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Boudon: agência, estrutura e individualismo metodológico

Boudon: agency, structure, and methodological individualism

Resumos

A obra do sociólogo francês Raymond Boudon é analisada sob a perspectiva da relação agência e estrutura. Argumenta-se que a possibilidade de síntese entre agência e estrutura está ligada à combinação de uma causalidade relativa aos atores e outra relativa às estruturas sociais. Sustenta-se ainda que essa combinação é efetuada de maneira implícita em diversas partes da obra de Boudon, contrariando suas prescrições metodológicas.


The work of the French sociologist Raymond Boudon is analysed from the standpoint of the relationship between agency and structure. It is argued that the possibility of a synthesis between agency and structure is linked with the combination of two kinds of causality: one related to the actor and the other related to social structures. It is further argued that this combination is implicitly made in Boudon 's works, in spite of his methodological prescriptions.


IDÉIAS E DEBATES

Boudon: agência, estrutura e individualismo metodológico

Boudon: agency, structure, and methodological individualism

Cynthia Lins Hamlin

Professora visitante e bolsista de Desenvolvimento Científico Regional do CNPq no Programa de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO

A obra do sociólogo francês Raymond Boudon é analisada sob a perspectiva da relação agência e estrutura. Argumenta-se que a possibilidade de síntese entre agência e estrutura está ligada à combinação de uma causalidade relativa aos atores e outra relativa às estruturas sociais. Sustenta-se ainda que essa combinação é efetuada de maneira implícita em diversas partes da obra de Boudon, contrariando suas prescrições metodológicas.

ABSTRACT

The work of the French sociologist Raymond Boudon is analysed from the standpoint of the relationship between agency and structure. It is argued that the possibility of a synthesis between agency and structure is linked with the combination of two kinds of causality: one related to the actor and the other related to social structures. It is further argued that this combination is implicitly made in Boudon 's works, in spite of his methodological prescriptions.

A obra do sociólogo francês Raymond Boudon apresenta-se, sem dúvida, como uma das mais importantes contribuições teórico-metodológicas da Sociologia contemporânea. Caracterizada por ele próprio como uma espécie de "nomadismo temático", sua obra envolve questões substantivas relativas a temas tão diversos quanto educação, mobilidade social, mudança social, ideologia, conhecimento e, mais recentemente, valores morais. Por trás desta vasta produção teórica, esconde-se, no entanto, uma preocupação metodológica constante, definida em termos de uma "epistemologia positiva", segundo a terminologia de Paul Lazarsfeld, ou "crítica da pesquisa social".

A partir desta abordagem crítica, Boudon coloca em relevo alguns dos principais debates metodológicos que caracterizam a Sociologia desde suas origens, como agência/estrutura, compreensão/explicação, objetivismo/subjetivismo, etc., apresentando-os, no entanto, não mais como dualismos cujos termos são inconciliáveis e incomensuráveis, mas como simples oposições nas quais os pólos opostos são analiticamente diferenciados e relacionados.

É a partir de uma destas oposições, entre agência e estrutura, que pretendo conferir uma unidade à obra de Boudon. A escolha desta oposição em particular deve-se ao fato de que, como Derek Layder (1994: 118), acredito que "as reais diferenças entre os sociólogos derivam da questão de como as atividades sociais humanas (incluindo-se as atividades solo dos indivíduos) são relacionadas aos contextos sociais nas quais elas ocorrem". Ainda como Layder, e contrariamente a Jeffrey Alexander (Alexander et al., 1987) e a Margaret Archer (1995), acredito que existem sobreposições importantes entre os debates individualismo/coletivismo, agência/estrutura e micro/macro, e que estas sobreposições podem ser resumidas na questão acima; mas, contra Layder e de acordo com Archer, creio que o debate agência/estrutura é o mais fundamental e o mais penetrante dos três e reformula de maneira mais adequada os aspectos relativos àquela questão.

Deixando de lado as especificidades dos debates acima, é importante salientar que, embora Boudon nunca tenha ativamente tomado parte no debate agência/estrutura, é possível analisar sua obra desta perspectiva na medida em que a adoção do individualismo metodológico por Boudon pode ser vista como uma resposta específica à produção "estruturalista" que dominou a produção sociológica francesa dos anos 50 aos anos 70. De fato, é principalmente através da crítica ao que Boudon qualifica como "tradição estruturalista", e que nos últimos 20 ou 25 anos assumiu a forma explícita de um individualismo metodológico, que se pode inferir sua posição neste debate.

De acordo com sua concepção de individualismo metodológico, os fenômenos sociais devem ser explicados a partir das ações dos indivíduos que estão em sua base. No entanto, estas ações não ocorrem em um 'vácuo social', mas são socialmente indexadas, diferenciando assim individualismo de atomismo. É este tipo de preocupação que permite colocar o debate agência/estrutura no centro de sua abordagem, ainda que de forma indireta. Referências mais diretas ao problema podem ser encontradas ocasionalmente em sua obra, como é o caso de sua formalização do paradigma weberiano1 1 O paradigma weberiano constitui, para Boudon, uma teoria da ação que é formalizada da seguinte maneira: M= M{m[S(P)]}; onde "M" é o fenômeno macro a ser explicado, "m" é uma ação individual de um certo tipo, "S" é a situaçcão do ator e "P" é um elemento qualquer do sistema ou estrutura. Para uma análise detalhada desta equação, veja Boudon; 1989b: 242. , ou de sua análise da filosofia da história de Simmel, em um dos textos no qual ele procura justificar a centralidade do individualismo metodológico para uma análise adequada da realidade social (Boudon; 1986b).

De acordo com Boudon (Ibid.: 861), "a questão básica de Simmel é a de que tudo o que é de interesse histórico é expressão ou produto de fenômenos mentais". Os fenômenos sociais são encarados por Simmel como resultado das ações dos indivíduos que são, por sua vez, produto dos processos mentais destes mesmos indivíduos. Processos mentais dependem tanto das circunstâncias históricas, quanto da situação ou ambiente em que os atores se encontram, e é aqui que se pode encontrar a relação entre agência e estrutura: por um lado, os elementos estruturais da situação representam fatos externos ou objetivos que são impostos aos atores sociais e que se tornam causas da atividade mental; por outro, as atividades mentais e ações individuais constituem as estruturas sociais (ou, na linguagem de Simmel, as formas sociais). Neste sentido, haveria uma relação intrínseca entre ação ou agência e estrutura ou sistema na medida em que "(...) embora os fenômenos sociais sejam sempre o produto de ações individuais, as ações são parte de um contexto que tem uma estrutura: estruturas só podem ser compreendidas com base em ações e ações só podem ser compreendidas com base em estruturas." (ibid.: 862).

É importante considerar, entretanto, que, embora Boudon perceba claramente a necessidade de se relacionar agência e estrutura, isto é, embora sua abordagem não estabeleça estes termos como incompatíveis, mas, mais propriamente, como um continuum, sua adesão ao individualismo metodológico o posiciona no primeiro pólo do mesmo. A questão que se coloca a partir disto é, portanto, como o individualismo metodológico possibilita uma síntese entre agência e estrutura, ou como as ações dos indivíduos relacionam-se com o contexto macro-social do qual resultam e que originam.

No que se refere às abordagens individualistas, é largamente aceito que um de seus focos principais incide sobre o caráter não-realista dos conceitos sociais. Como nos chama atenção Gabriel Cohn em sua introdução ao Dicionário Crítico de Sociologia (Boudon & Bourricaud; 1993), a crítica de seus autores ao que chamam de 'realismo totalitário'

incide justamente sobre o 'realismo', ou seja, sobre a idéia de que 'sistemas', 'totalidades' e afins sejam reais, capazes de produzir efeitos também reais. Seu argumento subjacente é que, sempre que tratadas como construções analíticas, as 'totalidades' sociais são (analiticamente) redutíveis às ações dos seus integrantes individuais. (Cohn; 1993: XXVIII).

Não é claro, entretanto, que Boudon estabeleça uma ligação tão direta entre o caráter não-realista dos conceitos sociais e a redução de conceitos coletivos a conceitos individuais, pelo menos não ao longo de sua obra. De fato, dado que o conceito de indivíduo também é considerado como um construto analítico (Boudon; 1996a), a justificativa para uma abordagem individualista parece repousar fundamentalmente não em um anti-realismo, mas em sua base epistemológica (embora eu pretenda deixar claro que estas duas posições não são independentes, como Boudon às vezes parece sugerir). Para Boudon, o individualismo metodológico não teria um status ontológico, isto é, não decorreria de uma negação da existência de entidades coletivas em contraposição a entidades individuais. Seu status seria meramente epistemológico, derivado de uma concepção de explicação sociológica segundo a qual explicar um fenômeno social significa estabelecer a relação (causal) entre razões e ações. No entanto, como pode ser inferido do modelo Simmeliano exposto acima, esta é apenas uma parte da explicação, dado que, por um lado, não deixa claro como as ações se constituem em fenômenos sociais e, por outro, como as razões são socialmente constituídas (como teremos a chance de perceber, a concepção alargada de racionalidade defendida por Boudon possibilita o tratamento de razões como variáveis dependentes do contexto social, e não apenas como variáveis independentes, como é o caso das teorias de escolha racional). Neste sentido, a única maneira de se sustentar a perspectiva individualista é reconhecer as propriedades estruturais de certos objetos sociais, negando, ao mesmo tempo, que exista uma estrutura que funciona como o meio de "leis sociais" ou como uma "regra através da qual a realidade é subjulgada" (Boudon; 1986b: 875), o que, segundo a concepção de causalidade de Boudon, significa negar sua influência causal.

Mas mesmo esta solução não é satisfatória. A idéia de uma estrutura social como um construto analítico que não apresenta poderes causais dificulta o argumento acerca do status epistemológico do individualismo e o coloca na fronteira com a ontologia. Isto porque existem basicamente duas formas de se estabelecer a realidade de uma entidade teórica ou conceituai: através de sua observação mais ou menos direta na realidade empírica, ou indiretamente, através dos efeitos que ela gera (Bhaskar; 1979). Sendo assim, embora a noção de indivíduo seja um construto analítico e não haja garantias absolutas de que o objeto a que o conceito se refere tenha sido adequadamente descrito, sua existência na realidade pode ser inferida não apenas em termos empíricos, mas em termos causais, pelos efeitos de suas ações. O conceito de estrutura, por outro lado, não oferece nenhuma destas possibilidades: as estruturas sociais não são empiricamente observáveis e, ao negar seus poderes causais, Boudon nega a possibilidade de sua existência independente.

Estas considerações seriam suficientes para qualificar o individualismo metodológico como uma abordagem atomista, o que impossibilitaria qualquer relação entre agência e estrutura, não fosse por uma forma alternativa de reabilitar o papel das estruturas sociais: as estruturas são tipos ideais ou modelos que podem se mostrar adequados na medida em que representem a agregação de ações individuais ou, como afirma Boudon, uma "sinopse de ações". Em outros termos, as estruturas sociais são elementos descritivos (e não causais) que podem estar mais ou menos de acordo com a realidade, dependendo da explicação individualista que está na base de sua descrição. Esta idéia é desenvolvida por Boudon em um de seus primeiros livros, A Quoi Sert la Notion de "Structure"? (Boudon; 1968), antes mesmo de sua adesão ao individualismo metodológico. Seria, portanto, conveniente investigarmos a concepção de estrutura de Boudon e como ela se relaciona ao seu paradigma da ação, antes de investigarmos a relação agência e estrutura ao longo de sua obra substantiva.

O CONCEITO DE ESTRUTURA

A concepção de estrutura de Boudon deriva da análise dos papéis que este conceito assumiu em diferentes contextos. A justificativa para tal procedimento deriva do fato que, para Boudon, existem alguns conceitos que se referem a uma realidade que independe das definições e das concepções que temos acerca dela, mas a estrutura social apenas existe quando é definida. Sendo assim, não é possível definir estrutura indutivamente, no sentido de se abstrair elementos comuns ao objeto designado pelo conceito. Estrutura é um termo polissêmico, isto é, que adquire diversos significados; mais precisamente, a noção de estrutura é "uma coleção de homônimos pertencente a uma coleção de associações sinonímicas" (Boudon; 1968:22).

A natureza polissêmica do termo pode ser observada através de suas associações homonímicas e sinonímicas, tanto na linguagem científica, quanto na da vida cotidiana: algumas vezes o conceito é sinônimo de termos como 'sistema de relações', 'soma dos elementos sendo maior do que a soma das partes', 'coerência', etc.; outras vezes, envolve certas associações negativas, como estrutura/associações externas, estrutura/agregado, estrutura/organização, etc; em outros casos, não pode ser reduzido a nenhuma destas associações, e o conceito de estrutura assume diferentes significados, dependendo do tipo de teoria à qual é relacionado ou da qual deriva. Estas diferenças seriam funções do contexto no qual o conceito aparece e apenas a análise destes contextos possibilitaria a determinação do seu significado.

Boudon (ibid.) identifica dois tipos principais de contexto no qual o conceito de estrutura aparece: contextos definicionais e conceitos operativos. No primeiro tipo de contexto, "estrutura" é utilizado ou para enfatizar a natureza sistêmica de um objeto, isto é, para indicar que estamos lidando com variáveis interdependentes, ou para enfatizar que um certo 'método' está sendo aplicado na descrição de um objeto como um sistema. Em contextos operativos, o conceito de estrutura é incorporado a uma teoria que busca lidar com a natureza sistemática de um objeto (o que obviamente implica em um certo sentido ser atribuído ao conceito, mas não como o objetivo principal da teoria). Em outros termos, contextos definicionais caracterizam-se pela procura de um significado para o conceito de estrutura; contextos operativos, pela tentativa de se determinar a estrutura de um dado objeto.

Os papéis desempenhados por cada um destes contextos variam enormemente e são analisados por Boudon através de uma série de exemplos extraídos da Psicologia, Sociologia, Antropologia e Lingüística. Iniciando por contextos definicionais, Boudon conclui que, nestes contextos, não é possível estabelecer uma definição única de estrutura, e qualquer tentativa de se estabelecer o conteúdo do conceito limita-se à enumeração das associações e oposições evocadas porque o conceito não apresenta outro conteúdo, senão este. Estrutura é, então, definida por suas associações sinonímicas (estrutura/totalidade, estrutura/sistema de relações, estrutura/todo irredutível à soma de suas partes, estrutura/essência, etc.) e por suas oposições (estrutura/sistema superficial, estrutura/aparência externa, estrutura/características observáveis, estrutura/agregado, etc.) (Boudon; 1968: 79). A identidade do conceito de estrutura em contextos definicionais é então relacionada a este tipo de definição constitutiva, e apenas neste sentido estrito tem uma identidade e um significado único.

O segundo tipo de contexto representaria um desenvolvimento do primeiro, no sentido em que a passagem de contextos definicionais para contextos operativos decorre de uma tentativa de se construir teorias científicas após a constatação de que o objeto de investigação apresenta determinadas regularidades, que seus elementos são interdependentes ou, em outros termos, que se constitui em uma 'estrutura'.

O conceito de estrutura em contextos operativos é, portanto, associado a um construto lógico (uma teoria hipotético-dedutiva) que, quando aplicada a um dado sistema-objeto, define a estrutura deste objeto. Desta forma, o conceito de estrutura e o adjetivo "estrutural" apresentam um caráter homonímico em contextos operativos, isto é, apresentam diferentes significados, de acordo com a teoria à qual são relativos. Disto Boudon conclui que as qualidades estruturais de um objeto não são intrínsecas ao mesmo, no sentido de representarem sua 'essência'. Para este autor, o que está em jogo não é a noção de essência, mas a de significado, e significado é diretamente associado à teoria no qual o termo aparece.

Não é certo que Boudon sustente este intrumentalismo segundo o qual o significado de uma proposição deriva dos instrumentos utilizados em sua análise. Para os instrumentalistas, de forma geral, os conceitos, variáveis, índices, teorias, etc, são uma espécie de 'ficção útil' para resolver problemas particulares: não são verdadeiros ou falsos, mas mais ou menos úteis, mais ou menos 'trabalháveis\ sempre em função de um contexto determinado, de um problema particular (Lewis & Smith; 1980). Para Boudon, as teorias referem-se à realidade e, neste sentido, não são simples instrumentos que servem para ordenar e resumir proposições acerca da realidade, mas podem ser verdadeiras ou falsas (cf. a crítica ao critério popperiano de refutabilidade. Boudon; 1972:413-14). No entanto, se se nega a existência de uma realidade independente chamada estrutura social, não parece haver contradição entre se postular a possibilidade de verdade ou falsidade das teorias e considerá-las como simples instrumentos que servem para mostrar as relações de interdependência entre as variáveis com as quais lida.

Posto isto, é significativo que Boudon não faça nenhuma referência à noção marxista de estrutura, segundo a qual as qualidades estruturais de um dado objeto são intrínsecas ao mesmo, embora esta consideração não tenha nenhuma conotação 'essencialista', dado que a 'natureza' dos objetos sociais não é fixa. Contrariamente a esta perspectiva, para Boudon a estrutura social não aparece como um 'objeto' que encontra um correspondente na realidade, mas apenas como uma forma de se organizar o real. Neste sentido, a estrutura de um objeto só pode ser estabelecida através de uma teoria e só se pode falar de um 'método estruturalista' se com isto se refere 'à perspectiva muito geral que consiste em conceber um objeto que se pretende analisar como um todo, como um conjunto de elementos interdependentes no qual se deve mostrar a coerência'. (Boudon; 1968: 213). O que Boudon não aceita é a idéia de um método estrutural, no sentido de uma série de regras metodológicas para a construção de teorias: um 'método estrutural' não seria propriamente um método, mas uma classe de teorias cujo caráter específico consiste na tentativa de se dar conta da natureza sistemática dos objetos com os quais ela lida.

Dado que a noção de estrutura é tão intimamente ligada à noção de teoria, deve ficar claro que, quanto mais 'forte' a teoria, mais coerente e sistemática a estrutura revelada e o 'método estrutural' aplicado. Sendo assim, o significado de 'estrutura' adotado por Boudon depende fundamentalmente da teoria desenvolvida em diferentes fases de sua obra. Antes de investigar com mais detalhes estas diferentes fases, gostaria de analisar outro pressuposto metateórico de sua obra, intimamente associado ao seu individualismo metodológico, relativo à análise da ação social.

A AÇÃO SOCIAL COMO ELEMENTO EXPLICATIVO

De acordo com Boudon (1980), a diferença entre uma explicação individualista (baseada na ação) e uma explicação coletivista é que, enquanto a última baseia-se no estabelecimento de uma relação causal entre um fenômeno P e um outro fenômeno, P, (isto é, P→P), a primeira considera o fenômeno P como uma conseqüência das ações dos indivíduos sob condições P' Esta diferença também é expressa por Boudon em termos de duas famílias de paradigmas: paradigmas deterministas2 2 Determinismo é tomado aqui no sentido específico de uma explanação exclusivamente em termos de elementos anteriores à ação em questão. Neste sentido, se um ator encontra-se em uma situação na qual seja forçado a escolher um determinado curso de ação, a explicação de tal fato ainda pode ser considerada por Boudon como pertencente ao paradigma interacionista, embora seja uma explicação determinística no sentido usual do termo (Boudon; 1979a). Esta idéia é expressa por Giddens em termos de causalidade do agente (agent causality), segundo a qual uma ação "é causada pela monitoração reflexiva por parte do agente de suas intenções em relação às suas vontades e às demandas do mundo externo", e causalidade de eventos (event causality), Para Giddens, como para Boudon, "determinismo nas ciências sociais refere-se a qualquer esquema teórico que reduza a ação humana exclusivamente à causalidade de eventos" (Giddens; 1993: 91-92). e paradigmas interacionistas, respectivamente.

Paradigmas interacionistas orientam aquelas teorias sociológicas cuja linguagem sugere que, 'o fenômeno social a ser explicado é produzido pela justaposição ou pela composição de um conjunto de ações'(Boudon; 1979a: 179). Paradigmas deterministas, por outro lado, são aqueles nos quais 'os atos são sempre explicados em termos de elementos anteriores a estes atos'(ibid.: 180). Existem quatro tipos de paradigmas interacionistas: marxianos, tocquevilianos, mertonianos e weberianos. De maneira suscinta, as diferenças entre eles dizem respeito aos tipos de elementos considerados relevantes para a compreensão da ação: macro-estruturas, instituições, papéis sociais, socialização, recursos cognitivos, etc.

Nos paradigmas marxianos, as ações individuais são consideradas 'não vinculadas' em dois sentidos: o agente as desempenha sem que tenha que considerar seus efeitos em outros indivíduos (elas ocorrem no 'estado de natureza'3 3 A noção de 'estado de natureza', que se contrapõe ao 'contexto de contrato', é depois substituída por Boudon pela noção de 'sistema de interdependência', isto é, 'sistemas de interação nos quais as ações individuais podem ser analisada sem referência à categoria de papel' (Boudon; 1981: 225). Esta terminologia mais recente parece ser mais adequada, na medida em que evita confusões entre a definição de Boudon e as definições da teoria política clássica de 'natureza' e 'contrato'. ), e as preferências são consideradas óbvias, assumindo o status de variáveis independentes.

Paradigmas tocquevillianos são definidos por Boudon como aqueles nas quais as escolhas são feitas em um 'estado de natureza', mas os sistemas de preferências são explicados em termos do sistema social ao qual pertencem. A diferença entre estes paradigmas e os anteriores refere-se ao caráter mais ou menos evidente do sistema de preferências dos atores. Boudon enfatiza, entretanto, que a explicação social dos sistemas de preferência não é uma explicação 'determinista' porque as estruturas sociais determinam as opções abertas ao agente e o valor relativo das escolhas, mas não as próprias escolhas. Paradigmas de tipo mertoniano envolvem três características principais: 1) as ações estudadas ocorrem em um contexto de contrato, isto é, a noção de papel é fundamental na medida em que se refere a compromissos mais ou menos explícitos dos atores; 2) estas ações, como nos casos precedentes, também obedecem ao princípio da busca do interesse individual; 3) as preferências, ou melhor, a maneira como elas emergem, podem ser consideradas auto-evidentes ou, alternativamente, como variáveis que precisam ser explicadas. A centralidade da noção de papel nos paradigmas mertonianos não deve ser encarada como um elemento determinístico pois, para Boudon (1979a: 193), a variabilidade, multiplicidade e complexidade individual dos papéis sociais deixa muito espaço para a interpretação dos agentes. Papéis sociais são, portanto, guias de ação, oferecendo uma margem bastante grande de indeterminação.

Finalmente, os paradigmas weberianos têm como característica básica o fato de que elementos da ação, tais quais a estruturação dos sistemas de preferência, a escolha dos meios apropriados, etc, devem ser analisados em termos de outros elementos, não triviais, que a antecedem. Estes elementos não-triviais dizem respeito não apenas a fatores estruturais, mas também cognitivos, afetivos, tradicionais, etc. Na obra de Max Weber, a ação pode ocorrer em um 'estado de natureza' ou em um contexto de contrato, e as preferências triviais podem aparecer tanto como variáveis dependentes, quanto como independentes.

O que esta classificação mostra é que, apesar da variação dos elementos anteriores à ação considerados por cada grupo de paradigmas em particular, todos os paradigmas interacionistas parecem ter em comum o fato de que a ação não é uma conseqüência direta daqueles elementos. Existe, portanto, uma seleção dos elementos considerados relevantes para a explicação que depende basicamente do tipo de problema proposto ou do fenômeno a ser explicado. Isto tem conseqüências para o tipo de relação que se pode estabelecer entre agência e estrutura na medida em que algumas questões sociológicas pressupõem uma concepção mais ou menos detalhada de estrutura social, situação (micro-interacionista), intenções, crenças, etc. e, em alguns casos, pode ser perfeitamente legítimo 'adiar' uma referência causal à estrutura social, recorrendo a outros elementos não-estruturais que intermediam aquela relação.

No que se refere especificamente à obra de Boudon, é interessante notar que a fase caracterizada por uma preocupação geral com o estabelecimento de modelos matemáticos para a Sociologia reflete uma relação quase que automática entre estes modelos e a busca de relações causais entre variáveis macro-estruturais. Questões sociológicas relativas a problemas cujas variáveis são difíceis ou impossíveis de serem medidas (como crenças, por exemplo), atestam a aplicabilidade restrita dos modelos matemáticos e a necessidade de se explicitar melhor tanto as variáveis relativas a estrutura social e à situação como um todo, quanto a própria lógica da ação. Neste sentido, o nomadismo temático de Boudon revela diferenças importantes na relação entre agência e estrutura ou, dito de outra forma, Boudon enfatiza diferentes elementos explicativos, dependendo do tipo de fenômeno no qual está interessado. A questão formulada por Layder a que me referi no início deste trabalho, sobre como as atividades sociais são relacionadas ao contexto em que ocorrem, só pode ser adequadamente dirigida à obra de Boudon se se considera o desenvolvimento de suas preocupações de ordem substantiva.

De forma a analisar este desenvolvimento, dividirei a obra de Boudon em quatro fases. A primeira delas refere-se ao período inicial de sua carreira, na qual Boudon aparece, sobretudo, como um continuador e um crítico da obra de Paul Lazarsfeld. É a fase em que se encontrava imerso 'no mundo preto-e-branco da matemática' (Boudon 1996b), do desenvolvimento de uma linguagem formal para a Sociologia, culminando com a publicação de sua tese de doutoramento L'Analyse Mathématique des Faits Sociaux. Dado que esta primeira fase não é particularmente representativa de sua obra e que Boudon raramente faça referência a ela, a denominarei 'fase zero', para indicar sua anterioridade em relação ao problema que me ocupa aqui. É ao final desta fase que Boudon transcende o tipo de preocupação que caracterizou a obra de Lazarsfeld ao perceber que as possibilidades de uma macro-Sociologia quantitativa não exaurem a gama de problemas metodológicos da Sociologia (Boudon; 1980). Surgem assim preocupações relativas à lógica da análise funcional ou dos métodos estruturais, por exemplo, que levam Boudon a pesquisar a noção de estrutura (Boudon; 1968).

A segunda fase, que eu considero como o desenvolvimento inicial das idéias contemporâneas de Boudon, é representada pelos seus trabalhos em Sociologia da educação. Esta fase (um) caracteriza-se por uma preocupação com o sistema social (em consonância com a fase anterior) e com problemas relativos à análise causai. Já se pode notar aí as sementes de uma abordagem individualista4 4 Existe uma afinidade entre positivismo (com exceção do positivismo francês de Comte e Durkheim) e um individualismo lato sensu. Neste sentido, é conveniente levar em conta o 'nominalismo' do positivismo instrumental de Lazarsfeld (Bryant; 1985: I49ss), sua preocupação com uma 'análise empirista da ação' (Boudon 1997) e a repercurssão que isto pode ter tido mesmo na fase mais inicial da obra de Boudon. que será desenvolvida de maneira bastante radical em seus trabalhos sobre conseqüências não pretendidas da ação social ('efeitos perversos'). A isto se segue um retorno mais efetivo à noção de sistema social e uma nova ênfase na noção de situação em La Logique du Social. Este movimento constitui o que chamarei aqui de 'fase intermediária5 5 A primeira edição francesa data de 1973. , sendo que as posições metodológicas desenvolvidas nesta fase podem ser consideradas como mais ou menos definitivas (pelo menos até o estágio atual de sua produção intelectual).

A fase mais recente da obra de Boudon não apresenta, portanto, nenhuma mudança metodológica significativa, mas caracteriza-se por uma mudança temática e estilística: a unidade temática passa a ser o estudo das idéias e o estilo torna-se cada vez mais ensaístico. Apesar de certa homogeneidade metodológica, é possível notar o desenvolvimento de uma abordagem menos utilitarista. De fato, quanto mais Boudon se aproxima de questões cujo valor objetivo torna-se difícil de estabelecer, menos orientado por uma visão de mundo utilitarista.

A PRIMEIRA FASE: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

É em seu livro sobre educação, oportunidades e desigualdade social, publicado no Brasil com o título A Desigualdade das Oportunidades (1981)5 5 A primeira edição francesa data de 1973. , que os modelos teóricos desenvolvidos por Boudon ganham um 'verniz' individualista a partir do desenvolvimento de uma 'análise sistêmica' que desse conta das relações, geralmente bastante complexas, entre a desigualdade das oportunidades educacionais e mobilidade social6 6 Conforme se depreende da definição de estrutura ou sistema em contextos operacionais, não há, para Boudon, nenhuma contradição entre uma abordagem individualista e uma análise sistêmica. .

No prefácio da edição inglesa (Boudon; 1974), desigualdade das oportunidades educacionais (DOE) é definida como 'diferenças no nível de instrução em função da herança social' (status sócio-profissional da família), e mobilidade, como as diferenças no status sócio-profissional em função da 'herança social'. Quando mobilidade é considerada neste sentido estrito, a imobilidade social representa uma 'desigualdade das oportunidades sociais' (DOS). Assim,

uma sociedade é caracterizada por uma certa quantidade de DOE se, por exemplo, a probabilidade de chegar à faculdade é menor para o filho de um trabalhador braçal do que para o filho de um advogado. Da mesma forma, uma sociedade é caracterizada por uma certa quantidade de DOS se a probabilidade de se alcançar um status social alto for menor para a primeira criança do que para a segunda. (Ibid. XI)

Contrariamente à visão dominante, segundo a qual a desigualdade das oportunidades educacionais seria em grande medida responsável pela imobilidade social e profissional de uma geração a outra, ou seja, de que haveria uma correlação positiva e mecânica entre educação e mobilidade social (ou, dito de outra forma, entre a diminuição das desigualdades escolares e a redução da herança social), Boudon tenta dar conta de uma série de paradoxos empiricamente observados acerca desta correlação teoricamente estabelecida. Para ele, estes paradoxos derivariam da inadequação dos instrumentos de análise estatísticos e teóricos até então empregados nesta área, o que ele tenta resolver através de uma análise sistêmica: as desigualdades sociais de todos os tipos devem ser consideradas como resultado de um conjunto complexo de determinantes cuja influência não pode ser tomada isoladamente, mas como um sistema. A expectativa de uma relação mecânica entre diferentes formas de desigualdade é então substituída por uma abordagem probabilística, segundo a qual a relação entre duas (ou mais) variáveis deve ser percebida como conseqüência de um conjunto complexo de fatores estruturais, situacionais e individuais.

A tese desenvolvida por Boudon é, de maneira suscinta, a de que um aumento da igualdade das oportunidades escolares não gera, necessariamente, um decréscimo na desigualdade das oportunidades sociais. Dado que minhas preocupações aqui se referem ao aspecto metodológico desta fase, mais especificamente à relação agência/estrutura, não me preocuparei com o conteúdo substantivo da teoria em questão. Neste sentido, limitar-me-ei aqui à investigação da referida relação conforme desenvolvida no modelo referente aos mecanismos geradores da desigualdade das oportunidades escolares (DOE).

Analisando as teorias macrosociológicas relativas ao problemas da desigualdade das oportunidades perante o ensino, Boudon (1981: 66ss) conclui que os mecanismos geradores de desigualdade nas sociedades industriais situam-se fundamentalmente no nível microssociológico, isto é, do ambiente imediato, como a família nuclear, por exemplo. Isto porque, comparando as estruturas sociais (relativas à distribuição do status sócio-profíssional) e educacionais, Boudon conclui que as primeiras podem ser tratadas como variáveis independentes ou exógenas, mas não as segundas: embora alguém possa ter aptidão para preencher uma vaga em um dado tipo de trabalho e assim alcançar o status relativo ao mesmo, para que isto ocorra, a existência da vaga deve anteceder seu preenchimento. Por outro lado, a estrutura educacional, ou a distribuição educacional é, na maioria dos casos, efeito das vontades dos indivíduos. O argumento é o de que um indivíduo não pode (ou raramente pode) criar uma posição no mercado de trabalho, mas pode entrar na universidade, desde que seja qualificado7 7 Boudon refere-se aqui a sistemas de ensino de 'tipo liberal' (1981: 65). . Mas esta vontade individual não é concebida por Boudon como uma variável independente, mas 'é certamente determinada por fatores sociais' (Boudon; 1974: 21 )8 8 Esta consideração não parece ser mencionada na edição brasileira. . O que está em questão aqui é, portanto, a refutação das teorias macrossociológicas na medida em que uma explicação macro-estrutural é quase sempre finalista (pressupondo que os comportamentos individuais são determinados pela função de reprodução social) e não dá conta da mudança. (Boudon; 1981: 70).

Posto isto, a Sociologia deve se preocupar com a influência do meio imediato (como a família, o estabelecimento escolar, etc.) sobre as motivações dos indivíduos, o que só pode ser feito através de uma teoria microssociológica, e o modelo desenvolvido por Boudon procura sintetizar três tendências micro-teóricas principais: a primeira representa o que ele chama de 'teoria do valor', segundo a qual o principal fator responsável pela desigualdade das oportunidades escolares é a existência de valores que variam em função da classe social, ou seja, 'as desigualdades que se observa com respeito ao êxito ou ao nível escolar, etc, devem-se em grande parte a que as atitudes com respeito ao êxito, o valor conferido ao ensino, etc, variam segundo as classes sociais'. (Ibid.: 70-71).

A segunda tendência, a que ele se refere como 'teoria da cultura' ou, na edição brasileira, 'explicação pela herança cultural' é representada por uma explicação em termos de capital cultural, isto é, pela diferença entre o que é positivamente avaliado e ensinado na escola e em casa.

Boudon acredita que estas teorias não dão conta do que ocorre na realidade: a teoria do valor tende a desconsiderar os inúmeros casos desviantes relativamente aos valores de classe; a teoria do capital cultural, por outro lado, limita os efeitos de estratificação a diferenças culturais, deixando de lado outras fontes de desigualdade. Além disso, não consegue explicar porque, nos últimos anos do ensino secundário e dentre as famílias de mesma renda, a relação entre diploma dos pais e êxito escolar dos filhos é insignificante, do ponto de vista estatístico.

Sendo assim, Boudon propõe o desenvolvimento da terceira tendência identificada, que ele chama 'teoria da posição social, segundo a qual a 'significação conferida por um indivíduo a dado nível escolar varia em função da posição social deste indivíduo'(ibid. 73). Esta posição é relacionada à teoria do valor, reformulando-a no sentido de, ao invés de pressupor que diferentes classes sociais atribuem diferentes valores à educação, pressupõe apenas que as expectativas individuais devem ser relacionadas a suas origens sociais. Assim, se um indivíduo de classe mais baixa e um indivíduo de classe média pretendem tornar-se advogados, o nível de aspiração destes dois indivíduos não é o mesmo, mas o do primeiro é mais alto, dado que deve percorrer 'uma maior distância' no sentido de satisfazê-la. Para Boudon, isto significa que alcançar um determinado nível de instrução ou um determinado status implica estar exposto a custos, benefícios e riscos que diferem de acordo com a posição social do indivíduo.

O desenvolvimento deste esquema teórico, que representaria uma síntese das três tendências indentificadas, possibilitaria não apenas a explicação daquilo que ele chama de 'efeitos primários de estratificação', isto é, a herança cultural do indivíduo ou as desigualdades culturais decorrentes da posição social, mas também os desvios em relação à norma. Este desvio é considerado uma função dos diferentes sistemas de expectativas gerados pela posição social do indivíduo (efeitos secundários de estratificação) e também de elementos como QI, desempenho escolar, desempenho verbal, etc, que tendem a compensar as diferenças culturais de classe, desempenhando um papel fundamental para os estudantes de classes mais baixas.

Com a finalidade de estabelecer o aspecto dinâmico do modelo de explicação, Boudon introduz o pressuposto de que algumas variáveis exógenas, como, por exemplo, o aumento geral da qualidade de vida nos países industrializados, fazem com que haja um aumento das probabilidades de que um indivíduo qualquer permaneça na escola (ou uma diminuição da evasão escolar), mas esta probabilidade está sujeita ao que ele denomina 'efeito de teto', isto é, uma probabilidade que já é alta aumentará menos do que uma probabilidade mais baixa no mesmo período: 'quando uma classe social envia 10% de seus efetivos escolarizáveis à universidade em determinado período, pode esta porcentagem dobrar no período seguinte: isto é aritmeticamente impossível quando a porcentagem inicial é de 80%'. (ibid. 5)

O que o modelo dinâmico mostra é que, contrariamente aos resultados obtidos em análises sincrônicas, nas quais o fator cultural e a posição social assumem um peso causal semelhante na explicação, à medida em que se considera o desenvolvimento do sistema ao longo do tempo, os efeitos do fator cultural tendem a desaparecer, mas não os da posição social (ou, mais especificamente, dos efeitos secundários da estratificação).

A explicação dada por Boudon pode ser resumida da seguinte forma: primeiramente, crianças das classes mais baixas tendem a apresentar desvantagens culturais em relação às crianças das classes mais altas, tendendo assim a apresentar um desempenho mais fraco na escola. Se o estudante é relativamente inteligente (ou apresenta determinadas habilidades verbais, etc.), poderá permanecer na escola além de um certo limite com probabilidades tão altas quanto um estudante de uma classe mais alta. O que isto significa é que, depois de um certo tempo (nas classes mais adiantadas), as diferenças no desempenho escolar como resultado direto das diferenças culturais são menos observadas em um grupo de estudantes. Diferenças de aspiração como uma função da posição social, por outro lado, existem ao longo do tempo, independentemente do nível escolar na qual a observação é feita. Sendo assim, Boudon conclui que a redução das desigualdades perante o ensino não depende (exclusivamente) de reformas escolares ou de outras medidas que atenuem a desigualdade das oportunidades de acesso à escola, mas da redução das desigualdades econômicas e sociais.

Em análises posteriores deste modelo, Boudon (1979a; Boudon & Bourricaud; 1993) interpreta as conseqüências metodológicas do mesmo a partir da necessidade de mediação que a noção de ação deve desempenhar no estabelecimento da relação entre dois (ou mais) fenômenos estruturais. No entanto, é importante notar que a ação é em grande medida explicada a partir de variáveis estruturais que antecedem a mesma. O que está em jogo neste modelo é uma noção de causa segundo a qual uma dada estrutura (de estratificação) 'determina' ou direciona as expectativas e aspirações dos atores sociais que, por seu turno, reproduzem ou modificam aquela estrutura. O problema surge quando Boudon qualifica esta relação entre agência e estrutura em termos individualistas.

A fim de qualificar seu modelo como pertencente ao paradigma interacionista, isto é, como fundamentalmente não-determinista, Boudon opera uma diferenciação entre um determinismo realista e um determinismo 'metodológico': este ultimo, embora obedeça a uma sintaxe determinista, isto é, baseie-se inteiramente em proposições do tipo 'A (anterior a B) explica B' (Boudon; 1979a), concebe as relações estatísticas como uma sinopse de ações cuja estrutura lógica pode ser entendida em um estágio posterior da explicação a partir da construção de um novo modelo interacionista. Uma relação 'causal' do tipo (P→ P') é então concebida como uma proposição descritiva que deve ser explicada, para usar a expressão de Giddens, a partir da causalidade da agência (agent causality).

Enfatizar o caráter descritivo ou 'não-realista das estruturas sociais apenas 'adia' o problema da determinação da ação e não oferece nenhuma garantia acerca da possibilidade desta determinação. Contrariamente ao que Boudon parece sugerir, isto não se deve à impossibilidade de uma regressio ad infinitum, mas ao fato de que, como o próprio Boudon (1974) reconhece, as vontades, desejos, expectativas individuais são, em grande medida pelo menos, determinadas por fatores sociais. Neste sentido, talvez não seja uma hipótese implausível a idéia de que a ênfase de Boudon em uma abordagem individualista, nesta fase de seu trabalho, visava simplesmente relativizar o peso causal dos fatores estruturais.

Relativizar a influência dos fatores sociais na ação humana não implica, no entanto, em uma abordagem individualista. De fato, acho mesmo plausível que o modelo desenvolvido por Boudon em A Desigualdade das Oportunidades não leve, necessariamente, a uma conclusão deste tipo. A relação entre estrutura e ação não precisa ser entendia em termos deterministas, e uma alternativa possível ao sociologismo e ao voluntarismo seria interpretar a determinação da ação em termos de tendências estruturais que podem ou não ser efetivadas, dependendo de se os 'poderes causais', tendências ou 'capacidades' inerentes aos atores possibilitam esta efetivação. A explicação pode, então, assumir a seguinte forma: existe uma tendência (estrutural) segundo a qual os indivíduos pertencentes aos estratos mais baixos do sistema de estratificação apresentam um baixo desempenho escolar, mas esta tendência não é sempre efetivada porque os poderes causais de certos indivíduos (QI alto, capacidades verbais, etc.) podem neutralizar os poderes causais da estrutura social.

Além disso, não é certo que determinados poderes causais individuais possam ser explicados (sociologicamente, pelo menos) sem referência à estrutura social. Sem querer entrar em detalhes acerca da definição de termos como QI, muitos atributos individuais não podem ser definidos simplesmente em função de capacidades pré-sociais, inerentes aos indivíduos (o que não significa que atributos deste tipo não existam ou que não tenham nenhum papel na determinação da ação).

Finalmente, a idéia de que as estruturas sociais são meramente proposições descritivas, nulas de poderes causais e que não encontram referente na realidade, significa, de acordo com a própria definição de estrutura em contextos operacionais (Boudon; 1968), ou que a teoria que explica a emergência de uma estrutura educacional particular não pode ser considerada 'verdadeira' (seja qual for a definição deste termo), ou que a atividade social científica não é um empreendimento acumulativo, no sentido estrito de que suas descobertas anteriores podem ser utilizadas para a explicação de fenômenos novos ou ainda inexplicados.

Apesar dos problemas relativos a uma interpretação individualista dos modelos de educação desenvolvidos por Boudon. a importância que os mesmos apresentam para o desenvolvimento de sua obra posterior pode ser atribuída à ênfase no caráter puramente heurístico da análise estrutural. Com afirma o próprio Boudon (1986a: 314), '(...) foi sobretudo a partir de L'lnégalité des Chances que eu percebi o caráter mais propriamente heurístico que explicativo da análise causal'. É também neste livro que aparecem suas primeiras indagações acerca de questões relativas a racionalidade e escolha individual, e que o fazem mudar o foco da determinação das relações entre variáveis macro-sociais, para para a relação entre as decisões tomadas a nível individual e o resultado estrutural de sua agregação.

A FASE INTERMEDIARIA: EFEITOS PERVERSOS E ORDEM SOCIAL

Efeitos perversos referem-se àquilo que é normalmente chamado 'conseqüências não-pretendidas da ação social', 'efeitos emergentes', 'efeitos de agregação' ou, nos termos de Popper (apud Boudon; 1979a:7), 'repercussões sociais não-intencionais de ações humanas intencionais'. Os efeitos perversos encontram-se no centro da problemática agência/estrutura, já que a concepção de ator inerente a esta abordagem caracteriza-se como um Homo Sociologicus racional, isto é, 'não determinado por forças sociais exteriores', cuja racionalidade é limitada, ou seja, um ator relativamente consciente das exigências estruturais que limitam suas possibilidades de ação (ibid.: 13-15).

A importância dos efeitos perversos para a obra substantiva de Boudon deriva do fato de que são concebidos como uma forma importante de mudança social, e sua influência pode ser sentida em situações da vida cotidiana, na lógica da ação coletiva, na mudança institucional, etc. De forma a ilustrar esta generalidade, Boudon trabalha com três tipos principais de exemplos: aqueles tirados da vida cotidiana, exemplos fictícios que assumem a forma de modelos e exemplos tirados de dados sociológicos empíricos, fatos reais, etc. Para Jean Pierre Favre (1980), o valor demonstrativo destes exemplos seria afetado pela heterogeneidade dos mesmos, na medida em que alguns parecem ter sido construídos com o propósito único de demonstrar a centralidade dos efeitos perversos para a Sociologia, mesmo em casos onde a ocorrência do fenômeno não parece inteiramente caracterizada.

Apesar do caráter viesado e talvez um tanto artificial de alguns dos exemplos oferecidos por Boudon, existe um grande número de casos que efetivamente comprovam a importância de se perceber as estruturas sociais como resultantes deste tipo de efeito. No entanto, pretendo argumentar aqui, existe uma diferença fundamental entre perceber a estrutura social como o resultado da combinação (não da simples agregação) de ações individuais (o que pode gerar algum 'efeito emergente'), e assumir que as estruturas são sempre redutíveis às ações dos indivíduos.

Efeitos Perversos e Ordem Social (1979a) apresenta-se como uma coleção de artigos nos quais Boudon tenta estabelecer a importância destes efeitos para a teoria sociológica. É em La Logique du Social (1979b) que Boudon extrai grande parte das conseqüências teóricas desta idéia ao analisar o tipo de estrutura social que facilita a ocorrência dos efeitos perversos, por um lado, e que é gerada por eles, por outro. Além disso, aí é introduzida uma outra categoria para dar conta do nível micro da análise e que representa um elemento importante para a relação agência/estrutura: o conceito de situação.

A ocorrência dos efeitos perversos está intimamente associada a um tipo de estrutura ou sistema social, denominada de sistema aberto ou de interdependência. Esta terminologia é, de fato, uma reformulação da idéia de contexto natural ou contexto de natureza (Boudon; 1979a) na qual a tríade sistema aberto/de interdependência/de natureza opõe-se a sistema fechado/funcional/de contrato. A diferença entre estes dois conjuntos de conceitos refere-se, fundamentalmente, à 'margem de autonomia' do ator social frente ao contexto social em que se encontra. Neste sentido, quanto menor a margem de autonomia do agente individual, menores as chances de efeitos perversos, embora eles também ocorram em sistemas fechados/funcionais/de contrato, dada a existência de uma margem de autonomia na interpretação dos papéis sociais e na existência de sub-sistemas de interdependência em qualquer sistema funcional.

É importante notar, nesta fase, a ênfase quase que exclusiva no aspecto restritivo da estrutura social. Embora Boudon insista em afirmar que a ação individual é sempre resultado de escolhas individuais, a diferença estabelecida entre sistemas de interdependência e sistemas funcionais sugere uma oposição entre estrutura social e liberdade individual. Esta oposição, se tomada estritamente, leva ou a uma negação da influência de fatores estruturais na ação (e então ela é 'auto-causada'), ou à visão de que não há lugar para a ação quando houver influência de fatores estruturais. A reconciliação entre liberdade individual e determinismo social é tentada através de uma qualificação do postulado durkheimiano acerca do caráter externo e objetivo das estruturas sociais:

(...) a divisão do trabalho, a nuclearização da família, o caráter oligárquico dos partidos democráticos e a anomia não são conseqüência da vontade de ninguém. Este fenômenos impõem-se às vontades individuais de tal forma que parecem aos indivíduos produtos de forças anônimas. Contudo, estas forças ¡materiais são simples projeções de estruturas de interdependência. Estas estruturas não podem ser reduzidas aos indivíduos que as compõem. Isto ocorre, não só porque, de maneira geral, os agentes envolvidos em situações de interdependência não escolheram diretamente as instituições que as definem, mas também porque a coleção de indivíduos constitui uma totalidade que é irredutível à soma de suas partes. (Boudon; 1981: 281). (Minha ênfase).

Esta tentativa de demonstrar todas as estruturas sociais como derivadas de sistemas de interdependência e, em última análise, das ações individuais, representa um dos paradoxos mais fundamentais do individualismo metodológico de Boudon: se se considera que os efeitos perversos são resultado da agregação de ações e que este resultado é irredutível ao que foi agregado, então as estruturas sociais necessariamente apresentam um status ontológico que garante uma certa autonomia das mesmas em relação às ações. Por outro lado, se esta autonomia é percebida meramente em termos um elemento inibidor ou coercitivo cuja existência é inferida através 'dos efeitos de pressão que condicionam a conduta' dos atores (Giddens; 1979: 51), então sobra pouco espaço para a ação na explicação sociológica. A questão central parece ser, então, a de como conciliar a autonomia relativa das estruturas sociais sem eliminar a 'causalidade da agência'.

Este problema parece ser minimizado (embora não resolvido) através da utilização da noção de situação, um elemento mediador de agência e estrutura, na medida em que possibilita a integração de normas e regras sociais na explicação através de uma teoria da motivação que leva em conta os pólos objetivo e subjetivo da análise. Para Boudon, a ação é resultado tanto da estrutura social, quanto da situação no qual o indivíduo se encontra. A idéia de uma lógica da situação (cf. Popper) está no cerne de sua concepção de efeitos perversos, mas, na maioria das vezes, não se distingue da noção de estrutura na fase com a qual estamos lidando. Curiosamente, Boudon nunca define situação de maneira precisa e recusa-se a dar uma definição a priori, apesar da central idade do conceito. Indagado acerca desta questão, responde: 'situação refere-se a todos os dados que estão lá, na mente das pessoas ou em seu ambiente, e que eu devo acessar se quero responder a uma questão. (...) Os elementos que você deve considerar dependerão do que você quer explicar, portanto você não pode defini-la (a priori). É um grande saco de coisas, eu reconheço, mas é importante tomar conta deste grande saco.' (Boudon; 1996b).

É na fase mais recente de sua obra que Boudon distingue de forma mais efetiva entre os aspectos micro- e macro-sociais da noção de situação, especialmente no desenvolvimento de seu modelo de 'racionalidade cognitiva'.

A FASE RECENTE: O ESTUDO DAS IDÉIAS

A fase mais recente da obra de Boudon pode ser caracterizada, grosso modo, pelo desenvolvimento de uma teoria da racionalidade na qual a explicação dos sistemas de preferência assume um papel fundamental. Esta idéia pressupõe uma teoria das crenças e do conhecimento e, por esta razão, Boudon concentra-se no estudo das 'idéias recebidas' (idées reçues) ou, em termos da problemática agência/estrutura, como a estrutura social e a situação do ator afetam as crenças, o conhecimento e, indiretamente, a ação. Isto não significa uma mudança no foco da análise, no sentido de que a agência passa a ser o efeito, e não a causa das estruturas sociais (afinal, o principal objetivo da Sociologia é, para Boudon, a explicação de fenômenos macro-sociais), mas simplesmente que a compreensão e explicação das crenças coletivas pressupõe uma certa concepção da estrutura e situação sociais que as precedem. A teoria da racionalidade desenvolvida por Boudon, contrariamente às teorias de escolha racional, possibilita uma explicação das crenças e preferências, isto é, pode-se considerá-las como variáveis dependentes.

O estudo da origem das idéias inclui crenças falsas ou frágeis de todo tipo, assim como crenças sólidas e verdadeiras. As primeiras são tratadas, principalmente em A Ideologia (1989a)9 9 A primeira edição francesa data de 1986. e em L'Art de se Persuader (1990 a), enquanto que as últimas, em Le Juste et le Vrai (1995 a).

Ideologia é definida por Boudon como conhecimento falso, embora o conceito não seja redutível à idéia de argumentos científicos ilegítimos. Ideologias são um ingrediente normal do conhecimento científico porque os modelos desenvolvidos para explicar a realidade são sempre imperfeitos e, neste sentido, são freqüentemente o produto de uma interpretação realista ou, o que para Boudon é a mesma coisa, essencialista destes modelos. Além disso, as ideologias são produzidas não 'apesar' de os atores serem racionais, mas 'porque' o são: ideologias são fenômenos compreensíveis, o que para ele significa que são fenômenos 'mais ou menos racionais' ou nos quais a irracionalidade assume um papel explicativo residual.

De forma a apreender o significado das ideologias, isto é, de compreender suas origens, Boudon considera fundamental tomar os atores que as produzem e os que as adotam como situados. Isto porque o mundo não é percebido da mesma forma de todas as perspectivas, e um ponto de vista particular depende não só da posição que um ator ocupa na estrutura de estratificação, mas também daquilo que se sabe e daquilo que não se sabe. Esta idéia é desenvolvida através de uma categoria que Boudon concebe como 'efeitos de situação', que compreende 'efeitos de posição' e de 'disposição'.

Efeitos de posição derivam da posição social do ator e podem engendrar outros tipos de efeitos, como 'efeitos de perspectiva' e 'efeitos de papel'. A noção de disposição, por outro lado, refere-se às intencionalidades dos atores, no sentido husserliano do termo, isto é, aos objetos aos quais a atenção é dirigida. Deve-se notar, entretanto, que Boudon enfatiza a dimensão cognitiva da intencionalidade, em detrimento de uma possível dimensão simbólica e, neste sentido, as disposições são definidas em termos de recursos cognitivos. Além disso, quando as disposições assumem uma dimensão ética ou afetiva, Boudon fala de habitus, tomando um grande cuidado para diferenciar o sentido que atribui ao termo daquele atribuído por Pierre Bourdieu (cf. Bourdieu; 1996).

Boudon identifica, corretamente a meu ver, a noção de habitus de Bourdieu a um programa no sentido informático do termo, a uma espécie de reflexo. Para Boudon (1989a: 291) as 'boas definições' de habitus derivam de Aristóteles, S. Tomás de Aquinas, Wittgenstein e G. Ryle, para quem o conceito não exclui um certo grau de voluntarismo na ação, não é inconsciente, não tem um conteúdo fixo, não é mecânico, não é determinado exclusivamente de maneira social nem produto exclusivo da posição dos atores no sistema de estratificação.

Outra categoria importante desenvolvida por Boudon para a análise da ideologia é a de 'efeitos de comunicação'. Esta categoria está intimamente relacionada à de autoridade, no sentido de que certas idéias são tomadas como verdadeiras porque as pessoas consideradas experts no assunto a que se referem as consideram verdadeiras. De forma a ilustrar este processo, Boudon faz uso das noções cibernéticas de 'caixas-brancas' e 'caixas-pretas'. Dado que certas disposições, ou certos recursos cognitivos, são associados a posições sociais particulares, certas idéias são normalmente tratadas como 'caixas-pretas' porque, ao invés de incorrer nos custos associados ao conhecimento especializado, pode ser mais racional de um ponto de vista individual não buscar os argumentos que embasam uma idéia particular, mas apenas considerá-la como verdadeira com base em um argumento de autoridade.

Finalmente, existe uma terceira categoria de efeitos aos quais os produtores de ideologias estão sujeitos: os efeitos epistemológicos. Estes efeitos são derivados dos a priori, quadros de referência ou paradigmas utilizados pelo sujeito cognoscente ao apreender a realidade. O argumento principal desenvolvido por Boudon na caracterização dos efeitos epistemológicos é que tanto o lexicon quanto os paradigmas da ciência são cheios de 'formas a priori', isto é, de noções consideradas auto-evidentes ou suficientemente aceitas para que não sejam questionadas.

Embora não disponha aqui de espaço suficiente para analisar nenhum dos estudos de caso desenvolvidos neste livro, gostaria de chamar atenção para uma limitação da teoria da ideologia, decorrente, possivelmente, de uma ênfase exagerada nos aspectos voluntarísticos da ação. A maneira como a noção de situação é trabalhada nesta obra tende a desconsiderar alguns aspectos importantes da relação entre a posição e as disposições dos atores pois, de forma a negar uma relação necessária e suficiente entre estes dois elementos através da idéia de que nada ocorre 'nas costas' ou independentemente da vontade dos indivíduos, Boudon elimina uma categoria importante de seu estudo: o poder.

Como Boudon reconhece, a percepção não é um fenômeno direto e imediato, e a própria idéia de uma perspectiva social inclui outros elementos apenas indiretamente ligados às habilidades cognitivas individuais. A percepção é uma função da intencionalidade (no sentido acima definido), mas também é função da habilidade de certos indivíduos e grupos de manipular e enganar outros. Esta habilidade não pode ser adequadamente compreendida através do conceito de autoridade e, neste sentido, os efeitos de comunicação (que também são relativos a efeitos de posição e de disposição) devem fazer referência a relações de poder que não se baseiam simplesmente em processos de autoridade: existe um equilíbrio delicado entre persuasão e coerção na medida em que a crença em determinadas idéias falsas também envolve a aceitação de regras de um jogo que nem sempre são questionadas. Este argumento é particularmente importante para analisar fenômenos como a influência restrita das teorias desenvolvidas em países 'subdesenvolvidos' (cf. Boudon; 1989a : 225-248).

É importante considerar que a redução das disposições à sua dimensão cognitiva refere-se às tentativas de Boudon de estabelecer uma teoria da racionalidade que enfatize a importância dos elementos cognitivos para a explicação social e, neste sentido, ela é plenamente justificável. Por outro lado, esta redução minimiza, talvez excessivamente, outros elementos fundamentais da ação humana, que passam a ser vistos como simples resíduos explicativos. É através deste recurso, por exemplo, que Boudon negligencia o conceito de habitus e deixa suas origens e efeitos inexplicados. Apesar da crítica à definição de Bourdieu, Boudon não oferece uma alternativa adequada do conceito, e tal alternativa é necessária tanto no sentido de fornecer uma descrição adequada das relações de poder envolvidas na interação social, quanto no sentido de estabelecer um elo mais forte entre os aspectos objetivos da posição social dos atores e dos aspectos subjetivos das disposições ligadas a ela.

Curiosamente, em Le Juste et le Vrai (1995), Boudon reformula a noção de disposição e, embora o termo não seja definido de maneira precisa, está claramente mais próximo da definição de Bourdieu do que em L'Idéologie. A dimensão cognitiva do termo não é mais enfatizada, em compensação o mesmo não é mais considerado explanatório: as disposições podem ser individuais ou coletivas e, embora disposições individuais possam explicar alguns fenômenos psicológicos, as disposições sociais encontram-se na raiz da fraqueza dos conceitos coletivos. Segundo Boudon (1995: 258), conceitos coletivos

(...) imputam às disposições a responsabilidade exclusiva das ações, que reduzem, assim, ao status de comportamentos; dificuldade suplementar: eles fazem das disposições a causa única dos comportamentos individuais. Terceira dificuldade: estas disposições coletivas têm o caráter de forças ocultas; toda possibilidade de crítica pelo real de uma teoria que inclua tais conceitos é então, por princípio, excluída.

Não é certo que Boudon redefina disposição para eliminar o aspecto voluntarístico de uma noção baseada exclusivamente em habilidades cognitivas individuais. Quaisquer que sejam suas razões, esta redefinição ainda deixa sem solução o problema acerca do grau de consenso de determinadas idéias falsas. Este consenso, como afirma Margaret Archer (1996) é, em larga medida, resultado das relações de poder que ocorrem no nível da ação e, embora o conceito de poder não apresente nenhuma dificuldade adicional à análise social no nível da ação, deve-se considerar que ele coloca sérios problemas a uma abordagem voluntarística e, possivelmente, a uma teoria da racionalidade baseada na idéia de 'boas razões'.

A ênfase na agência humana e em uma noção de racionalidade cognitiva ainda está presente em L'Art de se Persuader (1990), embora de maneira menos voluntarista do que em A Ideologia. O título daquele livro é sugestivo (A arte de se persuadir), pois pode ser entendido tanto no sentido de se persuadir a si próprio como de se persuadir outros. Seu tema central refere-se aos 'efeitos epistemológicos' já referidos em A Ideologia e sua proposição básica é a de que conclusões inaceitáveis podem ser alcançadas a partir de premissas sólidas, isto é, de que os indivíduos têm, freqüentemente, boas razões para crer em idéias falsas ou 'frágeis'. A noção de 'boas razões' como um elemento explicativo descarta a idéia de que os atores sociais são sempre movidos por forças que escapam à avaliação subjetiva de suas situações, embora Boudon não negue que algumas causas afetivas possam entrar na explicação de crenças (Ibid.: 46). Por outro lado, esta concessão a causas afetivas não implica em nenhuma concessão ao determinismo (no sentido estrito em que Boudon define o termo) dado que sempre pode existir um elemento de racionalidade em ações afetivamente orientadas.

É importante notar que a noção de boas razões inclui razões objetiva e subjetivamente boas e também aquelas apenas subjetivamente boas, isto é, boas de acordo com a perspectiva do ator. É na obra de Simmel que Boudon encontra uma série de razões subjetiva mas não objetivamente boas (designadas pelo termo geral de 'boas razões') para se crer em idéias falsas ou frágeis e, desenvolve, a partir dela, um modelo para explicar este fenômeno que ele chama de 'modelo Simmeliano'.

Segundo Boudon (1990), Simmel aceita o princípio kantiano de que o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas pressupõe uma intervenção ativa do sujeito em sua produção através da mediação de elementos a priori. Por outro lado, acredita que os a priori são muito mais numerosos e variáveis, no tempo e no espaço, do que Kant estabeleceu. Os a priori são concebidos como uma espécie de quadro de referência para o pensamento, percebidos pelo sujeito apenas de maneira meta-consciente e considerados como evidentes o suficiente para não serem questionados a cada situação. Os a priori neo-kantianos, por serem socialmente indexados, isto é, por não serem auto-evidentes no mesmo sentido que os a priori kantianos, possibilitam o conhecimento, por um lado, mas também podem gerar falsas idéias acerca da realidade. A idéia central do modelo de Simmel é, então, a de que uma argumentação perfeitamente válida pode conduzir a idéias falsas na medida em que não percebemos as proposições implícitas que a circundam e em que não tomamos consciência do fato de que nossas conclusões derivam também destas proposições implícitas que nós adotamos implicitamente porque temos boas razões para adotá-las. (Boudon; 1990: 60-61).

Enquanto que L'Art de se Persuader lida com a explicação de crenças positivas (acerca do que é), Le Juste et le Vrai (1995) lida tanto com crenças positivas quanto normativas (acerca do que deve ser); daí o subtítulo: 'Etudes sur l'objectivité des valeurs et de la connaissance' (estudos sobre a objetividade dos valores e do conhecimento). A preocupação de Boudon com as crenças normativas leva ao desenvolvimento da noção weberiana de racionalidade axiológica, que deve ser interpretada como conseqüência da regra metodológica de explicar os fenômenos sociais através das razões dos indivíduos.

As crenças positivas e normativas que Boudon procura explicar são coletivas, e o caráter coletivo das mesmas é percebido como uma conseqüência da 'objetividade' das razões que estão em sua base. Enquanto que as crenças individuais devem ser interpretadas em termos do significado que elas assumem para um dado indivíduo, as crenças coletivas são consideradas como resultado das razões que qualquer indivíduo daquela coletividade tem para adotá-las, isto é, crenças coletivas são o resultado de razões que todos percebem como válidas.

A abordagem cognitivista desenvolvida por Boudon opõe-se ao que ele denomina 'causalismo' e que, em termos do problema agência/estrutura, refere-se aos elementos que devem considerados como causalmente eficazes na explicação sociológica. Para Boudon, existem duas categorias principais de causas que são preferidas pelos 'causalistas': causas afetivas (psicológicas) e causas sociais. Sem negar a importância das causas afetivas na explicação de diversos tipos de comportamento (inclusive social), Boudon acredita que este tipo de explicação tende a ser super-valorizado e estendido a domínios nos quais uma explicação por razões seria mais apropriada. Talvez o problema seja melhor caracterizado em termos de um 'emocionalismo', no sentido de uma relação causai que se estabelece dos sentimentos para as razões (sentimentos como causas das razões), já que, para ele, nos sentimentos morais, a causalidade normalmente se estabelece das razões para os sentimentos:

Não é mais questão de negar que, na maioria dos casos, elementos afetivos e elementos racionais se misturam indissociavelmente. O sentimento de indignação que nós experimentamos quando uma pessoa enfraquecida pela idade é privada (soulagée) de seus recursos de maneira indelicada por alguém que lhe é próximo, fundamenta-se em razões universais10 10 A ironia da frase original fica perdida na tradução. No original, 'Le sentiment d'indignation quón éprouve lorsqu'une personne affaiblie par l'âge est soulagée de ses ressources par un proche indélicat se fonde sur des raisons universelles.' . É porque este sentimento apóia-se em razões imediatamente compreensíveis por qualquer um que é experimentado de maneira tão viva no plano afetivo. Mesmo estas razões sendo apenas imperfeitamente conscientes para o sujeito, são exatamente elas que constituem a causa de sua reação e do sentimento que ele experimenta. (Boudon; 1995: 169).

O 'causalismo social'11 11 Este termo não é de Boudon, mas constitui uma tradução livre do termo 'analyse causaliste'. Deve ser entendido no mesmo sentido de 'determinismo social'. seria um outro adversário da explicação através de razões. Nesta abordagem considera-se a socialização como a principal, senão a única, causa das crenças e das ações. A crítica de Boudon a esta abordagem refere-se ao fato de que, embora as crenças e ações variem no tempo, espaço, circunstâncias e de acordo com o contexto social em geral, esta dependência da situação social não é válida em si mesma: a força da convicção não deriva da socialização, mas da crença do ator de que ela deriva de razões que podem ser defendidas através da argumentação.

A questão que nos surge agora é a de como Boudon dá conta das razões que fundamentam as crenças. Uma forma possível seria caracterizar o ator como racional, no sentido de que ele sempre procura maximizar seus interesses ou preferências. Boudon, no entanto, discorda desta solução, argumentando que esta abordagem pressupõe o estabelecimento de uma relação consciente entre meios e fins e que existe um grande número de ações inspiradas por razões meta-conscientes que não apresentam nenhum fim (instrumental) particular. Segundo Boudon (ibid.: 530), a redução dos diversos tipos de ação à ação instrumental leva a uma teoria da ação humana que é não apenas abstrata, mas irrealista. Uma teoria mais realística deve levar em conta que as razões derivam mais ou menos diretamente de uma conjunção de princípios e fatos empíricos, lógicos e morais, alguns dos quais universais, outros contextualmente indexados. Em suma, uma teoria da ação humana deve levar em conta todos aqueles elementos que influenciam a ação e que Boudon resume na noção abstrata de situação.

O modelo de racionalidade cognitiva ilustra particularmente bem a maneira pela qual estes elementos da situação podem ser incorporados em uma explicação de crenças e ações: 'X fez Z porque tinha boas razões para fazer/crer (em) Z, dado que...'. O tipo de argumento após as reticências pode ser mais ou menos complexo, dependendo do tipo de fenômeno a ser explicado e das perguntas que guiam a explicação. Exemplos de argumentos diferentes que podem ser indefinidamente desenvolvidos são oferecidos por Boudon (1993: 17):

...(1) dado que Z era a melhor maneira de se alcançar G,

...(2) dado que X acreditava que Z era a melhor maneira de se alcançar G e que ele ou ela tinha boas razões para acreditar nisto, dado que...

...(2.1) Z é verdadeiro,

...(2.2) Z é conseqüência de T e que X tinha boas razões para crer em T, dado que...

...(2.3) Z é bom,

...(2.3.1) dado que é desejável a todos,

...(2.3.2) dado que resulta de T,

...(2.3.2.1) e que X tinha boas razões para crer em T,

...(2.3.2.1.1) dado que...

O que Boudon procura enfatizar neste modelo é que, exceto em casos marginais, o comportamento intencional inclui dimensões não intencionais, ou 'atitudes proposicionais' (Davidson; 1980), do tipo acreditar que, esperar que, temer que, etc. Estas atitudes, devem ser explicadas com recurso à estrutura social e à situação dos atores, dado que noções como o verdadeiro, o bom , o justo, etc, são socialmente construídas. O caráter socialmente construído da noção de verdade pode ser determinado mesmo em áreas do conhecimento consideradas como absolutamente objetivas. Considere-se o exemplo seguinte extraído da matemática e analisado por Boudon (1995: 333): Por que uma proposição do tipo "não existem um p e um q inteiros tais que p/q= V2", pode ser considerada como objetivamente válida? Porque esta proposição é corretamente deduzida de princípios que estão de acordo com as regras de dedução lógica. Dado que 'corretamente' refere-se a estas regras de dedução lógica, a proposição acima é, em um sentido importante, uma verdade construída. Embora seja, em princípio, possível uma aritmética baseada em outros princípios, os princípios existentes explicam a realidade de maneira satisfatória e o consenso estabelecido em torno deles é o produto de razões sólidas.

Da mesma forma, a validade de proposições axiológicas deve ser acessada através da qualidade das razões que estão em sua base. A variabilidade de sentimentos coletivos acerca de questões como o valor de diferentes sistemas políticos deve ser encarada mais como uma função de os indivíduos encontrarem-se em ambientes cognitivos distintos do que como uma falta de objetividade daqueles valores. Para Boudon, a história afeta a descoberta da verdade, não a verdade em si. Neste sentido, a história da teoria moral não deve ser tomada como prova de que os valores morais carecem de objetividade, mas como evidência de que as teorias referentes aos mesmos são produtos sociais e, como tais, são afetadas de maneira dupla: não apenas o ambiente cognitivo dos atores muda, mas também a situação social mais ampla a que as teorias se referem.

Note-se que estas considerações acerca do caráter socialmente indexado das crenças normativas e positivas não autoriza um ceticismo ou mesmo um relativismo generalizado (ontológico), apenas um relativismo de tipo epistemológico. Para Boudon, crenças positivas e normativas podem ser verdadeiras ou falsas, mas o estado atual de conhecimento pode não nos autorizar nenhuma conclusão definitiva a este respeito (o que não significa afirmar que algumas questões não podem ser resolvidas e outras, provisoriamente resolvidas). Este tipo de relativismo implica o reconhecimento de uma realidade objetiva, relativamente independente de nossas concepções acerca dela. É a partir da necessidade deste reconhecimento que se pode questionar a adesão ao individualismo metodológico e a conseqüente exclusão de uma dimensão social objetiva, representada pela noção de estrutura social.

De fato, é possível observar que esta dimensão não é propriamente eliminada das análises substantivas de Boudon. Através de recursos como um suposto 'determinismo metodológico' ou de uma concepção meramente descritiva de estrutura social, as tendências ou poderes causais estruturais são 'contrabandeados' para seus modelos, desempenhando um papel fundamental em suas análises, seja para determinar as causas das ações e crenças, seja para estabelecer a existência de ideologias e todo tipo de idéias falsas a partir daquilo que Steven Lukes (1994) concebe como uma disjunção entre as representações coletivas e as realidades sociais. Falta a Boudon, entretanto, o reconhecimento destes papéis e a atribuição de uma existência real e não meramente virtual às estruturas sociais.

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  • 1
    O paradigma weberiano constitui, para Boudon, uma teoria da ação que é formalizada da seguinte maneira: M= M{m[S(P)]}; onde "M" é o fenômeno macro a ser explicado, "m" é uma ação individual de um certo tipo, "S" é a situaçcão do ator e "P" é um elemento qualquer do sistema ou estrutura. Para uma análise detalhada desta equação, veja Boudon; 1989b: 242.
  • 2
    Determinismo é tomado aqui no sentido específico de uma explanação exclusivamente em termos de elementos anteriores à ação em questão. Neste sentido, se um ator encontra-se em uma situação na qual seja forçado a escolher um determinado curso de ação, a explicação de tal fato ainda pode ser considerada por Boudon como pertencente ao paradigma interacionista, embora seja uma explicação determinística no sentido usual do termo (Boudon; 1979a). Esta idéia é expressa por Giddens em termos de causalidade do agente
    (agent causality), segundo a qual uma ação "é causada pela monitoração reflexiva por parte do agente de suas intenções em relação às suas vontades e às demandas do mundo externo", e causalidade de eventos
    (event causality), Para Giddens, como para Boudon, "determinismo nas ciências sociais refere-se a qualquer esquema teórico que reduza a ação humana exclusivamente à causalidade de eventos" (Giddens; 1993: 91-92).
  • 3
    A noção de 'estado de natureza', que se contrapõe ao 'contexto de contrato', é depois substituída por Boudon pela noção de 'sistema de interdependência', isto é, 'sistemas de interação nos quais as ações individuais podem ser analisada sem referência à categoria de papel' (Boudon; 1981: 225). Esta terminologia mais recente parece ser mais adequada, na medida em que evita confusões entre a definição de Boudon e as definições da teoria política clássica de 'natureza' e 'contrato'.
  • 4
    Existe uma afinidade entre positivismo (com exceção do positivismo francês de Comte e Durkheim) e um individualismo
    lato sensu. Neste sentido, é conveniente levar em conta o 'nominalismo' do positivismo instrumental de Lazarsfeld (Bryant; 1985: I49ss), sua preocupação com uma 'análise empirista da ação' (Boudon 1997) e a repercurssão que isto pode ter tido mesmo na fase mais inicial da obra de Boudon.
  • 5
    A primeira edição francesa data de 1973.
  • 6
    Conforme se depreende da definição de estrutura ou sistema em contextos operacionais, não há, para Boudon, nenhuma contradição entre uma abordagem individualista e uma análise sistêmica.
  • 7
    Boudon refere-se aqui a sistemas de ensino de 'tipo liberal' (1981: 65).
  • 8
    Esta consideração não parece ser mencionada na edição brasileira.
  • 9
    A primeira edição francesa data de 1986.
  • 10
    A ironia da frase original fica perdida na tradução. No original, 'Le sentiment d'indignation quón éprouve lorsqu'une personne affaiblie par l'âge est soulagée de ses ressources par un proche indélicat se fonde sur des raisons universelles.'
  • 11
    Este termo não é de Boudon, mas constitui uma tradução livre do termo 'analyse causaliste'. Deve ser entendido no mesmo sentido de 'determinismo social'.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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