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A revolução legal mundial: superlegalidade e política

The world legal revolution: superlegality and politics

Resumos

Passada a era em que às revoluções bastava invocar legitimidade e quando a legalidade estatal passou a ser a referência para mudanças revolucionárias, coloca-se a questão de se é possível pensar um processo revolucionário legal para além dos limites dos estados nacionais, portanto legal e mundial. Usando o seu critério de definição do político - a capacidade de identificar inimigos e agir de acordo -Schmitt argumenta que o Estado nacional não pode ser substituido por uma unidade mundial ("a humanidade não tem inimigos neste planeta") e que o exame dos obstáculos constitucionais contra a transferência do poder legal de um grupo político a outro levanta a questão de contra quem eles foram erigidos.


After the end of an epoch in which it was enough for revolutions to claim legitimacy and after a state-based legality has been put at the center of revolutionary changes, there arises the question of whether it is possible to conceive of a worldwide legal revolutionary process outside the limits of the national states. Using his criteria for defining the political - the ability to identify one's enemies and to act accordingly - Schmitt argues that the national state cannot be replaced by a world unity (u humanity does not have enemies on this planet") and that the examination of the constitutional obstacles against the transfer of legal power from a political group to another raises to question of against whom they have been erected.


CONSTITUIÇÃO

A revolução legal mundial: superlegalidade e política* * "La revolución legal mundial: plusvalía política como prima sobre legalidade jurídica y superlegalidad". Buenos Aires, Agora, 6, 1997, pp. 123-142. (Originalmente publicado como "Die legale Weltrevolution: politischer Mehrwert als Prämie auf juridische Legalität", Der Staat, 3, 1978, pp. 321-339). Tradução de Gabriel Cohn.

The world legal revolution: superlegality and politics

Carl Schmitt

RESUMO

Passada a era em que às revoluções bastava invocar legitimidade e quando a legalidade estatal passou a ser a referência para mudanças revolucionárias, coloca-se a questão de se é possível pensar um processo revolucionário legal para além dos limites dos estados nacionais, portanto legal e mundial. Usando o seu critério de definição do político - a capacidade de identificar inimigos e agir de acordo -Schmitt argumenta que o Estado nacional não pode ser substituido por uma unidade mundial ("a humanidade não tem inimigos neste planeta") e que o exame dos obstáculos constitucionais contra a transferência do poder legal de um grupo político a outro levanta a questão de contra quem eles foram erigidos.

ABSTRACT

After the end of an epoch in which it was enough for revolutions to claim legitimacy and after a state-based legality has been put at the center of revolutionary changes, there arises the question of whether it is possible to conceive of a worldwide legal revolutionary process outside the limits of the national states. Using his criteria for defining the political - the ability to identify one's enemies and to act accordingly - Schmitt argues that the national state cannot be replaced by a world unity (u humanity does not have enemies on this planet") and that the examination of the constitutional obstacles against the transfer of legal power from a political group to another raises to question of against whom they have been erected.

Há progresso, e também na consciência dos revolucionários profissionais. Prova disso é a emergência da noção de revolução legal. Segundo Rudolf Smend, especialista em Direito constitucional - que morreu em idade avançada em 1975 - o povo alemão sofre de uma "ânsia de legalidade comovente". Suponho que Smend tenha feito essa observação não só como historiador da Câmara Imperial de Wetzlar mas também como observador do normativismo positivista de sua própria época. Agora, em 1977-78, o velho e experimentado revolucionário espanhol Santiago Carrillo toca nesse tema em seu livro Eurocomunismo y Estado1 1 Santiago Carrillo, Eurocomunismo y Estado. El 'eurocomunismo' como modelo revolucionario idóneo en los países capitalistas desarrollados. Madrid, Crítica, 1977. . Embora de outra índole política, sua ânsia de legalidade é igualmente comovente. Confessa sua convicção de que os métodos violentos da revolução ilegal de Lenin e Trotski em outubro de 1917 hoje em dia estão antiquados. Somente se justificavam em seu momento e em seu lugar, quando se tratava do trânsito brusco de um país agrário a uma sociedade moderna, vale dizer, industrial. Como revolução comunista, esses métodos eram legítimos, mas não legais. Em nossos dias, contudo, estão defasados, porque agora a questão é o poder estatal em sociedades industrialmente desenvolvidas. Já não são um modelo adequado para uma revolução comunista. Cumpre substituí-los por métodos pacíficos, isto é, estatalmente legais.

Carrillo sabe, pois, aproveitar as experiências do fascismo de Mussolini e do nacional-socialismo de Hitler. Repete várias vezes a palavra "Estado", sempre com ênfase positiva e maiúscula. O Estado não só não está morto. Está mais vivo e mais necessário do que nunca. Pois o Estado é o portador específico da legalidade, que realiza esse milagre de uma revolução pacífica. A revolução, por sua vez, legitima o Estado em recompensa por levar a cabo uma revolução estatalmente legal. A revolução legal torna-se permanente, e a revolução estatal permanente torna-se legal.

Nossa análise das possibilidades de uma revolução legal mundial refere-se à legalidade, não à legitimidade, de uma revolução mundial. Para empreender essa análise convém precisar brevemente essas noções.

LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E SUPERLEGALIDADE

Legalidade quer dizer fórmula de obediência e disciplina. Seu fim e objeto é a "possibilidade de obrigar à obediência"2 2 A definição de Max Weber significa, em sua pretensão científica, uma redução valorativamente isenta (no sentido da teoria do conhecimento neokantiana de então). Três reduções igualmente isentas de valoração - obediência, obrigação e possibilidade - juntam-se numa aglomeração verbal e conceitual. . É o modo de funcionamento de qualquer burocracia desenvolvida, seja de um Estado moderno ou de uma moderna indústria privada. "Fórmula de obediência" é uma expressão de Goethe num comentário ao drama "Wallenstein" de Schiller. Goethe utiliza essa formulação para explicar a atitude dos generais de Walenstein, que se encontram num conflito de fidelidade entre o imperador e o "generalíssimo do Exército imperial". Por fim, decidem-se em favor do imperador e contra Wallenstein. O motivo decisivo é o juramento ao imperador, como "fórmula de obediência". O que atualmente se chama "racionalismo" não passa de uma redução da implementação dos planos à sua calculabilidade. Uma canção popular o expressa de modo preciso: "desde que me obedeças não necessito de tua fidelidade".

A legalidade estatal implica os inevitáveis prêmios políticos para a posse do poder estatal e legal: "obediência prévia" (obéissance préalable) para todas as leis e atos estatais; controle dos militares e da polícia, das finanças, da administração e da justiça; distribuição do produto nacional, de cargos, encargos e subvenções; interpretação das múltiplas situações novas suscitadas continuamente pelo rápido progresso científico, técnico e econômico-industrial. Por esse motivo, o poder estatal - se tiver consciência política de si mesmo - tem assombrosas possibilidades de criar continuamente novas situações e novos fatos consumados plenos de conseqüências. A legalidade estatal lhe proporciona urna mais-valia política; como diz Marx do capital, é "um valor que gera mais-valor".

Legitimidade quer dizer fórmula da identidade e auto-representação moral, ideológica e filosófica de uma ordem estatal. Desde que existem constituições escritas o autor da Constituição busca sancionar sua identidade com declarações solenes, com a invocação de Deus, com fórmulas morais, ideológicas ou filosóficas que fixa em preâmbulos. Ion Contiades, jurista grego, nos oferece em sua tese de 19643 3 Ion Contiades, "Verfassungsgesetsliche Staatsstrukturbeziehungen". Res Publica. Beiträge zum öffentlichen Recht. Stuttgart, 1967, vol. 16. (sob a orientação de Ernst Forsthoff)** ** Discípulo de Schmitt. (Nota do tradutor). uma idéia precisa dessa ânsia de prestígio dos estados atuais, que desta forma buscam legitimar-se a si próprios. A Constituição da República Turca, de 27 de maio de 1961, merece ser citada como exemplo, pela acumulação de semelhantes legitimações. "O Estado turco é uma República. A República turca é um Estado de direito nacional, laico e social, baseado nos Direitos Humanos e nos princípios fundamentais fixados no preâmbulo"4 4 Como exemplo da aplicação prática da Constituição, veja-se Ernst E. Hirsch, Menschenrechte und Grundfreheiten im Ausnahmezustand. Eine Fallstudie über die Tätigkeit und die Agitation 'strikt unpolitischer' internationaler Organisationen. Berlim, Dunker & Humblot, 1974. .

Esse exemplo de uma declaração preliminar constitucional representa o tipo do constitucionalismo atualmente estendido pelo mundo inteiro. Um Estado que se ufana de encarnar esses atributos se recomenda a si próprio como legítimo. Com o presidente Woodrow Wilson, fundador da Liga das Nações, a legitimidade deixou de ser atributo específico da monarquia hereditária. A legitimidade dinástica converteu-se em legitimidade democrática. Ao mesmo tempo, os antagonismos correspondentes converteram-se em atributos democráticos. A democracia liberal ou capitalista é agora inimiga da democracia socialista ou comunista, e vice-versa.

Mas, que é a superlegalidade? A palavra significa validade reforçada de certas normas frente a normas simples ou normais. O caso típico é dado pelas normas de procedimento que devem dificultar a transformação ou abolição de normas (por maioria qualificada ou pela distribuição do procedimento entre várias instâncias distintas). Nas modernas democracias pluralistas essa complicação do procedimento legislativo tem sobretudo a finalidade de evitar a mudança freqüente de governos com maiorias escassas e coalizões frágeis e, deste modo, assegurar maiorias estáveis e capazes de governar, que superem os 50 por cento.

Tanto a noção como o termo "superlegalidade" são de Maurice Hauriou. É fruto da sua ampla experiência com a teoria e a prática das múltiplas constituições francesas entre 1789 e 1923 e da administração estável e tão rica em tradições da nação francesa e do seu Estado. É significativo que ele descubra essa noção depois das experiências da Primeira Guerra Mundial e depois de um período de pós-guerra, e que insista expressamente nessa circunstância5 5 Maurice Hauriou. Précis de droit constitutionnel. Paris, L. Tennin, 1923, p. 379. . Hauriou se opôs a um controle institucionalizado da "superlegalidade", especialmente ao controle da constitucionalidade das leis por uma Corte Suprema. Nesse sentido, Hauriou desaprovava, se não impugnava, o desenvolvimento constitucional de alguns estados industriais modernos.

Em meu trabalho de 1932, Legalität und Legitimität, tentei interpretar a Constituição de Weimar em termos das problemáticas relações entre Constituição, lei normal e lei modificadora da Constituição. Na caótica situação do outono e inverno de 1932, considerava anticonstitucional que um nacional-socialista ou um comunista fosse nomeado chanceler do Reich e que lhe fossem entregues os prêmios políticos pela posse legal do poder, como, por exemplo, os poderes do artigo 48*** *** O artigo 48 da Constituição de Weimar, de 1919, concedia ao chefe do Estado (o presidente eleito diretamente), e não do chanceler (chefe do governo) a que se refere Schmitt provavelmente tendo em vista a debilidade do presidente em 1932, .o poder de declarar o estado de exceção e de governar mediante medidas de emergência sem consideração pelo Legislativo. Sobre isto ver Ruth Zimmerling, "Alemanha: parlamentarismo e o fantasma de Weimar". Lua Nova, 24, 1991, pp. 73-84, esp. p. 80. (Nota do tradutor). . O parágrafo decisivo reza:

"Estou de acordo com Hauriou em que cada Constituição contém certos 'princípios' fundamentais que pertencem ao 'sistema constitucional' inalterável, conforme a expressão de Carl Bilfinger. Com respeito às revisões, as normas constitucionais não permitem que se abra um procedimento que elimine o sistema de ordem por elas estabelecido. Se uma Constituição prevê a possibilidade de revisões, nem por isso oferece um método legal para eliminar sua própria legalidade, e ainda menos um meio legítimo para destruir sua legitimidade"6 6 Carl Schmitt. Legalität und Legitimität. Berlim, Duncker & Humblot, 1968, p. 61. .

A superlegalidade é concebida como uma noção especificamente jurídico-constitucional. No entanto, presta-se facilmente a aplicações e interpolações polêmicas (isto é, políticas). As palavras com o prefixo super promovem esse tipo de usos. A legitimidade aparece então como uma espécie de legalidade superior, e se transforma também num método de forçar a obediência. É precisamente isto que o liberal Hauriou queria evitar. Se institui um tribunal constitucional como instância normativa suprema numa hierarquia de normas e "valores", então esse tribunal constitucional institucionalizado converte-se no "legislador supremo" - um termo que já apareceu na discussão7 7 Robert Leicht, Süddeutsche Zeitung, 19 de abril de 1978. .

Nessa situação, o progresso, como desenvolvimento acelerado no campo científico, técnico e industrial, pode converter-se em legitimação geral e global de objetivos políticos opostos. Então, qualquer programa de partido, de direita ou de esquerda, pode legalizar seus valores fundamentais; e isso implica obter a possibilidade de obrigar à obediência... Este seria o maior de todos os prêmios para a posse legal do poder.

IDEOLOGIAS DO PROGRESSO E SUPERLEGALIDADE

A idéia e a prática de uma revolução mundial legitimam-se atualmente pela invocação de ideologias do progresso. Para as sociedades industriais altamente desenvolvidas do mundo atual, a idéia de progresso técnico e econômico - que na sua funcionalidade imanente é global - tem uma importância especial. François Perroux8 8 François Perroux, L'économie du Xxe siècle. Paris, PUF, 1969, p. 390. fala do caminho para a unidade universal do gênero humano. A "revolução que se gesta no mundo" busca o caminho para esse objetivo. Mas ela ainda emprega a noção, imprecisa de economia. Confunde "certos desempenhos de europeus e de: ocidentais com o progresso da economia dos homens". Segundo Perroux, trata-se de uma grande ilusão. Opõe a essa visão um progresso econômico que se distingue do progresso técnico e mercantil, e que converte uma "economia avara" - com seu egoísmo de indivíduos, de nações, de classes e de raças - em uma "economia de todo o homem e de todos os homens".

Nossa intenção científica não é nem formular uma crítica da sociedade industrial moderna em geral nem uma impugnação principista da "economia da avareza" em favor de uma sociedade opulenta. Tampouco falaremos das conseqüências molestas, nocivas e perigosas que um progresso descontrolado da ciência, da técnica e da indústria traz consigo: contaminação do ambiente, deterioração da saúde e demais prejuízos que formam o reverso do firme e constante aumento de nível de vida. Para resumir, deixamos de lado todo o que em alemão se chama, com mísero eufemismo, Nebenwirkungen, efeitos colaterais, e que chegou a ser um tema de discussão pública por ocasião do informe crítico do "Clube de Roma" (1975)9 9 Considero a expressão "efeitos colaterais" uma trivialização equivocada e anticientífica. É mera evasão das conseqüências ameaçadoras do progresso científico. A ciência moderna é axiologicamente neutra, pura e isenta de valores (wertfrei), na terminologia dos representantes da filosofia dos valores. Para eles, a liberdade em relação a valores é a suprema liberdade e o supremo valor. Não é lícito que a ciência neutra e a tecnologia valorativamente isenta sejam isoladas da avaliação dos seus resultados. Pois, com isso, os resultados da síndroma ciência-técnica passam a gozar do privilégio da liberdade em relação a valores e da neutralidade valorativa. Quando se julgam os produtos industriais dessa síndroma com critérios totalmente distintos dos de bom ou mau, desejável ou indesejável e quando, então, as conseqüências más ou indesejáveis não passam de "efeitos colaterais", incorre-se numa sub-repção cientificamente inadmissível. A contaminação do meio ambiente é contaminação do meio ambiente, ainda que grandes físicos e prêmios Nobel tenham contribuído para esse resultado. Agradeço esta visão clara à leitura atenta do livro de Rainer Specht Innovation und Folgelast: Beispiele aus der neueren Philosophie und Wissenschaftsgeschichte. Stuttgart, Fromman-Holzboog, 1972. . O progresso econômico manifesta-se num complexo, numa síndroma de progresso científico, técnico e industrial, Um progresso global, no singular, enfrenta-se com um número crescente de progressos específicos, no plural. Perroux expõe esse tema de modo preciso como conclusão da sua teoria do século XX. A última palavra do livro dirige-se contra os "adversários do progresso". O grande processo geral da "progressividade da espécie humana" abrange muitas classes diferentes de progressos. Uma definição exata do progresso torna-se inevitável. Fica evidente "a legitimidade e oportunidade de uma análise rigorosa e exigente do progresso"10 10 François Perroux. Aliénation et societé industrielle. Paris, NRF, coleção "Idées", 1970, p. 180. .

Os progressos, no plural, aumentam sem descanso. O progresso científico, técnico, econômico e mercantil parecem empurrar o progresso social da sociedade industrial. O progresso moral, civilizatorio, cultural e humanitário acompanha outro tipo de evolução. Isolados ou em combinações mutáveis, os diversos progressos estendem vínculos entre si, às vezes amistosos, outras vezes hostis e em outras neutros. Podem ser absolutos ou estar dispostos a compromissos; retardar-se ou acelerar-se, caminhar paralelamente ou cruzar-se e perturbar-se. É também imaginável, enfim, que precisamente sua colisão e atropelo, sua déclination, sejam necessários para a emergência da unidade global do gênero humano, em analogia com a declinação dos átomos segundo a teoria de Demócrito. Em sua tese sobre o pensador grego11 11 Veja-se Karl Marx, "Hefte zur epikureischen, stoischen und skeptischen Philosophie", Vierter Heft. Marx- Engels Werke, Ergänzunsband. Berlim, Dietz Verlag, 1968, pp. 166-167. , Marx cita os versos de Lucrécio, "quod nisi declinare solerent omnia deorsum ... cadent per inane profundum".

No contexto das nossas reflexões sobre a possibilidade de uma revolução legal mundial, temos que acrescentar outro tipo de progresso: o progresso político. Permanece o arsenal da propaganda dos partidos internacionais como lema de legitimação. Desde a revolução russa de outubro de 1917 o poder estatal soviético está a serviço da unidade política do mundo e do gênero humano, a revolução russa se propôs ser, conscientemente, o começo de uma revolução mundial. Suprimiu as constituições do czarismo e do regime de Kerenski; suprimiu também a Assembléia Nacional Constituinte, eleita pelo povo russo, e instalou uma "ditadura do proletariado". Isto era ilegal do ponto de vista das normas estatais russas, que, por sua vez, baseavam-se essencialmente nas doutrinas ocidentais de um pouvoir constituant. Aqui uma revolução interna foi, pois, "englobada" no horizonte de uma revolução mundial. Adoto o termo englober de Perroux, que descreveu o fenômeno do englobement de evoluções nacionais e internacionais, estatais e supraestatais. Perroux insiste em demonstrar que uma socialização do Estado só pode concretizar-se no seu próprio território. Apesar da internacionalização capitalista ou socialista, as lutas sociais ocorreram até agora dentro do âmbito de cada Estado em separado e criaram instituições e organizações sociais diferentes. Também para empresas e aparatos capitalistas internacionais a socialização tem efeitos diferentes nos diversos países. Os grandes prêmios extraordinários sobre a posse legal do poder do statu quo, o efeito estabilizador de qualquer legislação (do uti possidetis do édito pretório) beneficiam aqueles partidos e organizações que estão no poder em estados individuais no momento da legislação. Isto é inevitável, naturalmente, mas também demonstra até que ponto a legalidade de uma revolução mundial continua sendo uma questão da pluralidade de legalidades estatais particulares12 12 Veja-se François Perroux, Masse et classe. Paris, Castermann, 1972, pp. 161-162. .

A este respeito Perroux fala de um "aparelho de produção" e de uma "tomada" (prise) desse aparelho. Sugeri para esse termo a tradução "tomada de indústria", utilizando uma fórmula da época da Reforma alemã: "qual rei, tal religião", cujus regio, eius religio. No século XVII isso assinalava uma saída das guerras civis confessionais, na forma de uma itio in partes. O senhor da terra determinava a religião da população. Essa prática política explica a unidade nacional da França como Estado e a desagregação nacional do Império alemão em alguns poucos estados grandes e muitos pequenos. O senhor da terra, vale dizer, o amo de cada casa senhorial, determinava o que seria o direito e a fé em seu território. De acordo com esse princípio, os diversos países alemães, grandes e pequenos, optaram entre Roma, Wittenberg e Genebra. A rigorosa paridade era a norma básica.

Em uma época de acelerado desenvolvimento industrial já não se trata de alternativas teológicas, como catolicismo, luteranismo ou calvinismo. Hoje se trata de encontrar o sistema político de sociedade que se revele mais adequado ao desenvolvimento científico-técnico-industrial. O mundo industrial continua dividido, ainda hoje, em estados mais ou menos autônomos. Estado e nação nem sempre coincidem. A estrutura econômico-industrial específica determina a problemática. No lugar da questão confessional-religiosa-teológica, já obsoleta, hoje tem primazia o adágio: cujus industria, eios regio, ou então cujus regio eios industria. Pois o progresso industrial traz consigo sua própria noção de espaço. A cultura agrária anterior derivava suas categorias da terra, do solo. Suas conquistas eram tomadas de terra, Landnahmen, porque a terra era seu verdadeiro objetivo. A Inglaterra, país de origem da industrialização moderna, passou nos séculos XVII e XVIII a uma existência marítima, e dominava o mar "livre" (livre porque carecia dos limites e fronteiras do solo). Assim se efetuou uma tomada do mar, Seenahme. Hoje vivemos numa época de tomadas de indústria, Industrienahme. Única e exclusivamente a posse de um grande espaço industrial permite atualmente a tomada do espaço mundial, Weltraumnahme13 13 Carl Schmitt, Der Nomos der Erde im Völkerrecht des Jus Publicum Europeum. Berlim, 1974. (Existe uma tradução castelhana por Dora Schilling, publicada pelo Cientro de Estudios Constitucionales de Madrid, El Nomos de le Tierra, CEC, 1979). Nesse livro refiro-me, em todos os pontos decisivos do desenvolvimento de grandes espaços industriais e econômicos, a Maurice Hauriou. Além disso, veja-se o meu ensaio "Nehmen/teilen/werden", na Revue Internationale de Sociologie, Roma, 1974, também em Verfassungsrechtliche Aufsätze. Berlim, Dunker & Humblot, 1973, pp. 488-504. .

Podemos imaginar que se consiga a unidade política da humanidade em nosso planeta mediante a vitória de uma potência industrial mundial sobre a outra, ou mediante a união de ambas com o fim de submeter politicamente todo o potencial industrial da Terra. Isto seria uma tomada de indústria planetária. Seria diferente dos velhos métodos de conquista - tomada de terra e tomada de mar - unicamente pela maior agressividade empregada e pela maior capacidade de destruição dos meios de poder empregados. Aqui se abre o abismo que separa o progresso ético e moral da humanidade do progresso industrial e técnico. Uma vez alcançada, a política universal se converterá em polícia universal. Duvidoso progresso! De um ponto de vista operacional, estratégico ou tático, a legalidade converte-se em um problema político e prático de primeira ordem. A sociedade industrial está presa a um processo de racionalização que inclui a transformação do direito em legalidade. Do ponto de vista da sua estabilidade e desenvolvimento a sociedade industrial é sumamente sensível a transtornos, interrupções violentas ou mesmo sabotagens. Quem trabalha legalmente não cria transtornos, nem agressão, nem sabotagens. A legalidade se revela o modus inevitável de qualquer mudança revolucionária.

A SUPERLEGALIDADE PRÉ-FASCISTA

Apesar da expansão universal das modernas ideologias do progresso, todos os caminhos para tentar uma revolução legal mundial conduzem ao Estado. Um revolucionário profissional como Carrillo o viu claramente. O progresso rumo à unidade política universal não pode prescindir das grandes possibilidades da legislação estatal. Naturalmente, tropeça continuamente na legalidade estatal e numa Constituição estatal à qual tem que adaptar-se enquanto não consiga modificá-la. O impulso para os espaços supraestatais do desenvolvimento industrial não conduziu, até agora, à unidade política do mundo, mas a três grandes espaços, Grossräume, estabelecidos: os Estados Unidos, a União Soviética e a China. Entretanto, somente as duas superpotências atômicas são grandes espaços industriais desenvolvidos, que, politicamente consagradas e respeitadas, não admitem intervenção alguma de outras potências. Assim, a política do mundo torna-se a política do equilíbrio do poder mundial. O obstáculo estatal em que tropeça o progresso dentro desses grandes espaços está de certo modo superado, como o está dentro de uma confederação de estados ou de um Estado federal.

Resta, não obstante, um terceiro grande espaço: o espaço "não alinhado", cujos estados conservam certa liberdade de movimento em escala política mundial. Os estados desse espaço podem levar a cabo sua própria política e mesmo travar suas próprias guerras, como a guerra do Vietnã ou a guerra entre Israel e os estados árabes. Deste modo surgem problemas e perigos particulares. Desde a Conferência de Yalta (1945) esse terceiro espaço é uma zona de conflito entre intervenções políticas e militares dos três grandes espaços consagrados e reconhecidos.

Um Estado que queira opor-se à influência ou intromissão dos poderes supraestatais e de suas idéias de progresso pode estreitar a passagem para as intervenções legais: pode tentar tornar sua Constituição mais resistente frente a influências estranhas. Nos estados parlamentares com um sistema de partidos e uma Constituição flexíveis, os partidos radicais orientados (ou mesmo dirigidos) internacionalmente têm maiores possibilidades de irrupção, porque basta uma maioria de mais de 50 por cento para aprovar uma lei constitucional. Isto facilita as mudanças estruturais na Constituição, não só mediante lei progressistas como também reacionárias. Em todo caso, existe uma possibilidade de mudança específica. A complicação da mudança constitucional pode ser um obstáculo para os novos partidos progressistas. Quando encontramos essas complicações (por exemplo, a exigência de uma maioria qualificada de dois terços dos votos) devemos perguntar sempre pelo inimigo político a quem se quer dificultar ou fechar a entrada pela porta da legalidade.

Depois da Primeira Guerra Mundial a revolução fascista de 1922 apresenta uma nova problemática constitucional, surgida com o desenvolvimento industrial. Já não se trata de uma alternativa de formas estatais: monarquia e república. Mais: a monarquia foi mantida e usada para legalizar a nova forma da Constituição. Opiniões opostas e mesmo antagônicas sobre o progresso social, industrial ou político entram em competição. Não se pode negar que o fascismo tenha favorecido e acelerado o progresso técnico, embora seus motivos, fins e métodos políticos sejam considerados reacionários e atávicos.

Em seguida vamos comparar dois estilos diferentes de autodefesa estatal republicana frente a intervenções de forças supraestatais e de idéias revolucionárias de progresso. Trata-se, precisamente, de dois modelos diferentes de "superlegalidade".

A defesa da República Francesa como forma estatal foi regulamentada na lei constitucional de 18 de agosto de 1884. Essa lei é um exemplo instrutivo do estilo francês, que contrasta com o modelo alemão da Constituição de Weimar, que viria a ser vítima da revolução legal de Hitler. A lei constitucional de 1884 defende a República Francesa de forma abstrata, e recorre a uma disposição procedimental que proíbe a apresentração de qualquer moção que pretenda abolir a República como forma de Estado mediante o procedimento de revisão da Constituição. "A forma republicana do governo não pode ser objeto de uma proposta de revisão", la forme républicaine du Gouvernement ne peut faire l'objet d'une proposition de revision. Isso vai contra qualquer inimigo da República. Mas, na situação concreta de 1884, a lei tem em mente um inimigo interior muito concreto: a monarquia legítima. Não tão diretamente, pensa-se em outro inimigo potencial: o bonapartismo. Esses dois inimigos mantêm-se dentro do quadro habitual das idéias tradicionais acerca da política e da Constituição. Eram fenômenos pré-fascistas. Alguém poderá objetar que o bonapartismo era um fascismo avant-la-lettre. Mas isto é certo somente pelo ângulo de um constitucionalismo que não enfoca outra coisa que o problema clássico da divisão de poderes e sua abolição por uma ditadura. Para nós não passa de uma transformação de idéias, que é tão típica das evoluções rápidas.

O exemplo alemão situa-se entre 1921 e 1929. Consiste em uma série de leis e decretos bastante complicados, que fazem um meticuloso esforço para não fechar totalmente o caminho para o poder político legal. Efetivamente, não se atrevem a excluir abertamente a possibilidade de uma restauração da monarquia pela via do artigo 76 da Constituição de Weimar (aprovação nas duas casas do Legislativo, Reichstag e Reichsrat, com maioria qualificada). As razões do complicado normativismo dessas normas de proteção foram dois assassinatos políticos: o de Ersberger, em 26 de julho de 1921, e o de Walther Rathenau, em 24 de junho de 1922. Essa forma alemã de "proteger a República" foi elaborada num Estado com uma sociedade industrial altamente desenvolvida, que procurava respeitar escrupulosamente os princípio de um Estado constitucional liberal. O essencial dessa proteção da República consistia em disposições de tipo penal e burocrático. Chegou-se ao extremo de instituir por decreto ministerial um 'Tribunal do Estado para a proteção da República"; mas se tratava de um tribunal especial, e não de uma Corte Suprema. Toda a proteção teve uma duração limitada, pois, por uma lei de 2 de julho de 1927, as atribuições do tribunal estatal foram transferidas ao Tribunal Supremo do Reich. Sua existência foi breve: expirou em junho de 1929, porque nesse momento já não existia uma maioria parlamentar que respaldasse seu prolongamento. Um ano depois, em setembro de 1930, a vitória eleitoral do movimento de Hitler transformaria fundamentalmente a situação da política interior alemã.

Detive-me na exposição desse caso de proteção da República -que mesmo para juristas é um tanto complicado - para destacar a diferença com a Constituição francesa de 1884 frente à alternativa monarquia ou república. O problema jurídico-constitucional implica a pergunta sobre o inimigo ao qual se quer impedir a passagem à legalidade constitucional. Imediatamente depois do assassinato de Walther Rathenau, em 24 de junho de 1922, o chanceler do Reich, Joseph Wirth, do partido católico do Centro, exclamou no Parlamento federal (Reichstag): "Este inimigo está à direita!". Um parágrafo do discurso pronunciado por Gustav Radbruch num ato para celebrar a Constituição, em 11 de agosto de 1928, demonstra a profundidade desse sentimento no partido social-democrata: "Uma Constituição é como uma bandeira. Quanto mais rota está pelos golpes de espada, quanto mais dilacerada por balaços, tanto mais honra e santidade encerra. Há uma velha superstição segundo a qual uma cada só pode manter-se em pé se nos seus cimentos encerra algo vivo. Que infinidade de vida carrega nossa Constituição!".

Apesar dessa declaração, não se considerou necessário estabelecer, em lugar de uma defesa pela via do Estado, uma via republicana de proteção estatal (como, por exemplo, uma lei constitucional que proibisse a restauração da monarquia). A porta da legalidade permaneceu, pois, aberta tanto para a direita quanto para a esquerda, tanto para a monarquia como para a república imperial, socialista ou comunista. O caminho da legalidade mantinha-se aberto aos inimigos da República, e isto correspondia à idéia de Estado constitucional que então predominava na Alemanha.

O PRECEDENTE DA REVOLUÇÃO LEGAL DE HITLER

Na consciência política da grande maioria dos eleitores burgueses alemães de então (1928), a alternativa direita-esquerda correspondia à alternativa pré-fascista monarquia-república. A massa obreira marxista, no entanto, entoava em coro nas suas manifestações: "Tanto faz para nós a República, pois queremos o socialismo!". Quando o movimento nacionalsocialista irrompeu na cena, em setembro de 1930, o problema de um Estado monárquico já se havia convertido em um assunto secundário. E Hitler soube explorar muito bem a penumbra a que havia sido relegado o problema da monarquia. Mesmo o imperador Guilherme II, do seu exílio holandês, sentiu certa simpatia pelo nacional-socialismo e por um certo tempo acreditou que Hitler "fazia muito bem seu trabalho". O presidente do Reich, Hindenburg, um honrado ancião, estava firmemente convencido de que seu juramento da Constituição de Weimar era perfeitamente compatível com seu juramento anterior como comandante supremo do Exército. Nunca deixou de ser monarquista. Segundo a opinião generalizada acerca da Constituição de Weimar, essa atitude era perfeitamente legal. Heinrich Brüning, um homem de caráter e fidelidade incontestáveis, continuava sendo monarquista convicto quando assumiu como chanceler do Reich (1930-1932) e idealizou procedimentos legais para restaurar a monarquia. Em suas memórias, publicadas postumamente em 1970, exibe tal ingenuidade a respeito do tema que seus admiradores chegaram a sentir-se perplexos.

O movimento nacional-socialista alterou radicalmente essa situação. Minhas próprias tentativas jurídicas de resolver o problema da porta nunca fechada da Constituição de Weimar por meio de uma interpretação razoável de seus dispositivos de revisão (art. 76) fracassaram em face da atitude cética ou irônica de seus intérpretes. A porta estava aberta o bastante para que se pudessem destruir os compromissos que formavam a base estrutural da Constituição de Weimar. Hitler conseguiu mesmo converter a estreita porta da legalidade em um arco de triunfo da sua entrada em Potsdam e Weimar. Desde o primeiro dia de sua nomeação como chanceler do Reich soube aproveitar ao máximo, e sem escrúpulos, os prêmios políticos sobre sua posse legal do poder. Sua nomeação como chanceler do Reich não foi senão o primeiro passo de uma escalada de revoluções legais sucessivas. Em 30 de janeiro de 1933 fez dissolver o Parlamento. Dois dias depois, em 2 de fevereiro de 1933, promulgou um decreto de emergência, em conformidade com o artigo 48 da Constituição de Weimar, que pôs fim ao caos indescritível que havia resultado da ambígua decisão da Corte Suprema em 25 de outubro de 1932. E tudo isso sem que os defensores da Constituição protestassem, ou sequer se atrevessem a dizer uma palavra. Graças a manobras eleitorais legais, paralegais ou outras (como, por exemplo, a exploração propagandística do incêndio do Reichstag) Hitler conseguiu que seu partido obtivesse um resultado relativamente favorável (suficiente, de todo modo) nas eleições de 5 de março. Somente três semanas mais tarde, em 24 de março de 1933, uma maioria qualificada do Reichstag (a necessária para mudar a Constituição) concedeu-lhe plenos poderes assombrosos, que, na realidade, eram uma autorização ilimitada para mudar a Constituição. Ocorria uma segunda revolução legal.

Em pouco tempo, Hitler soube fechar atrás de si a porta da legalidade pela qual havia entrado, e empurrar de forma legal os seus inimigos para a ilegalidade. Se tentassem resistir, ou mesmo forçar a entrada pela porta fechada da legalidade, poderiam ser tratados como agitadores e criminosos. Exceto alguns poucos comunistas experimentados, todo mundo sentiu-se desiludido e indignado após descobrir abruptamente os prêmios políticos para a posse legal do poder. O famoso caso da legalidade revolucionária de Hitler implica a escalada de semelhantes revoluções.

Não há até hoje nenhum estudo exato e completo sobre a chegada ao poder do ano 1933. O ocorrido em 1933 só poderia ser chamado revolução nacional. Uma nova escalada do problema da legalidade foi desencadeada em 1939, quando Hitler pretendeu o poder de um grande espaço industrial. Os métodos e artimanhas que em 1933 lhe haviam permitido concretizar, de maneira assombrosa, uma revolução nacional, já não eram suficientes. Desde o início a terceira escalada no caminho da legalidade rumo a uma revolução legal estava destinada a fracassar. A origem e a espinha dorsal do movimento de Hitler era o nacionalismo. Mas o nacionalismo alemão daquele tempo (1919-1945) envolvia tendências contraditórias de direita e esquerda, incluídos os elementos de um nacional-bolchevismo. O núcleo dessa mescla nacional era formado por uma força ainda mais elementar e intensa: o revanchismo resultante da humilhação em Versalhes em 1919. Esta era a verdadeira força de combate do movimento de Hitler. Este a converteu em instrumento de seu próprio e terrível revanchismo14 14 Acerca do revanchismo de Hitler, pode-se ler a conversação imaginária com Georges Sorel em Jesus Fueyo, La vuelta de los budas. Ensayo-ficción sobre Ia última história del pensamiento y la política. Madrid, Sala Editorial, 1973, p. 186. . A despeito de todas as marcas da ideologia racista, a luta contra Versalhes é o impulso essencial dos êxitos de Hitler entre 1919 e 1939.

Em 1940 a revanche havia sido alcançada: ganhou-se a guerra nacional que em 1918 havia sido perdida. Era uma vitória atrasada. Desencadeou-se a guerra mundial quando Hitler tomou a gravíssima decisão, em 1941, de atacar a União Soviética. Desde há três séculos os alemães nunca deixaram de viver sob os olhos dos russos, sous l'oeil des Russes.

É sumamente lógico que depois da derrota do regime de Hitler, em 1945, tenha-se tentado o possível para evitar a repetição de semelhante caso extraordinário. Assim se explica a regulamentação dá revisão constitucional na Lei Fundamental de Bonn, promulgada em 23 de maio de 1949. Essa lex fundamentalis apresenta-se a si própria como Constituição de um Estado de direito social, parlamentar-democrático, federal e pluralista. Adapta-se facilmente a uma sociedade industrial, técnica e socialmente muito desenvolvida, cujo potencial se manifestou para o mundo inteiro com o "milagre econômico alemão". Desse ponto de vista, a nova Constituição alemã pertence a uma época pós-fascista. Não só tenta estreitar a passagem do acesso legal ao poder político como fechá-lo totalmente para determinados fins e partidos políticos.

O Tribunal Constitucional de Karlsruhe, que é competente nessa matéria, até agora proibiu com força legal dois partidos: um pequeno partido de direita radical, Sozialistische Reichspartei (sentença de 23 de outubro de 1952) e o Partido Comunista Alemão (KPD, sentença de 17 de agosto de 1956). Da primeira sentença se pode dizer que, politicamente, fez causa finita. O segundo caso é mais complicado, porque, apesar da proibição e sua força legal, um novo partido comunista apareceu, com outro nome (DKP), e se dedica aberta e publicamente às suas atividades políticas. Em, vista dessa situação, torna-se difícil falar de uma causa finita. E tanto mais interessante resulta a argumentação da sentença, pois justifica a proibição do KPD com uma grande quantidade de razões históricas, ideológicas e jurídicas. O texto oficial da sentença preenche um volume de mais de 300 páginas. E os argumentos básicos da sentença têm um caráter vinculante imediato. A contradição flagrante entre a pretensão à validez normativa e absoluta e o resultado político muito relativo da sentença nos recorda todos os problemas de um "governos dos juizes" e da superlegalidade indireta ou mesmo apócrifa.

HUMANIDADE, POLÍTICA, PODER CONSTITUINTE

O problema de uma revolução legal mundial desemboca em toda uma série de revoluções nacionais e estatais. Disso resulta uma autêntica relação dialética entre a revolução mundial e todas as revoluções nacional-estatais. Comentamos esse arcano de uma revolução mundial legal partindo de uma idéia de François Perroux.

O progresso rumo a uma revolução legal mundial não vai acompanhado por uma vontade política paralela rumo à unidade política da Europa, ou mesmo rumo a uma revolução européia. Quem se aprofundar nas mais de mil páginas da obra básica de H. P. Ipsen15 15 H.P. Ipsen. Europäisches Gemeischaftsrecht. Tübingen, 1972. , comparando essa exposição magistral de esforços jurídicos durante décadas com seu resultado político, cairá em profunda tristeza. As forças e poderes da política mundial que lutam pela unidade política do mundo são mais fortes do que o interesse europeu pela unificação política da Europa. Até mesmo alguns "bons europeus" esperam a unidade política da Europa só como um produto secundário (para não dizer produto residual) de uma unidade política global em nosso planeta. As energias revolucionárias que empurram rumo a uma revolução mundial são muito mais fortes e ativas do que as tendências para uma revolução especificamente européia, que hoje em dia mal podemos imaginar. Para além disso, os movimentos secessionistas, hoje tão vigentes, que buscam a independência da sua região da unidade nacional-estatal, se unirão antes à força de uma revolução mundial do que a um movimento revolucionário europeu, caso exista. A legalidade de uma revolução européia terá que supor a existência de um patriotismo europeu capaz de formar uma assembléia constituinte, própria da tradição constitucional européia. Isso seria imaginável se a Inglaterra deixasse de ser uma ilha. Há múltiplos planos e projetos para organizar uma assembléia nacional constituinte européia. Todos vão na trilha das nações e estados europeus existentes e os tomam como base.

Entretanto, para poder criar uma unidade política da humanidade, uma revolução legal mundial teria que basear-se no que Hauriou e Perroux chamaram patriotisme de l'èspèce. Isto significa, literalmente, um patriotismo do gênero humano16 16 Uma observação semântica acerca da expressão "patriotismo da espécie" (patriotisme de l'èspèce). Quando os autores franceses falam de patriotismo costumam manter-se na tradição nacional-estatal da sua pátria e nas suas correspondentes idéias de liberdade. Isto é válido tanto para Auguste Comte quanto para Hauriou e Perroux. Na Alemanha, contudo, os termos "patriotismo" e "pátrio" soam quase como reacionários para um pensamento progressista, como demasiado paternalistas. A diferença explica-se pela circunstância de que Estado e nação sempre foram congruentes para a linguagem conceitual francesa, enquanto na Alemanha , desde sempre até hoje, se distinguem. Especialmente Hauriou não duvida em absoluto da congruência e da sinonímia das duas palavras. Ele segue a terminologia de sua nação, e o explicou, pormenorizadamente em seus Principes de droit public (1910 e 1919) e em seu Précis de droit constitutionnel (1923). Bem feitas as contas, a atual organização mundial da ONU chama-se a si própria Nações Unidas e não Estados Unidos, sem considerar o que são realmente os diversos membros admitidos. Impõe-se a pergunta de se a ONU, em toda a sua existência, produziu alguma espécie de "patriotismo". Quanto à ideologia marxista, a pergunta é dispensável. Uma espécie de homens que se criam a si mesmos, segundo a Tese 11 sobre Feuerbach, seria uma sociedade sem pais. . A expressão evoca o sistema universalista da filosofia de Auguste Comte, a quem Hauriou admirava criticamente. Mas a'palavra "gênero" já não nos parece soar tão idealista como soava para a filosofia do idealismo alemão. Karl Marx perguntou-se pela morte e a imortalidade - tema que costumava desagradar-lhe - e respondeu com uma observação referida ao gênero humano: "a morte parece uma dura vitória do gênero sobre o indivíduo, e parece contradizer sua unidade; mas o indivíduo particular não passa de uma parte do ser genérico e, como tal, é imortal".

Cada um dos bilhões de homens é um homem e uma parcela da humanidade. Cada dia morrem milhares de homens e nascem outros milhares. Cada dia a humanidade em conjunto muda sua face. Nunca está "toda junta". Com que direito impõem os homens de hoje uma Constituição aos homens de amanhã? Já os revolucionários iluminados do século XVII conheciam o problema, e incluíram em sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 24 de junho de 1793 uma frase extraordinariamente problemática: "Uma geração não pode submeter as gerações futuras às suas leis". Apesar disso, a teoria jurídica francesa fez da sua noção de pouvoir constituant a condição prévia e a legitimação de todos os pouvoirs constitués. Conseguiu mesmo criar diversos tipos ideais de formas e procedimentos jurídicos que valem para todas as teorias constitucionais democráticas; por exemplo, a convocação de uma assembléia constituinte e a proclamação dos direitos humanos e civis. Nesse aspecto formal tem um caráter mais jurídico do que a proclamação americana que a precede. A proclamação americana sente-se tão alheia à idéia de um cidadão do Estado, no sentido do pensamento estatal europeu-continental, como ao próprio Estado clássico europeu-continental e a conseqüente relação entre o Estado e a sociedade. A forma de pensamento legalista especificamente francesa do abade Siéyès extrapolou a relação teológico-política de Spinoza,( da primazia da Natura naturans face à Natura naturata, para a relação jurídico legalista, da primazia do pouvoir constituant frente aos pouvoirs constitués criados por ele, e assim determinou a estrutura conceituai das constituições escritas. Criou desse modo um exemplo de teologia política só superado por Max Weber, com sua teoria da legitimidade carismática.

A dimensão esotérica de uma reflexão político-teológica tão intensa é muito rigorosa e não se pode exigir da humanidade atual que a compreenda. À medida que se exprimiam de forma mais manipulável e praticável do ponto de vista político, com a ajuda de relações complicadas como a de pouvoir constitutant-pouvoir législatif, as fórmulas esotéricas tornavam-se mais verossímeis. Mesmo os revolucionários profissionais aprenderam a manejá-las: elimina-se o governo legal, proclama-se um governo provisório, e se convoca uma assembléia nacional constituinte. Desse modo a Revolução Francesa converteu-se em um arsenal de precedentes jurídico-constitucionais. No curso dos séculos, através de muitas revoluções, grandes e pequenas, européias e não européias, formou-se um hábito legitimador na legalização de golpes de Estado e revoluções. Até mesmo para a fase revolucionária intermediária da ditadura o modelo francês revelou-se relevante. Perguntaram a Friedrich Engels como se deveria imaginar a ditadura do proletariado e ele respondeu: "como em 1793". Lenin e Trotski levaram isso à prática em novembro de 1917, com o maior êxito. Engels, contudo, deixa aberta a possibilidade de chegar-se ao poder com uma maioria parlamentar de 51 por cento. Atualmente esse caminho está obstruído em muitas novas constituições pela superlegalidade das normas constitucionais. No entanto, enquanto não se estabelecer a intocabilidade total, o modelo não será formalmente abolido.

Na prática, porém, é quase impossível imaginar-se a transmissão do poder constituinte da nação à humanidade. Pode ser que a Terra hoje seja menor do que a França em 1789. Seja como for, a nova tecnologia serve não somente à centralização mas também à resistência contra ela. A organização atual para a paz no mundo não só serve à unidade como também ao status quo de seus múltiplos membros soberanos. É possível imaginar uma Assembléia Geral da ONU ou uma sessão do Conselho de Segurança mundial semelhante à noite de 4 de agosto de 1789, quando os privilegiados renunciaram solenemente a seus privilégios feudais? Afinal, essa renúncia ainda exigiu uma década de sangrentas guerras civis para dentro e para fora, para chegar a realizar-se praticamente, de facto. É possível que as superpotências prescindam de sua supremacia hegemônica e de suas bases? E onde estão essas bases? O potencial nuclear será mergulhado no oceano, sem deixar restos? Ou será transportado para a Lua? Dever-se-á crer que todos os grandes estados oferecerão sem resistência aberta ou velada seus segredos de produção á publicidade mundial? Abrirão seus arquivos, apresentando suas atas secretas para iniciar um processo gigantesco contra os inimigos da humanidade?

A humanidade como tal e como conjunto não tem inimigos neste planeta. Cada homem pertence à humanidade. Mesmo o assassino, enquanto viver, deve ser tratado como um homem. Se está tão morto como sua vítima, então já não existe. Mas até então, bom ou mau, continuará sendo um homem; vale dizer, portador dos direitos humanos. "Humanidade" converte-se assim em uma contra-noção assimétrica. Quando se discrimina dentro da humanidade, quando se retira a qualidade de homem ao nocivo, ao negativo, ao perturbador, então o homem julgado dessa maneira negativa se converte em não-homem, em não pessoa, e sua vida já não é o valor supremo. Sua vida converte-se em um des-valor que deve ser destruído. Noções como a de homem contêm, pois, a possibilidade da desigualdade mais profunda e tornam-se "assimétricas".

Graças a uma exposição extraordinariamente precisa dos conceitos, Reinhardt Koselleck esclareceu (também aos juristas) o grande problema de um "patriotismo da humanidade". Seu trabalho tem como epígrafe uma frase de Santo Agostinho na Civitas Dei (XV, 5): "Bons e maus combatem uns contra outros; igualmente lutam os maus entre si. Os perfeitamente bons não podem combater entre si".

Koselleck examina três pares de conceitos da história política universal em termos de sua estrutura dual, e demostra como chegaram a ser "assimétricos". Vale dizer, como através de uma série de juízos negativos discriminaram polemicamente o adversário como desigual: helenos e bárbaros, cristãos e ateus, e, por fim, homem e não-homem, super-homem e sub-homem17 17 Reinhardt Koselleck, "Zur historisch-politischen Semantik asynmetrischer Gegenbegrife". in Harald Weinrich (org) Positional der Negativität. Munique, Wilhelm Fink Verlag, 1975, pp. 65-104. .

O potencial de argumentação lingüístico que se adquire partindo de homem e humanidade conduz em suas figuras conceituais a uma estrutura assimétrica muito intensa, que supera em muito a força desagregadora de helenos contra bárbaros ou de cristãos contra pagãos. Quando um homem combate contra outro, sem margem para dúvidas considera a si mesmo como uma forma mais elevada da humanidade e o seu adversário como algo menos que humano. Em sua auto-compreensão o homem que luta contra o homem se vê em face de um objeto indubitavelmente inferior, e ele mesmo se destaca tanto mais puro como o verdadeiro homem.

O resultado final de tudo isso é certamente desconcertante. Recorda-nos um conto da século XIX. A um soberano moribundo em seu leito seu pai espiritual pergunta: "Você perdoa os seus inimigos?" E o soberano responde, com a melhor consciência do mundo: "Não tenho inimigos; matei-os todos".

CARL SCHMITT, um dos clássicos do pensamento jurídico-político neste século, é o tema do artigo seguinte neste número de Lua Nova.

  • * "La revolución legal mundial: plusvalía política como prima sobre legalidade jurídica y superlegalidad". Buenos Aires, Agora, 6, 1997, pp. 123-142.
  • (Originalmente publicado como "Die legale Weltrevolution: politischer Mehrwert als Prämie auf juridische Legalität", Der Staat, 3, 1978, pp. 321-339).
  • *** O artigo 48 da Constituiçăo de Weimar, de 1919, concedia ao chefe do Estado (o presidente eleito diretamente), e năo do chanceler (chefe do governo) a que se refere Schmitt provavelmente tendo em vista a debilidade do presidente em 1932, .o poder de declarar o estado de exceçăo e de governar mediante medidas de emergęncia sem consideraçăo pelo Legislativo. Sobre isto ver Ruth Zimmerling, "Alemanha: parlamentarismo e o fantasma de Weimar". Lua Nova, 24, 1991, pp. 73-84, esp. p. 80.
  • 1 Santiago Carrillo, Eurocomunismo y Estado. El 'eurocomunismo' como modelo revolucionario idóneo en los países capitalistas desarrollados. Madrid, Crítica, 1977.
  • 3 Ion Contiades, "Verfassungsgesetsliche Staatsstrukturbeziehungen". Res Publica. Beiträge zum öffentlichen Recht. Stuttgart, 1967, vol. 16.
  • 4 Como exemplo da aplicaçăo prática da Constituiçăo, veja-se Ernst E. Hirsch, Menschenrechte und Grundfreheiten im Ausnahmezustand. Eine Fallstudie über die Tätigkeit und die Agitation 'strikt unpolitischer' internationaler Organisationen. Berlim, Dunker & Humblot, 1974.
  • 5 Maurice Hauriou. Précis de droit constitutionnel. Paris, L. Tennin, 1923, p. 379.
  • 6 Carl Schmitt. Legalität und Legitimität. Berlim, Duncker & Humblot, 1968, p. 61.
  • 7 Robert Leicht, Süddeutsche Zeitung, 19 de abril de 1978.
  • 8 François Perroux, L'économie du Xxe sičcle. Paris, PUF, 1969, p. 390.
  • 9 Considero a expressăo "efeitos colaterais" uma trivializaçăo equivocada e anticientífica. É mera evasăo das conseqüęncias ameaçadoras do progresso científico. A cięncia moderna é axiologicamente neutra, pura e isenta de valores (wertfrei), na terminologia dos representantes da filosofia dos valores. Para eles, a liberdade em relaçăo a valores é a suprema liberdade e o supremo valor. Năo é lícito que a cięncia neutra e a tecnologia valorativamente isenta sejam isoladas da avaliaçăo dos seus resultados. Pois, com isso, os resultados da síndroma cięncia-técnica passam a gozar do privilégio da liberdade em relaçăo a valores e da neutralidade valorativa. Quando se julgam os produtos industriais dessa síndroma com critérios totalmente distintos dos de bom ou mau, desejável ou indesejável e quando, entăo, as conseqüęncias más ou indesejáveis năo passam de "efeitos colaterais", incorre-se numa sub-repçăo cientificamente inadmissível. A contaminaçăo do meio ambiente é contaminaçăo do meio ambiente, ainda que grandes físicos e pręmios Nobel tenham contribuído para esse resultado. Agradeço esta visăo clara ŕ leitura atenta do livro de Rainer Specht Innovation und Folgelast: Beispiele aus der neueren Philosophie und Wissenschaftsgeschichte. Stuttgart, Fromman-Holzboog, 1972.
  • 10 François Perroux. Aliénation et societé industrielle. Paris, NRF, coleçăo "Idées", 1970, p. 180.
  • 11 Veja-se Karl Marx, "Hefte zur epikureischen, stoischen und skeptischen Philosophie", Vierter Heft. Marx- Engels Werke, Ergänzunsband. Berlim, Dietz Verlag, 1968, pp. 166-167.
  • 12 Veja-se François Perroux, Masse et classe. Paris, Castermann, 1972, pp. 161-162.
  • 13 Carl Schmitt, Der Nomos der Erde im Völkerrecht des Jus Publicum Europeum. Berlim, 1974.
  • (Existe uma traduçăo castelhana por Dora Schilling, publicada pelo Cientro de Estudios Constitucionales de Madrid, El Nomos de le Tierra, CEC, 1979).
  • Nesse livro refiro-me, em todos os pontos decisivos do desenvolvimento de grandes espaços industriais e econômicos, a Maurice Hauriou. Além disso, veja-se o meu ensaio "Nehmen/teilen/werden", na Revue Internationale de Sociologie, Roma, 1974,
  • também em Verfassungsrechtliche Aufsätze. Berlim, Dunker & Humblot, 1973, pp. 488-504.
  • 14 Acerca do revanchismo de Hitler, pode-se ler a conversaçăo imaginária com Georges Sorel em Jesus Fueyo, La vuelta de los budas. Ensayo-ficción sobre Ia última história del pensamiento y la política. Madrid, Sala Editorial, 1973, p. 186.
  • 15 H.P. Ipsen. Europäisches Gemeischaftsrecht. Tübingen, 1972.
  • 17 Reinhardt Koselleck, "Zur historisch-politischen Semantik asynmetrischer Gegenbegrife". in Harald Weinrich (org) Positional der Negativität. Munique, Wilhelm Fink Verlag, 1975, pp. 65-104.
  • *
    "La revolución legal mundial: plusvalía política como prima sobre legalidade jurídica y superlegalidad". Buenos Aires,
    Agora, 6, 1997, pp. 123-142. (Originalmente publicado como "Die legale Weltrevolution: politischer Mehrwert als Prämie auf juridische Legalität",
    Der Staat, 3, 1978, pp. 321-339). Tradução de Gabriel Cohn.
  • **
    Discípulo de Schmitt. (Nota do tradutor).
  • ***
    O artigo 48 da Constituição de Weimar, de 1919, concedia ao chefe do Estado (o presidente eleito diretamente), e não do chanceler (chefe do governo) a que se refere Schmitt provavelmente tendo em vista a debilidade do presidente em 1932, .o poder de declarar o estado de exceção e de governar mediante medidas de emergência sem consideração pelo Legislativo. Sobre isto ver Ruth Zimmerling, "Alemanha: parlamentarismo e o fantasma de Weimar".
    Lua Nova, 24, 1991, pp. 73-84, esp. p. 80. (Nota do tradutor).
  • 1
    Santiago Carrillo,
    Eurocomunismo y Estado. El 'eurocomunismo' como modelo revolucionario idóneo en los países capitalistas desarrollados. Madrid, Crítica, 1977.
  • 2
    A definição de Max Weber significa, em sua pretensão científica, uma redução valorativamente isenta (no sentido da teoria do conhecimento neokantiana de então). Três reduções igualmente isentas de valoração - obediência, obrigação e possibilidade - juntam-se numa aglomeração verbal e conceitual.
  • 3
    Ion Contiades, "Verfassungsgesetsliche Staatsstrukturbeziehungen".
    Res Publica. Beiträge zum öffentlichen Recht. Stuttgart, 1967, vol. 16.
  • 4
    Como exemplo da aplicação prática da Constituição, veja-se Ernst E. Hirsch,
    Menschenrechte und Grundfreheiten im Ausnahmezustand. Eine Fallstudie über die Tätigkeit und die Agitation 'strikt unpolitischer' internationaler Organisationen. Berlim, Dunker & Humblot, 1974.
  • 5
    Maurice Hauriou.
    Précis de droit constitutionnel. Paris, L. Tennin, 1923, p. 379.
  • 6
    Carl Schmitt.
    Legalität und Legitimität. Berlim, Duncker & Humblot, 1968, p. 61.
  • 7
    Robert Leicht,
    Süddeutsche Zeitung, 19 de abril de 1978.
  • 8
    François Perroux,
    L'économie du Xxe siècle. Paris, PUF, 1969, p. 390.
  • 9
    Considero a expressão "efeitos colaterais" uma trivialização equivocada e anticientífica. É mera evasão das conseqüências ameaçadoras do progresso científico. A ciência moderna é axiologicamente neutra, pura e isenta de valores
    (wertfrei), na terminologia dos representantes da filosofia dos valores. Para eles, a liberdade em relação a valores é a suprema liberdade e o supremo valor. Não é lícito que a ciência neutra e a tecnologia valorativamente isenta sejam isoladas da avaliação dos seus resultados. Pois, com isso, os resultados da síndroma ciência-técnica passam a gozar do privilégio da liberdade em relação a valores e da neutralidade valorativa. Quando se julgam os produtos industriais dessa síndroma com critérios totalmente distintos dos de bom ou mau, desejável ou indesejável e quando, então, as conseqüências más ou indesejáveis não passam de "efeitos colaterais", incorre-se numa sub-repção cientificamente inadmissível. A contaminação do meio ambiente é contaminação do meio ambiente, ainda que grandes físicos e prêmios Nobel tenham contribuído para esse resultado. Agradeço esta visão clara à leitura atenta do livro de Rainer Specht
    Innovation und Folgelast: Beispiele aus der neueren Philosophie und Wissenschaftsgeschichte. Stuttgart, Fromman-Holzboog, 1972.
  • 10
    François Perroux.
    Aliénation et societé industrielle. Paris, NRF, coleção "Idées", 1970, p. 180.
  • 11
    Veja-se Karl Marx, "Hefte zur epikureischen, stoischen und skeptischen Philosophie", Vierter Heft.
    Marx- Engels Werke, Ergänzunsband. Berlim, Dietz Verlag, 1968, pp. 166-167.
  • 12
    Veja-se François Perroux,
    Masse et classe. Paris, Castermann, 1972, pp. 161-162.
  • 13
    Carl Schmitt,
    Der Nomos der Erde im Völkerrecht des Jus Publicum Europeum. Berlim, 1974. (Existe uma tradução castelhana por Dora Schilling, publicada pelo Cientro de Estudios Constitucionales de Madrid,
    El Nomos de le Tierra, CEC, 1979). Nesse livro refiro-me, em todos os pontos decisivos do desenvolvimento de grandes espaços industriais e econômicos, a Maurice Hauriou. Além disso, veja-se o meu ensaio "Nehmen/teilen/werden", na
    Revue Internationale de Sociologie, Roma, 1974, também em
    Verfassungsrechtliche Aufsätze. Berlim, Dunker & Humblot, 1973, pp. 488-504.
  • 14
    Acerca do revanchismo de Hitler, pode-se ler a conversação imaginária com Georges Sorel em Jesus Fueyo,
    La vuelta de los budas. Ensayo-ficción sobre Ia última história del pensamiento y la política. Madrid, Sala Editorial, 1973, p. 186.
  • 15
    H.P. Ipsen.
    Europäisches Gemeischaftsrecht. Tübingen, 1972.
  • 16
    Uma observação semântica acerca da expressão "patriotismo da espécie"
    (patriotisme de l'èspèce). Quando os autores franceses falam de patriotismo costumam manter-se na tradição nacional-estatal da sua pátria e nas suas correspondentes idéias de liberdade. Isto é válido tanto para Auguste Comte quanto para Hauriou e Perroux. Na Alemanha, contudo, os termos "patriotismo" e "pátrio" soam quase como reacionários para um pensamento progressista, como demasiado paternalistas. A diferença explica-se pela circunstância de que Estado e nação sempre foram congruentes para a linguagem conceitual francesa, enquanto na Alemanha , desde sempre até hoje, se distinguem. Especialmente Hauriou não duvida em absoluto da congruência e da sinonímia das duas palavras. Ele segue a terminologia de sua nação, e o explicou, pormenorizadamente em seus
    Principes de droit public (1910 e 1919) e em seu
    Précis de droit constitutionnel (1923). Bem feitas as contas, a atual organização mundial da ONU chama-se a si própria Nações Unidas e não Estados Unidos, sem considerar o que são realmente os diversos membros admitidos. Impõe-se a pergunta de se a ONU, em toda a sua existência, produziu alguma espécie de "patriotismo". Quanto à ideologia marxista, a pergunta é dispensável. Uma espécie de homens que se criam a si mesmos, segundo a Tese 11 sobre Feuerbach, seria uma sociedade sem pais.
  • 17
    Reinhardt Koselleck, "Zur historisch-politischen Semantik asynmetrischer Gegenbegrife". in Harald Weinrich (org)
    Positional der Negativität. Munique, Wilhelm Fink Verlag, 1975, pp. 65-104.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2010
    • Data do Fascículo
      1997
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