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Argentina: os dilemas da democracia restringida

Argentina: dilemmas of a restricted democracy

Resumos

Com base numa reconstrução da historia política e econômica argentina nas últimas três décadas examina-se a situação atual e as perspectivas do país. As formas predominantes do exercício da política são tratadas em termos da capacidade que urna democracia restrita a uma versão empobrecida da representação tem para enfrentar a grave crise social dos anos recentes, cujo perfil específico é analisado.

Argentina 1970-2000; Argentina


On the basis of a reconstruction of its political and economic history in the last three decades the present situation of, and the perspectives for, Argentina are examined. The chief current forms of doing politics are dealt with regarding the ability of a democracy restricted to an impoverished version of representation to face the deep social crisis of recent years.

Argentina 1970-2000; Argentina


AMÉRICA LATINA

Argentina: os dilemas da democracia restringida

Argentina: dilemmas of a restricted democracy

Aída QuintarI; Alcira ArgumedoII

ISocióloga, professora na Universidade Nacional de General Sarmiento, e doutora em Ciência Política pela USP

IISocióloga, professora na Universidade de Buenos Aires e pesquisadora do CONICET

RESUMO

Com base numa reconstrução da historia política e econômica argentina nas últimas três décadas examina-se a situação atual e as perspectivas do país. As formas predominantes do exercício da política são tratadas em termos da capacidade que urna democracia restrita a uma versão empobrecida da representação tem para enfrentar a grave crise social dos anos recentes, cujo perfil específico é analisado.

Palavras-chave: Argentina 1970-2000; Argentina, democracia

ABSTRACT

On the basis of a reconstruction of its political and economic history in the last three decades the present situation of, and the perspectives for, Argentina are examined. The chief current forms of doing politics are dealt with regarding the ability of a democracy restricted to an impoverished version of representation to face the deep social crisis of recent years.

Keywords: Argentina 1970-2000; Argentina, democracy

Duas décadas passaram daquele período no qual Argentina começara a transitar o que nos debates latino-americanos se chamou de "transição à democracia" e nos quais se pretendeu estabelecer, não apenas as características essenciais da nova etapa, mas também as do próprio conceito de democracia. Naquele contexto dos anos 80, marcado por um clima político-cultural de reivindicações liberais, embora se fossem desenhando diversas linhas de pensamento ao redor daquela problemática, as posições predominantes colocaram no centro da discussão a questão das regras do jogo, da governabilidade e da eficácia administrativa. Nesse sentido foram pertinentes as advertências que fizeram alguns cientistas sociais, destacando a necessidade de não confundir o efetivo avanço que significou o restabelecimento do sistema de governo representativo frente às ditaduras previas com uma idéia de democracia restrita meramente aos métodos para formular e decidir políticas no âmbito estatal. Essa noção contrapõe-se a uma idéia mais genuína da democracia, na qual se trataria de maximizar a participação direta do povo na discussão e na tomada das decisões que quotidianamente orientam a vida social.

Considerando o tempo transcorrido desde a reinstalação do Estado de Direito resulta evidente que, como resultado de essa transição, o que acabou se consolidando foi o conceito mais restringido de democracia. Isto é, uma participação popular limitada ao ritual de votações periódicas, onde tende a impor-se uma alternância de partidos políticos que oferecem modelos sócio-econômicos similares e só se diferenciam nos perfis do comportamento dos dirigentes, referidos ao especificamente institucional. Nesse contexto, as políticas de ajuste que acompanharam a reinstalação dos governos constitucionais impõem um dilema cada vez mais crítico aos partidos: como manter o consenso político majoritário numa sociedade que, ao mesmo tempo, sente-se crescentemente ameaçada por estratégias econômicas que deterioram cada vez mais suas condições de vida. Se nas ditaduras o consenso é substituído pela coação, a legitimidade requerida pelos governos constitucionais torna cada vez mais difícil a possibilidade de manter orientações sócio-econômicas excludentes, sem que isso alimente comportamentos políticos e sociais que põem em questão o caráter democrático desses governos. Pois, em última instância, o núcleo central do conceito de democracia é a abrangência dos direitos e das condições de vida que definem uma cidadania plena.

Esse dilema, que afeta a maioria dos países de América Latina, adquire formas singulares no caso argentino. Nesse sentido, a análise da dinâmica política das últimas décadas e as possibilidades futuras do recentemente iniciado governo de Fernando De la Rúa será abordada através de dois eixos principais: por um lado, as formas predominantes do fazer político; por outro, a capacidade efetiva de dar respostas diante da grave e extensa crise social, provocada pela mudança nas relações de poder e na implementação de estratégias econômicas, que foram as causas principais dessa crise a partir da última ditadura militar.

ANTECEDENTES

A ditadura militar

Visando desarticular o poder das organizações populares, que durante a década anterior tinham atingido um alto ponto de incidência na política nacional, a ditadura militar implementou uma repressão social cuja magnitude não tem precedentes na história contemporânea do país. A proscrição dos partidos políticos e do movimento trabalhista; a persecução, o cárcere e o assassinato de dirigentes e militantes das mais diversas organizações políticas e sociais; a intervenção nas universidades com a demissão massiva de docentes e pesquisadores e o aniquilamento dos movimentos de estudantes; a aberrante metodologia da "desaparição" de detidos; o exílio de um grande número de quadros políticos, sociais e intelectuais; a imposição de silencio aos jornalistas críticos, o "exílio interior" de milhares de pessoas que tiveram em diverso grau algum tipo de compromisso com a resistência peronista, os grupos políticos de esquerda o as organizações político-militares, conseguiram quebrar por meio do terror todo tipo de manifestações de oposição. Este disciplinamento da sociedade permitiu-lhes uma profunda redistribuição da renda, que prejudicou principalmente aos trabalhadores, enquanto que o Estado foi submetendo-se aos grupos econômico-financeiros dominantes e diminuíram-se decisivamente os recursos públicos destinados ao bem-estar social. Em virtude dessas medidas e sob o lema da luta anti-subversiva, no primeiro ano da ditadura produz-se um agudo descenso da participação dos assalariados na renda nacional, que passou do 45% a 30% do PIB.(Beccaria,1991)

Nesse contexto, produz-se uma reorientação da política econômica que, através da promoção e fortalecimento das maiores empresas industriais, gera um processo de desindustrialização em determinadas áreas produtivas e uma reestruturação em outras. Uma das principais características dessa reestruturação foi o deslocamento das indústrias de grandes centros como Buenos Aires, Rosario e Córdoba para outras regiões do interior do país, onde fosse possível pagar salários menores, devido ao baixo nível de organização desses trabalhadores (Quintar, 1990), e nas quais o emprego necessário fosse menor por causa da introdução de tecnologias poupadoras de força de trabalho. Aliás, essas medidas complementaram-se com uma redução das políticas protecionistas para a maior parte dos setores industriais e a imposição de um dólar desvalorizado a partir da reforma financeira de 1977, que eliminava toda possibilidade de concorrência para algumas industrias locais. Tais medidas levaram a uma crise das pequenas e médias empresas industriais - que tinham uma significativa incidência na provisão de bens para o mercado interno e também na absorção de mão de obra - e que fechavam, seja pela quebra das empresas ou para se incorporarem à especulação financeira.

Essa estratégia econômica teve graves conseqüências sobre o emprego, os salários e a qualidade geral de vida de amplas camadas da população. Durante o período da ditadura a ocupação industrial desceu 30%, afetando principalmente aos setores metalúrgicos e de bens de capital, de tecidos e de couro e, em menor medida, a produção de alimentos, bebidas e tabaco. O desemprego começa a criar bolsões de pobreza nos anteriores núcleos industriais de Rosario, de Córdoba e, em particular, na região metropolitana da Grande Buenos Aires, enquanto diminui a migração interna, que tradicionalmente tinha encontrado emprego nesses centros urbanos.

Devido a essa política o núcleo essencial da acumulação e obtenção de lucros transferiu-se do mercado interno para a exportação, a especulação e a fuga de capitais. Com efeito, a alta disponibilidade de capital financeiro internacional que, por causa das dificuldades para investir nos países centrais no meio da crise dos anos 70, facilita um crescente predomínio da especulação financeira, ao outorgar benefícios maiores e mais imediatos que o investimento produtivo. Por sua vez, impulsionam-se novas medidas econômicas, que consolidam o papel central do setor financeiro -cujos protagonistas principais são os grupos econômicos locais mais concentrados, as corporações e os bancos transnacionais - que permitem o crescente endividamento externo respaldado pelo Estado, que redunda numa importante fuga de capitais ao exterior.1 1 No setor financeiro combinaram-se a mais alta rentabilidade e a mais baixa inversão. Com efeito, enquanto que os lucros atingiram o 50% anual em dólares durante dois anos e 20% em outros cinco, a remissão de utilidades do capital estrangeiro desde o país foi da ordem do 90%. (Azpiazu et al, 1985) (Azpiazu et al, 1985)

Além disso, o dólar desvalorizado, a disponibilidade de créditos baratos e as possibilidades que proporciona uma "micro-especulação" vinculada com as persistentes tendências inflacionárias, favoreceram a possibilidade de dispor - entre 1978 e 1981 - da plata dulce, isto é, dinheiro fácil para uma parte importante da população, o qual permitiu descomprimir as tensões sociais geradas pelas medidas econômicas e estruturais, encobrindo as conseqüências que elas teriam a médio prazo.

Um aspecto decisivo das mudanças estruturais promovidas pelo governo militar será o novo papel que se outorga ao Estado com o objetivo de fortalecer o processo de concentração a favor dos principais grupos monopólicos, os quais são destinatários principais de uma formidável redistribuição de recursos sociais e públicos. A administração central e as empresas estatais foram submetidas a partir de então a uma verdadeira predação por parte desses grupos empresariais, através de subsídios, promoções industriais e para a exportação, taxas diferenciais, etc. Dessa forma, o Estado converte-se numa bomba de sução de recursos sociais e nacionais para favorecer os novos pólos dominantes da economia, o que sob outras formas continuou durante os dois governos constitucionais seguintes. (Azpiazu et al, 1986)

A crise do endividamento externo, que explodiu em toda a América Latina em 1981, devido ao incremento unilateral das taxas de juro decretado pela Reserva Federal dos Estados Unidos - cujo objetivo era atrair os capitais financeiros flutuantes para sustentar a nova estratégia neoliberal desenhada pela administração de Ronald Reagan - vai debilitar sensivelmente o equilíbrio econômico da ditadura e começa a bater fortemente na população. Não obstante, a estatização da dívida externa privada, propugnada pelo presidente do Banco Central nesse momento, Domingo Cavallo, e reclamada pelos bancos credores - que em 1981 era de aproximadamente 25% do PIB desse ano, enquanto que as taxas incrementavam-se de 4% a 20% acumulados por ano - significaria uma transferência adicional de recursos do Estado e do conjunto da sociedade para os grandes capitais locais e estrangeiros. (Calcagno,1985; Basualdo,1992)

Produto dessas políticas, nos últimos anos da ditadura emergiu um Estado endividado e grupos econômicos altamente concentrados, diversificados e/o integrados verticalmente com capitais transnacionais. E embora esses grupos monopólicos não fossem totalmente novos na cena nacional, no final do governo militar eles ocupavam pela primeira vez, junto com as empresas transnacionais, o centro do novo processo de acumulação do capitalismo argentino. A contrapartida dessas políticas foi o incremento do desemprego e o subemprego, que passaram a ser componentes estruturais e permanentes da economia argentina, enquanto que a participação dos assalariados no PIB continuou diminuindo até atingir 24% em 1982. (Azpiazu et al, 1990) Essa expropriação compulsiva das rendas dos trabalhadores, sustentada basicamente pela repressão e pelas estratégias econômicas, daria lugar a um importante incremento dos níveis de pobreza, que passaram de uma estimativa de 7% do total da população em 1970 a 27,5% em 1980. (Indec,1984; Minujin,1985)

O mal-estar sócio-econômico e o incremento da rejeição ao autoritarismo e à repressão - até então principalmente representadas pelos protestos das Madres e Abuelas de Plaza de Mayo - favoreceria a partir de 1981 a expressão de novas formas de resistência e crítica diante da ditadura. Os movimentos juvenis, especialmente os musicais agrupados ao redor do "rock nacional" (Jelin,1985); a mobilização dos artistas e diretores de teatro; as procissões da multidão à Igreja de São Caetano (padroeiro dos trabalhadores) com um significado que transcendia a esfera estritamente religiosa; as manifestações dos bairros na Grande Buenos Aires, contra o aumento das taxas municipais (Gonzalez Bombal,1988), entre outros, irão recompondo uma oposição que tinha sido devastada. Paralelamente, o acordo entre os principais partidos políticos proscritos deu origem à Multipartidaria, que começou atuar como um pólo crítico demandando a volta ao Estado de Direito. Diante dessa situação os militares decidiram apelar à recuperação das Ilhas Malvinas e do Atlântico Sul com um discurso anti-colonialista, o qual lhes outorgaria um breve período de consenso ao atingir certa legitimidade frente a um inimigo externo. Mas o engano informativo através da manipulação dos meios, a humilhante derrota sofrida e o comportamento corrupto dos militares em relação às contribuições que realizara a sociedade com os recrutas que estavam no frente da guerra, junto à perda do apoio dos Estados Unidos (transformados em inimigos ao aliaram-se à Inglaterra) enfraqueceram muito a ditadura. Destarte, no final de 1982 os comandantes da ditadura viram-se obrigados a convocar eleições para o ano seguinte.

Contudo, apesar do desgaste do poder militar, a ditadura havia conseguido impor uma transformação qualitativa da dinâmica sócio-econômica da Argentina, através da implantação de um modelo econômico socialmente regressivo, definido inicialmente como neomonetarista e mais tarde como neoliberal, que manteve os eixos principais de uma lógica de polarização social e subordinação econômico-financeira do país até a atualidade.

A RECUPERAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO

O governo de Raúl Alfonsín

Raúl Alfonsín foi o candidato da Unión Cívica Radical (doravante UCR), um partido que tem mais de um século de existência e que tradicionalmente representou às classes médias do país. Porém, seu apoio eleitoral proveio de uma convocatória que ultrapasou amplamente suas bases tradicionais de sustentação, ao colocar o eixo de seu apelo numa enfática defesa dos valores democráticos. A resposta obtida diante desse apelo sustentava-se na credibilidade atingida por Alfonsín como conseqüência de sua ativa participação no campo dos direitos humanos durante a ditadura militar. De outro lado, o Radicalismo enfrentava-se com um Partido Justicialista degradado, cujo comando era ocupado por dirigentes que em sua maioria acompanharam a virada à direita do governo peronista após a morte de Perón em 1974 ou manifestaram condutas "colaboracionistas" com a ditadura militar.2 2 Durante os 18 anos de proscrição - quando um golpe militar derrocou ao governo constitucional peronista em 1955 e até 1973, em que lograram-se eleições livres onde triunfou amplamente - o movimento peronista conformava-se como uma complexa articulação de forças trabalhistas, políticas e juvenis, que respondiam à liderança do Perón mas, ao mesmo tempo, constituíam uma amplia gama interna de definições político-ideológicas em muitos casos antagônicas entre si. A impossibilidade de decantar a legítima representatividade de cada uma delas, diante os obstáculos que durante duass décadas lhe impôs a proscrição, levaria a um constante enfrentamento interno entre as correntes combativas e as moderadas - ou decididamente reacionárias - que a partir de 1970 iam atingir um crescente nível de violência, chegando até enfrentamentos militares entre setores definidos respectivamente como peronistas. Esta dinâmica será um fator decisivo que explica as dificuldades para compreender as características desse amplio movimento de massas, conformado pela maioria dos trabalhadores e setores importantes das classes médias baixas. A confrontação manifestou-se tanto no plano político e trabalhista quanto na influência exercida por intelectuais orgânicos e quadros que atuavam como referentes das distintas correntes, o qual mostrava uma aparente unidade dado que essas correntes coincidiam em aceitar a direção do líder exilado. Porém, por baixo dessa aparente unidade, foram desenvolvendo-se antagonismos irredutíveis que explodiram com força nos anos imediatamente anteriores ao triunfo de 1973 e ainda mais cruamente após a morte do Perón em 1974. A partir de então a viragem à direita por parte do governo peronista comandado por Isabel Perón, que apoiou às frações mais retrógradas, encontra sua contrapartida num incremento da violência, enfraquecendo dessa forma o triunfo popular que tinha significado quebrar a proscrição e garantir a volta do Perón após um longo exílio. (Chumbita, 1989; Argumedo, 1993) Nessas condições o alvo da repressão da ditadura não foram apenas os grupos político militares de esquerda, mas também os militantes e os intelectuais das correntes mais combativas do peronismo, batendo especialmente nos quadros médios e de base dos trabalhadores que eram em grande medida peronistas. Aliás, diversos estudos assinalam que o 35% dos desaparecidos foram operários e 33% assalariados de serviços urbanos (Izaguirre, 1992). Essa situação junta-se ao fato que, como resultante dos programas econômicos implementados até então, produz-se a desarticulação e fragmentação da classe trabalhadora. Isso favoreceu ainda mais que a direção do movimento fosse depositada quase exclusivamente em setores políticos e sindicais de direita. Desse modo, o peronismo, que em 1973 tinha atingido um amplo apoio popular, especialmente entre os jovens operários e estudantes provenientes das classes médias, emergira em 1983 gravemente degradado. (Feria, 1985; Alvarez, 1986)

Por outra parte, o discurso eleitoral do radicalismo tinha conseguido incorporar demandas populares tradicionalmente associadas a dois períodos de ampla mobilização social, como foram os governos do Hipólito Yrigoyen e do Juan Perón, iniciados respectivamente em 1916 e 1946. Enfim, a aparente superação da tradicional oposição entre radicalismo e peronismo após o encontro em 1973 entre as principais lideranças dessas forças políticas (Balbín e Perón) permitiu que Alfonsín convocasse as bases peronistas, propondo-lhes a construção de uma nova síntese histórica. Essa proposta, somada à denuncia do chefe radical em relação à existência de um pacto militar-trabalhista para implementar a repressão durante a ditadura e a presença de alguns dos dirigentes que fizeram parte desse pacto entre os candidatos do justicialismo, resultaram decisivas para o triunfo do radicalismo, que pela primeira vez ganhava as eleições do peronismo.

Ao iniciar-se o governo de Alfonsín - e após uma primeira tentativa fracassada de privilegiar o crescimento econômico interno e a redistribuição da renda, submetendo o pagamento dos serviços da dívida externa àqueles objetivos - impulsionou-se a chamada "economia de guerra". A nova estratégia, sintetizada no Plano Austral de 1985, supõe o reconhecimento da profunda reestruturação do poder econômico na Argentina, ao qual a partir desse momento começa submeter-se à ação política. (Argumedo,1987; Azpiazu et al, 1990) Embora o plano fosse apresentado como um instrumento para a luta anti-inflacionária, na realidade tratava-se de um programa de estabilização econômica condicionado pelo FMI, que significava o congelamento dos salários e dos preços, como modo de respaldar a estabilidade da moeda e de promover o incremento das exportações, cujo fim era obter um superávit comercial para garantir o pagamento dos compromissos da dívida externa. O Plano Austral seria expressão de uma mudança na estrutura de alianças do alfonsinismo porque, de um lado sustentava-se num acordo do governo com os principais conglomerados empresariais locais3 3 Estes nucleavam-se no Grupo Maria, formado entre outros por Techint, Perez Companc, Bunge y Born, Macri, Bridas, Fortabat, Soldati - aos quais permitiu-se garantir seus lucros antes do congelamento a partir de um incremento importante nos preços de seus produtos - e, do outro, com o setor trabalhista conhecido como "CGT Azopardo"; os mesmos que tinham integrado o pacto militar-trabalhista denunciado por Alfonsín durante sua campanha eleitoral.

A política econômica desenhada torna possível promover entre 1985 e 1988 um novo traslado de recursos da sociedade e do Estado para esses grupos, que continuaram recebendo subsídios de promoção industrial e exportações; vantagens nas compras e vendas com as empresas estatais e a administração pública; desobrigação com o fisco e outras prebendas. Este plano complementou-se com a diminuição do gasto público social; o incremento do desemprego, o subemprego e o trabalho precário; e o congelamento dos salários, enquanto que os preços continuaram subindo, tudo isso determinando uma queda no poder aquisitivo. (Quintar, 1990; Basualdo, 1992)

Apesar deste agravamento da situação sócio-econômica, nesse mesmo ano de 1985 o julgamento dos comandantes responsáveis pelo genocídio durante a ditadura dá resposta às expectativas democratizantes ao impor um limite à impunidade militar. (Conadep,1986) Essa ação compensa em parte o mal-estar gerado pela política econômica, ainda que não conseguisse deter o começo de uma mobilização dos setores trabalhistas agrupados na opositora "CGT Brasil", que não tinham integrado a aliança do Plano Austral, e que a partir de então e até o final do governo do Alfonsín fizeram 14 greves gerais. Aliás, no ano 1985 a UCR faz uma profunda reformulação de seu discurso político, em nome da modernização. Incorporando o clima de revitalização dos valores liberais diante da "crise das grandes narrativas", que predomina na Europa e numa significativa parte dos intelectuais latino-americanos, os "pactos entre cidadãos", a "governabilidade institucional", a crítica ao autoritarismo e ao "corporativismo", separam-se cada vez mais da problemática econômica e das confrontações entre interesses sociais. (Landi, 1985; Portantiero, 1986; Gonzalez, 1986)

Com referência à oposição política - que se liga estreitamente com a CGT Brasil - a derrota do justicialismo vai facilitar a emergência de uma corrente de renovação, que conseguiu afastar os dirigentes mais rejeitados pelas bases, que surgiram em 1983. Isto fortaleceu a confiança na possibilidade de voltar às origens nacionais e populares do peronismo, que durante varias décadas tinha reunido as maiorias sociais. (Cordeu,1985) Não obstante, em pouco tempo evidencia-se uma mudança do discurso político - cada vez mais semelhante às concepções modernizantes do radicalismo - e um compromisso crescente das correntes renovadoras com os interesses dos grandes empresários.

A implementação do Plano Austral agrava a polarização socioeconómica e deteriora ainda mais a capacidade reguladora do Estado. Essa falta de regulação favorecia os grupos econômico-financeiros, que utilizariam esses imensos recursos para incrementar a fuga de capitais, iludindo sistematicamente a inversão produtiva no país, enquanto que a especulação financeira continuou atuando como o elemento fundamental para a obtenção de benefícios. Por causa dessa dinâmica, o plano começa mostrar suas fraquezas. Estas tornam-se manifestas na crise estrutural do Estado, que já não pode continuar com as transferências para os grupos empresários concentrados e, ao mesmo tempo, cumprir com os serviços da dívida. Em 1987 esses limites obrigam a uma reformulação da política econômica, que entretanto não consegue atingir resultados satisfatórios, alimentando ainda mais o protesto dos trabalhadores. Nesse contexto, diante uma forte pressão dos militares e apesar da grande mobilização de massas que se realizou em apoio ao presidente, ele decide não apenas desmobilizar a população mas coloca no Parlamento os projetos de lei de Ponto Final e de Obediência Devida, cujo objetivo era garantir o resguardo da impunidade militar.4 4 A lei do Ponto Final estabelecia um prazo para a apresentação de novos julgamentos e a lei da Obediência Devida significava que aqueles que cumpriram ordens - ainda que aquelas fossem atos aberrantes como a tortura, incluindo as de crianças - não eram responsabilizados por suas ações e portanto eram dispensados de ser punidos. A confluência desses fatores influi em 1987 na perda de apoio eleitoral para os deputados e governadores da UCR, enquanto que o partido Justicialista consegue triunfar na maioria das províncias.

No decorrer do governo alfonsinista a crescente precarização do mercado de trabalho e a degradação dos salários - que atinge seu ponto mais dramático durante a hiperinflação - força a entrada no mercado de trabalho de setores habitualmente inativos da população (donas de casa, menores, aposentados, estudantes) com o objeto de compensar a queda das rendas familiares. Destarte, o crescimento medio da população economicamente ativa (doravante PEA) triplica entre 1980 e 1990. Por sua vez, entre 1974 e 1988 a renda media per capita do conjunto dos assalariados desce 41%, embora essa queda seja maior para os estratos mais baixos, nos quais atinge 66%. A deterioração dos salários, que impacta cada vez mais também as classes médias, ao qual se soma a deterioração do sistema de ensino público em todos seus níveis e de outros serviços fornecidos pelo Estado, agravam de forma importante sua qualidade de vida. (Cortés, 1988; Beccaria,1991) Essa situação afeta duramente o núcleo mais importante do eleitorado radical, erodindo a legitimidade do governo alfonsinista.

Diante a crise estrutural do Estado, a confrontação que se produz entre os grupos econômicos locais e os bancos credores estrangeiros para manter o lucro extraordinário proveniente dos recursos estatais, leva a um processo de hiperinflação, que evidencia o limite que enfrenta o esvaziamento patrimonial do setor público. O golpe de mercado e a depreciação do austral, induzida pela compra massiva de dólares por parte de um conjunto de bancos estrangeiros, produzem a desintegração da moeda argentina. Evidencia-se, desse modo, a quebra do Estado, fortemente endividado tanto interna quanto externamente, criando as condições para um novo acordo entre os credores estrangeiros e os grupos empresários nacionais. Estes acordos coincidem com a política implementada pelos Estados Unidos e o FMI com o Plano Baker, que tentava garantir o pagamento da dívida mediante a venda do patrimônio das empresas e serviços mais rentáveis do Estado. Define-se a partir desse momento uma nova estratégia, na qual se complementam o ajuste fiscal com a privatização das empresas e serviços públicos, através da capitalização da dívida externa. (Basualdo, 1992) Contudo, essa política não será levada adiante pelo alfonsinismo, dado que o medo e os desequilíbrios produzidos pela hiperinflação, assim como as pressões exercidas pela oposição justicialista e as greves trabalhistas que se sucederam diante das quedas do salário, em conjunção com a crescente erosão da imagem presidencial, acabaram por aniquilar em 1989 o amplo consenso de 52% atingido em 1983. Diante do enfraquecimento da UCR, o Justicialismo, comandado por Carlos Menem, consegue triunfar nas eleições presidenciais de 1989.

O governo de Carlos Menem

Com um discurso próprio de um caudilho de perfil conservador popular e com uma grande capacidade de manipulação na campanha eleitoral, Menem apela à reivindicação dos setores mais abalados da sociedade, sob a promessa de lutar contra a inflação, aumentar os salários e promover uma revolução produtiva que permitisse abrir as fábricas. Não obstante, ao mesmo tempo tinha estabelecido uma aliança com as principais corporações econômico-financeiras do país, que não foi aberta para a opinião pública. Ao recorrer a esse ex-governador de uma província do empobrecido noroeste argentino dava-se uma manifestação a mais do deterioração sofrido pelo Partido Justicialista.

O triunfo eleitoral desse candidato assentou-se em grande medida na falta de respostas imediatas, requeridas por uma massa crescente de população marginada, submetida à desesperança e a pobreza, que o discurso modernizado do radicalismo não podia oferecer-lhes. Até meados da década dos setenta, uma característica da Argentina tinha sido a existência de um forte movimento trabalhista, sustentado numa tradicional situação próxima ao pleno emprego. Essa situação reverte-se por causa da descentralização industrial e de uma crescente precarização do trabalho, que foram quebrando os espaços organizativos das fábricas e outros âmbitos de trabalho, gerando uma população com dificuldades cada vez maiores para se integrar ao mercado de trabalho, no contexto de uma extensa atomização social.(Galínet, 1990).

Do outro lado, o candidato do radicalismo não conseguirá tornar-se independente de uma imagem de continuidade com a política alfonsinista e, como conseqüência disso, cai a sua confiabilidade com relação às possibilidades de superar a crítica situação criada pela hiperinflação ou de enfrentar a ameaça de novos surtos inflacionarios. Essa situação retira-lhe o apoio decisivo de votos provenientes de frações dos setores operários e das classes médias, que voltam novamente ao peronismo. Desse modo, enquanto o radicalismo perde ao redor do 10% dos votantes de 1983, o peronismo ganha uma proporção semelhante, alcançando mais do 49% dos votos, com os quais obtém a presidência no primeiro turno.

Ao se iniciar o governo de Carlos Menem, explicita-se o acordo com o poder econômico-financeiro. As leis de Reforma do Estado e de Emergência Econômica conformam o marco jurídico negociado pelas duas forças políticas majoritárias, com o objetivo de aprofundar a reestruturação sócio-econômica do país e implementar as linhas do Plano Baker. Após uma breve etapa na qual fracassam as políticas da estabilização monetária, no começo de 1991 implementa-se o Plano de Convertibilidade, promovido pelo ministro Domingo Cavallo. Esse ministro responde às orientações do FMI e dos bancos credores -aos quais já tinha favorecido em 1982 com a estatização da dívida externa privada - e vai impulsionar uma acelerada privatização do patrimônio público, que fortalece ainda mais o poder econômico local, dos bancos credores (como o Citibank ou o Morgan) e também a presença de importantes capitais europeus e norte-americanos.

As formas nas que se realizaram as privatizações (Gerchunof, 1995) através de uma escandalosa subavaliação das empresas e do patrimônio estatal, constituiu um novo traslado de recursos públicos para o capital estrangeiro, associado com os setores monopólicos nacionais. Ao fortalecer esses setores e uma minoria privilegiada em detrimento do resto da sociedade, aprofundou-se o desenvolvimento fortemente polarizado que caracteriza grande parte das economias latino-americanas. E a liquidação do aparato estatal completou a tarefa iniciada pelo ministro de economia da ditadura militar, Martinez de Hoz. Por sua vez, o projeto do ministro Cavallo possibilitou o ingresso da Argentina no Plano Brady, o qual lhe facilitaria a obtenção de créditos adicionais do sistema financeiro internacional, em troca do compromisso de implementar um novo ajuste sobre o setor público. Desta forma garantia-se o equilíbrio fiscal, assim como o pagamento das taxas de juro e o capital da dívida externa, sob o controle do FMI e os bancos credores.

Paralelamente impõe-se uma abertura total da economia, que vai afetar cada vez mais as pequenas e médias empresas nacionais e as "economias regionais", diante da crescente incapacidade de concorrer no contexto da nova estratégia econômica. Isto contrasta fortemente com as formas de proteção estabelecidas nos casos de indústrias como as dos automóveis ou do aço, que envolviam os interesses de importantes grupos econômicos locais e estrangeiros. As empresas nacionais encontram fortes obstáculos, por causa de uma combinação muito desfavorável entre a abertura total da economia, a persistência de um dólar desvalorizado, as elevadas taxas financeiras e as altas tarifas dos serviços privatizados - energia, combustível, telecomunicações, transporte, entre outros - que impõem altos custos produtivos. Neste quadro, as autoridades econômicas e os empresários priorizaram como variável de ajuste o custo salarial, apesar de que este tem uma incidência cada vez menor nos custos globais. (Quintar, 1992; Lozano, 1999)

A estratégia econômica do menemismo promoveu uma nova etapa de desindustrialização, um forte processo de concentração nas diversas áreas da atividade econômica e a quebra de numerosas pequenas e médias empresas industriais, comerciais, agrárias e de serviços. Por sua vez, adquire uma grande relevância a especulação financeira, devido às altas taxas internas de juros dos créditos. Em relação à estabilidade monetária, ainda que de 1991 a 1994 o Plano de Convertibilidade tenha sido bem sucedido em seu combate à inflação, a partir de 1995 começam a reverter-se seus efeitos positivos sobre o salário real. Isto é conseqüência de se produzir um aumento paulatino no preço dos produtos de consumo e nos serviços privatizados, enquanto os rendimentos salariais mantêm-se congelados. O mais crítico a partir desse momento será o crescimento do desemprego, devido ao fechamento de empresas e à racionalização do setor público, que determinam um novo incremento nos níveis da pobreza.

No âmbito político, o radicalismo não consegue superar sua debilidade e, no final de 1993, o ex-presidente Alfonsín acorda com Menem o chamado "Pacto de Olivos", pelo qual se convocava uma Assembléia Constituinte para atualizar a Constituição Nacional em vigência, possibilitando a reeleição presidencial, em troca de medidas que interessavam à Unión Cívica Radical. Por outro lado, a partir de 1990, a drástica mudança de rumo imposta por Menem ao seu governo, contrastando com as promessas eleitorais; a aliança com as corporações econômicas locais junto à hierarquização de suas relações com o FMI e o Banco Mundial; e especialmente o processo de privatizações, onde começa a se manifestar uma escandalosa corrupção, resultam na separação de um setor de deputados peronistas; dos grêmios mais combativos, que formam a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA) e de militantes políticos e grupos intelectuais, que constróem um pólo de oposição que enfrenta duramente o novo governo. No final de 1993 esses grupos de tradição peronista, aos quais se juntaram setores que provinham da esquerda e de um socialismo moderado, fundam a Grande Frente, que nas eleições constitucionais de 1994 conseguiu substituir o radicalismo como segunda força política nacional. Mais tarde, ao aliar-se com novas frações políticas, também separadas do peronismo, a Grande Frente constitui-se como Frente para um País Solidário (FrePaSo). Porém, paradoxalmente, após uma dura autocrítica de suas posições contra o modelo neoliberal, apoia o Plano de Convertibilidade como o caminho correto para sair da crise.

Apesar do acelerado crescimento da FrePaSo e da crise social anunciada pelo aumento do desemprego, Menem consegue capitalizar o temor à desvalorização da moeda e, de fato, recebe um apoio à sua política, dado que os dois principais partidos opositores - a UCR e o FrePaSo - afirmam que essa estratégia econômica é a única viável na Argentina. Dessa forma, a utilização do medo da perda da estabilidade monetária atingida durante os primeiros anos de sua administração permitiu a Menem obter a reeleição em 1995. Nesse ano, todos os indicadores mostravam um importante incremento de sua força política: além do Poder Executivo, o menemismo conseguiu a maioria de deputados e senadores; tem apoio dos dirigentes dos setores trabalhistas mais fortes - transformados em verdadeiros "empresários" devido à corrupção - e dos principais grupos econômico-financeiros. Paralelamente, o FMI e o Banco Mundial consideram-no um exemplo a seguir, pela docilidade com que executa suas orientações, e mantém uma imagem internacional que exalta o milagre alcançado pelo crescimento econômico da Argentina. Cabe assinalar que, embora na maioria dos governos anteriores existissem casos de maior ou menor grau de corrupção, na etapa menemista o novo é a consolidação de uma "estrutura de corrupção", cuja dinâmica conjuga interesses espúrios de funcionários e dirigentes políticos com os de empresários privados locais e estrangeiros. Deste modo, e especialmente pela magnitude das quantias envolvidas na privatização do patrimônio público, a corrupção adquire dimensões sem precedentes na história do país, tanto em termos de sua extensão em diversas áreas da sociedade, quanto no que se refere ao volume da riqueza pública expropriada.

Em contrapartida, as conseqüências sócio-econômicas das políticas neoliberais continuaram se agravando de maneira dramática. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC1999), entre 1994 e 1998 caíram as rendas de 90% dos trabalhadores, fato que afetou especialmente os estratos mais baixos da população. As mesmas fontes indicam que 80% dos trabalhadores recebem um salário inferior à cesta básica e 60% apenas ganham a metade do que necessita uma família para cobrir os gastos elementares. Nesta dinâmica, a polarização e concentração da riqueza aprofundaram-se. Como indica um estudo da Fundação de Investigações Económicas Latinoamericanas (FIEL, 1999) de orientação neoliberal, se em 1991 a renda média dos 10% mais pobres era 15 vezes inferior à dos 10% mais ricos, no final de 1998 essa diferença sobe a 25 vezes. Outro indicador da deterioração social manifesta-se no novo e sustentado aumento do desemprego e da precarização do trabalho. Segundo os dados oficiais do Ministerio de Trabalho e Seguridade Social (2000) a soma das taxas de desemprego e subemprego - que mostram a proporção da População Economicamente Ativa/PEA com problemas de emprego - passa do 18% em 1990 a 27% em 1998. Por outro lado, a mesma fonte assinala que a proporção de trabalhadores assalariados em condições precárias (que carecem de estabilidade, de contribuição para a aposentadoria e de seguridade social) cresce de 25% em 1990 a 36% em 1998. Cabe destacar que, em 1998, 78% dos novos empregos são precários, o qual significa que a tendência à instabilidade e ao desamparo dos trabalhadores é crescente.(Montenegro,1998)

Os problemas de emprego e a queda dos salários produzem um forte incremento da pobreza e da indigência. Um estudo realizado pelo Banco Mundial para o total do país (Banco Mundial, 1998) no início de 1998, indica que a proporção de domicílios abaixo da linha de pobreza chega a 36%. Esta situação agrava-se especialmente nas regiões do Nordeste, do Noroeste e de Cujo, onde as proporções atingem respectivamente 57%, 56% e 48%. Devido ao número maior de filhos entre os mais pobres, segundo as mesmas fontes, 45% das crianças menores de 14 anos vivem em condições de pobreza crítica. Pode-se ver nestes dados o acelerado processo de deterioração social que sofre a Argentina nos últimos 25 anos, se tivermos em conta que, como se indicou acima, as estimações sobre a proporção de pobreza no país antes da ditadura militar não superavam 7% do total de habitantes.

O acelerado crescimento da pobreza - a qual, em uma definição mais precisa, deve ser considerada como exclusão, dadas as escassas possibilidades de ser superada no marco das atuais estratégias neoliberais - tem promovido nesses setores da população diversos comportamentos subterrâneos em suas tentativas por sobreviver diante situações limite. Dada a tradicional existência de condições próximas ao pleno emprego, as "estratégias de sobrevivência" desenvolvidas em diversas nações latino-americanas constituem uma novidade na Argentina, especialmente no que diz à extensão atingida. Em grandes linhas - diferentemente dos movimentos sociais - esses comportamentos subterrâneos não têm "visibilidade" no cenário político do país. Eles têm adquirido três modalidades principais. Em primeiro lugar, as diversas formas de auto-organização solidária, como são as ollas populares5 5 "Ollas Populares" é um jargão que exprime um tipo de organização popular para conseguir alimentos e cozinhá-los de forma comunitária na própria rua, que se desenvolve em períodos de mobilização popular ou de crise. , instituições sociais onde podem comer de graça as crianças, adultos o os idosos, creches comunitárias para atender os meninos enquanto a mãe está trabalhando; organizações de autoproteção dos imigrantes de fronteira e outras formas de cooperação coletiva, que permitem compensar em parte a hostilidade das políticas sócio-econômicas. Uma segunda modalidade é a amplitude que atingiram as relações clientelísticas, promovidas principalmente pelos partidos que governam - no nível nacional, provincial o municipal - e sob a orientação do Banco Mundial, que estabelecem políticas sociais focalizadas para os grupos mais pobres da população, como um modo de reduzir a pressão das tensões sociais. Por outro lado, nesta modalidade clientelística, que se desenvolve especialmente com os setores mais atingidos, trocam-se bens de primeira necessidade ou determinadas somas de dinheiro por lealdades políticas que se materializam no voto o na assistência aos atos partidários dos "punteros", ou chefes dos bairros que os provêm. Aliás, esse tipo de clientelismo tem sido característico das províncias mais pobres, onde perduraram e ainda perduram diversos caudilhos, cujo poder assenta-se numa extensa rede de lealdades, alimentada por distintas prebendas. Na atualidade foi consolidando-se também nas áreas periféricas das grandes cidades, que antigamente foram bairros de operários.

Finalmente, uma terceira modalidade vincula-se com condutas de desespero frente a uma realidade que parece fechar todos os caminhos. O desespero gera manifestações agressivas ou auto-agressivas, evidenciadas no significativo aumento do alcoolismo, na violência familiar, no consumo e no microtráfico de drogas, assim como no crescimento das ações delituosas. A respeito, como indica um estudo da Consultora Equis utilizando dados do Ministerio da Justiça (López, 2000) a taxa de delinqüência - medida em número de delitos para cada mil habitantes - cresceu na Cidade de Buenos Aires desde 14 por mil em 1991 até 62 por mil em 1999. Importa salientar que a análise mostra que as variações nos índices de delitos contra a propriedade têm uma altíssima correlação com os níveis de desemprego e com o tamanho da brecha existente entre aqueles que possuem mais e os que menos possuem. (Verbitsky, 2000) Assim, a cidade de Buenos Aires, historicamente conhecida pela segurança de suas ruas, transformou-se num novo centro urbano perigoso, que hoje compartilha a insegurança de outras grandes cidades latino-americanas; uma situação que se agrava substancialmente nos bairros do Grande Buenos Aires. As proporções que adquirem respectivamente as formas solidárias de auto-organização ou as condutas de desespero transformam-se numa chave para as possibilidades de construção de novas formas democráticas e de ampla participação social.

Diferentemente do que acontece com os movimentos mais subterrâneos e não obstante essa concentração do poder exibida pelo governo de Menem durante sua primeira etapa, pode-se ver que as práticas coletivas de protesto contra a impunidade dos poderes militares, políticos e econômicos aprofundaram-se na década de 90. Multiplicidade de demandas e de grupos, multiplicidade de formas de expressão dessas demandas e também diversidade de sujeitos coletivos foram convocados nessas interpelações: jovens, aposentados, mulheres, operários, desempregados, estudantes ou profissionais. Nos últimos anos, e particularmente a partir do "Santiagazo"6 6 Santiago del Estero é um estado com altos níveis de pobreza, que está situado ao noroeste do pais. O Santiagazo foi o jargão utilizado para identificar a insurgência popular acontecida no ano 1993 em protesto pela corrupção do governo estadual. , começaram a acontecer, com maior freqüência e vigor, diversas formas de protesto protagonizadas por multidões locais, em todo o país. Esses protestos, conhecidos seja como puebladas (onde participa todo o povo de uma localidade), como "piquetes" para cortar as estradas nas quais participam os desempregados como conseqüência dos processos de privatização de empresas estatais junto a outros membros afetados dessas comunidades, as passeatas de silêncio pedindo o esclarecimento dos crimes e protestando contra a impunidade dos poderosos7 7 Com efeito, nesses anos, e como conseqüência da impunidade dos membros vinculados ao poder político, econômico e policial-militar, produziram-se numerosos casos de assassinatos e atentados a jovens, a jornalistas, a promotores públicos, etc, que não foram julgados. Por exemplo, o estupro e assassinato da adolescente Maria Soledad cometido por pessoal vinculado ao poder político provincial, o assassinato do jornalista José Luis Cabezas que pesquisava negócios duvidosos de um empresário vinculado ao governo nacional, o atentado contra a "Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA) no qual morreram um centenar de pessoas e que existem suspeitas de cumplicidade do pessoal vinculado ao Ministério de Justiça, assassinatos de jovens por parte da Polícia (gatilho fácil), detenção e posterior assassinato pela Polícia Federal do adolescente Walter Bulacio num recital musical, assassinato do recruta Carrasco enquanto estava fazendo o serviço militar obrigatório, o atentado ao cineasta e político Fernando Solanas por sua denúncia sobre a corrupção vinculada à privatização do petróleo, etc. , ou a "barraca da dignidade"8 8 A Carpa da Dignidade é uma grande barraca que foi colocada na Praça do Congresso a começo de 1997 e permaneceu lá até finais de 1999, como ato de protesto contra a nova lei de educação votado pelos deputados e senadores menemistas que formavam a maioria do poder legislativo. Por essa barraca foram passando diversos grupos de professores de todo o país que participam na realização de greves de fome. Nos últimos anos de Menem essa Carpa virou símbolo de oposição à política menemistae ponto de encontro de diversas mobilizações de protesto. dos professores de primeiro grau, reclamando contra a nova lei de educação e a favor de melhorar as condições econômicas dos professores e o orçamento destinado à educação pública, entre outros. O denominador comum de tais mobilizações é o protesto contra a impunidade do poder e a falta de justiça, tanto social quanto jurídica propriamente dita.

Pelo contrário, pouca influência tiveram os partidos políticos e os sindicatos tradicionais nessas demonstrações. Nesse sentido e como anverso da medalha da irrelevante presença dos representantes tradicionais naquelas ações coletivas, estaria se produzindo um crescente deslizamento da credibilidade dos cidadãos a outras instituições e figuras da sociedade.9 9 Em uma investigação que realizou Gallup de Argentina em 1997 na qual se perguntava sobre os níveis de confiança que os cidadãos tinham das diversas instituições sociais, apenas 11% declararam confiar nos partidos políticos e 13% nos sindicatos; enquanto que ao redor de 60% preferiram os professores de primeiro e segundo grau, professores, pesquisadores e estudantes das universidades públicas, cristãos com vocação social e outras entidades de ajuda sem fins de lucro. Esta deterioração dos partidos políticos e, em geral, dos representantes tradicionais, também se expressa no comportamento eleitoral, em que, apesar do caráter obrigatório do voto, em alguns casos opta-se pela abstenção, que se foi incrementando nas sucessivas eleições.10 10 Por exemplo, nas últimas eleições da Capital Federal 24% do padrão eleitoral - isto é, a segunda força do distrito - decidiu não se apresentar para votar. IDEP/DNE

De outro lado, aprofundaram-se as mobilizações de protesto que se vincularam ao esclarecimento e castigo dos responsáveis pelo genocídio durante a última ditadura militar, e as que se relacionavam com a recuperação dos filhos dos desaparecidos apropriados por essas forças repressivas. Nesse contexto cabe destacar que, diferentemente do que acontece atualmente no Chile com o caso de Pinochet, na Argentina produziram-se importantes avanços em relação ao castigo aos responsáveis pelo terrorismo de Estado. Em virtude da constante ação dos organismos de direitos humanos - em particular das Madres e Abuelas de Plaza de Mayo - começa a reverter-se a impunidade dos genocidas, que foram dispensados pelas leis de Ponto Final e de Obediência Devida e o posterior indulto outorgado por Menem. Superando os obstáculos que significaram essas leis e o indulto, a luta das Abuelas de Plaza de Mayo conseguiu impedir que prescrevesse o delito de roubo dos recém-nascidos e filhos dos desaparecidos, apropriados por famílias vinculadas direta o indiretamente com membros da ditadura. Desse modo, não só conseguiu-se até o momento o julgamento e encarceramento dos comandantes Videla e Massera assim como a de outros membros das cúpulas militares, senão que começam a produzir-se fortes contradições no interior das Forças Armadas, pelos quais o próprio ex-comandante general Balza viu-se obrigado a realizar uma autocrítica da atuação militar durante a etapa da ditadura e mais tarde reconheceu que o seqüestro de crianças formou parte de um plano sistemático da estratégia do terrorismo de Estado.

Como produto de dez anos de governo menemista, em termos macroeconômicos a Argentina encontra-se numa situação onde a maior parte de suas exportações são de caracter primário ou de ramos industriais com baixo valor agregado (comodities) e abandonaram-se aqueles setores produtivos que têm maior capacidade para se incorporarem no processo de mudança tecnológica. A estabilidade monetária foi mantida ao preço de um sustentado crescimento da dívida externa, que passa de 61 bilhões de dólares em 1991 a 140 bilhões em 1999. A fraqueza da estrutura exportadora e a crescente dependência das importações para o consumo interno e para a produção geraram como tendência predominante neste período um déficit na balança comercial, que se soma ao déficit que se arrasta na balança de pagamentos. Por sua vez, o déficit fiscal devido ao peso crescente do gasto público que se destina ao pagamento dos serviços do endividamento externo gerou um círculo vicioso cada vez mais crítico, que conduz a sucessivos ajustes estruturais e à necessidade de contrair créditos externos que aumentam o endividamento. Deste modo a Argentina encontra-se numa situação sem saída, se pretende continuar com essa lógica perversa como o "único caminho" para o futuro.

A conjunção entre a crítica situação macroeconômica da Argentina e o agravamento da deterioração social; uma corrupção que inunda as mais amplas esferas de a sociedade; as crescentes críticas e mobilizações populares em demanda de justiça, transparência e maior equidade social; tudo isso junto com o descarado exibicionismo do gasto ostentivo dos "ricos e famosos" associados ao poder menemista terminaram por erodir a figura e a gestão de Menem. Isto teria uma influência decisiva no triunfo eleitoral da oposição nas eleições presidenciais de 1999.

O CENÁRIO POLÍTICO-SOCIAL DO ANO 2000

O governo de De La Rua - Alvarez

Tomando como base o triunfo eleitoral da UCR nas eleições para chefe de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires em 1996 e a maioria obtida por o FrePaSo nas eleições legislativas da província de Buenos Aires em 1997, ambas as forças decidiram unir-se em 1998 com o objetivo de derrotar o Justicialismo nas eleições presidenciais do ano seguinte, sob o slogan Aliança para a Educação, o Trabalho e a Justiça.

A chapa eleitoral dessa força tinha como presidente Fernando De La Rúa e como vice-presidente Carlos Alvarez, dirigentes da UCR e do FrePaSo respectivamente. O eixo de sua proposta foi a luta contra a corrupção e a promessa de transparência nas ações de governo, numa forte confrontação com a gestão menemista. A credibilidade que essas propostas geraram na sociedade basearam-se nas trajetórias de ambos os dirigentes - como prefeito da cidade de Buenos Aires o primeiro e como deputado nacional o segundo - que se caracterizaram pela honestidade de suas intervenções, como também por trazer a público as graves irregularidades cometidas por diversos funcionários do menemismo. Quanto às propostas programáticas, apresentavam um modelo que poderíamos considerar como a versão latino-americana da chamada "Terceira Via", que implicaria um modelo político-econômico neoliberal num quadro político-cultural de centro-esquerda.

Neste contexto manifestam-se as decisões do novo governo de julgar, ao menos, aqueles casos de corrupção administrativa mais evidentes e escandalosos dos últimos tempos. Cabe salientar que, até hoje, esses juízos referem-se aos "casos emblemáticos de corrupção" dos últimos tempos, sem que essas investigações tenham atingido um alcance maior, referido à corrupção em que se envolveram membros do radicalismo e do justicialismo, assim como à corrupção vinculada com o comportamento dos grandes grupos econômico-financeiros que participaram no esvaziamento do patrimônio público sob diversas modalidades a partir do governo militar até o menemismo.12 12 Na atualidade os juízos mais importantes são aqueles que se seguem à estafa realizada pela IBM na provisão de hardware e software para a informatização do Banco Nação - na qual estão envolvidos altos, executivos norte-americanos dessa empresa que os Estados Unidos negam-se a extraditar assim como ex-funcionários do menemismo - e o referido ao tráfico ilegal de armas nas guerras de Bosnia e Equador-Perú, no qual estão envolvidos setores do exercito junto a grupos políticos e membros dos serviços secretos de Estados Unidos. Também tem especial importância o juízo à chamada "máfia do ouro" integrada por ex-membros do governo de Menem com a cumplicidade de pessoal da Alfândega; e as recentes denúncias sobre o poder e a extensão atingida pelo narcotráfico em virtude da carência de qualquer tipo de controle do espaço aéreo do nordeste do país (que se liga com a área geográfica de Paraguai e do sul do Brasil) que possibilitava atuar livremente aos grupos vinculados com o traslado de drogas por via aérea. De qualquer forma, no que se refere às expectativas da população com respeito à honestidade na ação de governo e a imposição de limites à corrupção, o novo governo gerou uma atitude favorável, expressa nos níveis de popularidade mantidos pelo presidente De La Rúa após os primeiros 100 dias de governo, o que contrasta com a rejeição ao ex-presidente Menem, que chega a 86% dos habitantes.

Na avaliação das possibilidades de manter o consenso e das transformações sócio-políticas que possa levar adiante o novo governo deve-se considerar o mapa desenhado pelo resultado das últimas eleições em todo o país, obtido pelas duas forças principais. A esse respeito, é preciso observar que o Justicialismo atingiu o governo das três províncias mais importantes - Buenos Aires, Santa Fe e Córdoba - junto a outras menores. Por seu lado, além do triunfo no nível nacional, a Alianza ganhou as Cidades de Buenos Aires e Rosario, assim como outras províncias médias e menores. O equilíbrio dessa representatividade obriga a estabelecer distintos tipos de acordos para implementar as estratégias de transformação ou reforma política e diversos planos, vinculados com a política fiscal ou de desenvolvimento social, no contexto da política global de ajuste estrutural que o governo estabeleceu como prioridade para garantir o equilíbrio fiscal.

Por sua vez, esse mapa provincial conjuga-se com os respectivos espaços de cada uma das forças políticas no Legislativo nacional - deputados e senadores - que também obrigam a implementar políticas de acordo com a finalidade de enfrentar o tratamento dos diversos projetos de lei: a composição no Parlamento outorga uma maioria simples de deputados nacionais para a Alianza, e entre os senadores o Justicialismo tem uma maioria que lhe permite constituir-se num fator de poder para a aprovação ou rejeição dos projetos de leis. Esta necessidade de estabelecer alianças assume particular importância no caso da relação entre o governo nacional e o da Cidade de Buenos Aires - que pertencem ao mesmo partido - com o governo justicialista da província de Buenos Aires, dado que a distribuição macrocefálica da população entre a cidade de Buenos Aires e a província do mesmo nome somam ao redor do 45% dos votos nacionais.

A desintegração da liderança menemista deixou desarticulado o justicialismo, limitando-lhe a possibilidade de coordenar a ação entre suas diferentes correntes. O surgimento de novas referências locais ainda não conseguiu consolidar uma direção e orientação consensual do conjunto. Isto manifesta-se também no confronto que se produz nas diversas províncias entre os respectivos governadores e os senadores ou deputados nacionais eleitos por essas províncias. A complexidade das alianças e interesses envolvido num mapa com essas características condiciona as lealdades partidárias, na medida em que a política de ajuste implica uma redução dos orçamentos provinciais, que em muitos casos dependem de decisões do governo nacional. Assim, a pressão da falta de recursos para cobrir as necessidades provinciais - e em particular o pagamento dos salários de sua administração - faz com que em muitos casos os governadores priorizem as relações bilaterais com o governo nacional, colocando as vinculações estritamente partidárias num plano secundário.

A descentralização do sistema de ensino, de saúde e de bem-estar social e o caráter clientelístico do funcionamento político-partidário provincial agravam as pressões. Por sua vez, essa descentralização, associada às políticas focalizadas do Banco Mundial (BM) - que outorga prioridade e estabelece acordos diretos não apenas no nível nacional ou provincial mas também no municipal - antes de ter melhorado a eficiência na cobertura de serviços levou a uma verdadeira atomização no desenho e implementação das políticas sociais. é pertinente observar as conclusões de uma recente avaliação desses planos, onde se afirma que durante a gestão menemista, do total dos empréstimos outorgados pelo Banco Mundial nessas áreas, apenas chegava aos supostos beneficiários uma parte menor, enquanto que a maior proporção era consumida pelos altos salários, as ajudas de custo e outras prebendas recebidas pelos técnicos e assessores contratados pelo Estado nos diversos níveis, ou se perdiam através das diferentes formas de corrupção.

O déficit fiscal e o significativo incremento da dívida externa herdados da etapa menemista levariam ao governo da Alianza a hierarquizar os acordos com o FMI para obter novos empréstimos e definir o quadro mais abrangente da política a desenvolver. Uma sinal de importância atribuida às boas relações com o FMI e o BM é a peculiar presença de economistas comprometidos com a tradição neoliberal que ocupam cargos de hierarquia no gabinete De La Rua.13 13 Como Ministro de Economia é designado José Luis Machinea, que participara com Domingo Cavallo no Banco Central durante os últimos anos da ditadura militar na estatização da divida privada. Outros economistas do mesmo perfil ocupam os Ministerios de Relações Exteriores, Defesa e Educação e Cultura. Nesse aspecto deve-se salientar que além das diferenças e contradições existentes entre as duas forças no campo do político-institucional, ambas concordam na necessidade de manter as alianças com o poder econômico-financeiro e implementar as orientações ditadas pelo FMI e o BM.

Um aspecto fundamental, que atua como fundo na complexidade do panorama político argentino e nas possibilidades de desenvolver estratégias que garantissem a estabilidade institucional, é o enfraquecimento da forma de Estado que se havia consolidado na América Latina, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial. No modelo político dos estados nacionais que acompanharam o paradigma econômico fordista a capacidade de decisão e ação soberana baseava-se em três fatores fundamentais. No plano econômico, vinculava-se com sua capacidade de arrecadar recursos através da definição de um perfil fiscal, das rendas alfandegárias e otras fontes, que lhe permitiram definir o gasto público, controlar a moeda e estabelecer as linhas básicas das políticas econômico-sociais. Um segundo aspecto supunha a existência de um Poder Judiciário independente, que garantisse o cumplimento das normas acordadas pela legislação e a Constituição Nacional. Finalmente, "o monopólio da violência legítima" (Weber, 1964) exercida através de forças armadas e de segurança submetidas ao Estado de Direito, constituíam o terceiro fator que garantia a soberania do Estado-Nação.

No último quarto de século e no contexto da atual globalização, esse modelo político que tinha como centro ao Estado foi-se deteriorando cada vez mais.14 14 Assim, para os núcleos mais poderosos que impulsam a globalização, o que importa já não são as nações da América Latina mas algumas metrópolis que na perspectiva do capital financeiro hegemônico vão-se transformando paulatinamente em simples mercados emergentes. (Lozano, 1999) Entrementes, diversas regiões desses países ou ainda nações são marginalizadas e começam ser consideradas "economicamente inviáveis" sem que se explicite o real significado dessa definição. No caso específico do Estado argentino, a deterioração agudizou-se a partir da última ditadura militar, quando as Forças Armadas deixam de submeter-se ao Estado de Direito, anulando o Parlamento e a Constituição Nacional e comprometendo seriamente a independência do Poder Judiciario. No campo econômico o Estado orienta sua atuação pelo novo poder econômico-financeiro que expande sua hegemonia em nível mundial; e através do tratamento da dívida externa deixa-se nas mãos do FMI e do BM - como expresão política desse poder hegemônico - a orientação das políticas sócio-econômicas. A degradação sistemática das instituições militares e policiais, agudizada por seus vínculos com o terrorismo de Estado e pela crescente corrupção e impunidade exibida por uma proporção importante de seus membros, põe-se de manifesto na sua cumplicidade com o tráfico ilegal de armas, o narcotráfico, o "gatilho fácil", e com outros setores deliqüenciais. Por sua vez, as distorsões, a corrupção e o jogo de interesses que permearam o Poder Judiciário e especialmente a Corte Suprema de Justiça, agravam-se durante a gestão do menemismo. Dessa forma, não apenas desarticula-se o Estado-empresário através das privatizações e o Estado de Bem Estar como conseqüência do recuo da ação pública nas políticas sociais, mas o próprio Estado soberano como tal, reformulado no seu papel de instrumento essencial do novo poder econômico.

A perda de capacidade reguladora estatal manifesta-se em sua dificuldade para controlar a operação dos serviços e empresas públicas privatizadas. Estas, em áreas como a energia elétrica, as telecomunicações, o tratamento da água, os transportes, os combustíveis, mostram graves deficiências nos serviços ou impõem uma sobreavaliação das tarifas, favorecidos pelo monopólio sobre mercados cativos, que já estavam previstos nos contratos de privatização, entre outras distorsões que acompanharam esses processos. Aliás, a reorientação do Estado impõe um limite à ação dos partidos políticos, que, ao não dispor de um poder institucional que lhes permita definir autonomamente as políticas nacionais em distintas áreas, subordinam-se ao poder real dos setores econômico-financeiros de maior concentração e às pressões dos organismos internacionais, que definem de fato a orientação de suas políticas. A democracia representativa transforma-se então num simulacro, enquanto que a vontade popular carece dos instrumentos que lhe permitam exercer sua decisão soberana. Essa incapacidade dos partidos para levar adiante políticas que respondam às aspirações e demandas das maiorias que os escolheram para governar é um dos fatores que incidem na "crise de representatividade" e da escassa confiabilidade que têm com respeito à sua eficácia para superar a angustiante situação sócio-econômica das nações latinoamericanas em geral e da Argentina em particular.

Assim, nos três últimos lustros, com a reinstauração dos governos constitucionais na América Latina, produz-se uma dinâmica pela qual o surgimento de lideranças e forças políticas que atingem um amplo consenso é seguido, após um tempo no exercício do governo, por uma acelerada desintegração desse consenso. Este fenômeno deve-se a sua incapacidade para responder às demandas majoritárias; à drástica reorientação de suas políticas ante as promessas eleitorais; à corrupção dos dirigentes e funcionários; ou ao exercício constante de um duplo discurso. Entre outros, esses fenômenos acompanharam as experiências de Alfonsín e Menem na Argentina; Carlos Andrés Perez e Calderas na Venezuela; Sarney e Collor de Melo no Brasil; Alan García no Perú; Bucarám e Mahuad no Ecuador; Salinas de Gortari no México. Une-se a isso a queda da popularidade de muitos dos atuais governos da região, colocando fortes interrogantes em relação às possibilidades da Alianza para consolidar um consenso estável no médio e longo prazo.

Após poucos meses da assunção do novo governo na Argentina é difícil prever qual será sua trajetória. Até hoje, algumas iniciativas como a derogação das leis de Ponto Final e Obediência Devida - apesar de não ter caráter retroativo - parecem indicar a decisão de defender os direitos humanos fortemente agredidos pela ditadura, cumprindo com a expectativa de uma parte importante da sociedade argentina. Entretanto, o impulso para uma nova lei de flexibilização do trabalho, contra a resistência de um amplo setor do movimento trabalhista, e o estabelecimento de novos impostos sobre as rendas pessoais que afetam especialmente às camadas médias, gera questões acerca de sua aceitação entre seu próprio eleitorado. Especialmente, se consideramos que se conserva um perfil tributário de alta regressividade e que ainda não se fortaleceram os mecanismos para controlar os grandes sonegadores. Mas talvez o mais preocupante seja que o debate político esteja centrado no curtíssimo prazo, mostrando-se incapaz de problematizar o papel que terá a Argentina no médio prazo diante das transformações acontecidas no cenário internacional; o real significado das políticas neoliberais no marco dos processos de globalização produtiva, financeira e das comunicações e a informação; ou os fatores que conduziram às diferentes crise dos Tigres Asiáticos, Indonésia, Rússia, México ou Japão. Daí as grandes dúvidas ao redor das possibilidades da classe política argentina para superar a grave situação de crise na qual está mergulhada a maioria de nossa sociedade.

ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS

Neste sentido, no atual contexto de articulação de grandes blocos continentais, a integração regional latino-americana é um objetivo iniludível, se pretendemos garantir uma estratégia de desenvolvimento para qualquer de nossas sociedades. Todavia, em consonância com os modelos político-econômicos impostos na maioria delas, até hoje a tendência predominante nos acordos do Mercosul reduz-se a favorecer a articulação dos grupos empresariais mais concentrados (Arroyo, 1993) em vez de garantir estratégias que ofereçam mútuos benefícios ao conjunto dos habitantes que os integram. Essa lógica define uma situação pela qual aquilo que favorece um dos países supõe prejuízos para os outros, dado que promove uma política competitiva no plano estritamente econômico, sem considerar o conjunto dos interesses sociais que deveriam participar na decisão dos delineamentos essenciais do processo de integração. Desse modo, produzem-se sucessivas confrontações espúrias, como a desvalorização do Real, a pugna entre os governos de Argentina e Brasil por garantir benefícios e prebendas para as grandes empresas na competição por produtos que vão de automóveis e tecidos até alimentícios. Manifestam-se nisso interesses exclusivamente guiados pelo lucro dos capitais, que podem se mobilizar de um país a outro, sem tomar em consideração as conseqüências que isso significa para estas sociedades.

Os conflitos são apresentados, então, não como uma competição entre grandes interesses capitalistas, mas como um enfrentamento que comprometeria a ambos povos. Tenta-se dessa forma desviar a responsabilidade dos verdadeiros causantes da grave situação social que acossa a ambos. Assim, os supostos acordos de integração, em vez de estimular a solidariedade e a consciência sobre as vantagens que tem a cooperação, promove sentimentos hostis, que invalidam o espírito de uma real integração. A crise do Mercosul revela que, mais uma vez, os interesses privados sobrepuseram-se aos interesses públicos e, desse modo, em vez de formar-se um bloco que permita desenvolver em comum os potenciais de cada um deles, impõe-se uma competição entre supostos aliados. (Lozano, 1999; Argumedo, 1999) Aliás, até o momento não se desenvolveram as possibilidades que decorrem de uma integração no campo universitário e de desenvolvimento científico-técnico; na produção e difusão cultural; no desenho de projetos comuns para cobrir necessidades que afetam ao conjunto; em políticas de acordo monetário; e nos diversos espaços de construção que pode permitir um novo tipo de integração regional.

Além dos graves efeitos econômico-sociais do presente, os novos cenários tecnológicos internacionais vinculados com os esquemas produtivos, de serviços, etc. que se sustentam em tecnologias de avançada, impõem novos recursos estratégicos e vantagens competitivas que estão sendo eliminadas em nosso país. Diversos autores indicam que o recurso conhecimento derivado de sistemas educativos, e a requalificação do trabalho são requisitos de infra-estrutura técnico-econômica para desenhar os esquemas produtivos e de serviços de uma nova idade da história.

Do mesmo modo que é necessário reformular as bases conceptuáis e políticas do processo de integração continental, as tendências para um aprofundamento da crise social e econômica da maioria de nossos países obrigam-nos também a redefinir as bases do debate sobre as formas de participação social e de organização político-institucional, necessárias para construir uma nova sociedade a partir de um novo conceito de democracia. A fase da história que começa, imposta pelo fechamento do ciclo da revolução industrial e da chamada idade contemporânea - na qual adquirem um papel decisivo os impactos da revolução técnico-científica nas mais amplas áreas da atividade social - não permitem conceber um retorno às antigas formas de Estado e aos modelos de organização social e representação política, consolidados primeiro nas nações do ocidente central e há pouco mais de um século na América Latina.

Enfrentamos um corte histórico profundo, com processos de transformações qualitativas que obrigam a estabelecer os fundamentos de uma concepção diferente da estruturação de novos ordenamentos socioeconômicos e políticos, susceptíveis de responder aos desafios de um novo tempo. E assim como as idéias do Antigo Regime - com suas monarquias absolutas, aristocracias de sangue, servidões feudais ou escravaturas - mostraram seu anacronismo diante das potencialidades e as transformações impulsadas pela dinâmica histórica que deu origem à revolução industrial, hoje as graves conseqüências sociais geradas pelos modelos neoliberais; os processos de concentração da riqueza e de polarização social sem precedentes; a degradação dos estados nacionais; e também as modalidades de representatividade política tornaram-se profundamente anacrônicas em suas possibilidades de desenhar alternativas verdadeiramente inovadoras diante destas mudanças civilizatórias. Trata-se, em síntese, de reformular os eixos do debate político e social, descartando as miradas economicistas e parciais que predominam na maioria dos âmbitos políticos da América Latina.

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  • 1
    No setor financeiro combinaram-se a mais alta rentabilidade e a mais baixa inversão. Com efeito, enquanto que os lucros atingiram o 50% anual em dólares durante dois anos e 20% em outros cinco, a remissão de utilidades do capital estrangeiro desde o país foi da ordem do 90%. (Azpiazu et al, 1985)
  • 2
    Durante os 18 anos de proscrição - quando um golpe militar derrocou ao governo constitucional peronista em 1955 e até 1973, em que lograram-se eleições livres onde triunfou amplamente - o movimento peronista conformava-se como uma complexa articulação de forças trabalhistas, políticas e juvenis, que respondiam à liderança do Perón mas, ao mesmo tempo, constituíam uma amplia gama interna de definições político-ideológicas em muitos casos antagônicas entre si. A impossibilidade de decantar a legítima representatividade de cada uma delas, diante os obstáculos que durante duass décadas lhe impôs a proscrição, levaria a um constante enfrentamento interno entre as correntes combativas e as moderadas - ou decididamente reacionárias - que a partir de 1970 iam atingir um crescente nível de violência, chegando até enfrentamentos militares entre setores definidos respectivamente como peronistas. Esta dinâmica será um fator decisivo que explica as dificuldades para compreender as características desse amplio movimento de massas, conformado pela maioria dos trabalhadores e setores importantes das classes médias baixas. A confrontação manifestou-se tanto no plano político e trabalhista quanto na influência exercida por intelectuais orgânicos e quadros que atuavam como referentes das distintas correntes, o qual mostrava uma aparente unidade dado que essas correntes coincidiam em aceitar a direção do líder exilado. Porém, por baixo dessa aparente unidade, foram desenvolvendo-se antagonismos irredutíveis que explodiram com força nos anos imediatamente anteriores ao triunfo de 1973 e ainda mais cruamente após a morte do Perón em 1974. A partir de então a viragem à direita por parte do governo peronista comandado por Isabel Perón, que apoiou às frações mais retrógradas, encontra sua contrapartida num incremento da violência, enfraquecendo dessa forma o triunfo popular que tinha significado quebrar a proscrição e garantir a volta do Perón após um longo exílio. (Chumbita, 1989; Argumedo, 1993) Nessas condições o alvo da repressão da ditadura não foram apenas os grupos político militares de esquerda, mas também os militantes e os intelectuais das correntes mais combativas do peronismo, batendo especialmente nos quadros médios e de base dos trabalhadores que eram em grande medida peronistas. Aliás, diversos estudos assinalam que o 35% dos desaparecidos foram operários e 33% assalariados de serviços urbanos (Izaguirre, 1992). Essa situação junta-se ao fato que, como resultante dos programas econômicos implementados até então, produz-se a desarticulação e fragmentação da classe trabalhadora. Isso favoreceu ainda mais que a direção do movimento fosse depositada quase exclusivamente em setores políticos e sindicais de direita. Desse modo, o peronismo, que em 1973 tinha atingido um amplo apoio popular, especialmente entre os jovens operários e estudantes provenientes das classes médias, emergira em 1983 gravemente degradado. (Feria, 1985; Alvarez, 1986)
  • 3
    Estes nucleavam-se no Grupo Maria, formado entre outros por Techint, Perez Companc, Bunge y Born, Macri, Bridas, Fortabat, Soldati
  • 4
    A lei do Ponto Final estabelecia um prazo para a apresentação de novos julgamentos e a lei da Obediência Devida significava que aqueles que cumpriram ordens - ainda que aquelas fossem atos aberrantes como a tortura, incluindo as de crianças - não eram responsabilizados por suas ações e portanto eram dispensados de ser punidos.
  • 5
    "Ollas Populares" é um jargão que exprime um tipo de organização popular para conseguir alimentos e cozinhá-los de forma comunitária na própria rua, que se desenvolve em períodos de mobilização popular ou de crise.
  • 6
    Santiago del Estero é um estado com altos níveis de pobreza, que está situado ao noroeste do pais. O Santiagazo foi o jargão utilizado para identificar a insurgência popular acontecida no ano 1993 em protesto pela corrupção do governo estadual.
  • 7
    Com efeito, nesses anos, e como conseqüência da impunidade dos membros vinculados ao poder político, econômico e policial-militar, produziram-se numerosos casos de assassinatos e atentados a jovens, a jornalistas, a promotores públicos, etc, que não foram julgados. Por exemplo, o estupro e assassinato da adolescente Maria Soledad cometido por pessoal vinculado ao poder político provincial, o assassinato do jornalista José Luis Cabezas que pesquisava negócios duvidosos de um empresário vinculado ao governo nacional, o atentado contra a "Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA) no qual morreram um centenar de pessoas e que existem suspeitas de cumplicidade do pessoal vinculado ao Ministério de Justiça, assassinatos de jovens por parte da Polícia (gatilho fácil), detenção e posterior assassinato pela Polícia Federal do adolescente Walter Bulacio num recital musical, assassinato do recruta Carrasco enquanto estava fazendo o serviço militar obrigatório, o atentado ao cineasta e político Fernando Solanas por sua denúncia sobre a corrupção vinculada à privatização do petróleo, etc.
  • 8
    A Carpa da Dignidade é uma grande barraca que foi colocada na Praça do Congresso a começo de 1997 e permaneceu lá até finais de 1999, como ato de protesto contra a nova lei de educação votado pelos deputados e senadores menemistas que formavam a maioria do poder legislativo. Por essa barraca foram passando diversos grupos de professores de todo o país que participam na realização de greves de fome. Nos últimos anos de Menem essa Carpa virou símbolo de oposição à política menemistae ponto de encontro de diversas mobilizações de protesto.
  • 9
    Em uma investigação que realizou Gallup de Argentina em 1997 na qual se perguntava sobre os níveis de confiança que os cidadãos tinham das diversas instituições sociais, apenas 11% declararam confiar nos partidos políticos e 13% nos sindicatos; enquanto que ao redor de 60% preferiram os professores de primeiro e segundo grau, professores, pesquisadores e estudantes das universidades públicas, cristãos com vocação social e outras entidades de ajuda sem fins de lucro.
  • 10
    Por exemplo, nas últimas eleições da Capital Federal 24% do padrão eleitoral - isto é, a segunda força do distrito - decidiu não se apresentar para votar. IDEP/DNE
  • 12
    Na atualidade os juízos mais importantes são aqueles que se seguem à estafa realizada pela IBM na provisão de
    hardware e
    software para a informatização do Banco Nação - na qual estão envolvidos altos, executivos norte-americanos dessa empresa que os Estados Unidos negam-se a extraditar assim como ex-funcionários do menemismo - e o referido ao tráfico ilegal de armas nas guerras de Bosnia e Equador-Perú, no qual estão envolvidos setores do exercito junto a grupos políticos e membros dos serviços secretos de Estados Unidos. Também tem especial importância o juízo à chamada "máfia do ouro" integrada por ex-membros do governo de Menem com a cumplicidade de pessoal da Alfândega; e as recentes denúncias sobre o poder e a extensão atingida pelo narcotráfico em virtude da carência de qualquer tipo de controle do espaço aéreo do nordeste do país (que se liga com a área geográfica de Paraguai e do sul do Brasil) que possibilitava atuar livremente aos grupos vinculados com o traslado de drogas por via aérea.
  • 13
    Como Ministro de Economia é designado José Luis Machinea, que participara com Domingo Cavallo no Banco Central durante os últimos anos da ditadura militar na estatização da divida privada. Outros economistas do mesmo perfil ocupam os Ministerios de Relações Exteriores, Defesa e Educação e Cultura.
  • 14
    Assim, para os núcleos mais poderosos que impulsam a globalização, o que importa já não são as nações da América Latina mas algumas metrópolis que na perspectiva do capital financeiro hegemônico vão-se transformando paulatinamente em simples mercados emergentes. (Lozano, 1999) Entrementes, diversas regiões desses países ou ainda nações são marginalizadas e começam ser consideradas "economicamente inviáveis" sem que se explicite o real significado dessa definição.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      2000
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