitucional, e reduzisse seus esforços por permanecer dentro da lei a um "mero show" (como sustenta C. Schmitt na sua obra sobre teoria constitucional) e se devêssemos insistir no poder real e final da Convenção de estabelecer uma Constituição para os Estados Unidos e de contornar todos os poderes estabelecidos, um poder limitado apenas pela necessidade da ratificação final —, então uma fórmula dualista se tornaria, com efeito, monista. A dificuldade surge em explicar como as autoridades constituídas conseguiram ganhar tamanha influência sobre o desenho constitucional (na realidade consolidando sua posição mediante a regra não-emendável concernente à representação equitativa dos estados no Senado); como, ao fim, os federalistas foram forçados a conceder uma Bill of Rights dirigida naquele momento contra o novo Congresso apenas, e não os estados; e assim por diante. Seria muito melhor, na minha opinião, ver a redação da Constituição americana como uma combinação especial de quebra e continuidade, revolução e legalidade; ou seja, como uma revolução dentro da continuidade e, em um sentido tênue e contestável, dentro também da legalidade. Seria melhor afirmar, de modo menos ambíguo que o de Ackerman, que o resultado dualista dos Estados Unidos seguiu um processo dualista.

Evidentemente, Ackerman pode apelar também à autoridade de Arendt e reafirmar sua ênfase na ligação genérica entre revolução e criação constitucional, e sua insistência em que o processo de construção constitucional é fundamentalmente um processo revolucionário. No entanto, isso não é o mesmo que enfatizar o caráter dualista desse processo, o qual, em uma versão de sua tese, Arendt enfatizou. Aqui jaz a fonte da ambivalência metodológica de Ackerman no que diz respeito à política dualista — expressa por sua aceitação não crítica e não refletida (e bastante entusiasta) da opção de construção constitucional através de uma assembléia constituinte soberana — e sua aparente falta de percepção da distância entre as fórmulas clássicas americana e européia. Evidentemente, foi o modelo europeu o mais frequentemente associado com a tradição revolucionária. Mas a distância entre a tradição revolucionária e o procedimento da Convenção da Filadélfia se reduz significativamente, o que resulta na ênfase de Ackerman na ilegalidade do método da segunda. Evidente está que os delegados do Estados Gerais franceses agiram ilegalmente quando resolveram unir os três estados e permanecer em sessão — qualquer que seja o desejo de seu convocador, o monarca — até oferecer à França uma nova Constituição. O argumento pela ilegalidade da Convenção da Filadélfia é superficialmente similar. O Congresso autorizou a Convenção a emendar o texto dos Artigos da Confederação. Eles produziram, unilateralmente, um novo. A norma de emenda dos Artigos requeria ratificação unânime por todos os Estados. A Convenção optou, de novo unilateralmente. pela ratificação de nove dos treze estados como suficiente. Ademais, eles mudaram o local de ratificação das legislaturas estatais para convenções estatais especialmente eleitas, lembrando sua própria forma, irregular e quase-revolucionária. Contra tudo isso, porém, as diferenças entre as duas assembléias permanecem significativas. A Convenção da Filadélfia assumiu poderes de construção constitucional apenas. Ademais, ela não os assumiu plenamente, como fez a Assembléia francesa, que eliminou o veto real e não permitiu ratificação popular de seu trabalho — a saber, a Constituição de 1791. Por outro lado, a Constituição americana, que continha as novas normas de ratificação (artigo VII), foi submetida ao Congresso, que certamente as aprovou, ao menos tacitamente, ao submeter em seguida o documento aos estados. Ao Congresso foi dada a oportunidade de insistir — e ele poderia realmente ter insistido — na ilegalidade dos atos da Convenção, e de se negar a seguir o artigo VII, optando alternativamente por seguir os Artigos da Confederação. Além disso, as legislaturas estaduais poderiam ter se negado a convocar a eleição para as convenções especiais de ratificação que as deixaram para trás. Uma ruptura integral do antigo regime seria possível apenas depois dessa recusa, se os partidários da Convenção tentassem e fossem bem sucedidos em ratificar a Constituição a despeito da resistência dos poderes constituídos. Mas esse cenário poderia ter implicado uma revolução que não se voltava contra uma autoridade tida como tirânica (como as revoluções de 1776 e 1789), mas contra um governo admitidamente débil mas republicano. O que é urna segunda revolução contra uma autoridade democrática senão um passo em direção a uma revolução permanente ou uma contra-revolução?

Adendo d: Construção constitucional parlamentar — Pode ser útil rever um precedente que pode estar guiando Ackerman, embora ele não o mencione. O modelo britânico de soberania parlamentar jamais representou em si um método de construção constitucional, e foi freqüentemente utilizado na Inglaterra para negar a legitimidade de uma constituição escrita que estabelecesse uma segunda dimensão de produção legal, entrincheirada ou "ilhada" (cf. Hart, The Concept of Law, pp. 145-147). De acordo com a interpretação dominante, a única coisa que, em lógica, o Parlamento não pode fazer é amarrar as mãos de seu sucessor por tornar inexpugnável a legislação constitucional. Não importa quantas vezes uma legislação esteja entrincheirada, há no princípio um voto que necessita apenas da maioria simples. Um Parlamento futuro pode portanto desmantelar até mesmo uma inteira cadeia de defesas ao repelir o voto original de maioria simples para erigir defesas, para depois remover todas as defesas sucessivas. Para além da questão do interesse este exemplo aponta para a questão da validade, e mesmo da legitimidade, em um sentido amplo. Hart, porém, parece estar correto — ambas as opções podem reivindicar validade porque, com base na norma última de reconhecimento da constituição britânica ("o que o Parlamento decide é lei"), pode-se igualmente negar que o Parlamento presente possa ser impedido de tornar inexpugnáveis leis fundamentais à sua escolha, e também que parlamentos futuros possam ser limitados por essas leis entrincheiradas. O que leva a que se decida em favor da segunda posição é provavelmente a tradição, e portanto a legitimidade tradicional, mas há também um princípio moderno de legitimidade envolvido. Com base em que direito, as cortes podem muito bem perguntar, um Parlamento semelhante a seus antecessores (que não se atribuiam tal direito), tanto quanto a seus sucessores, iria limitar drasticamente a liberdade de parlamentos futuros, e decidir toda uma série de questões que eles não serão capazes de decidir ordinariamente? A resposta a essa questão é difícil. O argumento se aplica a um modelo puramente parlamentar de construção constitucional em geral, especialmente um que faria as revisões constitucionais futuras ainda mais difíceis. O ponto a que estou tentando chegar é o de que construção constitucional parlamentar pode bem ter o motivo para cercar de defesas o seu produto constitucional, mas pode esbarrar em problemas de legitimidade ao tentar fazê-lo.

Adendo e: A questão dos princípios — Por que princípios, e por que no plural? Quando uma prática particular deve ser derivada de uma constelação complexa de interesses, tradições, atos de aprendizado e seqüências temporais, um princípio deveria ser enfatizado como a teoria mais normativa, e não como modelos concretos ou normas nitidamente delineadas. Nesse contexto, entendo princípios como padrões normativos nas fronteiras porosas entre a moral e a lei, entre morais universalistas e éticas situadas, que ganham validade em discursos morais e éticos, nos quais vários níveis de condições situadas (cultura política, necessidades e interesses dos participantes, história política etc.) são considerados (cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, 1978; cf. também Jürgen Habermas, Faktizität und Geltung Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des Demokratischen Reschtstaats, 1992). Um princípio, à diferença de uma norma ou de um modelo legal, não é geralmente derivado de um norma legal pré-existente, como uma norma fundamental de reconhecimento (Dworkin versus Hart). Portanto, princípios têm a vantagem de ser capazes de valer-se de recursos morais que não foram formalizados mas estão disponíveis, quando o apelo a recursos legais iria se mostrar inevitavelmente circular, em momentos de fundação. Princípios podem romper esse ciclo vicioso sem recorrer à violência ou a ameaças arbitrárias de uso da força. É por essa razão que o apelo de Arendt por um início que contenha seu próprio princípio faz tanto sentido. Mas é necessário que não restrinjamos o uso de princípios a momentos de ruptura, de mesmo modo que não devemos buscar uma forma organizacional em que um único princípio de legitimidade seja plenamente estabelecido. Princípios podem ainda ajudar no alcance da legitimidade política quando a continuidade legal apenas pode prover condições de segurança e previsibilidade. Ademais, eles são potencialmente plurais, e podem auxiliar a estabelecer a autoridade de um início mesmo em condições em que os processos políticos empíricos baseados em competição estratégica e negociação pragmática desempenham um papel importante. No caso dos princípios, como demonstrou Dworkin, não há um princípio-mestre de reconhecimento que decide qual tem prioridade sobre os outros em processos de justificação. Essa é a razão para que o apelo a princípios inevitavelmente nos leva a considerar uma pluralidade. Isso pode ser uma vantagem na prática, mesmo se for uma desvantagem em teoria. De fato, apenas uma pluralidade de princípios nos permite respeitar suficientemente as circunstâncias, já que um único princípio pode ser muito difícil de se seguir em qualquer caso dado. Um princípio único, se se insistir muito fortemente, pode se tornar uma camisa de força similar àquela de um modelo concreto. Apenas a referência a uma pluralidade de princípios tem a chance de contrabalançar de modo plausivel o papel demasiado grande dos interesses e opiniões situados, no sentido das exigentes, condições do "véu de ignorância". De outro ponto de vista, apenas . quando uma pluralidade de princípios é tomada a sério pode-se sustentar, em qualquer sociedade, que todas as minorias e pontos de vista relevantes foram acomodadas em um diálogo baseado em reconhecimento e respeito mútuo.

Adendo f: O modelo de Rawls — Evidentemente, a discussão rawlsiana da posição original, de modo mais consciente do que teorias do contrato mais antigas historicamente, constrói um contexto ideal e decididamente não histórico. Rawls nos diz que não devemos imaginar a posição original em termos de uma assembléia real com negociações e coalizões. O propósito da construção ideal e hipotética é o de permitir a indivíduos refletirem sobre as instituições que achariam justas, se pudessem assumir uma perspectiva genuinamente universal. Acima de tudo, Rawls está interessado em deduzir e justificar seus dois princípios de justiça, e em defender formas de institucionalização compatíveis com esses conceitos, sob condições históricas específicas. Portanto, em primeiro lugar e acima de tudo ele se orienta por um resultado quando está em jogo a Constituição, e traz uma compreensão idealizada da origem das constituições em sua "seqüência de quatro estágios", de modo a considerar o que deveria ser levado em conta quando consideramos as relações entre seus princípios de justiça e a institucionalização sob circunstâncias históricas concretas. O conceito de "véu de ignorância" é central em sua construção, por lhe dar um modo de imaginar a anulação dos "efeitos de contingências específicas que contrapõem os homens ente si e tendem a levá-los a explorar circunstâncias sociais e naturais para sua vantagem própria" e o estabelecimento de "um procedimento eqüitativo de modo a que quaisquer princípios acordados venham a ser justos". Assim, mais geralmente, o véu de ignorância se refere a uma condição em que os atores "não sabem como as diversas alternativas vão afetar seu próprio caso particular e são obrigados a avaliar os princípios somente com base em considerações gerais" (Theory, p. 136-37). Além disso, é importante notar novamente que, a v despeito do fato de que, em nota de rodapé, Rawls sustente (penso que implausivelmente que seu modelo de quatro estágios reflete a história da (Constituição americana (p. 196 nota 1), o que ele produz é uma série de instrumentos críticos pelos quais aquela (ou qualquer) Constituição pode ser julgada em quaisquer de seus estágios históricos. Além disso, como Habermas nota com acerto, o processo político ao qual a análise de Rawls deveria se aplicar (dado o fato de que ele estava escrevendo em uma circunstância em que democracias constitucionais já existiam) é a reforma social. Em outras palavras, dado que as constituições existentes são tidas como deficientes à luz de seus princípios, o modelo de Rawls sugere que o reformismo liberal ou social democrático teria que levar em conta condições históricas.

  • * "Forms of constitution making and theories of democracy". Cardozo Law Review, vol. 17, 1995, 2.
  • 3 Veja-se em particular os positivistas legais Austin, Kelsen e Hart. Cf, por exemplo, H.L.A. Hart, The Concept of Law (1961).
  • 4 Essa questăo foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963).
  • 5 Cf. Jean Foyer, "The Drafting of the French Revolution of 1958". in Robert A. Goldwin & Art Kaufman (org) Constitution Makers on Constitution Making, 1988 (a seguir,
  • citado como Constitution Making); David Thompson, Democracy in France since 187O.( 5Ş ed,. 1969), pp.232-37.
  • 6  Cf. Foyer, acima nota 5.; Michel Debré, "The Constitution of 1958: Its Raison d'Etre and how it Evolved", in William G. Andrews & Stanley Hoffman (org) The Impacto of the Fifth Republic in France (1981).
  • 12 Para os diversos níveis do conceito de revoluçăo sistęmico, fenomenológico, hermenęutico e legal veja Andrew Arato, "Revolution, Restoration, and Legitimation", in Michael D. Kennedy (org) Envisioning Eastern Europe (1984).
  • 13 Cf. Hajo Holborn, A History of Modem Germany: 1840-1945 (1969).
  • 15 O papel dos Aliados ocidentais pode ser desconsiderado com segurança nesse contexto. Os Aliados desejavam uma assembléia constituinte e um referendo público, mas falharam em realizá-los. Desejavam estabelecer o Federalismo, mas as unidades federativas (os Länder) alemăes desejavam, eles mesmos, esse mesmo sistema, de modo que os mesmos tipos específicos de relaçőes centrais e federais poderiam ter sido desenvolvidos pelos participantes alemăes. Portanto, parece ser correta a conclusăo de Peter Merkl de que "a influęncia dos Aliados foi mais ostentatória que real", mesmo que năo se deva negligenciar a reaçăo pública negativa a seu comportamento. Peter H. Merkl, The Origin of the West German Republic (1963).
  • 19  A famosa frase "je suis le pouvoir constituam" foi, aparentemente, alterada. Cf. R. R. Palmer, The Age of Democratic Revolution, 1760-1800 (1959) pg. 214.
  • 22 Cf. Francisco R. Llorente, The Writing of the Constitution in Spain, in Constitution Makers, pg. 239 (ao lado do comentário por José P.
  • Pérez-Llorca); cf. também Andrea Bonime-Blanc, Spain's Transition to Democracy: the Politics of Constitution-making (1987).
  • 24 Cf. Keith Baker, "Constituition". in M. Ouzof & F. Furet (org) Philosophical Dictionaire of the French Revolution (1989)
  • 33  Cf. Frank Michelman, "Can Constitutional Democrats be Legal Positivists: or Why Constitutionalism? "Constellations , (1996) (em que se introduz o conceito de "sempre dentro da lei").
  • 37  Cf. The Federalist 49 (James Madison) Cf.
  • também Bruce Ackerman, The Future of the Liberal Revolution (1992).
  • 43 Bruce Ackerman, "We, the People", Foundations (1991).
  • 58 Acredito ser esse o ponto no qual a idéia de Arendt de um início que contém seu próprio princípio a confunde. Para ela, um início desse tipo teria que ser organizado em consonância com seu modelo de política normativo e bastante contrafatual. Para um crítica da confusăo de princípios de legitimaçăo e formas de organizaçăo, ver Jürgen Habermas, "Legitimation Problems in the Modern State", in Communication and the Evolution of Society (traduçăo de Thomas McCarthy, 1979).
  • 60 John Rawls, Political Liberalism (1993).
  • 62 John Rawls, A Theory of Justice (1971).
  • 69 Adam Przeworski, Democracy and the Market Politic and Economic Reforms in Eastern Europe and Latin America (1991).
  • 70 Niklas Luhmann, A Sociological Theory of Law (1985).
  • *
    "Forms of constitution making and theories of democracy".
    Cardozo Law Review, vol. 17, 1995, 2. Tradução de Clarice Cohn.
  • 1
    Carl Schmitt,
    Verfassungslehre (1928).
  • 2
    Schmitt não se preocupa com a forma; todas as formas são problemáticas. Importa apenas o "quem", o
    pouvoir constituant — não o como, e nem mesmo o agente específico do
    pouvoir constituant.
  • 3
    Veja-se em particular os positivistas legais Austin, Kelsen e Hart. Cf, por exemplo, H.L.A. Hart,
    The Concept of Law (1961).
  • 4
    Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt,
    On Revolution (1963).
  • 5
    Cf. Jean Foyer, "The Drafting of the French Revolution of 1958".
    in Robert A. Goldwin & Art Kaufman (org)
    Constitution Makers on Constitution Making, 1988 (a seguir, citado como
    Constitution Making); David Thompson,
    Democracy in France since 187O.( 5ª ed,. 1969), pp.232-37.
  • 6
    Cf. Foyer, acima
    nota 5 5 Cf. Jean Foyer, "The Drafting of the French Revolution of 1958". in Robert A. Goldwin & Art Kaufman (org) Constitution Makers on Constitution Making, 1988 (a seguir, citado como Constitution Making); David Thompson, Democracy in France since 187O.( 5ª ed,. 1969), pp.232-37. .; Michel Debré, "The Constitution of 1958: Its Raison d'Etre and how it Evolved",
    in William G. Andrews & Stanley Hoffman (org)
    The Impacto of the Fifth Republic in France (1981). O argumento de Debré de que de Gaulle convocou uma assembléia constituinte é tecnicamente incorreto. Seu argumento de que, na França, o sistema eleitoral toral proporcional
    produziu uma pluralidade de partidos não é confirmado pela história dá Terceira República. Debré acusa ainda a Terceira República de representar um governo de assembléia e de partido, a despeito de seu sistema eleitoral em dois turnos. A referência feita por Debré a essa norma eleitoral é de difícil compreensão, especialmente dada a habilidade deste sistema na produção de maiorias coesas na Quinta República. Evidentemente, a variável que falta é o sistema presidencial. Porém, não há norma eleitoral que tivesse produzido este sistema em 1945. Foi necessária a construção constitucional presidencial para produzi-lo em 1958. De acordo com Debré, foi por "respeito à democracia" que de Gaulle, equivocadamente, não apresentou seu próprio texto constitucional em 1945, momento em que "parecia onipotente".
  • 7
    Um sistema eleitoral majoritário e em dois turnos, como aquele empregado na formação das Terceira e Quinta Repúblicas, pode produzir maior desproporcionalidade que um sistema, plural, se um partido receber uma grande parcela de votos no primeiro turno.Porém, o mesmo sistema pode não reduzir o número de partidos de modo tão eficiente como um plural.:Em, um sistema plural, apenas os partidos capazes de ser os primeiros em distritos membros unitários sobrevivem. Em uma sociedade relativamente homogênea pode haver poucos partidos. Por isso a tendência por eleições pluralitárias na formação de sistemas bipartidários. Em uma sitema eleitoral em dois turnos, sobrevivem os partidos que são capazes de formar coalizões potencialmente bem suceddidas para o segundo turno. Isso significa que partidos que não detêm a liderança — ou mesmo que estão em segundo lugar em um distrito — podem sobreviver e mesmo atuar em um papel importante. De acordo com essa linha de raciocínio, a representação proporcional não criou a estrutura multipartidária da Quarta República, mas apenas permitiu sua sobrevivência nos tempos da Terceira República. Somente a introdução da votação pluralitária de tipo inglês (aparentemente desejada por um círculo de juristas ao redor de de Gaulle e Michel Debré) poderia ter reduzido o número de partidos.
  • 8
    Debré,
    supra
    nota 6 6 Cf. Foyer, acima nota 5.; Michel Debré, "The Constitution of 1958: Its Raison d'Etre and how it Evolved", in William G. Andrews & Stanley Hoffman (org) The Impacto of the Fifth Republic in France (1981). O argumento de Debré de que de Gaulle convocou uma assembléia constituinte é tecnicamente incorreto. Seu argumento de que, na França, o sistema eleitoral toral proporcional produziu uma pluralidade de partidos não é confirmado pela história dá Terceira República. Debré acusa ainda a Terceira República de representar um governo de assembléia e de partido, a despeito de seu sistema eleitoral em dois turnos. A referência feita por Debré a essa norma eleitoral é de difícil compreensão, especialmente dada a habilidade deste sistema na produção de maiorias coesas na Quinta República. Evidentemente, a variável que falta é o sistema presidencial. Porém, não há norma eleitoral que tivesse produzido este sistema em 1945. Foi necessária a construção constitucional presidencial para produzi-lo em 1958. De acordo com Debré, foi por "respeito à democracia" que de Gaulle, equivocadamente, não apresentou seu próprio texto constitucional em 1945, momento em que "parecia onipotente". .
  • 9
    Wiktor Osiatinsky aborda a relevância especial da representação proporcional na eleição de uma assembléia constituinte. Voltarei a isso quando discutir a questão do princípio do consenso.
  • 10
    Arendt, acima
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). .
  • 11
    Thompson, acima
    nota 5 5 Cf. Jean Foyer, "The Drafting of the French Revolution of 1958". in Robert A. Goldwin & Art Kaufman (org) Constitution Makers on Constitution Making, 1988 (a seguir, citado como Constitution Making); David Thompson, Democracy in France since 187O.( 5ª ed,. 1969), pp.232-37. , pg. 144.
  • 12
    Para os diversos níveis do conceito de revolução — sistêmico, fenomenológico, hermenêutico e legal — veja Andrew Arato, "Revolution, Restoration, and Legitimation",
    in Michael D. Kennedy (org)
    Envisioning Eastern Europe (1984).
  • 13
    Cf. Hajo Holborn,
    A History of Modem Germany: 1840-1945 (1969).
  • 14
    Esse é o tópico da única referência de Arendt nesse contexto a
    Verfassungrescht und Verfassungrealität de Karl Loewenstein.
  • 15
    O papel dos Aliados ocidentais pode ser desconsiderado com segurança nesse contexto. Os Aliados desejavam uma assembléia constituinte e um referendo público, mas falharam em realizá-los. Desejavam estabelecer o Federalismo, mas as unidades federativas (os
    Länder) alemães desejavam, eles mesmos, esse mesmo sistema, de modo que os mesmos tipos específicos de relações centrais e federais poderiam ter sido desenvolvidos pelos participantes alemães. Portanto, parece ser correta a conclusão de Peter Merkl de que "a influência dos Aliados foi mais ostentatória que real", mesmo que não se deva negligenciar a reação pública negativa a seu comportamento. Peter H. Merkl,
    The Origin of the West German Republic (1963).
  • 16
    Veja-se Thompson, acima
    nota 5 5 Cf. Jean Foyer, "The Drafting of the French Revolution of 1958". in Robert A. Goldwin & Art Kaufman (org) Constitution Makers on Constitution Making, 1988 (a seguir, citado como Constitution Making); David Thompson, Democracy in France since 187O.( 5ª ed,. 1969), pp.232-37. , pg. 265, cuja descrição negativa e sumária é mais ou menos confirmada pelos detalhes apresentados por Foyer,
    supra
    nota 6 6 Cf. Foyer, acima nota 5.; Michel Debré, "The Constitution of 1958: Its Raison d'Etre and how it Evolved", in William G. Andrews & Stanley Hoffman (org) The Impacto of the Fifth Republic in France (1981). O argumento de Debré de que de Gaulle convocou uma assembléia constituinte é tecnicamente incorreto. Seu argumento de que, na França, o sistema eleitoral toral proporcional produziu uma pluralidade de partidos não é confirmado pela história dá Terceira República. Debré acusa ainda a Terceira República de representar um governo de assembléia e de partido, a despeito de seu sistema eleitoral em dois turnos. A referência feita por Debré a essa norma eleitoral é de difícil compreensão, especialmente dada a habilidade deste sistema na produção de maiorias coesas na Quinta República. Evidentemente, a variável que falta é o sistema presidencial. Porém, não há norma eleitoral que tivesse produzido este sistema em 1945. Foi necessária a construção constitucional presidencial para produzi-lo em 1958. De acordo com Debré, foi por "respeito à democracia" que de Gaulle, equivocadamente, não apresentou seu próprio texto constitucional em 1945, momento em que "parecia onipotente". , pp. 15-17, quem aparentemente acredita que, porque a norma exclusivamente parlamentar da revisão constitucional da Quarta República frustrou uma mudança constitucional genuína, não haveria outro mecanismo de construção constitucional que não desconsiderasse, mais ou menos, o Parlamento como um todo. No entanto, o fato de que o Parlamento votou por uma norma de revisão que elimina seu própria atuação, ou a reduz para uma que seja meramente consultora, indica que não era impossível, ao menos naquele momento histórico, um processo de revisão estrutural do resto das normas constitucionais que incluísse o Parlamento. Poder-se-ia imaginar um procedimento que daria ao presidente um papel importante, embora não totalmente dominante. Já que o Parlamento votou pelo último tipo de norma de revisão, ele poderia ter votado também pelo primeiro.
  • 17
    Note-se que a Rússia falhou em estabelecer uma constituição usando esse mecanismo no verão de 1993, após o colapso da União Soviética.
  • 18
    Atualmente, tanto na Polônia como na África do Sul, casas de suas legislaturas normais sentam, ou ao menos votam, juntos, como uma "assembléia constituinte".
  • 19
    A famosa frase "je suis le pouvoir constituam" foi, aparentemente, alterada. Cf. R. R. Palmer,
    The Age of Democratic Revolution, 1760-1800 (1959) pg. 214.
  • 20
    Para a diferenciação dos quatro tipos de processos constituintes entre os estados durante o período da Revolução Americana, veja a fina análise de R. R. Palmer,
    op. cit. pp. 217-228. Para um melhor exame desse ponto, veja-se o
    adendo a, no final deste artigo.
  • 21
    No que se refere a esse ponto, baseio-me na descrição de minha aluna Fiorenza Möring, assim como em conversas com meu outro aluno, Carlos Enrique Peruzotti.
  • 22
    Cf. Francisco R. Llorente,
    The Writing of the Constitution in Spain, in Constitution Makers, pg. 239 (ao lado do comentário por José P. Pérez-Llorca); cf. também Andrea Bonime-Blanc,
    Spain's Transition to Democracy: the Politics of Constitution-making (1987).
  • 23
    No entanto, não me referiria a esse Parlamento como pré-democrático, já que ele foi evidentemente eleito sob uma constituição de transição (ou lei orgânica) que já era democrática. Bonime-Blanc, acima
    nota 22 22 Cf. Francisco R. Llorente, The Writing of the Constitution in Spain, in Constitution Makers, pg. 239 (ao lado do comentário por José P. Pérez-Llorca); cf. também Andrea Bonime-Blanc, Spain's Transition to Democracy: the Politics of Constitution-making (1987). , pg. 35. É claro que algumas instituições podem sobreviver mesmo em meio a rupturas constitucionais. Na França de 1791, a monarquia persistiu durante todo o processo constituinte, caso análogo ao das legislaturas estaduais sob a Constituição americana. Porém, nesses dois casos, bastante distintos entre si, o órgão constituinte foi dissolvido após o sucesso de sua empreitada.
  • 24
    Cf. Keith Baker, "Constituition".
    in M. Ouzof & F. Furet (org)
    Philosophical Dictionaire of the French Revolution (1989)
  • 25
    Cf. Schmitt, acima
    nota 1 1 Carl Schmitt, Verfassungslehre (1928). .
  • 26
    Esse último mecanismo pressupõe a ausência de uma "decisão" do poder constituinte claramente definida, e portanto pode ser tido apenas como um caso marginal de constituição e de formulação constitucional do ponto de vista de Schmitt.
  • 27
    Arendt, acima,
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). , pg. 162.
  • 28
    Id.,pg. 143.
  • 29
    Id.,pp. 141,300-301.
  • 30
    Id, pp. 125-126.
  • 31
    Para um melhor exame deste ponto, veja-se o
    adendo b, no final deste artigo.
  • 32
    Arendt, supra
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). , pp. 182-183.
  • 33
    Cf. Frank Michelman, "Can Constitutional Democrats be Legal Positivists: or Why Constitutionalism?
    "Constellations , (1996) (em que se introduz o conceito de "sempre dentro da lei").
  • 34
    Arendt aparentemente não percebe que a idéia de Woodrow Wilson da Corte Suprema como "um tipo de assembléia constitutional em sessão contínua", Arendt, acima
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). , pg 201, é inconsistente com seu argumento, já que essa assembléia teria tanto poder quanto autoridade.
  • 35
    Arendt,
    supra
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). , pg. 166.
  • 36
    Idem.
  • 37
    Cf.
    The Federalist 49 (James Madison) Cf. também Bruce Ackerman,
    The Future of the Liberal Revolution (1992). Ackerman perde também a dramaticidade ao pressupor a extra-legalidade, e ao não reconhecer o esforço desesperado de permanecer "sempre dentro da lei".
  • 38
    Arendt, acima
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). , pg. 205.
  • 39
    Note-se portanto que Arendt parte de sua noção anterior, presente em
    The Human Condition, de acordo com a qual as repúblicas se fundam em produção, mais que em ação, útil na criação de um muro ao redor da liberdade pública, e que é então institucionalizado como espaço público.
    On Revolution relaciona a idéia do arquiteto de uma nova cidade à violência e mesmo ao crime.
  • 40
    Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o
    adendo c, no final deste artigo.
  • 41
    Arendt, acima
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). , pg. 166.
  • 42
    Tome-se, por exemplo, a idéia extremamente problemática de que a Constituição americana pode ser, foi e deve ser novamente, se necessário, inteiramente emendada para além dos limites do artigo V.
  • 43
    Bruce Ackerman, "We, the People",
    Foundations (1991). Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o
    adendo d, no final deste artigo.
  • 44
    Devo admitir que esse é o sentido que dei originalmente à concepção dualista de Ackerman. Ele próprio prefere, porém, outra interpretação: uma que enfatiza revolução e descontinuidade legal.
  • 45
    Para um desenvolvimento deste ponto, junto com os temas suscitados pela
    nota 43 43 Bruce Ackerman, "We, the People", Foundations (1991). Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o adendo d, no final deste artigo. , veja-se o mesmo
    adendo c, no final deste artigo.
  • 46
    Ackerman, acima
    nota 37 37 Cf. The Federalist 49 (James Madison) Cf. também Bruce Ackerman, The Future of the Liberal Revolution (1992). Ackerman perde também a dramaticidade ao pressupor a extra-legalidade, e ao não reconhecer o esforço desesperado de permanecer "sempre dentro da lei". , pp. 55-56.
  • 47
    Id., pp. 57-59.
  • 48
    Mais surpreendente é o fato de que ele perde a natureza extremamente incomum da figura de George Washington, que foi o único aspirante à presidência na história que não fez uso de sua grande influência potencial na Assembléia Constituinte para tentar construir uma instituição presidencial forte.
  • 49
    Ackerman, acima
    nota 37 37 Cf. The Federalist 49 (James Madison) Cf. também Bruce Ackerman, The Future of the Liberal Revolution (1992). Ackerman perde também a dramaticidade ao pressupor a extra-legalidade, e ao não reconhecer o esforço desesperado de permanecer "sempre dentro da lei". , pg. 59.
  • 50
    Id.
  • 51
    Id.,pg.61.
  • 52
    Id, pg. 47.
  • 53
    Para um tratamento mais extenso deste ponto, veja-se o
    adendo d, no final deste artigo.
  • 54
    Cf. Arato, acima
    nota 12 12 Para os diversos níveis do conceito de revolução — sistêmico, fenomenológico, hermenêutico e legal — veja Andrew Arato, "Revolution, Restoration, and Legitimation", in Michael D. Kennedy (org) Envisioning Eastern Europe (1984). , pg. 180.
  • 55
    Ao menos no caso polonês Ackerman defende o que é, com efeito, o modelo de Massachusetts em 1780 — a única instância do método dualista que produziu uma constituição em um estado não-federativo — a saber, uma convenção constitucional especial que poderia submeter seu documento para aprovação ao Parlamento reunido antes de uma ratificação popular em um referendo. Seu conselho à Rússia é menos claro, e é aqui que aborda a possibilidade de eleição de uma assembléia constituinte de tipo europeu, embora ele pareça preferir uma convenção voltada para questões constitucionais enquanto a legislatura normal permanece voltada para a economia e a reforma econômica. Vale notar que a preferência de Ackerman é repentinamente justificada de modo apenas pragmático. A defesa de uma convenção constitucional separada contra todas as outras opções é afirmada como a seguinte: (1) o isolamento do problema de ordem constitucional de muitos outros temas de curto prazo também presentes na agenda; e (2) a criação de incentivos especiais a um grupo para que tenham sucesso em redigir uma constituição capaz de ser ratificada, um grupo cujo prestígio futuro dependeria grandemente do sucesso dessa empreitada. Ackerman, acima
    nota 37 37 Cf. The Federalist 49 (James Madison) Cf. também Bruce Ackerman, The Future of the Liberal Revolution (1992). Ackerman perde também a dramaticidade ao pressupor a extra-legalidade, e ao não reconhecer o esforço desesperado de permanecer "sempre dentro da lei". , pp. 51-56. O argumento é plausível, exceto pelo fato de que um comitê de um Parlamento regular para redigir uma constituição de alta visibilidade, um partido comprometido com a elaboração da nova constituição, ou mesmo uma assembléia constituinte, poderia ser similarmente situado.
  • 56
    Tal relação reflexiva com a história do país, e não o desejo de imitar os americanos, levou os formuladores da Lei Fundamental alemã (
    Grundgesetz) ou melhor, os governos dos
    Länder que escolheram a forma do processo de construção constitucional, a espelhar os aspectos formais da construção constitucional americana. Evidentemente, esse método não produziu, de início, o que a Constituição americana sempre teve — ao menos após a ratificação da
    Bill of Rights, ela própria um produto de discussão pública apaixonada —, um alto nível de legitimidade política e identificação.
  • 57
    Para um desenvolvimento deste ponto, veja-se o
    adendo e, no final deste artigo.
  • 58
    Acredito ser esse o ponto no qual a idéia de Arendt de um início que contém seu próprio princípio a confunde. Para ela, um início desse tipo teria que ser organizado em consonância com seu modelo de política normativo e bastante contrafatual. Para um crítica da confusão de princípios de legitimação e formas de organização, ver Jürgen Habermas, "Legitimation Problems in the Modern State",
    in Communication and the Evolution of Society (tradução de Thomas McCarthy, 1979). Infelizmente, muitos dos discípulos de Habermas que falam de "democracia deliberativa" perderam esse seu
    insight. É claro que o desinteresse de Habermas pelas formas de organização que poderiam plausivelmente invocar sua legitimidade a partir de princípios democráticos tem sido, às vezes, a causa desse erro oposto: a redução de sua teoria a uma desprovida da dimensão institucional.
  • 59
    Mas aqui também se pode apelar a Madison. Em seu argumento polivalente em
    The Federalist 40, a Convenção não excedeu sua autoridade (exceto em um ponto, no qual as normas eram absolutamente irracionais). Porém, mesmo que o tivesse, os
    framers agiram de um modo não autorizado por razões de dever cívico. Se isso não for convincente, os críticos devem considerar os resultados, os quais eles não gostariam de rejeitar somente em razão de suas origens problemáticas. De acordo com ele, se uma constituição satisfaz plenamente às difíceis exigências do governo republicano (ou seja, representativo) e do federalismo, seria um grande erro continuar a buscar um resultado igulamente bom ou melhor produzido por um processo melhor (naquele tempo, uma segunda convenção constitucional defendida pelos anti-federalistas). O liberal pós-
    Bill of Rights teria, é claro, adicionado a proteção institucionalizada dos direitos fundamentais às marcas de uma constituição normativamente adequada, justificando tal documento sem referência a origens específicas.
  • 60
    John Rawls,
    Political Liberalism (1993).
  • 61
    Ademais, ele está definitivamente interessado no processo pelo qual uma série de normas, originalmente aceita por razões pragmáticas e talvez estratégicas, pode se tornar gradativamente ligado a uma identidade cívica emergente, adquirindo assim poderes de motivação "internos". Mas, mesmo neste argumento, o modo pelo qual as normas são originalmente criadas não é exposto em profundidade.
  • 62
    John Rawls,
    A Theory of Justice (1971).
  • 63
    Para desenvolvimentos deste ponto, veja-se o
    adendo f, no final deste artigo.
  • 64
    Veja-se, também, o
    adendo f.
  • 65
    Id. pp. 197,221.
  • 66
    Id.
  • 67
    Id., pg. 198.
  • 68
    Cf. abaixo.
  • 69
    Adam Przeworski,
    Democracy and the Market Politic and Economic Reforms in Eastern Europe and Latin America (1991).
  • 70
    Niklas Luhmann,
    A Sociological Theory of Law (1985).
  • 71
    Quando não, seria aconselhável estabelecer uma norma de ratificação de alguma dificuldade.
  • 72
    Arendt, supra
    nota 4 4 Essa questão foi recentemente abordada por Jacques Derrida, mas foi Hannah Arendt quem a discutiu com mais dramaticidade. Hannah Arendt, On Revolution (1963). .
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2010
    • Data do Fascículo
      1997
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