Acessibilidade / Reportar erro

Gênero, ação e sistema: a reinvenção dos sujeitos

Gender, action, and system: the reinvention of subjects

Resumos

Após um exame de alguns problemas não resolvidos no feminismo analisam-se, a partir de uma perspectiva de gênero, dois importantes modelos teóricos da atualidade: o de Habermas e o de Luhmann, este visto como oferecendo uma perspectiva da "diferença". No final reflete-se sobre o tipo de políticas que resultaria de posições não mais limitadas a uma concepção rígida da questão da identidade.


After examining some unresolved problems in feminism two important contemporary theoretical models are analysed: that of Habermas and that of Luhmann, this one being seen as offering a perspective based on "difference". At the end some reflections are made concerning the kind of policies which would result from positions no longer limited to a rigid conception of the question of identity.


SUJEITO E OBJETO

Gênero, ação e sistema: a reinvenção dos sujeitos

Gender, action, and system: the reinvention of subjects

Maria Gabriela Hita

Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do ECSAS-Núcleo de Estudos em Ciências Sociais, Ambiente e Saúde da FFCH da UFBa. Atual doutoranda do IFCH-UNICAMP

RESUMO

Após um exame de alguns problemas não resolvidos no feminismo analisam-se, a partir de uma perspectiva de gênero, dois importantes modelos teóricos da atualidade: o de Habermas e o de Luhmann, este visto como oferecendo uma perspectiva da "diferença". No final reflete-se sobre o tipo de políticas que resultaria de posições não mais limitadas a uma concepção rígida da questão da identidade.

ABSTRACT

After examining some unresolved problems in feminism two important contemporary theoretical models are analysed: that of Habermas and that of Luhmann, this one being seen as offering a perspective based on "difference". At the end some reflections are made concerning the kind of policies which would result from positions no longer limited to a rigid conception of the question of identity.

"A esperança não pode aspirar a tornar o mutilado caráter social das mulheres idêntico ao mutilado caráter social dos homens; ao invés disso, sua inspiração deve ser um estado ...no qual tudo que sobrevive à desgraça entre os sexos é a felicidade que essa diferença permite" (Theodor W. Adorno, Prismas)

A partir de uma perspectiva de gênero analisam-se neste artigo aspectos de dois importantes modelos teóricos da atualidade, que vem sendo apresentados como antagônicos em sua polêmica. Trata-se do debate travado entre Habermas e Luhmann. Habermas apresenta-se como defensor da grande tradição emancipatória herdeira do humanismo da Ilustração. Luhmann, pelo contrário, critica alguns dos compromissos desta tradição e exige uma maior radicalização teórica, que acredita ser necessária para poder analisar a sociedade contemporânea, e sustenta que as categorias do outro modelo são insuficientes para descrever a sociedade atual. Procura-se delimitar potencialidades e fraquezas destas perspectivas e como ambas podem ser lidas e reinventadas desde uma perspectiva de gênero. Inicialmente se pontuam algumas questões chaves da teoria feminista como modo de delimitação da temática a discutir. A segunda parte apresenta algumas críticas de feministas ao modelo habermasiano da ética comunicativa. Na terceira parte apresenta-se um contraponto ao esquema anterior sobre a identidade: o modelo luhmaniano, representante da perspectiva da "diferença", nas suas teorias da comunicação, da evolução e de sistemas. Finalmente retomam-se algumas reflexões do feminismo atual independentemente das limitações e benefícios que esses paradigmas lhe apresentam.

PROBLEMAS "NÃO RESOLVIDOS" NO FEMINISMO

Não existe uma única definição do ser mulher e não existe um único projeto feminista. Existem diferentes projetos, e até mesmo antagônicos, que são função da imagem que se faz do ser humano e da sociedade1 1 A diversidade de grupos e ações é uma característica do movimento feminista e é o que constitui a sua riqueza (ele é refratário ao centralismo político). . Tratarei aqui basicamente de duas grandes posições, a corrente da igualdade enfrentando-se a uma recentemente recriada, interessante mas não sem problemas, perspectiva da diferença.

O binômio fundamental onde se enraízam a maioria dos percursos do feminismo é o de natureza/cultura. Ele será a base da análise de todos os demais que dele derivam: Diferença/igualdade; subordinação/ autonomia; ausência/presença e tantas outras formas mais complexas e fluidas da reflexão atual, que procuram romper com a dicotomização de posições mas ainda guardam alguma ligação com esses debates filosóficos originários.

Uma forma recorrente na história de analisar as diferenças, desigualdades, dominação e subordinação entre os sexos tem apelado para a explicação da diferenciação biológica. O elemento "natural", biológico, em teorias e filosofias masculinas (incluso de varias mulheres), fundamenta a "mulher" de forma exclusiva. Nós somos todos naturais, mas o natural feminino visto por estas perspectivas teóricas tenderia continuamente a voltar para a natureza, ao passo que o natural do homem tenderia à cultura, à dominação da natureza (Rosaldo, 1979; Ortner, 1979; Del Re, 1994).

É incontestável que exista diferença entre os sexos. Porém que esta diferença "deva" desaparecer ou, ao contrário, fixar-se em si mesma ultrapassando a dominação, isto é da ordem do postulado. Existe diferença, mas os diferentes não são essencializáveis.

Para teóricas/teóricos da igualdade as únicas diferenças existentes entre homens e mulheres são as biológico-sexuais, das que não se derivam qualidades inatas distintas entre ambos sexos. As diferenças observáveis entre os sexos são atribuídas pela corrente culturalista a diferenças apreendidas artificialmente, culturalmente, e não a uma diferença advinda de uma natureza própria, senão àquelas derivadas de relações sociais entre homens e mulheres, ou, o que é igual, à opressão de um sexo sobre o outro. E neste sentido, igualdade significa a substituição de relações de opressão por outras livres entre seres livres e "iguais".

Esta corrente é criticada por confundir, de alguma forma, igualdade com identidade. Ser iguais significaria em certa medida ser idênticos — um suposto de humanidade universal que apagaria as diferenças atuais. Ser diferentes para esta perspectiva significaria ser desiguais. Percebe-se aqui a tradição iluminista, segundo a qual a igualdade passa pela identidade: não se pode ser Homem a não ser de uma única maneira. E a assimilação é sempre pensada como identificação ao modelo dominante. Sob o pretexto de universalismo, o estrangeiro apenas tem direito à igualdade ao tornar-se autóctone (ou imitando-o), a mulher apenas se torna plenamente humana ao tornar-se homem (ou imitando-o)2 2 Doyal & Gough (1994) e Dussel (93) são dois interessantes autores que, trazendo à tona a questão das necessidades materiais desde certo relativismo cultural, podem ser lidos como uma forma de enfrentamento à perspectiva redutora universalista da igualdade. .

Para teóricos da diferença, querer ser igual levanta a questão sobre igual a quem? a si mesma? ou ao neutro-masculino? Esta perspectiva vem revertendo, tornando positiva a utilização da diversidade biológica como fator de desigualdade. Esta diferença é reconhecida a partir do que somos agora, mesmo se o que somos é o produto de séculos de opressão. Não é necessário justificar ou explicar nosso "ser mulheres" ou revoltar-se contra a condição dita "feminina". O que importa é existir num mundo que há que sexuar, reduzindo à parcialidade o elemento masculino considerado como universal (Del Re, 94).

Esta corrente afirma que mulheres e homens somos diferentes por natureza e que esta diferença implica formas de ser e comportamentos específicos. Em nome disso reivindicam a diferença como categoria central de análise e fundamental na elaboração de estratégias de ação. Independentemente das distinções e variações ao interior da corrente, o que identifica esta linha é a rejeição absoluta à aspiração à igualdade entre homens e mulheres.

A afirmação da diferença — raiz prática do separatismo — tem contribuído e contribui ainda para fundar uma estratégia de igualdade — ou melhor, de "equivalência" real — baseada no slogan: não sou nem quero ser igual a um homem, mas sei que sou e quero ser equivalente, de valor igual. Espera-se, contudo, que esta equivalência não venha a transformar-se em uma aceitação a crítica da escala de valores imposta pelo sistema dominante ou em um achatamento geral dos valores (negando qualquer valor dos indivíduos). Esperar-se-ía que uma perspectiva deste tipo permitisse eclodir todas as diferenças, na realização de todos os desejos (Del Re, 1994).

Igualmente, seria grave e redutor fundar todas as diferenças na decisão sobre o que é constitutivo do feminino, isto é, definindo, nomeando, para hoje e para sempre, a depositária do "feminino", a avaliadora do "ser mulher" ou do "ser feminista" (Pineda, 1982, Del Re, 1994). É necessário estar aberto a todas as definições, sob a condição de que sejam articuladas histórica, geográfica e culturalmente. A mulher é apenas uma construção social. Elas podem, se quiserem, fazer a escolha política de mudar o signo deste produto; o que importa é que esta escolha resulte de um ato de vontade e não de uma simples afirmação ontológica.

Ouve-se muitas vezes dizer que as mulheres são, por si mesmas, portadoras de valores, comportamentos e funções sociais que lhes permitiriam inovar em política. A feminilidade, em si mesma, não é um elemento que possa ser considerado inovador, porém, com os avanços da modernidade, chegou-se ao ponto de poder aceitar as diferenças de experiências e de exigências das mulheres (e de outras "minorias"). Se não se quer que a diferença seja considerada como signo de inferioridade, tampouco se deseja que ela constitua uma categoria permanente e totalizadora do ser mulher (Del Re, 1994).

Em ambas correntes tem-se em comum uma vontade de ultrapassar a estrutura de dominação que afeta a diferença dos sexos e o desejo de restaurar e afirmar uma certa teoria do sujeito. De forma sumária se poderia dizer que para a postura essencialista trata-se do sujeito mulher, qualificado de feminino. Para a posição racionalista ou culturalista trata-se do sujeito humano. Em ambos casos impõe-se uma representação da diferenciação dos sexos, seja como determinável na primeira ou nula na segunda. Há uma razão das mulheres ou uma humana; uma reconciliação das mulheres consigo ou do "homem"(humano) consigo, e a dominação dissimula uma diferença identificável ou produz um puro engodo de diferença. Vê-se uma dupla interpretação do próprio e de sua propriedade: o próprio feminino, o próprio humano. O trabalho político implica, nos dois casos, uma representação daquilo que ele visa: identidade feminina das mulheres (estrangeira àquela dos homens) ou identidade única do ser humano (Collin, 93).

Se ambas coincidem em que o neutro-universal seja uma falsidade histórica e filosófica, elas se diferenciam quando passam da descrição às propostas políticas. Para a primeira este neutro-universal é masculino, parcial e se propõe sexuar a realidade introduzindo a bissexualidade natural. Para a segunda o neutro-universal é sexuado e esta sexuação é um signo de disparidade e desigualdade, propondo diminuir estas diferenças, mediante a construção de igualdade de condições para ambos os sexos (Del Re, 1989).

Por tudo o até aqui apresentado, considero extremamente complicado e reducionista posicionar-se por um ou outro lado da polêmica. Talvez a única forma de tentar resolver esta bipolaridade seja assumi-la inteiramente, tentando utilizá-la em vários níveis, evitando cindir os dois elementos dos binômios, natureza versus cultura, ou identidade versus diferença. É importante partir do reconhecimento de que diferenças entre os sexos sempre existiram e que é interessante podermos manifestá-las e reivindicar o direito a elas em sociedades complexas atuais. Mas e igualmente, não podemos reduzi-las a essências do comportamento humano, dos sexos, que fixem (de ontem, hoje e/ou para sempre) formas específicas de ser. A diferença dos sexos sempre esteve e ainda continua em constante processo, fora de toda representação do que são ou deveriam ser os uns e os outros.

Os modos binários de pensamento social, apesar da sua força explanatória, criam becos sem saída. Para superá-los autoras feministas propõem a sua suplantação por narrativas relacionais, perspectiva com a qual se torna mais complexa a abordagem de relações tradicionalmente tidas como de opressão. A dicotomização em categorias como branco/preto; homem/mulher; cultura/natureza; igualdade/diferença é tida como instrumento analítico débil para captar a limiaridade de posições subjetivas contraditórias ou as fluídas, nomádicas e migratórias subjetividades que vêm sendo denominadas "a nova geografia da identidade" em estudos feministas atuais.

Esta nova perspectiva, denominada "narrativas culturais de posicionalidade relativa" em Friedman e de alguma forma presente nos trabalhos de Judith Butler, baseia-se em uma problematização do conceito tradicional de "identidade" e contesta a propriedade da utilização desta categoria para dar conta da luta política de grupos constituídos por diversidade de atores em continuo processo de diferenciação. Nenhuma identidade é fixável essencialmente, nenhuma hierarquia é imutável, toda posicionalidade está aberta à mudança no processo da desconstrução e devir social. Diferente das posturas universalistas, não sugere que todas as posições sejam únicas e iguais em um menu de diferenças. Tampouco se identifica com políticas de identidade baseadas em uma coletividade singular, típicas dos grupos fundamentalistas. Para esta perspectiva o poder flui em múltiplos sistemas de dominação e não é sempre unidirecional, tornando mais complexa a análise das relações de poder pela identificação da "totalidade" dos diferentes constituintes da identidade.

A diferença dos sexos, que foi secularmente substantivada, na prática e na teoria, está colocada em jogo não só de acordo com os deslocamentos impostos pela história mas por um agir que, se é sempre maioritariamente o agir das mulheres — obrigando-as muitas vezes a se movimentarem unilateralmente — é potencialmente e de fato um agir comum. Um coagir onde os atores não estão mais assegurados dos seus papéis, onde nada permite jamais afirmar nem que não existe a diferença entre os sexos nem que existe uma diferença insuperável. Ao contrário, tudo leva a afirmar que não existe e que existe uma diferença, ao mesmo tempo e indistintamente. Assim se efetua a saída de toda a metafísica dos sexos, não pela afirmação de sua indiferença, substituindo a velha afirmação de dois diferentes localizáveis, nem pela determinação de seus novos lugares — os que seriam "os bons" — mas por um agir dos diferentes, tais quais eles são aqui e agora. Pois a rejeição à sujeição não fornece modelo do devir igualitário (Collin, 93).

Como se pode ver, estamos já discutindo alguns importantes problemas envolvidos no confronto entre a teoria de Luhmann e a de Habermas, e algumas das dificuldades e reduções ao se opor o binômio identidade versus diferença.

A ETICA COMUNICATIVA E O FEMINISMO

Há razões plausíveis para alegar que a política emancipatória e democrática habermasiana deveria definir-se como realizadora do potencial dos ideais políticos modernos que tem sido suprimidos pelo capitalismo e instituições burocráticas. Mas em que medida se poderia alegar o contrário, desde uma crítica feminista? Em que medida não se pode preconizar uma certa ruptura com tais ideais, pela forma particular de utilizar a noção de universalidade e evolução desenvolvimental da consciência moral na sua teoria? Não sem válidas justificativas, varias feministas acusam, mais ou menos diretamente, o esquema habermasiano de androcêntrico (e etnocêntrico) na sua concepção universalística de um "neutro-universal" definido a partir de um modelo especificamente masculino. (Pineda, 1982; Gilligan, 1982; Fraser, 1987; Benhabib, 1987; Young, 1987; Colin, 93; Del Re, 1994, etc.).

Por varias razões poderia pensar-se que a teoria da ação comunicativa de Habermas teria, em princípio, mais a oferecer ao feminismo do que outras perspectivas. Em sua teoria da ação comunicativa e desde uma perspectiva que resgata o ideal emancipatório, Habermas procura enfrentar a tendência na filosofia moderna a reduzir a razão à razão instrumental, tendência que decorre do pressuposto de uma consciência julgadora solitária3 3 Sobre este ponto ver também Axel Honneth (1987) . Em principio sua concepção dialógica da razão normativa promete uma crítica e abandono do pressuposto de que esta razão deva ser imparcial e universal. Uma razão dialógica deveria implicar a concepção de uma razão contextualizada, onde as respostas seriam resultado de uma pluralidade de perspectivas que não podem ser reduzidas à unidade (Young, 1987).

Apesar da promessa, entretanto, sua ética permanece insuficiente do ponto de vista de uma crítica da razão deontológica, por manter em sua teoria da comunicação uma oposição entre razão e desejo, por renegar-se a definir a razão normativa contextual e perspectivamente, por manter um compromisso com o ideal da razão imparcial e universal4 4 Esta mesma crítica pode também ver-se em McCarthy (1982) e nos trabalhos de Dussel (1993, 1996a e 1996b). . No lugar de apoiar-se em um ego transcendental, ele afirma que um ponto de vista imparcial é concretamente pressuposto para uma discussão normativa que procure chegar a um acordo. Uma fé na possibilidade do consenso é a condição para iniciar o diálogo, e a possibilidade de tal consenso pressupõe que as pessoas se empenham na discussão sob condições que neutralizam todos os motivos, exceto o de buscar cooperativamente a verdade. No caso, Habermas afirma reconstruir teoricamente um pressuposto de imparcialidade contido de forma implícita em qualquer discussão de normas voltado para a busca de consenso, o que é considerado por certos autores um argumento transcendental (Young, 1987).

Uma importante polêmica neste sentido tem sido erguida por Carol Gilligan5 5 Ver seu livro In a Different Voice: Psichological Theory and Women's Development (1982). Todo um processo de respostas e contra-respostas entre Kohlberg/Habermas e Gilligan teve lugar após esta publicação. Ao respeito ver o capítulo "Consciência moral e ação comunicativa" de Habermas no seu livro do mesmo título em 1983, e 2 livros da equipe de Gilligan: Mapping the Moral Domain: A Contribution of Women's Thinking to Psychological Theory and Education, 1988 e Making Connections: The Relational Worlds of Adolescent Girls at Emnia Willard School, 1990. Curiosamente, Habermas abandona, após varias críticas o seu esquema evolutivo das etapas morais, ou melhor, deixa de referir-se a ele. Em sua Teoria da Ação Comunicativa não encontramos o tema revisto, apenas um rápido ponto sobre Piaget respeito à descentração das imagens do mundo no seu capítulo sobre racionalidade. . Sustenta ela a inadequação do pressuposto de que uma "ética dos direitos" do tipo kantiano represente o mais alto estágio do desenvolvimento moral para as mulheres. Partindo do questionamento dos resultados das pesquisas de Kohlberg, nas quais Habermas tem-se apoiado com sutis alterações6 6 McCarthy estranha a falta de criticidade de Habermas ao incorporar as teorias de Kohlberg e Piaget, que além de eurocêntricas apresentam uma serie de outros problemas, que ele vai sintetizando. , Gilligan acusa a tradição deontológica da teoria moral de excluir e desvalorizar a experiência de vida moral específica, mais particularista e afetiva das mulheres. Ela questiona pressupostos evolutivos do modelo de Kohlberg sustentado em uma concepção universal — androcentricamente construída — das distintas etapas do pensamento moral: de pré-convencional, convencional e pós-convencional. Segundo estas etapas as mulheres se encontrariam em um nível de inferioridade em relação aos homens. A distinção que ela faz entre ética da justiça e do direito (mais característica de homens) e ética do cuidado e responsabilidade (mais característica de mulheres) é o que lhe permite explicar o desenvolvimento moral das mulheres e a capacitação cognitiva que elas mostram de um modo novo e distinto ao masculino. O julgamento moral das mulheres é tido nos seus estudos como sendo mais contextual, imerso nos pormenores dos relacionamentos e das narrativas. As mulheres como tendo uma maior propensão a assumir o ponto de vista do outro particular. Gilligan questiona por um lado o que seja considerado um estágio mais elevado de desenvolvimento moral na teoria de Kohlberg, mas também a pressuposta irreversibilidade das etapas uma vez alcançado um estágio, mostrando, pelo contrário, o que tem-se denominado de retrocessos na idade adulta ao comportamento de adolescentes nos estudos de psicologia (Benhabib, 1987)7 7 Ao respeito ver também, Schmidt, 1982. .

Uma crítica contudo levantada por feministas contra a própria Gilligan é o da reprodução no seu próprio esquema da mesma oposição que procura criticar entre justiça e cuidado, razão e afetividade8 8 Ao defender uma certa "cultura feminina" marcada por atributos ou "comportamentos femininos" tradicionalmente utilizados para definir a natureza feminina tais como sensibilidade, sentimentalismo, delicadeza, atenção por detalhes, paciência, abnegação, capacidade amorosa, pacifismo, carência de sentido agressivo da competitividade, etc. se encontra essa tendência a voltar a um essencialismo que pode ser redutor e perigoso. Se pode afirmar que estas marcas culturais aludidas caracterizam por igual a todas as mulheres? Não estão elas influídas pela origem social, nível cultural, entorno e trato que recebe cada uma? E como negar que muitas desta qualidades estão igualmente presentes em muitos homens - como é o caso da paciência e atenção a detalhes por parte de cientistas; de abnegação e sacrifício heróico na entrega de homens revolucionários, etc.?. A "especificidade" do feminino é outra vez totalmente descontextualizada e separada analítica e politicamente da constituição de classe, raça, etnicidade e outros eixos de relações de poder que conjuntamente constituem identidade e tornam a noção singular de identidade um nome inapropriado. . Argumenta-se neste sentido que uma ética emancipatória deve revelar uma concepção de razão normativa que não oponha razão a desejo e afetividade. Esta perspectiva sustenta-se no questionamento ao pressuposto da tradição deontológica de que a razão normativa deva ser imparcial e universal. Mostra-se que o ideal de "imparcialidade" (inscrito na noção de uma razão universal) exprime o que Adorno chama de lógica da identidade, que nega e reprime a diferença (Young, 1987).

Habermas e Kohlberg consideram que a orientação do cuidado e da responsabilidade levantados por Gilligan como sendo de uma ordem de moralidade menor, por referir-se ao que eles denominam problemas de vida boa e não de justiça, correspondente a aspectos pessoais (do âmbito doméstico) e não da ordem do público ou propriamente "moral", como seriam os casos dos direitos ou de justiça9 9 Ver Habermas, 1983. Ele insiste em que pronunciamentos estéticos e expressivos podem ser tão racionais quanto os fatuais ou estratégicos, mas que diferem dos últimos no modo de avaliar sua racionalidade. Ao distinguir entre justiça e vida boa, e designar esta última como o campo por excelência das emoções ele retira os problemas afetivos do campo da moral no seu estágio mais evoluído, o de máxima racionalidade universal representada nas esferas da justiça e do direito. . Desta forma, reproduzem a tão velha e criticada dicotomia entre o público e o privado e excluem as considerações de Gilligan do seu modelo a partir de um ponto de vista moral. O Eu moral é encarado como um ser desembaraçado e desincorporado, que reflete aspectos da experiência masculina. Teorias universalistas deste tipo seriam, neste sentido, tachadas de "substitucionistas" e não "interativas", no sentido que o universalismo defendido é definido pela identificação de experiências de um grupo específico de pessoas como argumento paradigmático do humano em geral (invariavelmente, pessoas brancas, adultas, masculinas, ocidentais, proprietários ou profissionais liberais)10 10 Neste sentido ver também os trabalhos citados de McCarthy e Dussel que acusam de eurocêntrico o esquema evolutivo e de lógica desenvolvimental que Habermas usa de forma acrítica. . O universalismo interativo, pelo contrário, reconheceria a pluralidade de modos de ser e as diferenças entre os seres humanos, sem endossar todas aquelas pluralidades e diferenças como válidas moral e politicamente. Ainda que elas devam ser solucionadas racionalmente, este universalismo considera as diferenças como ponto de partida para a reflexão e ação. Universalidade esta que não é o consenso ideal de "eus" fictícios mas o processo concreto da luta de "eus" concretos pugnando por autonomia (Benhabib, 1987)11 11 Sobre este aspecto ver também o trabalho de Michael Schmid (1982) sobre a teoria da evolução em Habermas onde se traça uma interessante distinção e polêmica com a perspectiva de Luhmann. Igualmente neste artigo se acede a uma excelente descrição da concepção evolutiva e de lógica desenvolvimental em Habermas baseado nas perspectivas psicogenêticas da ação moral. . Se em principio esta parece ser urna postura que Habermas defende, inadvertidamente termina caindo no seu contrário.

A teoria de uma moral universal contemporânea, como vem sendo demonstrado, teria herdado a dicotomia entre autonomia e cuidados maternais, independência e vinculação, a esfera da justiça e o reino pessoal doméstico tão combatido pelo feminismo da igualdade ao não incorporar no seu mesmo nível de definição de racionalidade universal os aspectos expressivos e afetivos. Isto é mais visível no empenho de restringir o ponto de vista moral à perspectiva do "outro generalizado", negando desta forma o que seria uma proposta do outro concreto (Benhabib, 1987).

O ponto de vista do "outro generalizado" — predominante na perspectiva habermasiana da razão universal — seria para os defensores de um universalismo realmente humano e não androcêntrico uma condição necessária, embora não suficiente, para definir a opinião moral nas sociedades modernas. O "outro-generalizado" deveria ser complementado com a perspectiva do outro concreto. Entretanto, ele exige abstrair a individualidade e identidade concreta do outro e considerá-lo naquilo que todos têm em comum, é regido por regras de igualdade e reciprocidade formais. Considerar o outro como concreto, pelo contrário, abstrai o que temos em comum, e admite sua especificidade, individualidade. Esta forma é regida por normas de equidade e reciprocidade complementar. As diferenças nos complementam ao invés de excluir um ao outro, confirmando a humanidade e individualidade do outro. As categorias morais que acompanham essas interações seriam as de responsabilidade, vinculação e compartilhamento e os correspondentes sentimentos morais os do amor, simpatia e solidariedade. Neste sentido, o outro concreto é um conceito crítico que de signa os limites ideológicos do discurso universalista. Significa o não pensado, o não visto e ouvido nessas teorias: a perspectiva feminina — ainda que não uma natureza feminina, i.e., o resultado de uma construção social — uma específica reivindicação da diferença (Benhabib, 1987).

Para uma lógica da identidade como a habermasiana razão é tida como ratio, isto é, a redução, com base em princípios, dos objetos de pensamento a uma medida comum, as leis universais. Os particulares concretos são unificados sob a forma universal, mas as formas por sua vez não podem ser reduzidas à unidade. O problema com a lógica da identidade é que, através dela, o pensamento procura ter tudo sob controle, eliminar toda incerteza e imprevisibilidade, idealizar o fato corporal da imersão sensorial num mundo que ultrapassa o sujeito, eliminar a alteridade. A razão deontológica expressa essa lógica da identidade ao eliminar a alteridade de, pelo menos, dois modos: a especificidade irredutível de situações e a diferença entre sujeitos morais. Essa razão deontológica não pode eliminar a especificidade e variabilidade de situações concretas a que as regras devem ser aplicadas; todavia, ao insistir na imparcialidade e universalidade da razão moral, torna-se incapaz racionalmente de compreender e avaliar contextos morais particulares em sua particularidade (Young, 1987).

No discurso moderno, o racional exige a imparcialidade. A idéia de imparcialidade exige a separação entre razão moral e desejo, afetividade e relação sensorial física com as coisas, pessoas, situações (porque só dessa forma ela pode conseguir sua unidade). Uma conseqüência desta expulsão do desejo e sentimento da razão moral é qualificá-los de irracionais e inferiores. Desconhece, pois, o papel que sentimentos como simpatia, compaixão e interesse têm na descoberta de razões e de motivação para a ação moral. Não se leva em conta que muitas opções morais não seriam feitas sem o impulso da carência ou ira (Young, 1987).

Simplesmente expulsando o desejo, a afetividade e a necessidade, a razão deontológica afinal os reprime, e opõe a moralidade à felicidade. A tarefa da razão é controlar e censurar o desejo. A função do dever é dominar a natureza interior, não formá-la em melhores direções. Uma vez que todo desejar é igualmente suspeito, não temos como distinguir quais desejos são bons e quais os maus, quais ampliarão as capacidades e relações das pessoas com outras e quais tolherão o crescimento e fomentarão a violência. Ao serem excluídos do entendimento, todos os desejos, sentimentos e necessidades tornam-se inconscientes, mas certamente nem por isso cessarão de motivar ações e comportamentos.

Esta mesma dicotomía da sua concepção de uma razão universal moralizante também é reproduzida por Habermas implicitamente na sua própria concepção de comunicação, quando desvaloriza aspectos expressivos e corporais da comunicação, suprimindo aspectos físicos da linguagem (gesto, expressão facial, tom de voz, ritmo); aspectos materiais da linguagem escrita (pontuação, construção da frase); e dimensões retóricas (termos evocativos, metáforas, elementos dramáticos da fala). O seu modelo de atividade lingüística é centrado no discurso ou na argumentação. No modelo ideal de discurso, nenhuma força impõe acordo contra aquele do melhor argumento. Esse modelo comunicativo, que pressupõe todo empenho por obter entendimento, define o significado dos enunciados. O entendimento consiste em que os participantes da discussão atribuem o mesmo significado a um enunciado, o que significa que concordam em que o enunciado se refere a algo no mundo objetivo, social ou subjetivo. Por trás desse modo aparentemente inocente de falar sobre o discurso e de teorizar a linguagem, Habermas exibe a lógica da identidade, presumindo que os pronunciamentos podem ter um significado único, compreendido do mesmo modo pelos locutores, porque afirmam que ele exprime a mesma relação com um mundo (Young, 1987)12 12 A noção de diálogo é culturalmente específico e historicamente limitado, e enquanto um falante pode sentir segurança de que a conversação teve lugar, outro pode estar certo de que não. As relações de poder que condicionam e limitam possibilidades dialógicas precisam primeiro ser interrogadas. De outro modo, o modelo dialógico arrisca cair no modelo liberal que assume que os agentes falantes ocupam posições de igualdade de poder e falam com os mesmos pressupostos sobre o que Constitui entendimento e unidade e, portanto, que essas são as metas a serem seguidas. (Friedman, 1995) . Isto é bem distinto em Luhmann, como veremos adiante

Na prática a proposta de vários dos críticos à perspectiva habermasiana vai no mesmo sentido, de propor uma "ampliação" e melhores ajustes do seu modelo de ética comunicativa, já que nos pressupostos da sua teoria muitas destas considerações seriam previsíveis e mais coerentes com o espírito de uma orientação emancipatória, que deveria ser vista desde uma perspectiva que gere uma universalidade dialógica interativa e que ofereça um contexto adequado para a manifestação das diferenças. Desta forma se pretende ampliar o domínio da teoria moral, de forma a incluir não apenas direitos mas também necessidades, não só justiça mas possíveis modos de boa vida que possam entrar numa perspectiva prospectiva-utópica. O que tais discursos podem gerar não se reduz apenas ao determinável de modo universalista, mas também envolve insinuações de diferenças no presente que possam levar ao futuro.

A despeito de tudo e dos problemas aqui esboçados, para muitos campos preocupados com ideais emancipatórios pareceria que ainda é no esquema habermasiano que se pode encontrar um bom espaço para uma reivindicação dos pressupostos do paradigma clássico da ação, com a centralidade de uma teoria do homem como agente. Isto, em princípio, pareceria estar excluído do modelo luhmanniano.

UM LUHMANN DESCONHECIDO PARA HABERMAS

Luhmann está preocupado com fazer uma adequada descrição da sociedade que lhe permita entender sua estrutura e funcionamento. Rompendo radicalmente com a tradição da ilustração européia, ele critica as formas de humanismo e moralização com que tantas vezes se quer ocultar o funcionamento implacável da sociedade contemporânea13 13 Desde esta perspectiva sua obra pode ser lida como podendo transformar um labirinto de perdição -a sua leitura da sociedade- em outro de cristal, no sentido de torná-lo transparente e não propriamente que se preocupe por defender esta perspectiva da sociedade. (Izuquiza, 1990). Como a maioria das colocações a seguir se baseiam nesta obra, e por estar boa parte do tempo usando as próprias formulações do autor, me absterei de estar fazendo referências a ela. Quando se tornar necessário contudo, apontarei o que sejam algumas apropriações minhas das leituras de Luhmann ou quando se tratar da de outros autores. . Ao seu ver essa ruptura já foi consumada há muito tempo pela própria sociedade contemporânea e os diferentes sistemas sociais que a compõem, e que exigem novas categorias para sua compreensão. Com muita criatividade ele propõe um novo instrumental teórico mais de acordo com as exigências ditadas pela atualidade, o que exigirá profundas transformações paradigmáticas do pensamento social contemporâneo.

Sua ousadia e inovação conduzem normalmente à pouca aceitação do seu pensamento, muitas vezes por ter sido mal compreendido. Nesta seção apresento alguns conceitos e supostos básicos do seu modelo, procurando clarificar e desembaraçar algumas das críticas sofridas, por vezes, de forma injusta. Considero que a leitura que Habermas faz sobre Luhmann é um pouco distorcida14 14 Uma certa tendência de Habermas a tergiversar outros autores tem sido apontado por vários estudiosos. Veja-se o caso de Marx, ao propor uma divisão entre o mundo do trabalho (ação instrumental) e interação (ação comunicativa) que o próprio Marx não faz. Sobre isto ver McCarthy, (op. cit.) , Dussel, (op. cit ), Gabas, 1980, e Giddens, 1982. Ver também o mesmo Habermas em sua Reconstrução do Materialismo Histórico sobre este tema. Sobre Luhmann ver suas críticas e contrastar com o livro de Izuquiza, ou as próprios obras de Luhmann, para isto ver Habermas, (op. cit) e especialmente, seu Discurso Filosófico da Modernidade, onde levanta uma forte crítica ao modelo de Luhmann. Do mesmo modo como vejo distorcer o pensamento de Marx e Luhmann, acredito que de alguma forma também o faz com o de Parsons, na sua Teoria da Ação Comunicativa. Habermas, parece estar forçando certos aspectos da sua teoria. Apesar de boa parte da comunidade científica aceitar uma certa separação e falta de continuidade entre o primeiro e o segundo Parsons, isto é entre o da teoria mais voluntarista da ação social e o teórico de sistemas, não estou muito convencida desta total ruptura, que o próprio Habermas presume, e procura resolver com respostas que, ao meu ver, se extraem implicitamente do próprio modelo teórico de Parsons. Isto me parece, mais bem, um indicador da forte influência que Habermas sofre deste grande clássico contemporâneo, talvez até maior do que a sofrida pelo próprio Luhmann, que, utilizando-se do seu marco conceituai, pela sua forma mais solta de teorizar, vai traçando uma perspectiva mais original e distanciada. . Partindo de supostos de sua própria perspectiva e imputando-lhe características e/ou heranças de problemas não resolvidos por um modelo estrutural funcionalista parsoniano, Habermas na realidade não tem, ao meu ver, uma devida compreensão das distinções propostas por Luhmann, que o afastam do esquema normativo, mais estático e rígido, do grande Parsons15 15 Luhmann utiliza habilmente muitos dos conceitos centrais da teoria parsoniana como os de sistema, contingência e dupla contingência, meios simbolicamente generalizados entre vários outros, mas o faz modificando e dinamizando-os, propondo na realidade uma nova e distinta perspectiva teórica. Parsons defende o primado da ação, da estrutura sobre o sistema e do sistema simbólico sobre a contingência. Luhmann deixa aberto o dinamismo da função, privilegia o sistematismo funcional da ação e mantém aberta a dupla contingência própria de toda ação social. Seu marcador de diferença é sempre a abertura de possibilidades, a defesa da diferença e da contingência, assim como da modalidade, i.e. a constante manutenção da complexidade e dinamismo. .

Um dos pontos chaves de toda polêmica contra Luhmann consiste na sua crítica ao paradigma da ação, pelo que é acusado de expulsar os sujeitos da teoria social. Sua aparente rejeição ao conceito antropológico de homem e de ação, me parece, novamente, mais um mal-entendido do que propriamente um afastamento real destas perspectivas. O não considerá-los mais como elementos centrais da análise sociológica, devido ao fato de vivermos tempos distintos aos da Ilustração — o que para ele, como se viu, merece um tratamento particular mais de acordo com a realidade atual — leva a crer que ele se opõe a esses conceitos ou os nega. Eu me arriscaria a dizer que nem tanto como parece a uma primeira vista.

O homem, afirma Luhmann, é um sistema que não faz parte da sociedade mas do seu entorno. E a ação deve ser substituída pelo conceito de comunicação para formar uma adequada teoria da sociedade. Esta comunicação contudo, parece-me, nada mais é do que uma relação (ação social recíproca no sentido weberiano), baseada na dupla contingência. E é óbvio que toda relação tem um substrato na contingência de cada ação individual, por mais longínquo que este possa ser16 16 A relação é um elemento constitutivo dos sistemas para Luhmann. Um sistema é tal enquanto mantém um conjunto de relações entre os elementos que o compõem, e dele com seu entorno, essenciais para sua manutenção. Sua teoria de sistemas não é mais do que um método de análise de relações (funcional). É uma teoria que introduziu em seu mesmo centro de análise e justificação o conceito de relação, já que um sistema o é entanto estrutura de relações, e estas servem para formar novas relações. .

Para Luhmann não há problema em reconhecer que sem seres humanos não há sociedade, que ela os pressupõe. Ao afirmar que os homens são seu entorno, eles são condição e pressuposto da existência e configuração desse mesmo sistema. Mas nunca são parte integrante do mesmo. Isto de nenhuma forma deve ser entendido como uma desvalorização ou negação dos homens, pelo contrário. A relação entre homem e sociedade segue normas bem mais complexas e paradoxais do que aquelas concebidas pela tradição clássica entre todo e parte, entre fundado e fundante, entre causa e efeito. Ela se estrutura sobre uma perspectiva ecológica, que permite analisar a peculiar independência entre sociedade e os homens que a enfrentam. Ao meu ver, ele procura por um lado perceber certas estruturas que ultrapassam a perspectiva do sujeito, que independem dele (papéis sociais, organizações, sistemas) mas igualmente recuperar uma nova perspectiva do sujeito, distinta da tradicional, que procura não reduzir o homem ao componente de um todo estruturado. Ele está em vários lugares ao mesmo tempo, ocupando distintas funções, participando de vários sistemas sociais e interagindo com eles como entorno17 17 Segundo Luhmann, os homens não podem comunicar-se com a sociedade, eles a interpenetram, mas eles podem pensar. E os sistemas sociais não podem pensar, pois não têm consciência, mas podem se comunicar. É necessário advertir que em uma sociedade funcionalmente diferenciada, o indivíduo, como tal, pertence sempre à interdependência de vários sistemas, e nunca a um determinado. Interdependência que reforça o conceito de autorreferência e autopoiese como marca da individualidade. .

Na sua reflexão sobre o conceito de ação ela não pode ser concebida de forma isolada, individual, como faz a tradição de Weber a Parsons e a Habermas. Ele passa do conceito da ação como elemento pontual à consideração dos sistemas de ação. Para isto revisa alguns dos pressupostos básicos da teoria clássica. Não aceita a primazia do sujeito sobre a ação. Esta primazia impediria considerar aquelas ações que independem de sujeito concreto. Não consigo deixar de considerar isto uma forma muito interessante e clara de lidar com ações resultantes de um conjunto de relações mais complexas, como podem ser denominadas certas instituições e organizações, e que seria difícil tratar operativamente como se fossem resultantes das condutas de agentes individuais, segundo o paradigma anterior. Agora ele fala de sistemas, que são auto-referentes e que atuam — o que nem sempre comporta a ação de indivíduos concretos, mas tampouco os nega, simplesmente é mais amplo e os incorpora. A referência é a sistemas vivos, psíquicos e sociais.

Luhmann tampouco aceita o caráter de causa que se atribui normalmente à ação. Isto se vê na sua valorização do aspecto contingente. Ele considera a ação como um âmbito que pode dar lugar a muitas possibilidades diferentes e que cria alternativas constantes. Isto está ligado ao conceito de função, que supõe a primazia da razão do comparar sobre a do perceber.

Para Luhmann o conceito de ação não é o suficientemente complexo para reduzir a complexidade que ele pretende enfrentar, e por isso não é um instrumento adequado de análise. Esse menor nível de complexidade atribuído ao conceito de ação impediria explicar aspectos mais complexos da realidade que ultrapassem o âmbito da ética, da análise dos motivos, dos interesses dos fins e das intenções de autores de ações (para este tipo de análise, ele não nega a importância deste instrumental teórico). Ele não critica propriamente a ética, mas o seu emprego, utilizando-se do conceito de ação — insuficiente como se tentou demonstrar — para dar conta de realidades mais complexas.

Para Luhmann o central na ação não é tanto sua subjetividade, nem os interesses que permitem estruturá-la, mas sua conectividade, sua possibilidade de estabelecer conexões e relações determinadas ao longo do tempo. Isto fica mais claro quando se analisa a operação de sistemas auto-poiéticos, que em definitivo expressa seu paradigma da diferença em contraposição ao da identidade. Tampouco a ação deve ser entendida em termos de meios e fins, mas em termos de seletividade estruturada temporalmente e ligada ao tempo. As ações são consideradas agora diferenças temporais. Transformar a teoria da ação em uma teoria do tempo é um elemento nada desprezível do projeto de Luhmann, que apresenta diferenças radicais frente ao conceito de ação clássica.

Luhmann não se limita a criticar o conceito clássico de ação, mas pretende assentar a base para um novo conceito de ação que contenha maior complexidade. Para isto emprega conceitos de contingência, seleção, conexão e tempo. Com isto ele pretende elaborar uma teoria da ação que seja mais eficaz do que aquela que considera a ação como causa no âmbito de' um sujeito e que sempre tem implicações morais.

Ele não só critica a concepção clássica mas também elabora e analisa aquilo que constitui a individualidade do sujeito clássico e do ser humano, que é o sistema psíquico — cujo elemento constitutivo é a consciência. É pela sua união inequívoca de individualidade com a auto-referência que ele procura reivindicar o sujeito como tal. Tudo isto ele faz com base na pretensão (ou genialidade) de estar abrindo um novo paradigma no modo de conceber o mundo, a sociedade e o sujeito humano18 18 Esta proposta tem sido vista por Habermas e Dussel como uma impossibilidade de ação comunicativa entre distintos sistemas psíquicos, acusando-o de um esquema monológico fechado à proposta dialógica das suas éticas. Volto a considerar, que apesar das distinções estabelecidas pelo próprio Luhmann, seu conceito de interpenetração e a possibilidade de criação de novos sistemas sociais através desta operação -sistemas estes que sim têm possibilidade, mas não necessariamente a finalidade única, de se comunicar-, não foi devidamente levada em consideração por estes pensadores. .

Após esta contundente critica e proposta de uma nova teoria da ação baseada no tempo, Luhmann abre a porta para sua mais radical inversão: a necessidade de passar de uma teoria da ação para uma da comunicação e ocupar-se assim da observação dos sistemas sociais, compostos de comunicações. Mas somente a ação considerada segundo a dupla contingência pode ser considerada como comunicação (aquela considerada significativa, a que tem sentido). E quando falamos de comunicação está-se falando de relações (ações recíprocas). Na realidade, Luhmann se desloca da teoria da ação para uma que dará maior peso à relação, à operação descentrada de entidades individuais.

Correndo o serio risco de estar pensando sua proposta desde fora, desde o paradigma da identidade e não desde a novidade da sua própria proposta, que exige demarcar os limites e diferenciações conceituais, ergo a seguinte indagação: em que medida se poderia negar de fato que a comunicação não seja ela mesma uma ação, ou melhor uma relação com nível de abstração e complexidade bem maior, mas em última instância, derivada da própria ação? Neste sentido, longe de estar-se negando, diferenciando, e de fato estar-se afastando da velha teoria da ação, o que se estaria fazendo na verdade seria sua superação na concepção dialética do termo — a sua reconstrução em níveis mais complexos e de maior abstração mais condicentes com nossa realidade histórica atual. O que parece a uma primeira vista uma total inversão (e ela de fato acontece como o fez Marx com a dialética hegeliana) é na verdade sua mais pura evolução, a volta a ela em um nível de maior complexidade e abstração, que passa necessariamente por sua própria negação. O que eu tentaria denominar uma nova e mais ampla forma de recuperar os sujeitos perdidos.

Diferente da Teoria Clássica e da do próprio Habermas, a sua tem maior dinamismo. Isto devido ao maior peso outorgado às idéias de contingência, de possibilidade e de seleção de alternativas. Esta teoria consegue representar um mundo de novidades e surpresas, dominado pela improbabilidade e inverosimilhança, onde o considerado normal é o improvável.

Luhmann crítica também o tratamento que a tradição da lógica ocidental tem dado ao tema da improbabilidade e da normalidade. Inverte a perspectiva, e passa a considerar justamente o improvável como normal, como o que explica o normal. Isso conduz à questão já apresentada de reconhecer a contingência, o dinamismo, as possibilidades como essenciais, em contraste com a perspectiva estática da realidade como dada de uma vez para sempre. Afasta-se do paradigma da identidade e instaura o da diferença.

Se se aceita a leitura que aqui se faz de Luhmann, segundo a qual ele apresenta uma nova proposta sobre os sujeitos sociais (e não os expulsa do pensamento social) de um lado e, de outro, ergue-se na atualidade como o representante máximo da perspectiva da diferença, então ele estaria tão apto para instrumentar um feminismo atual como o estaria a teoria de Habermas, da forma como aqui foi revisitada. Claro está que esta incorporação seria principalmente realizada por um feminismo preocupado em relativizar o modelo "universalizante" do "neutro-masculino", tão criticado por impedir a manifestação de identidades distintas das do dominador.

Como se pode apreender da perspectiva de Luhmann, apoiar a luta travada pela corrente inovadora que procura afirmar os distintos e variados tipos de diferenças nas sociedades complexas não necessariamente significa defender uma essência ou natureza feminina, fixadora no tempo de imagens e formas de ser, étnica, cultural, de classe, etc. As diferenças de todos os tipos, e em especial as sexuais, não são algo que possa ser representado, não são um fato ou uma idéia. Trata-se de um agir constantemente reativado, seja na infeliz e repetitiva conformidade ao que foi representado e imposto por uma dominação secular, seja numa difícil inovação onde ninguém sabe a priori qual é seu lugar. A diferença dos sexos é a colocação em ato de diferenças (em litígio) onde o entendimento — a comunicação — pode, ou não, integrar o mal-entendido (isto, diria Luhmann, é uma mera contingência, no sentido que nada garante a efetivação ou não de um diálogo real — de uma ação comunicativa). A perspectiva luhmanniana poderia enfrentar a de Habermas com o seguinte dizer, que resume em parte a sua postura: "Eu te entendo mal", o que implica que pelo menos existe escuta e é preferível ao "você não diz nada" ou "o que você diz não é nada" do senhor oportunamente surdo a tudo aquilo que não é seu eco.

CONCLUSÃO

A diferença dos sexos é construída na relação efetiva das mulheres e dos homens. Ela só pode ser dita na experiência da relação e é na expectativa de que o diálogo possa vir a se concretizar, meio pelo qual esta relação tem possibilidades de superar sua parte conflitiva e distorcida. Ninguém sabe o que a mulher (ou homem) quer dizer, a não ser na escuta do que ela (ele) diz. O que fala não sabe quem é (nem quem é o outro) mas fala, é o que fala e quer ser entendido naquilo que diz. A diferença é teoricamente indecidivel mas ela se decide e se redecide em toda relação (Collin, 1993). Neste sentido recuperamos Simone de Beauvoir, quando afirma que "não se nasce mulher, mas se torna uma", significando que "mulher" em si mesmo é um termo em processo, um devir, uma construção contínua que diretamente não pode ser dita como originaria ou finalizadora

Uma questão fundamental e paradoxal que o feminismo como movimento político enfrenta e que emerge de toda a discussão até aqui enfrentada remete a qual seria o posicionamento adequado frente a um agir político desde uma perspectiva crítica, diluidora e problematizadora da perspectiva da identidade. Ou formulada em outros termos, que possibilidades políticas derivam de uma radical crítica às categorias de identidade? Que novo tipo de política emerge quando a identidade como lugar comum não mais constrange o discurso das feministas políticas? E em que extensão o esforço de localizar uma identidade comum como fundante de políticas feministas impossibilita um questionamento radical das construções políticas e da regulação da identidade mesma? (Butler, 1990)

Se as identidades não são mais fixas como as premissas do silogismo político, e as políticas não são mais entendidas como um conjunto de práticas derivadas de supostos interesses que pertencem a um conjunto de sujeitos já feitos, uma nova configuração de políticas deve seguramente emergir das ruínas das velhas.

Paradoxalmente, para Butler, a reconceptualização mesma da identidade como um efeito abre possibilidades de agenciamento que são anuladas pelas posições que trazem categorias identitárias como fundantes e fixas. Para que uma identidade seja um efeito significa que não é fatalmente determinada nem totalmente artificial e arbitrária. Esse status constituído de identidade é desconstruido sobre duas linhas conflitantes, sugeridas nos caminhos em que o discurso feminista em construções culturais ficou preso: no desnecessário binarismo entre liberdade e determinismo. Construtivismo não se opõe a agenciamento, é a necessária cena do agenciamento, os termos no qual o agenciamento é articulado e se torna culturalmente inteligível. A tarefa do feminismo crítico não é estabelecer um ponto de vista fora das identidades construídas, sua presunção (fantasia) é a construção de um modelo epistemológico que desautorize (rejeite) sua localização cultural e, portanto, se promova como um sujeito global, uma posição que exibe precisamente estratégias imperialistas, as quais o feminismo deveria em tese criticar. Um agir condizente com esta preocupação crítica estaria talvez, na possibilidade de localização de estratégias subversivas de repetição habilitadas por essas construções, de afirmar as possibilidades locais de intervenção, participando em aquelas práticas de repetição que constituem identidade e, logo em seguida, apresentar a imanente possibilidade de contestá-las.

Esta perspectiva, denominada posicionalidade relativa em Friedman e presente nos trabalhos de Butler, forma a base do que Radhakrishnan chama de políticas de coalizão baseadas na relacionalidade como um campo em processo. Ela torna possível o caminho para uma conexão genuína entre diferentes tipos de pessoas que são essenciais para a mudança. Essas conexões emergem não de apelos universalistas ou essencialistas, mas da união de ambos, baseados na experiência comum e na necessidade: "a conexão última deve-se à necessidade que sentimos entre ambos". Não é apenas quem você é, em outras palavras, mas o que podemos fazer um pelo outro que determinará essa conexão. A possibilidade de transformação é proposta, não mais em termos de políticas de identidade mas de identificação, o que significa ignorar ou desvalorizar as identidades coletivas. Afasta-se assim o essencialismo de políticas de identidades fundamentalistas, sem contudo negar a realidade material de tais especificidades. Sustenta-se que os indivíduos são constituídos por vários grupos identitários e que não podem ser reduzidos a qualquer coletividade. Eles se habilitam para lidar com a flexibilidade e as variações globais nas formas de alteridade e nas posições do sujeito contraditórias.

  • Benhabib, Seyla. "O outro generalizado e o o outro concreto: a controvérsia Kohlberg-Gilligan e a teoria feminista". Em Benhabib, Seyla & Cornell, Drucilla (org.) Feminismo como crítica da modernidade RJ, Rosa dos Tempos Modernos, 1987.
  • Butler, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity New York and London, Routledge, Chapman & Hall, 1990.
  • Del Re, Alisa. "Práticas políticas e binômios teóricos no feminismo contemporâneo". SOS Corpo, Recife, dezembro 1994. (Tradução de Les Cahiers du Grif de 1990)
  • Doyal, Len & Ian Gough. "O direito à satisfação das necessidades". Lua Nova, no.33/1994.
  • Dussel, Enrique. Apel, Ricoeur, Rorty y la filosofía de la liberación (con respuestas de Karl-Otto Apel e Paul Ricoeur). México, Universidad Guadalajara, 1993
  • Dussel, Enrique. "Globalization and the Victims of Exclusion: From a Liberation Ethics Perspective". Comunicação apresentada no Seminário da Saint Louis University (Mo). Sobre "Globalization: Problems and Prospects" October 18-20 de 1996 (com a participação de K.O.Apel e Jiirgen Habermas)
  • Dussel, Enrique."Etica material, formal e crítica". Comunicação apresentada no VI Encontro de Diálogo entre Ética do Discurso de K.O.Apel e Ética da Libertação, realizado em Aachen, 3 a 6 de novembro de 1996.
  • Collin, Françoise. "A mesma e as diferenças". Em SOS Corpo, Recife, julho de 1993.(Tradução de Les Cahiers du Grif Inverno 83-84).
  • Collin, Françoise. "Praxis da diferença. Notas sobre o trágico do sujeito". Em SOS Corpo, Recife, julho de 1993 (Les Cahiers du Grif 1990)
  • Fraser, Nancy. "Que é crítico na teoria crítica? O argumento de Habermas e gênero". Em Benhabib, Seyla & Cornell, Drucilla (org.). Feminismo como crítica da modernidade. RJ, Rosa dos Tempos Modernos, 1987.
  • Friedman, Susan Stanford. "Beyond White and Other: Relationality and Narratives of Race in Feminist Discourse" em SIGNS - Journal of Women in Culture And Society. Vol 1,no 1, Autumn, 1995.
  • Gabas, Raul. Habermas: Domínio técnico y comunidad lingüística. Barcelona, Mexico, Caracas, Ed. Ariel, 1980.
  • Giddens, Anthony. "Labour and Interaction". Em D. Held & J. B. Thompson (org.) Habermas: Critical Debates. London, Macmillan, 1982.
  • Giddens, Anthony. A transformação da intimidade: Sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. UNESP, São Paulo, 1992.
  • Gilligan, Carol. In a Different Voice: Psichological Theory and Women's Development, Cambridge (Massachussetts) and London, Harvard University Press, 1982.
  • Habermas, Jurgen. Conciencia moral y acción comunicativa. Barcelona, Península, 1985 (Original em alemão de 1983)
  • Habermas, Jurgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1990
  • Habermas, Jurgen. "Talcott Parsons: problemas de construcción de la teoria de la sociedad" Em Teoria de la acción comunicativa, T.II. Crítica de la razón funcionalista. Madrid, Taurus, 1987.
  • Habermas, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade RJ, Tempo Brasileiro.
  • Honneth, Axel. "Critical Theory".Em Anthony Giddens & J.H. Turner (org.) Social Theory Today Cambridge, Polity Press, 1987.
  • Izuquiza, Ignacio. La sociedad sin hombres. Niklas Luhmann o la teoría como escándalo Barcelona, Anthropos, 1990.
  • Luhmann, Niklas. El amor como pasión. La codificación de la intimidad. Barcelona, Ed. Península, 1985.
  • Luhmann, Niklas.'The World Society as a Social System". Em General Systems, vol. 8, 1982.
  • Mac Dowel dos Santos, M.C. "Quem pode falar, onde e como? Urna conversa não inocente com Donna Haraway". Em Cadernos PAGU, Unicamp/SP, n.o 5, 1995.
  • Marion Young, Iris. "A imparcialidade e o público cívico: algumas implicações das críticas feministas da teoria moral e política". Em Benhabib, Seyla & Drucilla Cornell (org.) Feminismo como crítica da modernidade RJ, Rosa dos Tempos Modernos, 1987.
  • McCarthy, Thomas. "Racionality and Relativism: Habermas's 'Overcoming' of Hermeneutics". Em Habermas: Critical Debates London, Macmillan, 1982.
  • Ortner,Sherry B.. "Está a mulher para o homem assim como a natureza para a cultura?" Em M.Z. Rosaldo & L. Lamphere (orgs.) A mulher, a cultura e a sociedade Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979
  • Pineda, Empar. "El discurso de la diferência. El discurso de la igualdad". Em Nuevas perspectivas sobre la mujer, T.II Universidad Autónoma de Madrid, 1982.
  • Rosaldo, Michelle Simbalist. "A mulher, a cultura e a sociedade: uma revisão teórica". Em M.Z. Rosaldo & L. Lamphere (orgs.) A mulher, a cultura e a sociedade. RJ, Paz e Terra, 1979.
  • Schmid, Michael. "Habermas's Theory of Social Evolution". Em Habermas: Critical Debates. London, Macmillan, 1982.
  • 1
    A diversidade de grupos e ações é uma característica do movimento feminista e é o que constitui a sua riqueza (ele é refratário ao centralismo político).
  • 2
    Doyal & Gough (1994) e Dussel (93) são dois interessantes autores que, trazendo à tona a questão das necessidades materiais desde certo relativismo cultural, podem ser lidos como uma forma de enfrentamento à perspectiva redutora universalista da igualdade.
  • 3
    Sobre este ponto ver também Axel Honneth (1987)
  • 4
    Esta mesma crítica pode também ver-se em McCarthy (1982) e nos trabalhos de Dussel (1993, 1996a e 1996b).
  • 5
    Ver seu livro
    In a Different Voice: Psichological Theory and Women's Development (1982). Todo um processo de respostas e contra-respostas entre Kohlberg/Habermas e Gilligan teve lugar após esta publicação. Ao respeito ver o capítulo "Consciência moral e ação comunicativa" de Habermas no seu livro do mesmo título em 1983, e 2 livros da equipe de Gilligan:
    Mapping the Moral Domain: A Contribution of Women's Thinking to Psychological Theory and Education, 1988 e
    Making Connections: The Relational Worlds of Adolescent Girls at Emnia Willard School, 1990. Curiosamente, Habermas abandona, após varias críticas o seu esquema evolutivo das etapas morais, ou melhor, deixa de referir-se a ele. Em sua
    Teoria da Ação Comunicativa não encontramos o tema revisto, apenas um rápido ponto sobre Piaget respeito à descentração das imagens do mundo no seu capítulo sobre racionalidade.
  • 6
    McCarthy estranha a falta de criticidade de Habermas ao incorporar as teorias de Kohlberg e Piaget, que além de eurocêntricas apresentam uma serie de outros problemas, que ele vai sintetizando.
  • 7
    Ao respeito ver também, Schmidt, 1982.
  • 8
    Ao defender uma certa "cultura feminina" marcada por atributos ou "comportamentos femininos" tradicionalmente utilizados para definir a natureza feminina tais como sensibilidade, sentimentalismo, delicadeza, atenção por detalhes, paciência, abnegação, capacidade amorosa, pacifismo, carência de sentido agressivo da competitividade, etc. se encontra essa tendência a voltar a um essencialismo que pode ser redutor e perigoso. Se pode afirmar que estas marcas culturais aludidas caracterizam por igual a todas as mulheres? Não estão elas influídas pela origem social, nível cultural, entorno e trato que recebe cada uma? E como negar que muitas desta qualidades estão igualmente presentes em muitos homens - como é o caso da paciência e atenção a detalhes por parte de cientistas; de abnegação e sacrifício heróico na entrega de homens revolucionários, etc.?. A "especificidade" do feminino é outra vez totalmente descontextualizada e separada analítica e politicamente da constituição de classe, raça, etnicidade e outros eixos de relações de poder que conjuntamente constituem identidade e tornam a noção singular de identidade um nome inapropriado.
  • 9
    Ver Habermas, 1983. Ele insiste em que pronunciamentos estéticos e expressivos podem ser tão racionais quanto os fatuais ou estratégicos, mas que diferem dos últimos no modo de avaliar sua racionalidade. Ao distinguir entre justiça e vida boa, e designar esta última como o campo por excelência das emoções ele retira os problemas afetivos do campo da moral no seu estágio mais evoluído, o de máxima racionalidade universal representada nas esferas da justiça e do direito.
  • 10
    Neste sentido ver também os trabalhos citados de McCarthy e Dussel que acusam de eurocêntrico o esquema evolutivo e de lógica desenvolvimental que Habermas usa de forma acrítica.
  • 11
    Sobre este aspecto ver também o trabalho de Michael Schmid (1982) sobre a teoria da evolução em Habermas onde se traça uma interessante distinção e polêmica com a perspectiva de Luhmann. Igualmente neste artigo se acede a uma excelente descrição da concepção evolutiva e de lógica desenvolvimental em Habermas baseado nas perspectivas psicogenêticas da ação moral.
  • 12
    A noção de diálogo é culturalmente específico e historicamente limitado, e enquanto um falante pode sentir segurança de que a conversação teve lugar, outro pode estar certo de que não. As relações de poder que condicionam e limitam possibilidades dialógicas precisam primeiro ser interrogadas. De outro modo, o modelo dialógico arrisca cair no modelo liberal que assume que os agentes falantes ocupam posições de igualdade de poder e falam com os mesmos pressupostos sobre o que Constitui entendimento e unidade e, portanto, que essas são as metas a serem seguidas. (Friedman, 1995)
  • 13
    Desde esta perspectiva sua obra pode ser lida como podendo transformar um labirinto de perdição -a sua leitura da sociedade- em outro de cristal, no sentido de torná-lo transparente e não propriamente que se preocupe por defender esta perspectiva da sociedade. (Izuquiza, 1990). Como a maioria das colocações a seguir se baseiam nesta obra, e por estar boa parte do tempo usando as próprias formulações do autor, me absterei de estar fazendo referências a ela. Quando se tornar necessário contudo, apontarei o que sejam algumas apropriações minhas das leituras de Luhmann ou quando se tratar da de outros autores.
  • 14
    Uma certa tendência de Habermas a tergiversar outros autores tem sido apontado por vários estudiosos. Veja-se o caso de Marx, ao propor uma divisão entre o mundo do trabalho (ação instrumental) e interação (ação comunicativa) que o próprio Marx não faz. Sobre isto ver McCarthy, (op. cit.) , Dussel, (op. cit ), Gabas, 1980, e Giddens, 1982. Ver também o mesmo Habermas em sua
    Reconstrução do Materialismo Histórico sobre este tema. Sobre Luhmann ver suas críticas e contrastar com o livro de Izuquiza, ou as próprios obras de Luhmann, para isto ver Habermas, (op. cit) e especialmente, seu
    Discurso Filosófico da Modernidade, onde levanta uma forte crítica ao modelo de Luhmann. Do mesmo modo como vejo distorcer o pensamento de Marx e Luhmann, acredito que de alguma forma também o faz com o de Parsons, na sua
    Teoria da Ação Comunicativa. Habermas, parece estar forçando certos aspectos da sua teoria. Apesar de boa parte da comunidade científica aceitar uma certa separação e falta de continuidade entre o primeiro e o segundo Parsons, isto é entre o da teoria mais voluntarista da ação social e o teórico de sistemas, não estou muito convencida desta total ruptura, que o próprio Habermas presume, e procura resolver com respostas que, ao meu ver, se extraem implicitamente do próprio modelo teórico de Parsons. Isto me parece, mais bem, um indicador da forte influência que Habermas sofre deste grande clássico contemporâneo, talvez até maior do que a sofrida pelo próprio Luhmann, que, utilizando-se do seu marco conceituai, pela sua forma mais solta de teorizar, vai traçando uma perspectiva mais original e distanciada.
  • 15
    Luhmann utiliza habilmente muitos dos conceitos centrais da teoria parsoniana como os de sistema, contingência e dupla contingência, meios simbolicamente generalizados entre vários outros, mas o faz modificando e dinamizando-os, propondo na realidade uma nova e distinta perspectiva teórica. Parsons defende o primado da ação, da estrutura sobre o sistema e do sistema simbólico sobre a contingência. Luhmann deixa aberto o dinamismo da função, privilegia o sistematismo funcional da ação e mantém aberta a dupla contingência própria de toda ação social. Seu marcador de diferença é sempre a abertura de possibilidades, a defesa da diferença e da contingência, assim como da modalidade, i.e. a constante manutenção da complexidade e dinamismo.
  • 16
    A relação é um elemento constitutivo dos sistemas para Luhmann. Um sistema é tal enquanto mantém um conjunto de relações entre os elementos que o compõem, e dele com seu entorno, essenciais para sua manutenção. Sua teoria de sistemas não é mais do que um método de análise de relações (funcional). É uma teoria que introduziu em seu mesmo centro de análise e justificação o conceito de relação, já que um sistema o é entanto estrutura de relações, e estas servem para formar novas relações.
  • 17
    Segundo Luhmann, os homens não podem comunicar-se com a sociedade, eles a interpenetram, mas eles podem pensar. E os sistemas sociais não podem pensar, pois não têm consciência, mas podem se comunicar. É necessário advertir que em uma sociedade funcionalmente diferenciada, o indivíduo, como tal, pertence sempre à interdependência de vários sistemas, e nunca a um determinado. Interdependência que reforça o conceito de autorreferência e autopoiese como marca da individualidade.
  • 18
    Esta proposta tem sido vista por Habermas e Dussel como uma impossibilidade de ação comunicativa entre distintos sistemas psíquicos, acusando-o de um esquema monológico fechado à proposta dialógica das suas éticas. Volto a considerar, que apesar das distinções estabelecidas pelo próprio Luhmann, seu conceito de interpenetração e a possibilidade de criação de novos sistemas sociais através desta operação -sistemas estes que sim têm possibilidade, mas não necessariamente a finalidade única, de se comunicar-, não foi devidamente levada em consideração por estes pensadores.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2010
    • Data do Fascículo
      1998
    CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: luanova@cedec.org.br