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Reorganizando a modernidade

Reorganizing modernity

Resumos

Discute-se idéias (tais como a "política gerativa" proposta por Anthony Giddens) para uma reorganização da modernidade, alternativas tanto ao privatismo individualista quanto a uma concepção de solidariedade excessivamente estatizada que é própria do Welfare State.


Some ideas about a reorganization of modernity (such as Anthony Giddens "gerative politics") wich present alternatives both to privatist individualism and to a excessively state-oriented concept of solidarity such as found in the Welfare State are discussed.


Reorganizando a modernidade

Reorganizing modernity

José Maurício Domingues

Professor no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Publicou no n.o 38/1996 de Lua Nova "A subjetividade coletiva e a coordenação da economia"

RESUMO

Discute-se idéias (tais como a "política gerativa" proposta por Anthony Giddens) para uma reorganização da modernidade, alternativas tanto ao privatismo individualista quanto a uma concepção de solidariedade excessivamente estatizada que é própria do Welfare State.

ABSTRACT

Some ideas about a reorganization of modernity (such as Anthony Giddens "gerative politics") wich present alternatives both to privatist individualism and to a excessively state-oriented concept of solidarity such as found in the Welfare State are discussed.

A modernidade parece ter chegado a um impasse fundamental neste final de século. Em grande medida, ainda que unilateral e seletivamente realizada, ela perdeu muito de sua dinâmica contraditória. Com a derrota do socialismo e a crise da regulação social estatalmente organizada, o mercado tem sido percebido como a única possibilidade de estabelecimento de ordem social. Com isso, observou-se também uma crise do pensamento dialético. Curiosamente, a despeito da emergência nas ciências da natureza de correntes como a da teoria do caos, que se contrapõe à idéia de equilíbrio e afirma o caráter criativo da desorganização de sistemas naturais (Prigogine e Stengers, 1979), as ideologias contemporâneas têm freqüentemente se esquivado desta possibilidade. O resultado inevitável disso é o fechamento do horizonte histórico. Se a modernidade projetou-se como eminentemente dialética, o tempo presente, ou por acreditar tê-la realizado ou por renunciar a ela, tem repetidamente afirmado sua irrelevância (Bodei, 1986).

Isto pode ser acompanhado por uma perspectiva liberal, como no caso do "fim da história" de Fukuyama, definido não como um término absoluto, mas que, de um ponto de vista hegeliano que não mais divisa alternativas ao mercado — secundado pelo Estado como fornecedor da ordem legal e mantenedor dos contratos entre partes livres — mostra-se como a única forma possível, a esta altura avançada da evolução social, de organização da economia (Hayek, 1944). O neomodernismo sociológico compartilha dessa mesma ótica, ao reivindicar a validade das teses da teoria — altamente teleológica e liberal-ocidentalista — dos anos 60 (Tiryakian, 1991). Por outro lado, muitas versões do pós-modernismo não-liberal renunciam a um crítica da ordem social, com um misto de fascinação e impotência, como se vê em Baudrillard: finda a história também, sobretudo em termos de reconstrução racional do mundo, pouco nos resta a não ser observá-la passivamente sem lamentos (mas de certo modo apologética e nostalgicamente) em relação à modernidade. Afinal, o projeto moderno era falacioso e de fato continha uma receita para a opressão, com suas ilusões de progresso e razão, como sugere, por exemplo, Lyotard, que confina a criatividade a um papel funcional dentro dos sistemas orientados para a performance (Baudrillard, 1978; Lyotard, 1979). Uma atitude "melancólica", incapaz de luto verdadeiro, uma vez que seu objeto de investimento libidinal, a própria modernidade, não chega a ser de fato abandonado) insinua-se nessa abordagem (Jay, 1994), espelhando o que se encontra em outras variações mais conservadoras do pós-modernismo (Bell, 1978).

Pode-se argumentar que também na vida quotidiana a situação não se tem mostrado auspiciosa. De acordo com Habermas (1981, pp. 576ss), as formações societárias contemporâneas têm-se visto às voltas com problemas crônicos, patológicos, que derivam de uma invasão do "mundo da vida" (local de (re)produção da cultura, das instituições e da personalidade) por sistemas auto-regulados (o mercado e a administração estatal) que dispensam a criação de sentido para a vida e para a ação. Outros, entretanto, localizariam na própria conformação da cultura, atravessada pelo individualismo narcisista e privatista mas ao mesmo tempo pelo consumismo desindividualizador, que ademais secunda a queda da esfera pública, as bases da malaise contemporânea (Sennet, 1977; Lasch, 1979; Belah et al, 1985; Heller e Fehér, 1988, caps. 1-2)). Neste contexto, a ordenação da vida social por uma burocracia que rouba os indivíduos e as coletividades de sua singularidade e autonomia tem um papel importante. Mais recentemente em particular, a organização da sociedade pelo mercado, acompanhada de um utilitarismo atomizante, vem cumprindo parte crescentemente relevante. Para os que por ela não se acham contemplados praticamente, a inclusão nos mercados consumidores parece ser a única forma possível de mudar a vida.

Todavia, um quadro mais otimista da situação é proporcionado por algumas formas de pós-modernismo: um novo limiar cultural foi anunciado, que poderia abrir horizontes muito mais flexíveis (Santos, 1995a; 1995b). Na verdade, como Foucault (1981) pioneiramente apontou, formas de resistência capilar, localizada e descentrada, emergem. Para alguns, essas formas localizadas de resistência deveriam ser vistas como o estofo da sociabilidade tout court, superando destarte tanto o individualismo quanto uma concepção racionalista e arquitetônica da sociabilidade (Maffesoli, 1988; 1996). Pode-se dizer o mesmo quanto a perspectivas que sublinham o caráter reflexivo da "alta" modernidade (Beck, 1986; Giddens, 1990; 1991; 1992) ou a emergência de novos movimentos sociais descentrados (Melucci, 1997a), que possivelmente reunirão subjetividade e racionalidade na "super-modernidade" (Touraine, 1992). Algumas possíveis alternativas para a paisagem em geral desolada da vida política contemporânea descansam nessas abordagens, a despeito de seu otimismo às vezes excessivo. A reorganização da modernidade mostra-se, contudo, imperativa para que esse potencial criativo possa florescer.

Isso nos enviará a uma discussão da própria noção de cidadania e a uma consideração da questão das políticas sociais. Infelizmente, o termo cidadania tem sido estendido para cobrir qualquer fenômeno de individualização, democratização social, política social, etc, no Brasil de hoje. Sua especificidade assim se esvanece. Instituinte e instituída, a cidadania exerce-se universalmente e numa relação do cidadão (cujos direitos se definem na esfera da "cultura") com o Estado (veja Turner, 1993). Quais as suas relações com a evolução da modernidade e as suas possibilidades e limites na contemporaneidade constituem temas que ocuparão em grande medida a nossa atenção.

AS ORGANIZAÇÕES DA MODERNIDADE

Um diagnóstico bastante completo e nuançado desta situação nos é oferecido por Peter Wagner (1994).1 1 Para maiores detalhes, veja minha resenha desse livro na Revista Brasilera de Ciências Sociais, no. 32, 1996. Ele destaca a capacidade reflexiva humana, enfatizando fenômenos ligados à "agência coletiva" e, em particular, à necessidade que as coletividades manifestam, ao buscarem a construção da ordem, de estabelecer fronteiras, práticas e simbólicas, de pertencimento e exclusão. "Ofensivas modernizadoras", geralmente desencadeadas pelas elites, mas também levadas a cabo por setores subalternos, respondem pelos avanços da modernidade e pelo estabelecimento e difusão de suas práticas. Central em seu argumento — que trata sobretudo da Europa e dos Estados Unidos — é a idéia de que a modernidade é marcada pelo desdobrar de um mesmo projeto, que se calca na idéia de "liberdade e autonomia", demandando, como complemento, a pulsão na direção de um "controle racional" do mundo. A liberdade e autonomia humanas, desde o início centrais para o discurso ilustrado, implicavam uma crescente abertura do espaço de contingência na vida social. Rapidamente, todavia, a questão da ordem mostrou-se fundamental. Da "modernidade liberal restrita" novecentista passamos à "modernidade organizada" do Estado do Bem-Estar Social, que se afirma após a Segunda Guerra Mundial, e chegamos hoje à segunda crise da modernidade, cuja solução patenteia-se ainda em aberto.

Deve-se acrescentar que na América chamada "Latina" um processo semelhante teve lugar, com conteúdo altamente repressivo — que pode ser expresso pelo que Spalding Jr. (1977, p. 94) denominou "cooptação-repressão", sobretudo através do corporativismo. No caso brasileiro, em particular, uma espécie de "cidadania regulada" foi introduzida, emprestando forma específica à incorporação dos trabalhadores à sociedade moderna nacional. Seletiva e controladamente incorporando as massas ao Estado, esse princípio servia sobretudo ao processo de modernização autoritária e ao desenvolvimento do capitalismo politicamente orientado que vigiu partir dos anos 30 (veja Santos, 1979, cap. 4; Domingues, 1997c). Isso, é claro, era uma resposta a mobilização dos trabalhadores no período anterior (veja Vianna, 1978). Ao "outorgar" aos trabalhadores direitos sociais através de sua participação no mercado formal de trabalho e de sua sindicalização (com a contrapartida de serem os sindicatos controlados pelo Estado nos moldes da Carta del lavoro do fascismo italiano), obtinha-se uma combinação que pouco tem a ver com os princípios da cidadania propriamente dita. Em sua completude, esses princípios implicam a incorporação universal e igualitária, sem quaisquer outros pressupostos, dos membros de uma sociedade ao exercício dos direitos civis, políticos e sociais, através da mediação do Estado — segundo a formulação pioneira de Marshall (1950), não obstante seu evolucionismo.2 2 Veja, para discussões conceituais consistentes, 1993; e Ware e Goodin, 1990 (em particular Palme, 1990, pp. 106-7). Três princípios estariam em jogo: direitos de cidadania, direitos por contribuição e alívio a necessidades básicas; enquanto o último tenderia ao declínio (ou pelo tendia) na Europa, aquelas sociedades, partindo de um dos dois primeiros princípios, se desenvolveram na direção de uma combinação entre eles. Já a "cidadania regulada" à brasileira misturava princípios do tipo de "mérito por trabalho" ou securitários (como no caso explícito do funcionamento da previdência social, em que as pensões, não obstante distorções, acompanham diretamente os descontos), com a cassação ou o controle mais ou menos estrito da cidadania política. Além disso, as profissões não regulamentadas eram excluídas dos direitos sociais. Esse era, notadamente, o caso do campesinato.

Uma gradual inclusão de benefícios com a ampliação do arco de cobertura ocorreu no interlúdio democrático de 1945-64, especiamente com a universalização do atendimento à saúde para as áreas urbanas e a unificação dos fundos de aposentadoria. Mas foi apenas durante a ditadura militar que nova legislação foi introduzida. A extensão da seguridade social (medicina e aposentadoria) ao campesinato, bem como fundos como o PIS e PASEP, sem que fossem ligados a contribuições (porém sim a outros impostos) significou que a cidadania começou a se universalizar (embora a privatização de serviços sociais, hoje pervasiva, tenha começado nesse momento) (Santos, 1979, caps. 2, 4, 5; Cohn, 1992). A Constitutição de 1988, promulgada após a derrota da ditadura militar, introduziu a universalização dos direitos. O sistema de financiamento permaneceu, todavia, conectado a contribuições de acordo com o salário, implicando a permanência de disparidades na apropriação de recursos, assim como uma crise de financiamento (Cohn, 1992). O alívio da pobreza (além da mudança na aposentadoria e a crise da saúde) vem se tornando — pouco tendo a ver efetivamente com a questão da cidadania enquanto tal — a questão fundamental. Isso sem falar no fato de que o próprio elemento civil da cidadania vê-se ainda hoje restringido nos quadros de uma cultura política (das elites, mas também mais genericamente) com fortes elementos de autoritarismo, que privilegia a modernização antes que a democracia (Avritzer, 1996, pp. 147-9).

O fim dos anos 60 testemunhou a crise da modernidade estatalmente organizada (Wagner, 1994, Parte IV). A globalização levou a mudanças nas práticas alocativas, à crise do keynesianismo e ao declínio de identidades nacionais e de classe, juntamente com um certo recuo do Estado. Para falar de "nossa América" (e certamente da áfrica também), o esgotamento dos processos desenvolvimentistas que foram a outra face da intervenção estatal organizadora da modernidade tem levado a uma tentativa de substituir o que se poderia chamar de "tradição republicana", no caso brasileiro, pela ação exclusiva do mercado (Vianna, 1991; Reis, 1993), ou por um simples cálculo estratégico das elites políticas, que, a pretexto de celebrar a retomada da modernização, buscam a "governabilidade" e o fechamento do sistema político e desconsideram a virtual democratização da própria sociedade e de suas relações com o Estado (Santos, 1994; Avritzer, 1996, cap. 6).

Apesar da inteligente e complexa tessitura da obra de Wagner, deve-se criticamente notar que o tema da liberdade e da contingência, oposto à organização e à ordem, depende excessivamente de uma identificação entre a "auto-organização" da sociedade e aquele primeiro pólo, com o segundo articulando-se estreitamente à ação do Estado, o que o leva, inclusive, a desconsiderar o mercado como essencialmente uma forma de organizar a sociedade (não por acaso reservando papel menor ao fordismo). Ele descura do mercado como princípio de organização da sociedade, tanto em termos de projeto — o que se anunciara ao menos desde a obra de Locke com grande força — quanto em termos práticos, durante repetidos períodos, do capitalismo liberal novecentista aos dias de hoje. é para isso, ao contrário, que autores como Polanyi (1957) e Souza Santos (1995, p. 77) (que, entretanto, pretende separar capitalismo e modernidade) nos chamam a atenção: como projeto e realidade, o mercado tem sido elemento da ordem — conquanto instável e prenhe de contingências para os indivíduos. Seria, ademais, como apontado por Hirschman, elemento-chave do discurso moderno que se contrapunha à imprevisibilidade das paixões, conducentes ao cultivo do caos: acalmando-as por sua constância, os interesses — enfim pecuniariamente codificados pelos Benthamitas — proporcionaram o elo entre a ação dos indivíduos e a ordem social articulada pelo mercado (Hirschman 1977; Halévy 1923-4). Um elemento central da tradição da modernidade reside nesse modo de estabelecer a ordem social. Ademais, embora os consumidores, bem como os cidadãos, não sejam nunca inteiramente passivos, o consumo de mercadorias tem sido meio de organizar a sociedade, através da integração e de distinções, da distribuição diferencial de bens materiais, simbólicos e informacionais (Baudrillard, 1968, pp. 197, 246, 267; 1972, pp. 87ss, 111; 1970, caps. 2, 3; Sarlo, 1994; Canclini, 1996, cap. 2).

Essa falta de caracterização do mercado como realizador da ordem pode advir do fato de Wagner articular absolutamente liberdade individual com contingência social. Estas devem ser, contudo, distinguidas: uma ordem social pode restringir a liberdade do indivíduo, mesmo se faz mais contingente as agruras possíveis em sua vida, enquanto uma ordem mais organizada pode proporcionar maiores possibilidades de autonomia e escolha — o que faz sua existência potencialmente contingente num sentido positivo. Não por acaso, a "revolução cultural" dos anos 60 e seus desdobramentos tiveram como solo a modernidade do Estado do Bem-Estar Social e do fordismo, conquanto fosse extremamente crítica de ambos.Tomemos dois exemplos extraídos da história contemporânea inglesa recente, um mais ligado diretamente à "política dos estilos de vida", o outro mais amplo, pois apontando nessa direção, mas também implicando fortemente "políticas emancipatórias", para fazer uso dos conceitos que Giddens (1990; 1991; 1992) vem elaborando em seus últimos escritos.3 3 Obviamente, ele discorda das visões sombrias que afirmam a decadência individual e social no momento presente, exibindo otimismo face à modernidade avançada.

A "revolução sexual" dos anos 60-70, que tanta repercussão trouxe para os hábitos e costumes, foi perpetrada por uma geração que recusou o mundo burguês de seus pais, que lhes haviam dado — como na canção dos Beatles — "tudo o que o dinheiro pode comprar". Essa explosão cultural foi, contudo, parasitária da abastança e facilidades da época (Weeks, 1981, pp. 249ss). Enquanto a geração anterior passara pelas provações da depressão econômica e da guerra, chegando a um período de ordem, padronização e uniformidade, acompanhadas de uma "domesticidade tensa e uma conformidade ansiosa", os jovens dos anos 60 viveram sem preocupação com a "falta" (de segurança ou conforto) e no momento de nascimento de uma cultura consumista, filha do boom econômico do período anterior. é claro que a classe média poderia ser percebida como desfrutando desta afluência mais amplamente; foi, contudo, entre os jovens da classe trabalhadora que o inconformismo que deveria ter sido abafado com os sucessos do Estado do Bem-Estar Social no controle dos conflitos sociais primeiramente emergiu, sobretudo em torno ao rock e ao sexo (e posteriormente das drogas). O próprio feminismo da "segunda-onda" surgiu nessa confluência (Segal, 1994, pp. 2-4). Claramente, foi a "organização" estatal da modernidade e suas convencionalizações que permitiram o avanço do inconformismo e um salto no desenvolvimento da "política dos estilos de vida". A dicotomia entre ordem e liberdade implicava, entretanto, um nível elevado de conflito e sofrimento, bem como de estranheza entre gerações.

O trabalho de Wainwright (1994), por seu turno, serve-nos para colocar a questão mais genericamente. Ele é, em grande medida, igualmente expressão da emergência da "New Left" nos conturbados anos 60, embora busque ainda um diálogo com os movimentos que lutaram pela democracia na Europa Oriental. Fazendo uma crítica forte ao neoliberalismo, ela abraça, todavia, o "conhecimento tácito", local e não codificável, das massas, duplicando a posição de Hayek, a quem critica ao mesmo tempo pela esquerda. Este saber tácito é articulado a novas formas de propriedade, nem privadas nem estatais — mas cooperativas e sociais — e a novas formas de ação política (como a dos Verdes, na Alemanha). O movimento feminista, organizações de base dos trabalhadores, movimentos pacifistas e ecológicos são particularmente importantes para seu argumento. Entretanto, sua experiência no Conselho Municipal da Grande Londres nos anos 70, na área de planejamento econômico, sobrepõe-se a outras considerações. Otimista quanto àquelas novas formas de propriedade social, Wainwright afirma seu caráter democrático interno e seu potencial para democratizar o próprio Estado e a vida cotidiana — além, é claro, de sua ação igualitária contra a dominância da propriedade privada capitalista. Esses movimentos têm-se mostrado com freqüência independentes do Estado. Como os movimentos radicais dos anos 60 e 70 em geral, eles tendem a criar novas instituições e "formas de vida", exibindo um interessante "gradualismo radical". Deve-se destacar o fato, porém, de que seu sucesso não raro é obtido ou se potencializa na medida em que podem contar com o suporte do Estado do Bem-Estar Social, mesmo quanto tentam ou mesmo conseguem alterar a utilização dos recursos que desta forma se tornam disponíveis. A mesma equação entre organização da modernidade — neste caso mais claramente uma organização que não se resume ao plano do Estado, embora não prescinda dele, nem se dissolve na organização aleatória do mercado — e liberdade coletiva e individual nos é trazida por essas reflexões.

É com esse tipo de problema e solução em mente que se deve encarar as perdas, ganhos e limites devidos à "organização da modernidade". Faz-se patente em Wagner a influência de Bauman (1992), que aponta para uma fixação com a ordem na modernidade, após os arrojados vôos do Renascimento. Mais velada, porém não menos profunda, é a temática weberiana, que vê na "jaula de ferro" da burocratização a grande ameaça à liberdade e à autonomia que forneceram um dos principais elementos do projeto da modernidade (Weber, 1918). Estas são idéias e imagens poderosas. é preciso, de todo modo, escapar dessa polaridade. Isso tem reflexos diretos em como e em que medida buscamos uma renovação da organização da modernidade que amplie a cidadania, preserve a liberdade e os aspectos positivos da contingência da vida social, afastando, outrossim, os riscos e contingências negativas que, sobretudo em vista das desigualdades sociais contemporâneas e de uma pervasiva entrega da vida social ao mercado, resultam por vezes catastróficos para indivíduos e coletividades. Que conseqüências não intencionais da ação negativas podem derivar do exercício de escolhas no espaço da contingência positiva — uma vez que não podemos sempre prever o resultado de nossas decisões práticas, que são atravessadas por riscos — não milita contra o que foi sugerido acima. Essa é uma característica universal da ação e não nega nem a validade de ampliar possíveis pontos de partida positivos, nem a necessidade de criarem-se redes sociais e de seguridade (Beck, 1986; Hutton, 1997). Isto não quer dizer que a modernidade consista no horizonte coletivo único e inevitável, mas, ao contrário, uma saída da modernidade que preserve suas conquistas passa, ao que parece necessariamente, por uma ampliação dos espaços de cidadania concomitantemente ao aumento das possibilidades abertas a indivíduos e coletividades de mudar a configuração de sua própria vida e, com isso, mudar a configuração societária na longa duração da história.

COMO REORGANIZAR

O que significa, contudo, "reorganizar" a modernidade? Trata-se, decerto, em parte de jogar o Estado no centro da vida social, garantindo políticas públicas capazes de assegurar o que Marshall (1950) chamou de "cidadania social", para além de seus aspectos civil e político. Nesse sentido, o horizonte imediato da sociedade contemporânea é a modernidade da social-democracia (inclusive em na América dita "Latina", cf. Castañeda, 1993, cap. 14), no que apresenta de dependente do capitalismo e da burocratização, e desde que não se transite para uma sociedade sem classes e em que o público e o privado (a despeito das "ONGs" e de um suposto "terceiro setor", cf. Fernandes, 1994) rigidamente se delimitam, com o cidadão reduzido aos papéis de votante-cliente e produtor-consumidor. De forma alguma deve-se supor que o mercado pode suprir — não apenas por conta de sua "racionalidade limitada", mas igualmente na medida em que não se transcende a sociedade moderna capitalista e suas desigualdades intrínsecas — os parâmetros, instrumentos e recursos capazes de possibilitar a incorporação democrática e universal dos cidadãos de cada Estado nacional e da sociedade global. Políticas públicas fortes e amplas, e não meramente seletivas e pontuais, universalizantes e igualitárias, mostram-se imprescindíveis para isso. Mas seria apenas um projeto passadista e de fato acanhado aquele que desconhecesse tanto a crise do Estado do Bem-Estar Social, sobretudo no centro do sistema global, mas também já em parte, porém sobretudo prospectivamente, na periferia (embora aí cargas tributárias baixas e regressivas devam também ser levadas em conta), quanto os problemas culturais e políticos associados a ele (Rosanvalon, 1981; Offe, 1984).

O reformismo social-democrata, que renunciou afinal a uma tentativa de transição ao socialismo, contentando-se com a administração e contenção mais ou menos igualitariamente orientada da exploração capitalista e dos conflitos de classe daí decorrentes, localizou no Estado as ferramentas de sua ação política, afastando-se cada vez mais dos movimentos sociais, sobretudo daqueles que se recusaram a aceitar o caráter restritivo das possíveis pautas propostas por aquelas elites partidárias e estatais. No marxismo, embora o papel das massas sobressaísse com a postulação da revolução ou da reforma revolucionária, seriam o partido e o Estado, através da "ditadura do proletariado", que centrariam e coordenariam o processo político e econômico-social. Se nesta perspectiva as políticas sociais perderiam enfim qualquer papel, uma vez que o fim da escassez e da sociedade de classes retiraria sentido a essa questão, no projeto social-democrata seria o Estado que, de cima para baixo, garantiria a atenuação das desigualdades sociais. Em ambos os casos, de todo modo, o Estado funciona absoluto e centrado — não obstante no marxismo isto se dar, em tese é claro, mas não na prática histórica do socialismo real, apenas na transição do capitalismo ao comunismo (Domingues, 1995a; 1996a).

Foi precisamente este tipo de perspectiva que entrou em crise agônica nos últimos anos, em parte por seu fracasso ou impasses práticos, pelas vitórias (ainda que discutíveis e possivelmente temporárias) do neoliberalismo e, last but not least, acossado pela crítica cultural que perpassa a sociedade como um todo, no que tange à presença excessiva e regulatória do Estado, potencializada pelos movimentos sociais que se desenvolveram desde os anos 60. é claro, em "nossa América" essa crítica tem sido bastante menos ouvida, até porque tivemos no máximo um arremedo de Estado do Bem-Estar Social, embora deva-se levar em conta também que é vigente entre nós uma forte cultura estatista (Morse, 1982; Domingues, 1995c). Mas não só é cabível investigar o quanto queremos desta preservar, quanto igualmente é importante indagar se não temos o que aprender com as experiências da social-democracia européia, evitando possivelmente trajetórias que lá já se evidenciaram problemáticas. O problema é que com freqüência o Estado parece continuar no centro de qualquer alternativa de esquerda ao neoliberalismo (por exemplo, Sader, 1994).

Avançando uma crítica a um certo conservadorismo da esquerda hoje, cuja postura exibe-se meramente defensiva, Giddens (1994, pp. 3-4) pretende dar passo decisivo para atacar essa questão. Bebendo em grande medida na obra de Ulrick Beck (1986), o pano de fundo para sua posição é fornecido pela idéia de que a natureza como entidade autônoma em relação à humanidade acabou e pela afirmação de que o projeto da Ilustração de "crescente controle" do mundo através do acúmulo de conhecimento se auto-cancela, uma vez que aquele acúmulo gerou ele mesmo crescente incerteza, mutabilidade e reflexividade. Riscos agora são produzidos humanamente; e, embora não se trate de renunciar ao conhecimento para lidar com o mundo — pois isso seria mesmo impossível —, o "controle e reparo de danos" se mostram altamente necessários. No quadro de seu "realismo utópico", seis proposições se anunciam como fundamentais para uma renovação da "política radical" (que não deveria, acredita, ser vista como exatamente de esquerda, pois que visa retomar idéias importantes dos conservadores — mas não dos neoliberais —, embora os temas da desigualdade retenham grande importância para ele) (Giddens, 1994, pp. 248-9, 12-9, 51ss). Uma delas é o "reparo de solidariedades", através de uma confiança ativa, capaz de reconciliar autonomia e interdependência — em todos os níveis, dos gêneros às gerações, passando certamente pelo domínio econômico. Numa ordem pós-tradicional, onde nada é mais fixo a priori — pela natureza ou por normas sociais —, essa confiança é decisiva. A "política dos estilos de vida" é ponto igualmente crucial, e pelo mesmo motivo. A "democratização da democracia", que precisa tornar-se "dialógica" em todos os planos, fornece mais um tema, assim como o controle das "espirais de violência", entre os povos, gêneros e outras coletividades. Para nossa discussão, a idéia de "política gerativa" e o imperativo de repensar o Estado do Bem-Estar merecem destaque. Reflexiva e provedora de condições materiais e de molduras organizacionais, a "política gerativa" (que depende certamente tanto da confiança ativa quanto do diálogo democrático) se apresenta como a forma fundamental de atacar as questões da pobreza e da exclusão social e para permitir o exercício da "política dos estilos de vida". Nesse sentido, ela se aproxima da "política emancipatória", que provê instrumentos igualitários e capacitadores aos indivíduos e grupos. Ele a define da seguinte forma: "A política gerativa é uma política que procura permitir a indivíduos e grupos fazer as coisas acontecerem, antes que tê-las acontecendo a eles[...] A política gerativa é uma defesa do domínio público, mas não se situa na velha oposição entre Estado e mercado" (Giddens, 1994, p.15).

Reconhecendo a inépcia do Estado do Bem-Estar Social em "diminuir a pobreza" e "produzir uma redistribuição de renda ou riqueza em larga escala", juntamente com seu modelo implícito de papéis tradicionais de gênero (o homem como provedor, o "ganhador do pão"), além da inflexibilidade e impessoalidade de sua burocracia e o fato de que seu funcionamento ótimo correspondeu a um período de pleno emprego, ela ambiciona um "novo arranjo". Neste, tratar-se-ia de uma intervenção "positiva", capaz de garantir autonomia e responsabilidade coletiva, atacando problemas de classe, mas também de gênero. Sobretudo, buscar-se-ia não a dispensa de benefícios de cima para baixo, mas de modo a permitir a reconstrução de solidariedades sociais (Giddens, 1994, pp. 17-9).

Com isso, tem-se claramente uma nova forma de pensar políticas públicas; inclusive, apesar do ceticismo do próprio Giddens (1994, pp. 68-9; 1995), poder-se-ia pensar a articulação de um projeto socialista desde essa perspectiva. A "política gerativa" é próxima, num certo sentido, porém também distinta, das reflexões de Rosanvalon sobre a necessidade de superar tanto o privatismo individualista quanto uma concepção de solidariedade excessivamente estatalizada que é característica da modernidade em geral, e em particular do Estado do Bem-Estar. Rosanvalon vai adiante, contudo, uma vez que propõe meios de lidar com a incerteza da vida social contemporânea através da recriação de novas formas, não estatalizadas, de solidariedade social — uma forma futura de socialismo, que não está todavia propriamente em questão hoje, poderia ser divisada a partir dessa maneira auto-gerida de organizar a vida social (Rosanvalon, 1981, pp. 10ss, 144ss, 137-8). é mister levar algumas outras questões em conta, que serão abaixo delineadas, com uma defesa de uma mistura de princípios para a política social. De início pode-se sugerir, contudo, que políticas gerativas podem contribuir para superar a antinomia identificada por Souza Santos — hoje reforçada pelo predomínio da organização da modernidade pelo mercado capitalista — entre cidadania e subjetividade: adquirindo a primeira novo território, a segunda poderia manter-se em sua singularidade individual e coletiva, pois que aquela não se revestiria apenas de caráter formal, implicando a participação e a confiança ativas e a solidariedade entre subjetividades individuais e coletivas, e dentro destas, possibilitando autonomia, responsabilidade e auto-expressão concreta. O "princípio da comunidade" poderia ser com isso relançado (Santos, 1995a, pp. 240, 255; 1995b, pp. 22ss). Isso se sugere como o contrário da atomização do cidadão do Estado do Bem-Estar, que ao mesmo tempo se metamorfoseia em mera abstração reificada de homem (ou mulher) — cliente de sua burocracia. Isso poderia possibilitar a superação de toda uma série de problemas associados ao Estado do Bem-Estar, assim como das estratégias de cortes e de privatização do neoliberalismo.

Mas é preciso ter cuidado ao criticar o Estado do Bem-Estar (Esping-Andersen, 1985; 1990; Pierson, 1991), de modo a evitar cair nas esparrelas do neoliberalismo em suas versões duras ou brandas, no que de fato Giddens e Rosanvalon mais recentemente têm êxito inteiramente.4 4 Isso me parece verdadeiro, por exemplo, no que tange ao tema da saúde pública, em que Giddens (1994) se aproxima perigosamente da política do Banco Mundial, que advoga um serviço público apenas básico, que serviria às populações pobres — nesse sentido muito aquém de um serviço efetivamente voltado para a cidadania —, restringindo inclusive a oferta de serviços para problemas cardíacos, para o tratamento do câncer, etc; políticas sociais, face aos ajustes macroeconômicos, teriam caráter eminentemente compensatório (Melo e Costa, 1994). Pode-se mesmo admitir crítica à medicina curativa e aos enormes gastos, talvez nem sempre efetivos, dos sistemas de saúde do Estado do Bem-Estar, desde que isso não comprometa o princípio da cidadania e da cobertura universal. (Veja Janicke, 1986, pp. 41ss). Mais grave talvez é uma tendência que se insinua em Giddens (e no "New Labour Party"?) de aceitar a recusa conservadora do racionalismo da tradição social-democrata que reconhece as limitações da ação individual para lidar com contingências socialmente criadas (veja Parry, 1990, p. 141). Giddens está certo quanto à impossibilidade de sustentar a pervasividade que aquele modelo supunha, porém parece inclinar-se excessivamente na direção de secundarizar aquele racionalismo. O suporte de Hutton (1997) às políticas tradicionais do Estado do Bem-Estar no sentido de ajudar os indivíduos a lidar com desastres como o desemprego — dificilmente algo produzido individualmente, ainda que socialmente gerado — aproxima-se muito mais de uma solução universalista. Mesmo Beck (1966, caps. 2 e 6) é muito mais cuidadoso, pois sublinha a centralidade dos mercados de trabalho (crescentemente instáveis) na modernidade. Rosanvalon (1995), por seu turno, acredita que a universalização de direitos e benefícios é hoje impossível. Na verdade, os passos dados no sentido de universalização da cidadania não devem ser vistos como secundários: se advêm em parte de uma abertura de certas elites à incorporação das massas, foram sobretudo uma grande conquista dos movimentos de trabalhadores através da construção de maiorias eleitorais. Isso a despeito dos impasses que esse modelo vive hoje e das críticas que vem recebendo.5 5 Veja, por exemplo, de uma literatura hoje avantajada, Esping-Andersen, 1985 e 1990; e Pierson, 1991. Ademais, a heterogeneidade do Estado do Bem-Estar, em termos de princípios organizadores, tem sido afirmada empiricamente (Palme, 1990, p. 110; Barry, 1990, p. 100). Normativamente, esse parece dever ser o caso também. Ou seja, a implementação de políticas gerativas em diversos planos não é sinônimo, ou não deveria ser, de deslocamento do princípio da cidadania. Nem devem ser elas vistas como panacéia universal, e sim como um entre outros instrumentos, com o qual vale a pena começar a experimentar. Pior ainda (como sói ser o caso da política do Banco Mundial) seria voltar a programas meramente compensatórios do estilo da Poor Law inglesa original (ainda que não mais necessariamente repressivos). Trata-se de garantir, ao contrário, a cidadania associada ao aumento da liberdade e das contingências possivelmente positivas na vida das pessoas, com a diminuição das ocorrências negativas imprevistas sobre as suas vidas, geradas por sua vez sobretudo pelo mercado capitalista (junto a problemas ecológicos e outros advindos das escolhas que somos obrigados a fazer hoje em dia em nossas vidas pessoais e emocionais, que sempre envolvem risco em alguma medida).

Se isso se coloca no caso de um país como a Inglaterra, maior ainda deve ser nosso cuidado ao referirmo-nos a um país como um Brasil, paraíso das desigualdades sociais. Pois aqui a questão da política social é muito mais grave — e certamente não será resolvido pela implementação de programas emergenciais e mesmo com ataques parciais às causas da pobreza, como visado pelo programa Comunidade Solidária do governo de Fernando Henrique Cardoso.6 6 Veja a apresentação do programa por seus responsáveis, Peliano, Rezende e Beghim, 1994. No entanto, a política encaminhada pelo programa e implementada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), estabelecendo uma linha de crédito popular, é um aspecto das políticas do Banco Mundial incorporados a sua estratégia que possui de fato um interessante aspecto gerativo, ainda que de corte individualista. O "sistema de proteção social" brasileiro padece de inúmeros problemas, além da instabilidade crônica de fundos: "um alto grau de centralização, com definição de prioridades e diretrizes ditadas pelo nível federal; oneroso, pela superposição de programas, clientelas e serviços intra e entre as esferas federal, estadual e municipal; acentuadamente privatizado...; discriminatório e injusto, porque o nível de renda e/ou inserção no mercado de trabalho acabam por se transformarem, na prática, no principal critério de acesso aos benefícios e serviços prestados; com fontes de renda instáveis de financiamento..." (Cohn, 1994, p. 3).

Como se sabe, não se gasta tão pouco com programas sociais: de 82 a 92 a despesa líquida do Tesouro com programas sociais esteve em torno a 9,6%, chegando a 27% entre 86 e 89. De acordo com Cohn, contudo, o gasto é insuficiente e, ademais, gasta-se mal, embora seja difícil detalhar esta afirmação, pois que não há monitoramento dos programas que permita acompanhá-los sistematicamente (Cohn, 1994, pp. 8-11).7 7 Para um balanço completo da situação brasileira, veja o documento apresentado à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, Copenhague (cf. Cohn, 1995). Na verdade, o antigo modelo Estado-sociedade dos anos 30 entrou em crise e ainda não está claro qual o substituirá, se bem que uma tendência patente seja a mercantilização dos serviços sociais acompanhada de programas baratos e básicos destinados às populações mais pobres, com todos os problemas daí decorrentes — o que não quer dizer que se deva subestimar a necessidade de profundas reorientações dos gastos sociais, visto que estimativas apontam para distorções tais quais a apropriação pela patronagem pública e privada dos recursos sociais e sua distribuição injusta, com os 19% mais pobres recebendo deles apenas 6% enquanto os 10% mais ricos captam 1/3 desses recursos (Reis e Cheibub, 1993). Ao que parece, em toda a América "Latina", rumamos para um modelo de Estado do Bem-Estar tipicamente "liberal", de caráter dual — residual e público para os pobres, privado e variável para as outras camadas —, como o norte-americano e, crescentemente, o inglês (originalmente universalista), diferentemente do modelo corporatista, como no caso alemão, e do universalista, como no caso sueco (Esping-Andersen, 1990, pp. 26; Laurell, 1992; Draibe, 1994).

Por outro lado, não há por que supor que a questão da reflexividade social deixe de se colocar no caso brasileiro (Domingues, 1997b). A articulação profunda entre modernização e globalização também nesse caso se manifesta avassaladoramente, juntamente com um forte processo de individualização, ainda que o processo específico de modernização que vivemos implique numa ocidentalização apenas relativa da sociedade brasileira. Embora um "ego" burguês mais duro apenas recentemente pareça estar prevalecendo, a dissolução de formas tradicionais de vida aqui caminha no sentido de maior abertura reflexiva do "mundo da vida", a despeito de tendências em contrário se fazerem presentes, e de que certos tradicionalismos possam se fazer presentes, na esfera dos costumes sobretudo, ainda que mitigados. Talvez o problema advenha em parte de que o Estado e a idéia de modernização como espelhamento do Ocidente tenham aqui sido extremamente significativos. Se a Sociologia em geral tem tomado o Estado-nação como a sua referência para a noção de sociedade, no Brasil isso foi levado ainda mais longe, uma vez que as ciências sociais tem estado grandemente preocupadas com projetos de construção do Estado (Reis, 1996). Ademais, o projeto neoliberal tem reforçado o utilitarismo privatista, familiar, enquanto que os movimentos sociais tem-se ocupado, como em outros países da América "Latina", com estabelecimento de direitos básicos, da justiça e da democracia, antes que com experimentos culturais (Habermas, 1973, pp. 105ss; Durham, 1986; Reis, 1995; e, para os movimentos sociais, 0lvera, 1997). O que pode ser chamado de tradição da modernidade tem recebido portanto destaque no Brasil, junto com a modernização da tradição e, mais recentemente, a abertura reflexiva da modernidade. O misto de políticas sociais que, como sugerido acima, poderia ser importante para a Europa, ajudaria a abrir o gradiente de possibilidades e escolhas para as classes médias e populares também na periferia da modernidade avançada.

Assim como a oligarquização e o fechamento do sistema político, sua pretensa "elitização", hoje apresentam-se como uma ameaça ao exercício da cidadania política, fortes restrições à cidadania social se apresentam com as tendências de estabelecimento de um sistema de benefícios sociais em duas camadas — privado e abrangente para os ricos, público e limitado (e provavelmente de baixa qualidade) para os pobres. é este desfecho que se deve lutar para evitar, de modo inclusive a dar um sentido amplo à implementação de políticas gerativas, simultaneamente igualitárias, ao darem-se recursos e poder sociais aos mais pobres, e emancipadoras, ao permitirem que aqueles que são delas em parte pacientes façam-se mais sujeitos livres de suas próprias vidas. As tensões produzidas nos últimos anos no Brasil por conta do processo de "ajuste" econômico neoliberal desde o governo Collor e o desgaste da alternativas democrático-radicais e da esquerda no país e no mundo parecem haver contribuído para isso. Uma tentativa, possivelmente temporária, de abafar o aumento da reflexividade social acha-se em movimento: estilos de vida tradicionais são positivamente reavaliados e as virtudes de um privatismo cívico individualista e utilitário são mais uma vez celebradas, junto à afirmação de que o mercado é a única alternativa factível. Esse tipo de retradicionalização da própria modernidade é, contudo, em si mesmo de fato uma escolha reflexiva de um modo de vida que supostamente se livra da incerteza trazida à baila pela destradicionalização liberada pelo avanço da modernidade. Com isso as pessoas encontram, coletivamente, um meio de lidar com a complexidade crescente da vida social e a abertura de escolhas agora em princípio disponíveis, escolhendo ignorá-las. Isso não deve ser visto, todavia, como um movimento irreversível, muito ao contrário; de toda maneira, é exatamente a combinação de políticas voltadas para a ampliação efetiva da cidadania com políticas gerativas que pode contribuir no longo prazo para desanuviar o ambiente histórico, diminuir ansiedades, abrir vias de transformação da vida cotidiana, oferecendo uma alternativa às forças democráticas e de esquerda do Brasil contemporâneo. Sem dúvida, isso afeta as classes médias. Mas, na medida em que o acesso à informação e a resolução de problemas materiais básicos para a vida são elementos-chave para o crescimento da reflexividade de coletividades específicas, e são assim socialmente distribuídos desigualmente (Melucci, 1997b, pp. 99, 147), essa mistura de políticas pode ajudar a abrir o espectro de possibilidades e escolhas também das classes trabalhadoras.

Ademais, esse é de fato o conteúdo contemporâneo possível para a noção de "democracia desenvolvimental" em sua versão radical, na qual a saúde das instituições depende da participação do cidadão e a vigência não meramente formal deste deriva da abertura daquelas à sua ação (Held, 1987, pp. 72ss, 288-9). Entretanto, isso não se confunde com uma mera reivindicação de renascimento da sociedade civil, como o locus da solidariedade, ao lado do mercado e do Estado, obrigando esses sistemas auto-regulados a uma mediação e limitação em suas relações com a sociedade ou o "mundo da vida" — como alguns adeptos da teoria crítica em versão tributária de Habermas entenderiam (Arato e Cohen, 1992; Avritzer, 1996; para um balanço da trajetória do conceito no Brasil, Costa, 1997). Isso me parece bastante improvável nas condições atuais, uma vez que o mercado e a burocracia estatal reduzem em si as possibilidades de participação do cidadão — incapaz de interferir de fora em suas decisões e reduzido, ao fim e ao cabo, em objeto de sua ação, nem que por acomodação, em última instância. Se as instituições não ajudam, ainda que uma cultura política democrática floresça, os indivíduos e grupos tendem, como a experiência contemporânea o demonstra, a absterem-se da política. Não obstante a postulação, no fundo crítica a Habermas, da possibilidade de inserir "censores" da sociedade civil dentro dos sistemas auto-regulados e de uma implícita acomodação das categorias habermasianas de modo a permitir uma maior autonomia e permeabilidade ao sistema político, que seria, portanto, apenas em parte auto-regulado (Cohen e Arato, 1992, p. 479; Avritzer, 1996, pp. 20-1),8 8 Aqueles autores abrem mesmo as portas para uma possível democracia auto-gestionária na economia, desde que sem prejuízos para a eficácia produtiva. Avritzer (1997b) e Lynch (1997), ao reconhecerem o tecido de uma rede de "movimentos de auto-ajuda" na sociedade civil latino-americana de certo modo deixam aquela definição original; se essa posição se radicaliza, não vejo como pode ser acomodada naquele quadro anterior. a sociedade civil faria somente um paralelo exterior aos efetivos centros de decisão. Suas instituições, por mais que uma moral universalista e democrática se difunda, não apresentam assim probabilidade de vingar, ao menos permanente e pervasivamente. Defrontamo-nos, na verdade, nestes termos, com uma improvável revivescência da "esfera pública burguesa" tal qual magistralmente descrita por Habermas (1982), muito embora em princípio pretenda-se abrir um espaço de outra natureza, com características por vezes distintivas (mas afinal não bem integrado no modelo evolucionista dual — com uma divisão rígida e exclusiva entre sistemas auto-regulados econômico e político-administrativo e o mundo da vida — da Teoria da ação comunicativa, 1981). A despeito de mudanças radicais no futuro, e de avanços democráticos nesse sentido, os limites de uma sociedade civil externa aparecem também se aqueles censores tentarem encarar o que Beck (1986, cap. 8) chamou de "subpolítica" do desenvolvimento econômico e científico, que corre por fora do sistema político. Nem mesmo experiências interessantes como as do orçamento participativo na gestão petista das prefeituras (Fedozzi, 1997) ou propostas de institucionalização da sociedade civil (Avritzer, 1997a) parecem-me suficientes para romper com a separação entre o cidadão e a coisa pública.

A discussão de Giddens, embora o mais das vezes implicitamente (não obstante sua crítica a essa noção de sociedade civil, e sua aceitação absolutamente não argumentada da necessidade exclusiva do mercado como mecanismo sinalizador na economia — Giddens, 1994, pp. 122ss e 248), pode ajudar a romper com essa dicotomia (ou tricotomia): uma nova forma de organizar a "modernidade avançada", em termos de financiamento, participação e responsabilidades, se projeta. O Estado aí de certa maneira e em certa medida se dissolve na sociedade, sem que esta seja meramente representativa ou formadora de opinião: ela se torna antes gestora do bem-estar social e realmente o local da solidariedade; no que nela a política, a cultura e a economia tomam um outro sentido, dependendo diretamente do engajamento do cidadão. A "política gerativa" sofre, por sua vez, também uma mudança de perspectiva: em princípio articulada para dar poder individualmente às pessoas, ela deve ser transplantada para uma dimensão coletiva, ou seja, deve ser implementada conectando as pessoas, de modo que façam as coisas juntas, e assim assumam a responsabilidade pelos problemas e soluções que compartilham, com isso superando a atomização produzida pelo Estado do Bem-Estar e pelo mercado. No que, se se leva em conta a possibilidade de restrições duras à propriedade privada, o socialismo pode ver-se incluído de forma completamente diferente do que se passa no marxismo. Não se trata, contudo, de preeminência do Estado nessa diluição do mundo privado — que tenderia a se encolher em uma esfera da intimidade: as graves e em si justificadas preocupações de Hannah Arendt (1951, cap. 3) — a despeito dos pressupostos elitistas que atravessam sua formulação — não teriam aqui lugar. Ela cogitava do perigo de uma possível absorção da sociedade pelo estado totalitário; aqui se trata, contudo, do oposto, de sua parcial dissolução em teias de solidariedade social participativa que fornecem as instituições para o próprio desenvolvimento do cidadão — que tem de mostrar-se, na prática diuturna, responsável por seu bem-estar e o de suas coletividades. O totalitarismo por ela temido — e evidentemente uma sempre possível realidade que se enraíza nas estruturas de todo Estado Moderno (Giddens, 1985) — depende de uma radicalizada organização estatal da modernidade. Aqui, ao contrário, não obstante a reivindicação do papel do Estado numa política protetiva e gerativa, sugere-se uma reorganização da modernidade que tenha em seu centro teias sociais amplas e variadas, que, do ponto de vista político, emulariam os corpos intermediários admirados por Tocqueville (1835) quando de sua visita à América. Por outro lado, um espaço democrático de representação e expressão de interesses, junto a um tipo de revalorização das práticas democráticas formais, faz-se evidentemente necessário — e no caso de Giddens não fica de modo algum claro como a esfera pública atual poderia ser transformada no sentido de sua democratização. Na verdade, da forma como coloca o problema, tem-se a impressão de que seria favorável a diluí-la, tamanho seu temor face aos perigos que identifica nos fundamentalismos contemporâneos. Um espaço universal democrático, renovado e restruturado põe-se, de toda maneira, como uma necessidade de condução da vida social — se não pretender degenerar de vez em "democracias" cesaristas e plebiscitárias. Urna transformação dessas esferas, contudo, é o que possibilitaria que os "espaços intersticiais" que Habermas (1990, p. 19; 1992, pp. 349ss) mais recentemente sugeriu ainda existirem de oposição à colonização do "mundo da vida" pelos sistemas auto-regulados (mediados pelo poder e pelo dinheiro), com uma real esperança de renascimento da solidariedade social, que deve porém assumir novas formas e características, através do estabelecimento de uma esfera que se poderia chamar simplesmente de social9 9 Nem mercado nem hierarquia seriam aqui os mercanismos de articulação, mas rede. Cf. Domingues, 1996a. (para além do aristotelismo de Arendt (1958), com sua rígida separação da esfera pública, enquanto espaço da liberdade, da esfera privada da necessidade, e da proposta de fato passadista de Sennett (1977)). Uma desdiferenciação (nos termos de Domingues, 1996b) entre Estado, mercado e sociedade estaria assim em pauta, bem como uma rediferenciação cujos contornos precisos seria abusivo sugerir aqui.10 10 Veja, para a questão da diferenciação, Domingues, 1996b. Sem dúvida, não se trata de esquecer das tecnicalidades e racionalidades que caracterizam Estado e mercado contemporâneos; nem por isso se trata de renunciar à criatividade e à experimentação. A política gerativa, expressão da cidadania, insere-se na modernidade, podendo, contudo, contribuir para que avancemos para além dela.

Essa esfera "social" não se restringiria de modo algum à representação e ao debate, ou a solidariedade de modo genérico, mas seria encarregada da execução de tarefas sociais hoje deixadas em geral ao Estado e ao mercado, ou capturadas por formas tradicionais de relação (familiares, de vizinhança, etc), que muitas vezes não se mostram conducentes à autonomia do indivíduo e de grupos sociais, na medida em que permitem controle mais direto sobre eles (Giddens, 1990, pp. 112ss).11 11 De todo modo, essas redes "primárias" originais não se mostrariam capazes de preencher as demandas que sobre elas desabariam, fosse a reorganização da modernidade delas por demais dependente. Veja, para o caso de Portugal, onde essas redes tradicionais de vizinhança e parentela mantêm certa importância, Nunes, 1995. Se não seria correto descartar essas formas tradicionais de solidariedade, é necessário, todavia, pensar em como emprestar-lhes caraterísticas que permitam superar as dificuldades mencionadas.

O RETORNO DA DIALÉTICA

O fato é que os problemas aí estão e de nada adianta simplesmente denegá-los, meramente admitindo-os para logo em seguida, como no mecanismo de defesa tradicional apontado por Freud, pretender subtraí-los ao negar-lhes realidade, já para não falar de seu bloqueio cognitivo e moral (Freud, 1925; Rouanet, 1985). Nem tampouco de oferecer soluções paliativas. Trata-se antes de utilizar essas contradições e insatisfações na direção de uma solução produtiva historicamente, potencializando dialeticamente os elementos e impulsos destrutivos e, portanto, simultaneamente regeneradores que a vida psíquica e social nos fornece (Lacan, 1959-60; veja ainda Maciel, 1995), em particular neste momento de "modernidade avançada", onde a reflexividade social tende, a despeito de seu alargamento, a ser engolida pelo mercado, pela atomização e pelo narcisismo. Para isso, se bem que momentos de crise e ruptura sejam inevitáveis ao emergirem padrões de interação social efetivamente novos, não é preciso imaginar conflitos agudos e sobretudo liderados por sujeitos centrados e dirigidos para metas claramente definidas a todo instante. A acumulação de mudanças na longa duração do quotidiano e da história pode acabar por ser mais produtiva e capaz de gerar transformações de grande alcance (Prigogine e Stengers, 1979).

A dialética, deste modo, faz-se mais adequada à fluidez da vida contemporânea e às lutas por identidade e reconhecimento moral podem ser potencializadas numa direção positiva — em que necessidades e desejos, assim como os indivíduos e as coletividades que os possuem e manifestam, sejam acolhidos —, antes que deixadas livres para um trabalho em que os elementos destrutivos da psique humana e das relações sociais se resolvam em uma violência cega (Honneth, 1992; 1994). O horizonte histórico pode então ser visto uma vez mais como aberto, e agora mais radicalmente, já que a contingência histórica definitivamente comanda, e explicitamente, a evolução das sociedades humanas. A necessidade de uma análise sutil da realidade se impõe, pouco importando se nos acreditamos pós-modernos ou não, se cremos estar a modernidade indissoluvelmente ligada ao capitalismo ou se é dele, para o bem ou para o mal, dependente. Caso alguém possa supor que uma política local e culturalmente orientada é tudo que nos resta e que seria mister descartar inteiramente estratégias centradas diretamente na política no sentido estrito, estatal do termo, deve-se dizer que isso não deve ocorrer, em particular no que tange à luta pela definição e realização de uma cidadania completa e universal. A superação dos impasses contemporâneos demanda, porém, um movimento coletivo e criativo muito mais descentrado do que a esquerda tem suposto, tanto no plano da "política dos estilos de vida" quanto no plano da "política emancipatória". O que Mann (1986, pp. 15-9) chamou de "emergência intersticial" é improvável de ser efetiva — ao menos no que se refere aos principais movimentos sociais contemporâneos — sem apoio de cima: o Estado tornou-se mais forte do que nunca (cf. Giddens, 1985).

A combinação de um programa democrático para ampliar a cidadania com a "política gerativa", assim como esta última já em si mesma, pode ser instrumental para alcançar uma estratégia mista de ataque por cima e por baixo. Partidos e movimentos sociais, bem como as coletividades que são objeto e sujeito da política gerativa seriam os responsáveis por aquela dialética e por este programa. A cidadania ativa pode resultar da gestão da solidariedade social por indivíduos e grupos através da política gerativa (em certo sentido um direito de cidadania), ao mesmo tempo que vai além da cidadania propriamente definida, uma vez que indivíduos e grupos libertam-se da regulação estatal.

Seja como for, a criatividade social está aqui implicada — e queiramos ou não, intencionalmente ou não, sua dinâmica nos colocará em novos caminhos, preencham nossas expectativas ou façam-nos avessos a seus rumos, provocando mudanças nos processos e na direção da evolução social. Lançamos hoje nossa sorte face a amanhãs incertos. Como em nossas vidas pessoais, coletivamente não temos outra escolha senão escolher.

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  • 1
    Para maiores detalhes, veja minha resenha desse livro na
    Revista Brasilera de Ciências Sociais, no. 32, 1996.
  • 2
    Veja, para discussões conceituais consistentes, 1993; e Ware e Goodin, 1990 (em particular Palme, 1990, pp. 106-7). Três princípios estariam em jogo: direitos de cidadania, direitos por contribuição e alívio a necessidades básicas; enquanto o último tenderia ao declínio (ou pelo tendia) na Europa, aquelas sociedades, partindo de um dos dois primeiros princípios, se desenvolveram na direção de uma combinação entre eles.
  • 3
    Obviamente, ele discorda das visões sombrias que afirmam a decadência individual e social no momento presente, exibindo otimismo face à modernidade avançada.
  • 4
    Isso me parece verdadeiro, por exemplo, no que tange ao tema da saúde pública, em que Giddens (1994) se aproxima perigosamente da política do Banco Mundial, que advoga um serviço público apenas básico, que serviria às populações pobres — nesse sentido muito aquém de um serviço efetivamente voltado para a cidadania —, restringindo inclusive a oferta de serviços para problemas cardíacos, para o tratamento do câncer, etc; políticas sociais, face aos ajustes macroeconômicos, teriam caráter eminentemente compensatório (Melo e Costa, 1994). Pode-se mesmo admitir crítica à medicina curativa e aos enormes gastos, talvez nem sempre efetivos, dos sistemas de saúde do Estado do Bem-Estar, desde que isso não comprometa o princípio da cidadania e da cobertura universal. (Veja Janicke, 1986, pp. 41ss). Mais grave talvez é uma tendência que se insinua em Giddens (e no "New Labour Party"?) de aceitar a recusa conservadora do racionalismo da tradição social-democrata que reconhece as limitações da ação individual para lidar com contingências socialmente criadas (veja Parry, 1990, p. 141). Giddens está certo quanto à impossibilidade de sustentar a pervasividade que aquele modelo supunha, porém parece inclinar-se excessivamente na direção de secundarizar aquele racionalismo. O suporte de Hutton (1997) às políticas tradicionais do Estado do Bem-Estar no sentido de ajudar os indivíduos a lidar com desastres como o desemprego — dificilmente algo produzido individualmente, ainda que socialmente gerado — aproxima-se muito mais de uma solução universalista. Mesmo Beck (1966, caps. 2 e 6) é muito mais cuidadoso, pois sublinha a centralidade dos mercados de trabalho (crescentemente instáveis) na modernidade. Rosanvalon (1995), por seu turno, acredita que a universalização de direitos e benefícios é hoje impossível.
  • 5
    Veja, por exemplo, de uma literatura hoje avantajada, Esping-Andersen, 1985 e 1990; e Pierson, 1991.
  • 6
    Veja a apresentação do programa por seus responsáveis, Peliano, Rezende e Beghim, 1994. No entanto, a política encaminhada pelo programa e implementada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), estabelecendo uma linha de crédito popular, é um aspecto das políticas do Banco Mundial incorporados a sua estratégia que possui de fato um interessante aspecto gerativo, ainda que de corte individualista.
  • 7
    Para um balanço completo da situação brasileira, veja o documento apresentado à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, Copenhague (cf. Cohn, 1995).
  • 8
    Aqueles autores abrem mesmo as portas para uma possível democracia auto-gestionária na economia, desde que sem prejuízos para a eficácia produtiva. Avritzer (1997b) e Lynch (1997), ao reconhecerem o tecido de uma rede de "movimentos de auto-ajuda" na sociedade civil latino-americana de certo modo deixam aquela definição original; se essa posição se radicaliza, não vejo como pode ser acomodada naquele quadro anterior.
  • 9
    Nem mercado nem hierarquia seriam aqui os mercanismos de articulação, mas rede. Cf. Domingues, 1996a.
  • 10
    Veja, para a questão da diferenciação, Domingues, 1996b.
  • 11
    De todo modo, essas redes "primárias" originais não se mostrariam capazes de preencher as demandas que sobre elas desabariam, fosse a reorganização da modernidade delas por demais dependente. Veja, para o caso de Portugal, onde essas redes tradicionais de vizinhança e parentela mantêm certa importância, Nunes, 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      1998
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